RESUMO: Este trabalho tem por escopo apresentar um novo mecanismo que irá pacificar o direito sucessório de filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem. A evolução da biotecnologia vem causando grandes discussões no campo do Direito Civil, principalmente reflexos jurídicos quanto à filiação. Considerando a dificuldade teórica de explicar os direitos sucessórios de filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, busca-se pacificar, teoricamente, os fundamentos de tal direito partindo da premissa da igualdade de direitos entre os filhos, no Biodireito e na Bioética, aplicando a teoria da normatividade dos princípios, propondo a aplicabilidade do mecanismo da reserva sucessória. Os direitos da personalidade em acessão com os princípios da proteção integral superam qualquer ideia de paternidade ou maternidade iminentemente genética. As “lacunas” quanto ao direito sucessório não se coaduna com a Constitucionalização do Direito Civil e valorização da afetividade e da boa-fé nas relações Jurídicas. A Reserva Sucessória é consagrada numa trilogia: finalidade, fundamentação e temporalidade, alicerçando-se no art. 227, § 6. º da CR/88 que veda a discriminação entre os filhos, independendo, o estado de filiação ou forma como foi concebido. Filiando-se a corrente que defende a força normativa dos princípios, a lacuna não mais existe quanto aos direitos sucessórios, restando apenas considerar a fixação de prazo para a utilização das técnicas de reprodução assistida e possivelmente a efetivação dos referidos direitos sucessórios, dentre outros. O formalismo não deve ser a regra e sim um meio a busca de justiça, desta forma pela lei de Biossegurança preceitua que o material genético pode ser utilizado em 3 (três) anos. Portanto, já que não existe regulamentação deste direito. A proposta da Reserva Sucessória nada mais é, do que, o mecanismo para efetivação do Direito Sucessório de filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, alicerçando-se na Teoria da Normatividade dos Princípios de Robert Alexy e na Constitucionalização do Direito Civil após analise da afetividade e da Boa-fé, respeitando o Estado de Direito e a segurança jurídica.
PALAVRAS-CHEVE: sucessão post mortem; normatividade dos princípios; reserva sucessória; constitucionalização do direito civil.
1. INTRODUÇÃO
É com uma verdadeira evolução no cerne da biotecnologia que no decorrer temporal vem causando grandes discussões no campo do Direito Civil, pois as técnicas de reprodução assistida ocasionaram grandes reflexos jurídicos com as novas formas de filiação. Alude Dias (2011), as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” incluem todas as técnicas de reprodução assistida. É por meio dessa nova área do conhecimento cientifico que casais impossibilitados de naturalmente terem filhos biológicos, em determinadas ocasiões poderão, geralmente, estas técnicas são utilizadas quando um indivíduo é impossibilitado naturalmente de se reproduzir.
O Conselho Federal de Medicina autoriza a utilização das técnicas por qualquer pessoa, à única ressalva em vida, é que não poderá haver lucratividade em um caso especifico o de substituição, que é quando se utiliza da “barriga de aluguel”, nesse sentido, reza a resolução 1.9576/2010, II, 1: 1 do respectivo Conselho.
Existem “lacunas” em ambos os campos normativos do Direito sobre o tema, pois o Código Civil não tratou da maneira que deveria. Uma normalidade, pois sem dúvida, uma das áreas do Direito privado que mais evolui no passar do tempo foi o Direito de Família. Uma das principais discussões a cerca do campo estudado do Direito, são as presunções de paternidade. Aponta Gonçalves (2012), “o art. 1.597 do Código Civil prevê, nos incisos III, IV e V, mais três hipóteses de presunção de filhos concebidos na constância do casamento. Mesmo após a morte em determinados casos concretos a presunção não cessará”. A presunção é de tamanha importância, pois esta impede o não reconhecimento voluntário do filho, em casos específicos para que ela exista é necessária prévia autorização do marido ou companheiro.
Mesmo havendo diversas incoerências ou “lacunas” na Lei, com o surgimento e grandiosidade do Biodireito e da Bioética, também, com a Constitucionalização do Direito Civil, fica simples observar o direito de fato, é com o magistério de Lisboa (2012) que conceitua o entendimento, “a bioética é uma ciência que vem se destacando pela sua finalidade de obter uma melhor qualidade de vida ao ser humano”. É com base nesses estudos que o Conselho Federal de Medicina na Resolução 1.358/92 menciona que seja evitada a seleção da espécie na técnica de reprodução assistida, com uma exceção a gestação por substituição.
Por mais que o direito ainda não esteja adaptado a grande revolução da genética, importante mesmo é perceber que a técnica de reprodução assistida é uma alternativa a esterilidade, dando a casais o grande sonho de muitos, uma prole. O direito como surge para livrar a sociedade do caos e pacificar a mutação social deve, com cautela, estudar todas as possibilidades de mudança.
Todavia, o foco deste trabalho é aplicar a Teoria da Normatividade dos Princípios de Robert Alexy no cerne do direito sucessório desse filho que decorre da técnica de reprodução assistida homóloga após a morte do pai. Excepcional teoria será abordada em tópico único a seguir, mas ela vai efetivar a força normativa que tem o Princípio, e quando há lacuna na lei, não se utiliza o princípio como terceiro critério de colmatação como se refere à Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, simplesmente a lacuna não mais existe por o Princípio ser dotado de força normativa.
Portanto, é a partir do Princípio do Melhor Interesse da Criança, Da Dignidade da Pessoa Humana, dentre outros, que a Constituição da República de 1988 veda a distinção entre os filhos, se o próprio Código Civil presume a paternidade, logicamente os direitos da personalidade, não há que se falar em impossibilidade sucessória, mas a grande discussão é até quando essa inseminação pode ser realizada, nesse norte, surge o mecanismo da Reserva Sucessória com fundamento prescricional de três anos em decorrência do art. 5.º, II da lei 11.105/2005, que libera a utilização das células embrionárias para pesquisa científica, ou seja, se antes dos três anos os embriões devem ficar conservados é por que nesse período a mãe pode realizar tal procedimento. Importante frisar que neste feito, limita-se a técnica de reprodução assistida homóloga post mortem.
