RESUMO: O direito à indenização, em caso de dano efetivamente sofrido, não é algo novo no mundo jurídico. Não obstante a ausência de novidade quanto ao direito à indenização em caso de dano, a compensação por dano imaterial, entenda-se dano moral, é relativamente recente no ordenamento brasileiro e ainda gera celeuma jurídica. A doutrina se divide quanto à necessidade de dor, sofrimento psicológico ou vexame para restar configurado o dano moral. A doutrina majoritária entende ser desnecessário o elemento “sofrimento da vítima” para configuração do dano moral. Nessa senda, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser dispensável a comprovação do sofrimento da vítima para titularização do direito à reparação do dano. Assim, o STJ tem admitido o reconhecimento dessa espécie de dano, mesmo nas situações em que a vítima tenha reduzido ou nenhum discernimento acerca da violação sofrida, tal como ocorre com recém nascidos, doentes mentais, pessoas em estado de coma ou estado vegetativo e outras situações similares.
Palavras-chave: Dano moral; sofrimento da vítima; direito da personalidade; violação; direito a indenização.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, consagra o direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assegurando o direito à indenização pelos danos materiais ou morais decorrentes de sua violação.
O art. 186 do Código Civil, por sua vez, impõe a todos a noção do neminem laedere, isto é, o dever geral, abstrato e oponível erga omnes de não interferir indevidamente na esfera jurídica de outrem, ou, simplesmente, o dever de não causar dano a terceiro, sob pena de responsabilização pelo cometimento de ato ilícito.
Derivada do latim damnu, a palavra dano significa “[...] todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar um deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio”.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DANO MORAL NA DOUTRINA
O dano material é aquele que atinge o patrimônio corpóreo de alguém, devendo ser provada sua efetiva ocorrência. Trata-se de um dano palpável, portanto.
O dano moral, por sua vez, viola o patrimônio incorpóreo da pessoa, que é composto de valores relacionados aos direitos da personalidade — honra, imagem, intimidade, reputação, dentre outros aspectos.
Na concepção civil-constitucional, tais direitos derivam do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, conforme disposto nos arts. 1º, inciso III e 170, caput, da Constituição Federal.
Flávio Tartuce ressalta que a reparação dos danos imateriais é relativamente nova em nosso ordenamento jurídico, tornando-se pacífica com a Constituição Federal de 1988, que expressamente previu o direito à indenização em decorrência de sua violação (art. 5º, incisos V e X).
Apesar de pacífico o direito à indenização por danos morais, a configuração dessa modalidade de dano – justamente por não ser palpável –, ainda causa celeuma jurídica.
Para uma corrente minoritária, o elemento “sofrimento da vítima” é essencial para a caracterização do dano moral, de modo que, sem dor, vexame, sofrimento psicológico, não há dano moral.
Nesse sentido, é possível mencionar Regina Célia Pezzuto Rufino, que conceitua o dano moral como “o sofrimento humano, de caráter pessoal, que atinge a esfera íntima, os sentimentos da pessoa e que não é causado por uma perda patrimonial”.
É o que Flávio Tartuce denomina de “dano moral em sentido próprio”, definido como “aquilo que a pessoa sente (dano moral in natura), causando na pessoa dor, tristeza, vexame, humilhação, amargura sofrimento, angústia e depressão”.
Majoritariamente, entende-se que o dano moral se caracteriza pela mera ofensa a um bem jurídico imaterial de outrem, sendo dispensável o elemento “sofrimento da vítima”.
Para De Plácido e Silva, dano moral é “a ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família”.
Sergio Cavalieri Filho defende que “pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas”.
Trata-se do denominado “dano moral em sentido impróprio ou em sentido amplo”, que diz respeito a “qualquer lesão aos direitos da personalidade, como, por exemplo, à opção sexual. Não necessita de prova do sofrimento em si para a sua caracterização”.
3. O DANO MORAL NA VISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, manifestou-se acerca da possibilidade de um absolutamente incapaz poder ser vítima de dano moral, mesmo sem qualquer discernimento.
A Corte firmou entendimento de que o dano moral se caracteriza pela simples ofensa a determinados direitos ou interesses jurídicos relacionados aos direitos da personalidade, e, nesse sentido, concluiu que a configuração do dano moral independe do sofrimento, tratando-se este de mera e dispensável consequência do dano. Merece transcrição a ementa:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. SAQUE INDEVIDO EM CONTA- CORRENTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SUJEITO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. ATAQUE A DIREITO DA PERSONALIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO ESTADO DA PESSOA. DIREITO À DIGNIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO DEVIDA.
