RESUMO: O presente artigo visa demonstrar que a falta de investimento no setor penitenciário compromete a reeducação e/ou ressocialização do detento, ou, além disso, encontra-se em colisão com os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, amparados pela Constituição Federal de 1988, bem como da Lei de Execuções Penais, em seus artigos 10º e 11º, o que contribui para uma possível reincidência do ex-presidiário no sentido cometer novos delitos.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal, ressocialização, reeducação, princípios.
1 INTRODUÇÃO
Na obra O gozo pela punição: em face de um estado sem recurso observa-se uma declaração visível de violação dos direito fundamentais, no tocante ao tratamento desigual, bem como o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Com a falta de investimentos no setor penitenciário, os novos presídios já nascem condenados a super lotação. Desde 2003 o número de presos cresceu 7% (sete por cento) ao ano, enquanto que o número de vagas nos presídios quase não mudou, a média é de 500 vagas nos novos presídios.
As pessoas que são encaminhadas para o presídio irão cumprir a pena a qual foi condenada em obediência a legislação brasileira, a qual tem a finalidade de reeducar ou ressocializar estas que cometeram os crimes, porém, é perceptível a sua não eficácia. Os penalizados acabam saindo muito mais violentos, tendo em vista, a precariedade estrutural, a falta de ocupação com trabalhos, leituras, esporte, cursos profissionalizantes, bem como a capacitação dos agentes carcerários voltada a essa finalidade.
Com pouco recurso financeiro destinado para a construção de novos presídios, as celas são edificadas num tamanho desproporcional para conter todo o contingente carcerário, o qual resulta, automaticamente, a superlotação. Desta forma, torna-se mais claro e evidente o tratamento desumano com os detentos, o que compromete o tratamento social para os internos, não colocando em prática a atuação das políticas públicas trazidas com o advento da Constituição Federal de 1988, voltada para os valores, a efetividade dos direitos fundamentais, o princípio dignidade da pessoa humana, tornando possível fiscalizar e denunciar o Estado por suas omissões.
2 PRINCÍPIOS
Compreende-se por princípio uma norma a qual vai indicar um fim a ser alcançada, uma linha reguladora de um caminho de atuação para o Estado, determinando os deveres para criar os meios necessários a uma vida humana digna. A aplicação destes se dá, predominantemente, mediante ponderação. Então, a finalidade dessa existência mínima foi uma forma de tentar dar efetividade, não podendo o Estado apresentar qualquer desculpa para não cumpri-los, a exemplo da reserva do possível.
Segundo a lição de FREITAS[1]
[...] os princípios distinguem-se das regras "não propriamente por generalidades, mas por qualidade argumentativa superior, de modo que, havendo colisão, deve ser realizada uma interpretação em conformidade com os princípios (dada a ‘fundamentalidade’ dos mesmos), sem que as regras, por supostamente apresentarem fundamentos definitivos, devam preponderar"( FREITAS, ANOS, p.56).
Com isso, fica explícito que acima de qualquer interpretação deverão ser respeitados os fundamentos dos princípios, adequando as regras para melhor aplicabilidade do ordenamento jurídico.
Aduz MELO[2], em sua doutrina “Elementos de direito administrativo”, que o princípio jurídico é:
[...] mandamento nuclear de um sistema, sendo um verdadeiro alicerce desse sistema, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, dando-lhe sentido harmônico (MELO, 1980, p. 230).
Assim, diferencia os princípios das demais regras jurídicas em diversos aspectos, devendo obedecer às regras com cautelas para não contrapor estes, só assim será aplicado com eficiência o bom ordenamento jurídico.
O mestre REALE relata que o conceito de princípio serve às ciências em geral, expondo o seguinte em sua obra “Filosofia do direito”:
[...] são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários (REALE, 1986, p. 60).
Assim, os princípios têm suas características, desarmonizando-se por sua natureza dos demais preceitos jurídicos, estando os princípios como primazias constituintes do ordenamento jurídico, informando as demais normas, como se fornecesse a inspiração para o seu conteúdo.
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana chega ao mais alto ponto dentro do ordenamento jurídico. Contudo, todos os dias deflagram nos noticiários acontecimentos que desobedecem esta princípio por parte do Estado, o qual proporciona a sociedade uma sensação de ineficácia deste.
Para PORTELLA é preciso distinguir validade de eficácia prelecionando que:
Essa distinção se justifica por que uma mesma norma pode ser válida, mas nem por isso é eficaz. A primeira (validade) esta intimamente ligada ao direito posto. Significa que se uma norma existe, se está incorporada ao direito positivo, há o pressuposto que possui força de obrigatoriedade ou de algum tipo de sanção [...] Já a segunda é a conformidade da conduta de uma pessoa à norma. Assim sendo, a validade é uma qualidade do direito e a eficácia é uma qualidade da conduta efetiva dos homens e não como o senso comum parecer sugerir. (PORTELLA, 1999, p.108)
No entanto, deve-se observar de forma cuidadosa a falta de cumprimento destas normas, pois o seu desrespeito não o torna ineficaz, e sim uma denúncia ao ato omisso, passivo e representação NÃO ENTENDI ???.