Destarte, o livro das sucessões do Código Civil de 2002 deve ser interpretado conforme a Constituição da República para que se evite uma futura breve ação de inconstitucionalidade de alguns dispositivos, como o “art. 1798 – legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, e como dito, com a vedação da distinção entre os filhos pela CR/88, com a nova era das técnicas de reprodução assistida, é importante evoluir, e para que isso ocorra, é de tamanha importância à observância de algumas teorias como a Pré-concepcionista que entende existir vida já no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, neste momento, afirma Fábio Ulhoa (2012, p.142), “estariam preenchidas todas as condições para se considerar existente o novo ser”.
Em mesma direção, o enunciado 267 da III Jornada de Direito Civil observa que, “a regra do art. 1798 do CC deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer”. Com toda razão, e para reforçar, firma-se tal entendimento a partir da constitucionalização do Direito Civil, atendendo não somente a vedação da distinção dos filhos, mas o Princípio do Melhor Interesse Da Criança, da Dignidade da Pessoa Humana.
2. Direito da Personalidade
O Direito das Famílias, principalmente com a investidura do Biodireito e da Bioética, vem evoluindo harmonicamente, legitimando verdadeiros legitimados, que são os filhos, seus interesses, em concordância com os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, assegurando o dever de cuidar, de acompanhar o crescimento, dever de alimentar, de colocá-lo no “caminho correto”, ou seja, o tão sonhado poder familiar e dever familiar que é o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja no plano físico, mental, moral, espiritual ou social.
Quando se fala em reconhecimento de paternidade ou maternidade genética nos deparamos com um direito personalíssimo, que inclusive hoje, está gerando indenizações por comprovação da falta de dever familiar. É importante salientar que no passado quando não havia exame de DNA todas as ações eram julgadas meramente por indícios de prova, ou seja, a critério e muita inteligência do juiz, era rotineiro uma ação ser julgada improcedente por falta de prova, se deparando consequentemente com os efeitos do instituto civil da coisa julgada.
Diniz (2008) afirma que “existem dois meios de reconhecimento dos filhos, o voluntário e o judicial, que o litigioso se compreende em ação de investigação de paternidade e a investigação de maternidade”, não muito comum. A parentabilidade pode ser consanguínea, sócio afetiva, civil, social, por afinidade, como se pode ser observado no Código Civil e que o mesmo juntamente com a Constituição da República não admite discriminação.
Direito da personalidade é intransmissível, irrenunciável, com fulcro na dignidade da pessoa humana alude Dias (2011) que a supremacia dos princípios constitucionais ocasionou uma das maiores revoluções já ocorridas na ciência processual. O prestigio a verdade real. É de tamanha importância ter uma identidade, não só por vínculo consanguíneo, mas por todos aqueles já citados previstos na Constituição República, tampouco por fins sucessórios, mas se trata de algo de direito, algo que persegue a vida de qualquer indivíduo para o resto de sua vida é sua família, é seu parentesco, principalmente se tratando de pai e mãe.
A pessoa deve ser respeitada por ser membro da sociedade, é por essa ocasião que tamanhas garantias são legíveis em nosso ordenamento jurídico. Como já fora trazido a baila a pessoa humana vai propiciar uma compreensão, uma defesa aos direitos da personalidade, tendo à defesa iminente a intimidade, a imagem, sua crença e honra e sua vida privada, ambos encontrados no art. 5.º da Carta Magna, e esta mesmo prevê a inviolabilidade destes direitos e garantias.
Portanto, neste trabalho se defende a Teoria Pré-concepcionista que acredita existir vida após a fecundação do espermatozoide no óvulo, ou seja, a partir desse momento o sujeito passa a ter alguns direitos inerentes da personalidade, direitos e consequentemente legitimidade para suceder como será tratado logo em seguida. Portanto, o trabalho não adota a Teoria Concepcionista para a legitimação a suceder, porém, adota duas Teorias a fim de garantir o direito sucessório: a Pré-concepcionista afim de alimentos gravídicos, por exemplo, mas para efetivação sucessória, adota a Natalista, a qual, afirma, que o nascituro só adquire todos os direitos inerentes a personalidade após o nascimento com vida.
Neste norte, baseando-se na Teoria Pré-concepcionista após a fecundação do espermatozoide no óvulo, este passa a ser legitimo a suceder, porém uma legitimidade dependente do nascimento com vida aparado na Teoria Natalista, pois dessa forma se evita a procriação irresponsável e ilegal, até mesmo possíveis abortos.
3. Proibição da Distinção Entre os Filhos
3.1. Constituição da República de 1988
A Constituição Federal com apenas um artigo e parágrafo espancou séculos de distinção entre filhos. Reza o §6.º do art. 227 da CR/88 “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Gagliano (2011) acena que não há, pois, mais espaço para a distinção entre família legitima e ilegítima, ou qualquer outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os membros da família. A filiação é algo natural da vida, para ser filho é desprezável o vinculo conjugal com validade, aponta Gagliano (2011), união estável, concubinato ou mesmo relacionamento amoroso “adulterino”, devendo todos os filhos ser tratados da mesma forma.