1. A instituição bancária é responsável pela segurança das operações realizadas pelos seus clientes, de forma que, havendo falha na prestação do serviço que ofenda direito da personalidade daqueles, tais como o respeito e a honra, estará configurado o dano moral, nascendo o dever de indenizar. Precedentes do STJ.
2. A atual Constituição Federal deu ao homem lugar de destaque entre suas previsões. Realçou seus direitos e fez deles o fio condutor de todos os ramos jurídicos. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo, essência de todos os direitos personalíssimos e o ataque àquele direito é o que se convencionou chamar dano moral.
3. Portanto, dano moral é todo prejuízo que o sujeito de direito vem a sofrer por meio de violação a bem jurídico específico. É toda ofensa aos valores da pessoa humana, capaz de atingir os componentes da personalidade e do prestígio social.
4. O dano moral não se revela na dor, no padecimento, que são, na verdade, sua consequência, seu resultado. O dano é fato que antecede os sentimentos de aflição e angústia experimentados pela vítima, não estando necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima.
5. Em situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como ocorre com doentes mentais, a configuração do dano moral é absoluta e perfeitamente possível, tendo em vista que, como ser humano, aquelas pessoas são igualmente detentoras de um conjunto de bens integrantes da personalidade.
6. Recurso especial provido.
(Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial nº 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Publicação DJe: 16/04/2015). (grifei).
No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça julgou o dano moral tendo como titular pessoa recém nascida. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO.
1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto.
2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010).
3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.
4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação.
5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde.
6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicada.
7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.
8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.291.247/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Publicação DJe: 01/10/2014). (grifei).
Há precedente mais antigo do STJ, de relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, em que é assegurada proteção aos direitos da personalidade de criança de tenra idade, senão vejamos:
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECUSA DE CLÍNICA CONVENIADA A PLANO DE SAÚDE EM REALIZAR EXAMES RADIOLÓGICOS. DANO MORAL. EXISTÊNCIA.
VÍTIMA MENOR. IRRELEVÂNCIA. OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE.
- A recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes
- As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.
- Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI, assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade. Ao contrário, o art. 7º da Lei nº 8.078/90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo.
- Ainda que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo, a aflição e a angústia.
- Na hipótese específica dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com apenas três anos de idade, foi submetida a
elevada carga emocional. Mesmo sem noção exata do que se passava, é certo que percebeu e compartilhou da agonia de sua mãe tentando, por diversas vezes, sem êxito, conseguir que sua filha fosse atendida por clínica credenciada ao seu plano de saúde, que reiteradas vezes se recusou a realizar os exames que ofereceriam um diagnóstico preciso da doença que acometia a criança.
Recurso especial provido.
(Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Publicação DJe: 05/03/2010). (grifei).
4. CONCLUSÃO
Embora haja divergência doutrinária, o Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de dispensar o elemento dor/sofrimento para a caracterização do dano moral, admitindo o reconhecimento dessa espécie de dano mesmo nas situações em que a vítima tenha reduzido ou nenhum discernimento acerca da violação sofrida, tal como recém nascidos, doentes mentais, pessoas em estado de coma ou estado vegetativo e outras situações similares.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.245.550/MG. Relator(a): Ministro Luis Felipe Salomão. Julgamento: 17/03/2015 Órgão Julgador: STJ T4 – QUARTA TURMA Publicação DJe: 16/04/2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.291.247/RJ. Relator(a): Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgamento: 19/08/2014 Órgão Julgador: STJ T3 – TERCEIRA TURMA Publicação DJe: 01/10/2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.037.759/RJ. Relator(a): Ministra Nancy Andrighi. Julgamento: 23/02/2010 Órgão Julgador: STJ T3 – TERCEIRA TURMA Publicação DJe: 05/03/2010.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 79-80.
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualização Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 408.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualização Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 410.
RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006, p. 95.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2011, p. 428.
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Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Projeção. Pós-graduado em Gestão de Polícia Civil pela Universidade Católica de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALES, Alexandre Pereira. Reflexões sobre o Sofrimento da Vítima como Elemento para a Configuração do Dano Moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44592/reflexoes-sobre-o-sofrimento-da-vitima-como-elemento-para-a-configuracao-do-dano-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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