O ilustre MEDINA demonstra a preocupação do direito Constitucional com relação à eficácia:
A preocupação dominante, no campo do Direito Constitucional, é hoje, a de dar eficácia às normas da Constituição. Observam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA que “a Constituição não é somente um conjunto de normas proibitivas e de normas de organização e competência é também um conjunto de normas positivas que exigem do Estado e dos seus órgãos uma actividade (MEDINA 2010, p. 113).
A exposição de MEDINA é uma garantia de que: a norma não respeitada não constitui uma ineficácia, e sim, um descumprimento do agente, o que pode ser coibido e reparado pelos mecanismos legais, ou seja, pelo controle da eficácia das normas constitucionais.
Declara BARROSO sobre a eficácia das normas constitucionais:
Autores brasileiros de longa data dedicam atenção à temática da eficácia das normas constitucionais, isto é, à sua aptidão para produzir efeitos jurídicos. A questão envolve a identificação das situações nas quais a constituição tem aplicabilidade direta e imediata e aquelas em que isso não ocorre (BARROSO, 2010, p. 213).
A inércia do Estado nos presídios especialmente em cumprimento a reeducação e ressocialização do interno entra em colisão diretamente com a Lei de Execuções Penais, contribuindo diretamente para o crescimento da criminalidade e do aumento das despesas com a segurança pública, no sentido de investimento em melhoria nos armamentos, capacitação de policias, preparando-os como se estivessem em estado de guerra, e “obrigando” aos cidadãos a ficarem confinados em suas casas como se estivessem presos.
Segundo o relatório da CPI[3] do Sistema Penitenciário
[...] acentuamos que “a ação educativa individualizada ou a individualização da pena sobre a personalidade, requisito inafastável para a eficiência do tratamento penal, é obstaculizada na quase-totalidade do sistema penitenciário brasileiro pela superlotação carcerária, que impede a classificação dos prisioneiros em grupo e sua conseqüente distribuição por estabelecimentos distintos, onde se concretize o tratamento adequado”... “Tem, pois, esta singularidade o que entre nós se denomina sistema penitenciário: constitui-se de uma rede de prisões destinadas ao confinamento do recluso, caracterizadas pela ausência de qualquer tipo de tratamento penal e penitenciária entre as quais há esforços sistematizados no sentido da reeducação do delinqüente. Singularidade, esta, vincada por característica extremamente discriminatória: a minoria ínfima da população carcerária, recolhida a instituições penitenciárias, tem assistência clínica, psiquiátrica e psicológica nas diversas fases da execução da pena tem cela individual, trabalho e estudo, pratica esportes e tem recreação. A grande maioria, porém, vive confinada em celas, sem trabalho, sem estudos, sem qualquer assistência no sentido da ressocialização (1976, p. 02).
É notório o desrespeito à norma constitucional jurídica - princípio da dignidade humana -, e como consequência, sua omissão deverá ser determinada com seu cumprimento, incontinente e coercitivo aplicando-se, direta e imediatamente, as situações nelas contempladas.
2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Assevera o art. 5º, caput, da Carta Magna 1988 - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade (...).
O professor SARLET entende que:
[...] o princípio da igualdade "encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material" (2001, p,114).
Observando-se o disposto acima depara-se com uma ofensa a este princípio no que concerne a alguns presos encontrarem-se em celas individuais, ao passo que, a grande maioria estão amontoados. Isto reflete que escolher - sobre qualquer pretexto – em qual cela o preso irá ficar (individual ou coletiva) ofende o princípio da igualdade.
3 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
A origem da prisão é oriunda das casas de correção tendo como alvo os desocupados, bêbados e prostitutas, dentre outros excluídos da Europa, por volta do século XVI. A primeira instituição prisional foi a “House of correction”, na Inglaterra em 1552. Devido ao não cumprimento em transmitir o sentido de justiça com as penas capitais e corporais, buscou-se outro tipo de punição, a qual garantisse o controle do crime e a proteção dos segmentos dominantes da população da época.
Na defesa da pena de prisão tinham preceitos sociais e econômicos: pensou-se na redenção do criminoso, pela via da não incidência cruel sobre o corpo ou a vida dele; com a mão-de-obra dos encarcerados era barata, tornou-se um forte instrumento de controle social contra os movimentos reivindicatórios de direitos e políticas públicas.