Para Paulo Alexandrino (2009), nossa atual Constituição tem forte caráter cidadão e socialdemocrata. Ela preza fortemente pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que vai trazer outros subprincípios que, regularam basicamente todo direito Constitucional e Infraconstitucional. Deste modo, aponta Pereira (2007, p. 92), “a nova tipificação de modelo familiar é mais adequada às novas realidades sociológicas, por ser mais autêntico e mais igualitário, possuindo caráter menos opressor e dessa forma, menos formal”. Toda evolução social é em decorrência da mutação Constitucional. É plausível perceber o modo com que a CR/88 preserva o ser humano em si, no caso concreto em análise, quando se depara com a “lacuna” da lei existem técnicas teóricas que evoluíram para melhor.
Anteriormente, sempre que houvesse uma lacuna legal, era obrigatório utilizar o critério de colmatação previsto na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, art. 4.º, donde o princípio somente era utilizado quando não coubesse a aplicação da analogia e do costume, mas frequentemente é possível observar decisões do STF que em se tratando de lacuna, havendo principio constitucional aplicável, não há mais, pois o principio é norma como se verá em seguida através da Teoria da Normatividade dos Princípios de Robert Alexy.
É o que ocorre em todos os casos encontrados “sem lei” na questão da reprodução assistida. Desta forma, nenhum procedimento ou técnica poderá ferir o principio da dignidade da pessoa humana. Importante frisar o grande alargamento do direito do filho com o surgimento do parentesco socioafetivo que prestigia a verdade afetiva frente à realidade biológica, ou seja, o amor gera por si mesmo, direito e obrigações irrevogáveis, para o resto da vida, a filiação genética, ou o vinculo consanguíneo perde o significado quando este é de fato.
3.2. Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 segue os princípios da Constituição da República de 1988 e os direitos fundamentais. Por séculos houve discriminação na matéria de Família, grandes doutrinadores esboçam que uma das áreas do Direito brasileiro que mais foi alterada e que ganhou força por sua justeza foi o Direito de Família. Neste norte, afirma Lôbo (2011, p.217-218), “o princípio da igualdade na filiação veio para reprimir qualquer interpretação que se refira a desigualdade de tratamento aos filhos, acarretando a extinção dos traços diferenciadores nas relações no que concerne aos laços de parentesco”.
Reza o art. 1.596 do Código Civil transcrevendo o §6.º do art. 227 da Constituição da República, onde está proibida a distinção ou descriminação de qualquer espécie de parentabilidade, Gagliano (2011) trata muito bem da matéria quando expõe que o reconhecimento da igualdade dos filhos, independe da forma como concebidos, culmina por se desdobrar na importante noção de veracidade da filiação, regra principiológica fundamental. Este princípio consiste em que o ordenamento jurídico, o Estado, não poderá interferir criar óbice para o processo de reconhecimento voluntário ou não de relação de parentesco, principalmente do estado filiação.
4. Princípios Basilares Dos Direitos Da Criança e do Adolescente
4.1. Princípio do Melhor Interesse da Criança
A nomenclatura do princípio por se só já conceitua sua finalidade: o melhor interesse da criança. Segundo Andrea Rodrigues (2010), “a origem histórica está no instituto do parens partir do direito anglo-saxônico, pelo qual o Estado outorgava para si a guarda dos indivíduos juridicamente limitados – menores e loucos”. Hoje, através da Convenção Internacional dos Direitos da Criança adota a Teoria da Proteção Integral, logo, o princípio passa a ser adotado para todos os casos que tenham como legitimado o público infanto-juvenil, o que antes não era, pois só era aplicado tal princípio aos casos que crianças e adolescentes estavam em situação irregular.
Em 1813, nos Estados Unidos, a Corte de Pensilvânia reconheceu o melhor interesse da criança na solução de disputas judiciais relacionadas à guarda do filho, no período pós-dissolução da sociedade conjugal dos pais, ensejando a construção da teoria jurídica conhecida como Tender Years Doctrine. Entendeu-se, na época, que a criança, devido a pouca idade, necessitava dos cuidados maternos, o que representou o critério da presunção de preferência materna, posteriormente alterado para a orientação conhecida como tié breaker, ou seja, a teoria que recomenda não haver preferência materna, mas a determinação de que todos os elementos devem ser considerados dentro do princípio da neutralidade quanto ao melhor interesse da criança (GAMA, 2003, p. 458).
O Princípio do Melhor Interesse da Criança não é algo absoluto, é necessário estudar o caso concreto para delimitar soluções litigiosas, porém, com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e nos princípios que se sustenta o Estado Democrático de Direito, a criança e o adolescente tem que ser atendido de forma especial, em todos os atributos, pois estes estão em formação psíquica da personalidade, devem ter uma boa estrutura tanto familiar quanto social para que cheguem a maior idade, ou seja, 18 anos, capazes de administrar de forma segura a própria vida.
Portanto, através da Doutrina da Proteção Integral adotada pelo art. 227 da Constituição da República de 1988 é importante que a criança e o adolescente, sejam sujeitos de Direitos com um olhar diferenciado, pois estes são vulneráveis e deverão ter tratamento desigual para que se iguale no futuro certo de vida digna. Tal princípio assegura de forma eficaz a educação, a saúde, o lazer, a convivência familiar, etc., mas que esta proteção deve ser analisada de forma diligente pelo Estado, pois infelizmente não é o que se tem percebido no passar dos anos.
A jurisprudência pátria já se posiciona sobre a importância do princípio supracitado.
ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos das crianças, devem ser considerados primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princípio da prioridade absoluta à infância, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. Apelo provido.
(TJRS – Apelação Cível nº 70008140303 – Rel. Des. Maria Berenice Dias – j. 14/04/04).
Segundo Andréa Rodrigues (2010), “indispensável que todos os atores da área infanto-juvenil tenham claro para si que o destinatário final de sua atuação é a criança e o adolescente. Para eles é que se tem que trabalhar. É o direito deles que goza de proteção constitucional”. Mesmo que esta, em virtude da proteção integral, tenha que colidir com princípios basilares da família. Portanto, se existe a Proteção Integral dos interesses e Direitos da Criança e o Adolescente, se estes gozam de Direitos da Personalidade e melhor interesse. É importante que tenham sua sucessão resguardada, sua quota que lhe é de Direito reservada para que venha a ter um bom desenvolvimento familiar e social.
4.2. Princípio da Isonomia
O art. 227, § 6.º da Constituição da República de 1988 veda a discriminação entre os filhos, logo o filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem é igualmente legitimado para suceder, ou seja, deve ser tratado juridicamente, afetivamente e socialmente como um filho, alude o art. 5.º, caput da CR/88. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”, tornando-se assim, após a interpretação feita deste dispositivo, claro o caráter fundamental do Princípio da Isonomia, assegura Canotilho (1993, p. 562), “trata-se de princípio estruturante dos direitos fundamentais”.
O princípio da isonomia, que conforma o direito de igualdade como direito fundamental, basicamente em sua vertente de igualdade de oportunidades, expressa-se pela tradicional expressão: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades. Isso significa que a desigualdade de tratamento legal deve ter um elemento de discriminação com fundamento racional, ou seja, que se justifique racionalmente. O direito à igualdade impõe ao Estado, portanto, o dever de coibir a discriminação em função de raça, credo religioso, sexo, estado civil, etc. (MARTINS, MENDES E NASCIMENTO, 2012, p. 462).
Portanto, é tratando desigualmente os desiguais que se efetiva a igualdade em determinados casos, neste norte, a criança e o adolescente deve ter um atendimento especial e “desigual” para que seus Direitos sejam realmente efetivados de forma que venha a lhes assegurar um nascimento e desenvolvimento saudável, ou seja, cabe ao legislador à criação de Leis que “discriminem” para que seja possibilitada a igualdade, uma regra que deixa claro a aplicação do princípio da isonomia é a proibição da distinção entre os filhos, art. 226, § 6.º da Constituição da República de 1988, mas nesse caso não há que se falar em discriminação legal e sim e inclusão igualitária.
Neste interim, a desigualdade que era trazida em razão do estado de filiação por adoção ou de filhos havidos da relação extraconjugal, no mesmo sentido no Código Civil de 1916 que por razão científica não previa a filiação advinda de técnica de reprodução assistida, precisou ser expurgada e, sendo assim, em razão da desigualdade material, fora criado o dispositivo supracitado para que se alcançasse a igualdade entre os filhos, importante frisar que essa igualdade não versa somente a alguns direitos, mas a todos os Direitos inerentes à personalidade à vida digna.
4.3. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é humanamente um tanto quanto subjetivo, todavia, com uma força material objetivada por diversos emanadores de normas, neste norte, é muito difícil conceituar ou explicar o que é e o que alcança tal princípio, é importante frisar que ele é um princípio basilar de todo ordenamento jurídico, espancado no art. 1.º, Inc. III da Constituição da República de 1988, ou seja, fundamento do Estado Democrático de Direito, caso tenha sua aplicabilidade abalada, consequentemente o Estado e a Democracia também serão abalados. Consagra Maria Berenice (2011, p. 65), que “é o maior, fundamento do Estado Democrático de Direito, senso afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal”, afirma a mesma autora ter o princípio valor nuclear da ordem constitucional.
A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de ‘ser’ humano, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana não pode ser relativizado: a pessoa humana, enquanto tal, não perde sua dignidade quer por suas deficiências físicas, quer mesmo por seus desvios morais. Deve-se, nesse último caso, distinguir entre o crime e a pessoa do criminoso. O crime deve ser punido, mas a pessoa do criminoso deve ser tratada com respeito, até no cumprimento da pena a que estiver sujeito. Se o próprio criminoso deve ser tratado com respeito, quanto mais a vida inocente (MARTINS, MENDES E NASCIMENTO, 2012, p. 448).
Enfatiza-se se a dignidade é somente pra aquele ser que tem vida? Daí, o surgimento das Teorias que apontam quando inicia a vida, neste, acreditamos na Teoria Pré-concepcionista que entende que a vida inicia antes da nidição, ou seja, após fecundação do espermatozoide no óvulo, consequentemente iniciando a vida neste momento é conhecida no mundo fático que este passa a ser sujeito de direito, dos alimentos gravídicos, a indenização por danos morais v.g., o caso da cantora Wanessa Camargo, dentre outros. A dignidade da Pessoa Humana está claramente exposta em todos os sentidos da vida humana, seja ela em qualquer momento, basta o sujeito ser um ser, ter uma expectativa de desenvolvimento e avanço para que todos os direitos inerentes à pessoa sejam respeitados.
Portanto, reconhecer o direito à vida, a presunção de paternidade é respeitar a dignidade humana, se reconhecem os direitos inerentes à personalidade, estes arrastam por si só os direitos sucessórios. Segundo Maria Berenice (2011, p. 65), “é impossível uma compreensão totalmente intelectual e, em face de outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos”, nesse norte, se o pai e a mãe recolhem o respectivo material genético é, por que, logicamente, indiscutivelmente, eles querem ter um filho e estão procurando estabelecer de imediato ou mediato a utilização da respectiva técnica de reprodução assistida, logo, o princípio da dignidade da pessoa humana não pode ser explicado para fundamentar esta posição particular do casal, ele existe para protegê-los, independentemente de justificativa, pois a prole, sem dúvida é um dos principais objetos de proteção, não só da dignidade humana, mas do princípio maior, a vida. Por fim, é com o magistério de Maria Berenice (2011, p. 66), “o princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para sua ação positiva”.