Com o advento das ideias filosóficas humanitárias do século XVIII surgiu o Sistema Penitenciário caracterizado, principalmente, pelo que se denominou “isolamento celular”. Este proporcionou muitas mortes e casos de loucuras, culminando no seu fracasso.
Origina-se, então o Sistema Progressivo, introduzindo a liberdade condicional, as etapas prisionais com graduação dos rigores nos estabelecimentos penais e a possibilidade de contatos ocasionais com o mundo fora dos muros.
No Brasil, o Código Criminal de 1830 havia previsão para pena de prisão com trabalho e prisão simples, concomitante a pena de morte. Em 1890, o Código Republicano estabeleceu a prisão para quase todos os crimes e algumas contravenções penais, presentes o isolamento celular e o trabalho obrigatório. O atual Código dispõe da privação da liberdade por meio de características específicas - para tal, ela deverá ser aplicada em situações gravíssimas que envolvam as infrações penais com alto potencial ofensivo, lesionando os bens jurídicos avaliados pela sociedade com o maior grau de importância - para o seu cumprimento, bem como as medidas de segurança. Constata-se, desde já, a impropriedade da prisão para as infrações de menor e médio potencial ofensivo, resguardando-se na política criminal da intervenção mínima, buscando-se a preservação dos direitos e garantias do infrator, bem como sua reinserção social, sendo pertinente as penas alternativas.
4 NÃO EFICIÊNCIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS PROBLEMAS
Já perduram dois séculos de aplicação da pena privativa de liberdade e é concluso a sua incapacidade de atingir os seus objetivos de prevenção e ressocialização, afinal, há discrepância entre o mundo interior e exterior as grades carcerárias, como também a deficiência nas estruturas físicas e nas condições humanas.
Sabe-se que as mazelas proporcionadas por tal privação – desrespeitam, principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e o art. 5°,inciso XLIX da Lei Maior – são, de acordo com os ensinamentos de GOMES:
A prisão como fator criminológico; os elevados índices de reincidência; a influência prejudicial sobre o recluso dentro dos efeitos sociológicos ocasionados pela prisão; os efeitos psicológicos produzidos no cárcere; os efeitos negativos sobre o autoconceito do recluso; os problemas sexuais na prisão como repressão do intuito sexual, homossexualismo, perversões, etc.; a utilização das drogas e o alto custo financeiro para a sociedade; o ócio em razão da falta de política de trabalho prisional, principalmente em países subdesenvolvidos, como no Brasil; a superlotação carcerária; a ausência de assistência judiciária; a inexistência de programas de integração familiar e social do recluso; bem como os maus tratos e violações a integridade física e moral do preso. ( GOMES, 2008:57)
A eficácia da recuperação do detento na atualidade encontra-se em total descrédito, tanto para a sociedade, assim também para aquele que é encarcerado, transmitindo para ambos uma impressão de apenas castigo pelo ilícito cometido.
5 CONCLUSÃO
O sistema prisional desrespeita a Constituição da República, bem com a LEP, em seus arts. 10 e 11, no sentido de não propiciar assistência ao preso e ao internado, concebendo-a como obrigação material, à saúde, jurídica, educacional, esporte, social e religiosa. Se efetivados estes preceitos, haveria a prevenção dos delitos e a não presença da reincidência, fazendo com que o retorno do interno ao convívio social fosse mais proveitoso quanto para o ex-presidiário, quanto para a sociedade, afinal, sabe-se que há dificuldade deste entrar no mercado de trabalho, sendo o principal fator que o leva a voltar para o mundo do crime.
Com as colisões as normas acima referidas torna-se o atual sistema um reprodutor de violentos elementos, assim, impossibilitando o êxito da função de ressocializar e reeducar o detendo, que após o cumprimento integral ou parcial da pena retorna a sociedade revoltado com esta, causando sensação de insegurança e sem perspectiva de emprego, retornar a delinquir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, Estudo constitucionais. O gozo pela punição (em face de um estado sem recurso). Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros: São Paulo,
GOMES, Geder Luiz Rocha. A substituição da Prisão: alternativas penais: legitimidade e adequação. Salvador: JusPODIVM, 2008
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
PORTELLA, Celso Adão. et al. Ineficiência em Direito em debate: Ineficácia das Normas Constitucionais Ambientais. Rio Grande do Sul: UNIJUI, 1999.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
[1] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros: São Paulo.
[2] MELO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
[3] (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao nº. 61, de 4-6-1976, p. 2).
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade AGES em Paripiranga-Ba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Enzo de Miranda. Tarefa difícil: ressocializar e reeducar um detento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44303/tarefa-dificil-ressocializar-e-reeducar-um-detento. Acesso em: 23 dez 2024.
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