Com grandiosidade, novamente Maria Berenice (2011, p. 66), “a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem”. Neste norte, o direito de ter um filho, seja por qual método, desde que licito e não viole a própria dignidade humana é objeto principal de proteção integral, a criança que está por vir, deve ser tratada desigualmente para que no futuro se torne igual, em vida, dignidade, educação, se o próprio texto constitucional veda a discriminação, basta que o homem, dotado de conhecimento divino, acompanhe e reconheça que a evolução científica neste caso concreto veio para trazer a felicidade, mesmo com a constitucionalização do direito é importante preservar a qualidade do Direito Civil como Privado. O colhimento do material genético é uma declaração de vontade que a dignidade da pessoa humana protege, e irá proteger sempre.
5. A divisão tradicional do direito brasileiro e o constitucionalismo
5.1. Direito Público
O direito tradicional brasileiro é dividido em dois ramos, público e privado. O direito público consiste em nortear uma coletividade, o interesse da sociedade como um todo, se atendo ao direito e interesses de um grupo, ou seja, de toda uma coletividade, da sociedade, mas sempre visando à harmonia social das pessoas físicas quanto jurídicas, consiste na interação social com o Estado e também nas relações de entidades e órgãos estatais entre si, que somente alcança a conduta individual de forma indireta ou reflexa. Uma característica importante do direito público é que por sua força existe uma desigualdade nas relações jurídicas por ele regida sobre o prisma da prevalência do interesse público nas relações com o privado, segundo Marcelo Alexandrino (2011), o fundamento da existência dessa desigualdade, portanto, é a noção de que os interesses da coletividade devem prevalecer sobre os interesses privados. Não esquecendo que o Estado sempre opera por força da lei e respeitando-a, respeitando o princípio da legalidade e demais, todavia o Direito Público é uma gama de áreas voltadas para uma harmoniosa convivência social, entre o Estado e o povo, tendo que não somente criar leis para defender interesses da sociedade, mas mecanismos que assegurem que o próprio Estado não violará os Direitos dos cidadãos. No direito Público como dito, só seria válido aquilo que está autorizado normativamente.
5.2. Direito Privado
No Direito Privado, aquilo que não é proibido é permitido, tem por forma principal nortear as relações e os interesses particulares regendo-se pela igualdade e liberdade, tendo em vista possibilitar um convívio harmonioso das pessoas e uma harmonia na fruição de seus bens, diferentemente do direito público, no direito privado há uma característica importantíssima de igualdade nos polos nas relações. Segundo Marcelo Alexandrino (2011), mesmo quando o Estado integra um dos polos de uma relação regida pelo direito privado, há igualdade entre as partes.
5.3. Constitucionalização do Direito Civil
Após uma síntese de Direito Público e Direito Privado, chaga-se a um dos fundamentos para garantir a sucessão post mortem, objeto deste trabalho. A Constitucionalização do Direito como um todo é matéria da atualidade em que há diversas discussões, mas que aos poucos a necessidade de efetivação de tal premissa estar-se-á pacificada, mas no âmbito do Direito Civil é chamada de constitucionalização do direito civil ou de direito civil constitucional que consiste em uma imposição de leitura dos institutos de direito civil segundo a Constituição da República de 1988. A afirmação que a norma em razão deste novo modo de leitura perde sua particularidade é negativa. Pelo contrário, não perde a característica de direito privado, o que ocorre, é uma evolução legal e justa em que o direito privado é interpretado conforme a Constituição da República, ou seja, a norma civil não pode emanar força normativa que não respeite as regras Constitucionais, tendo que criar mecanismos para efetivação do que emana a Lei maior, a Constituição da República.
A utilização da expressão Direito Civil Constitucional encontra raízes na doutrina Italiana de Pietro Perlingieri. No inicio de sua obra, Perlingieri aponta que a Constituição funda o ordenamento jurídico, pois “o conjunto de valores, de bens, de interesses que o ordenamento jurídico considera e privilegia, e mesmo a sua hierarquia traduzem o tipo de ordenamento com o qual se opera. Não existe, em abstrato, o ordenamento jurídico, mas existem ordenamentos jurídicos, cada um dos quais caracterizado por uma filosofia de vida, isto é, por valores e por princípios fundamentais que constituem a sua estrutura qualificadora” (TARTUCE, 2013, p. 54).
Conceituar o Direito Civil Constitucional parece matéria impossível, porém, muito simples, neste sentido, Gustavo Tepedino apud Flávio Tartuce (2013, p. 55), “o direito Civil Constitucional, portanto, está baseado em uma visão unitária do ordenamento jurídico, grandes doutrinadores como Gustavo Tepedino, Giselda Hironaka e Paulo Lôbo defendem uma urgente nova releitura do Código Civil de 2002 e das Leis extravagantes a luz da Constituição da República de 1988, ou seja, quando a Constituição da República em um só parágrafo, art. 227, § 6.º veda a distinção entre os filhos coloca a teste de Constitucionalidade dispositivos Civilistas, como o art. 1.798, dentre outros.
Afirma Flávio Tartuce (2013, p. 55), que “os próprios constitucionalistas reconhecem o fenômeno de interação ente o Direito Civil e o Direito Constitucional como realidade do que se convém denominar de neoconstitucionalismo, ou da invasão da constituição”. Existem lições que melhor traduzem o cenário atual da nova metodologia jurídica de interpretação do ordenamento brasileiro, aduz Gustavo Tepedino (2004, p. 1-22), “três são os princípios básicos do Direito Civil Constitucional: o primeiro deles, dignidade da pessoa humana, segundo, solidariedade social, por fim, o princípio da isonomia ou igualdade lato sensu”. É, algo que entusiasma o maior legitimado, o povo brasileiro, também aqueles que sonham com um Brasil mais justo, pois tendo como premissa legislativa, uma unidade, a Constituição da República de 1988, não será simples a aprovação de normas que violem os Direitos Fundamentais, assim como qualquer outra fonte Constitucional.
6. Teoria da Normatividade dos Princípios
Os princípios ao decorrer da história evolutiva e fases do direito já tiveram diferentes aplicações, mas principalmente tratando da normatividade dos princípios, pois nem sempre houve aceitação, e até hoje não há uma evidente aceitação, porém há algum tempo já se falavam na importância da força normativa que o princípio deve assumir. Norberto Bobbio (1996), dizia que “a palavra princípios leva a engano, tanto leva que a velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas como todas as outras. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras”. Robert Alexy (1995) trazia um apontamento da inadmissibilidade do princípio como não sendo uma regra, “o direito possui uma estrutura aberta que o permite, frente a um “caso duvidoso”, criar uma vinculação entre o direito e a moral. É aqui, então, que tem o argumento dos princípios”.
O autor aponta que sempre acontecerá uma abertura do direito, donde a lei codificada não irá alcançar, pois o direito não prevê um litígio, ela aguarda os litígios para soluciona-los, existindo também a possibilidade de conflito entre normas.
No plano da teoria das normas, o neoconstitucionalismo alçou os princípios à condição de norma, e norma basilar do ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico se constitui, assim, de regras e princípios, sendo que estes, além de funcionarem como norma, funcionam como fundamento das demais regras. Os princípios constitucionais se tornam o fundamento axiológico das demais regras, sendo a chave para a construção de um ordenamento jurídico justo e adequado às sociedades contemporâneas (BONAVIDES, 2006, pp. 288-289).
Com a chegada do pós-positivismo, fase inaugurada nas últimas décadas à força normativa dos princípios ganha campo como forma de contestação ao positivismo estrito. Nesta fase o princípio é visto como principal fonte de regulação legal, trazendo um conceito que muda a história do direito, donde não mais os princípios derivam das leis, e sim, as leis que derivam dos princípios, hoje existe uma supremacia dos princípios em relação com as demais normas. No Brasil há pouco tempo atrás foi julgado no STF e decidido o caso de nepotismo com base na força normativa de um principio geral.
Consagrando a Teoria da Normatividade dos Princípios em José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 1.160, 1.161), Ronald Dworkin (2002, p. 35, 46) e Robert Alexy (2001, p. 86, 87), pode-se afirmar que o Princípio é mandamento de otimização, neste sentindo, utilizando a ponderação para solução de determinado caso concreto, ou seja, quando há o choque de mais de um Princípio, havendo o sopesamento aquele que não terá aplicabilidade não é expurgado do ordenamento como as demais normas, apenas não é aplicado no determinado caso litigioso, no mesmo norte quando há uma “lacuna” legal, se pode ser aplicado um princípio geral, não existe mais lacuna legal.
7. Reprodução Assistida Homóloga
7.1. Em vida
A reprodução assistida Homóloga se dá com a utilização do material genético do próprio casal, cita Lisboa (2012), o cônjuge varão mesmo é quem fornece o material genético, isto é, o esperma, enquanto é utilizado o próprio óvulo da cônjuge virago. A inseminação artificial homóloga encontra-se no art. 1.597 incisos III e IV do Código Civil.
Tartuce (2013), diz que esses embriões são decorrentes da manipulação genética, mas que não foram introduzidos no ventre materno, estando crioconservados em clinicas de reprodução assistida. Existem duas possibilidades, a in vivo na qual a fecundação ocorre no organismo feminino e a in vitro na qual a fecundação ocorre fora do organismo feminino, porém, depois é introduzido.
O Código Civil como já fora citado não disciplinou sistematicamente a questão da filiação por reprodução assistida, mesmo com algumas certezas, está carregado de questões que acabam tendo que serem solucionadas com princípios fundamentais. Leciona Dias (2011), que na inseminação homóloga não necessita de autorização do marido, que a Cláusula “mesmo que falecido o marido” deve ser interpretada tão somente para fins de paternidade, a corrente que segue o autor, porém o enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil entende que é necessário à autorização do marido, mesmo na hipótese do art. 1.597, inc. III, do CC/2002.
Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a morte.
Não paira grandes discussões a cerca da modalidade estudada de técnica de reprodução assistida, pois esta ocorre por consentimento do casal, com uso do material genético do casal, conquanto, sem estes não existiria. A grande motivação de infinitas distinções e batalhas doutrinárias é por consequência da modalidade prevista no inciso III do art. 1.597 do Código Civil “post mortem”. Embora, o direito ao reconhecimento da paternidade já se encontra pacificado, assim como o direito a sucessão, porém, restam dúvidas de como se dará essa sucessão.
7.2. Post Mortem
Conceitua Gonçalves (2012), que a concepção ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador (marido ou companheiro), por meio de técnicas especiais, não obstante o informativo 126 da I Jornada de Direito Civil consagra a necessidade de alterar o artigo no sentido de “fecundação e concepção” artificial.
Informativo 126 – devem ser alteradas as expressões “fecundação artificial”, e “inseminação artificial” constantes respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 para “técnicas de reprodução assistida, pois as encontradas nos incs. III e IV são impróprias, até porque a fecundação ou a concepção obtida por meio das técnicas de reprodução assistida é natural, com o auxílio do técnico, é verdade, mas jamais artificial.
Destarte, o informativo 127 da I Jornada de Direito Civil aponta outra alteração, desta vez, no inc. III do art. 1.597, afim de que conste “havidos por técnica de reprodução assistida homóloga observando os princípios da paternidade responsável e dignidade da pessoa humana, porque não é aceitável o nascimento de uma criança sem pai”. Logicamente sem o registro na certidão de nascimento, já que se presume a paternidade nesta técnica estudada, porém a família monoparental que está por ser formada é totalmente aceitável nos dias atuais aplicando o princípio da dignidade da pessoa humana no sentido de que uma pessoa “sozinha” tem direito a um projeto parental.
Mas, é sobre essa possibilidade de reprodução assistida que paira infinitas discussões jurídicas. De fato o Direito Civil é privado e o Estado deve interferir no mínimo possível, para que este poder soberano não venha a interferir no âmbito “alheio”. A corrente majoritária e a própria Lei já prever a possibilidade da técnica de reprodução, mas com algumas condições, uma delas é que a mulher esteja no estado de viúva, o que sofre grande crítica no cenário doutrinário pela Autora Maria Berenice Dias como citada anteriormente que tal condição é absurda.
Lisboa (2012) acena que A Lei Civil atribuiu efeitos jurídicos à reprodução assistida homóloga, determinando presunção de paternidade de quem cedeu o material genético. Para tanto, deve haver o consentimento prévio do marido. Quando falecido o marido, embora haja grande distinção em relação à formalidade da autorização, mas é necessário que se tenha uma autorização que tenha sido redigida em vida pelo marido e que desta não tenha sido sucedido qualquer revogação expressa do documento, ou seja, que antes da morte o marido tenha desistido da utilização da técnica de reprodução assistida homóloga post mortem.
Observa-se que o código não prever qualquer que seja a formalidade desta autorização, mas alguns doutrinadores pátrios seguem a corrente de que esta formalidade deve ser a da parte geral do Código Civil, a da regulação geral da forma e da prova do ato e do negócio jurídico.
Nestes casos, no sentido de direito da personalidade está mais que pacifico o entendimento de direito do filho a qualquer tempo, ocorrem casos em que o pai autoriza a inseminação, mas não assume, é importante citar a súmula de nº 149 do STF que prevê a imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade.
Segundo Pinto (2008), o marco inicial das discussões sobre a Inseminação Artificial Homóloga post mortem, originou-se do romance protagonizado por um casal francês que enxergava na utilização desta técnica a única chance de realizar o sonho de gerar filhos. O caso do “Affair Parpalaix” em 1984 que narra à história de um casal apaixonado em que o futuro marido descobriu um câncer nos testículos que após o processo de quimioterapia ficaria estéril, este procurou um centro de reprodução para conservar seu sêmen, após o casamento e em uma tentativa sexual veio a óbito e logo depois a esposa descobriu que não estava grávida, procurou o centro onde se encontrava guardado o material genético do seu falecido esposo e propôs a inseminação, o que não lograra êxito, pois no país a Lei não previa hipótese de inseminação post mortem, depois de uma longa batalha no judiciário a viúva conseguiu que fosse feia a inseminação, mas infelizmente não fora possível, pois o material genético não mais estava fértil.
8. Direito Das Sucessões Brasileiro
Onde há sociedade, está o Direito, é com a interação social e as diferentes formas de pensar, viver, que o Estado Democrático cria suas Leis para que sejam efetivadas em sua soberania, o direito não pode ser inerte, ele deve acompanhar a evolução social com muita cautela, são diversos exemplos atuais: Lei Maria da Penha, União Homoafetiva, Lei Seca, enfim. É com a ascensão da teoria da normatividade dos princípios, que temas como este ganha alta relevância social, até por que está diante de um direito personalíssimo, que o de reconhecimento de parentabilidade e por consequência o direito sucessório.
Reza o art. 1.798 do Código Civil de 2002, legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Inegável que a herança se transmite no momento da morte em decorrência da saisine, mas ao mesmo tempo é importante frisar que herança e sucessão são coisas distintas.
Após muita discussão em relação às presunções de paternidade, diante do conflito de princípios e o juízo de ponderação, chega-se ao problema geral da pesquisa que é a sucessão de filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, Gonçalves (2012) aponta criteriosamente que em princípio, não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem, uma vez que a transmissão da herança se dá em consequência da morte (CC. art. 1.784). Essa questão muito bem já discutida é temorosa, e conflituosa, restando para doutrina e a jurisprudência trazer uma pacificidade da demanda.
Dias (2011) cita que cabe lembrar que a legislação não proíbe a inseminação post mortem e a Constituição consagra a igualdade entre os filhos. Portanto não se deve sustentar ou dar guarida a legislação infraconstitucional restritiva de direitos, em respeito ao principio e o direito de planejamento familiar, Gonçalves (2012) aponta ainda que não há como esquivar-se, todavia, do disposto nos arts. 1.596, 1597, inc. III do CC e 227, § 6.º, da CR/88, pois um reconhece e presume concebido na constância do casamento os filhos advindos da inseminação artificial homóloga post mortem, o outro restritivamente proíbe, veda a distinção e descriminação entre filhos em valoração ao direito de parentabilidade, dessa forma, nada obsta a sucessão de filho advindo da utilização de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem.
Cabe, por fim, ressaltar que na sucessão testamentária incluem-se também os filhos não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas ao se abrir a sucessão. Importante ficar atento a um prazo que advém de um critério de colmatação de lacuna, a analogia, se inclina a doutrina a fixar o prazo de dois anos para que ocorra a concepção, fazendo analogia ao prazo para a concepção da filiação eventual.
9. Reserva Sucessória
Após todos os mecanismos que foram utilizados para pacificar o direito sucessório de filho advindo da utilização da técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, constitucionalização do direito civil, força normativa dos princípios, dentre outras, a Reserva Sucessória é o mecanismo de pacificação para todas as discussões anteriores que surge para preservar o direito do filho já concebido ou vivo e também do que está para ser concebido. Tempos atrás, o direito não tinha como versar sobre a sucessão post mortem no nível que hoje se encontra, pois as técnicas científicas eram “tímidas”. Porém, atualmente, após toda uma revolução científica, com o Direito se tornando cada dia mais humano e justo, pode-se não somente pensar no direito sucessório de filho advindo de inseminação homóloga post mortem, mas trazer soluções para efetivar um Direito líquido e certo.
Portanto, a Reserva Sucessória estabelece um mecanismo para reservar parte do patrimônio do de cujos com a finalidade de se efetivar a sucessão do herdeiro necessário que está por vir, ou seja, ficará reservada uma quota legal do espólio na proporção das demais quotas para o possível herdeiro. Caso este não venha a adquirir direitos jurídicos e consequentemente legitimidade para suceder, esta quota legal será partilhada em partes iguais para os herdeiros que sucederam anteriormente.
Como dito, esta Teoria tem como pilar a finalidade, fundamentação e temporalidade, sem dúvida a mais importante é a temporalidade que vai tratar de até quando este procedimento de reprodução assistida pode ter reflexos sucessórios, pois também é importante não se esquecer dos herdeiros já legitimados, que tem o mesmo direito do filho que está por vir. É necessário estabelecer uma regra para que o inventário transite em julgado, respeitando ao mesmo tempo a segurança jurídica.
É pacifico na Doutrina o direito sucessório post mortem, porém, existe uma grande dificuldade de como se dará e há qual tempo, neste norte existe discussão a cerca do lapso temporal em que a viúva poderá utilizar a técnica de reprodução com fim de filiação e consequentemente arrastando todos Direitos inerentes a personalidade para sua prole. Nesse norte podem-se encontrar alguns rumos na própria lei, como a petição de herança que tem um prazo prescricional de 10 anos conforme Súmula 149 STF combinada com o art. 205 do Código Civil de 2002; no mesmo interim por analogia a sucessão testamentária, a prole eventual vide art. 1.800, § 4.º do Código Civil de 2002 tem-se o prazo de 2 (dois) anos para a concepção.
Todavia, foi a evolução da genética que nos trouxe até esta “lacuna jurídica”, e a Lei de Biossegurança de nº 11.105/05 tem algumas peculiaridades justamente baseando-se em estudos científicos, estes atualmente estipulam um prazo de 3 (três) anos no máximo para que a técnica de reprodução assistida estudada seja realizada com segurança e que o filho venha a nascer saudável. Foi baseado nesse estudo que a Lei supracitada em seu art. 5.º estabeleceu “é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendida as seguintes condições”, inciso II “sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento”.
Registre-se que, observando a atualidade e a visão Constitucionalista do Código Civil, todos os dispositivos citados neste trabalho atendem o Princípio do Melhor Interesse da Criança e da Dignidade da Pessoa Humana. Portanto, a fundamentação desta Teoria se dá através da utilização do Princípio do Melhor Interesse da Criança, da Dignidade da Pessoa Humana, da Isonomia, dentre outros, ou seja, na força normativa dos princípios; A finalidade é garantir e estabelecer mecanismos para uma efetivação do Texto Constitucional que veda a distinção entre os filhos consequentemente trazendo uma base legal para o direito sucessório post mortem e; a temporalidade como explicitado anteriormente, baseando-se no melhor interesse da criança e no seu nascimento saudável, através da pesquisa científica, fica estabelecido um lapso temporal de 3 (anos) a partir do colhimento do material genético, não do falecimento do de cujos.
Deve haver uma interpretação conforme a Constituição do art. 1.798 do Código Civil com a finalidade de que se evite uma declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, sendo, extensivamente, incluído como legitimado a suceder nas formalidades legais o filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem.
CONCLUSÃO
Após uma farta exposição de Teorias e princípios que pacificam a legitimidade sucessória do filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, dando uma interpretação a luz da Constituição ao artigo 1.798 do Código Civil, faz-se necessário apelar para o legislativo que seja hábil para evitar uma evidente ação de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo citado e outros mais. Neste norte como o critério do prazo para que se possa realizar a técnica de reprodução assistida, é importante salientar que se deve abster-se a quem tem competência cientifica para tanto, pois, o que estamos aqui descrevendo é em função da evolução científica que faz necessário o direito regular, não é possível que o Conselho Federal de Medicina legisle norma de caráter geral, porém é interessante que o poder legislativo observe as indicações do mesmo, como dito e percebido na lei de Biossegurança, o material genético está seguro para ser utilizado no máximo em 3 (três) anos.
Portanto, é muito importante observar não só a leitura do artigo 1.798 do CC a luz da Constituição, mas também utilizar a força normativa dos princípios para suprimir a “lacuna” legal, já que, não tem Lei que regule a determinada situação em analise. Lacuna entre aspas, pois o princípio é norma, todas as vezes que se pode aplicar um princípio a um determinado caso concreto, não existe lacuna, neste sentido respeitando os prazos estabelecidos em tópicos anteriores e o princípio da dignidade da pessoa humana em especial, não se pode fechar os olhos para o direito sucessório aqui defendido, se o pai colhe o matéria genético, é sem dúvida, uma declaração de vontade que deseja utilizar da técnica “procriativa”.
Do mesmo modo em que o neoconstitucionalismo o Direito Privado não perde sua qualidade e característica, apenas uma “nova roupagem”, é primordial respeitar os interesses dos particulares, que não são proibidos de utilizar da técnica, a Lei não diz que o filho advindo de reprodução assistida homóloga post mortem não tem direito sucessório, ela apenas não fala, mas a Constituição da República veda, repudia, proíbe a distinção entre os filhos, o prazo de três anos, desde que bem estruturado e organizado formalmente não irá de maneira alguma prejudicar o princípio da segurança jurídica, o direito da personalidade e os atributos inerentes a eles em uma possível ponderação, com toda certeza se sobressairiam. Portanto é inadmissível acreditar em um não direito sucessório do filho advindo de técnica de reprodução assistida homóloga post mortem.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Isaias Cantidiano de Oliveira. Aplicabilidade da reserva sucessória na sucessão post mortem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44560/aplicabilidade-da-reserva-sucessoria-na-sucessao-post-mortem. Acesso em: 23 dez 2024.
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