Resumo: Artigo de pesquisa nos campos do direito civil e constitucional, cujo objeto é a análise da constitucionalidade da recente alteração legislativa promovida pela Lei Complementar n. 150, de 1.º de junho de 2015, que afastou a possibilidade de penhora do bem de família legal para garantia dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Por meio da pesquisa dogmática, com a investigação bibliográfica e jurisprudencial, sistematizou-se a doutrina jurídica e a evolução da jurisprudência. O estudo realizado possibilitou chegar à conclusão de que o artigo 46 da Lei Complementar n. 150/2015, ao revogar o inciso I do artigo 3.º da Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, não violou a Constituição, em especial por estar em consonância com o direito fundamental social à moradia e as modernas teorias do mínimo existencial e do patrimônio mínimo.
Palavras-chave: Bem de família, moradia, mínimo existencial, patrimônio mínimo, ponderação, princípios.
INTRODUÇÃO
Em 2 de junho de 2015, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Complementar n.º 150, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, promove alterações em textos legais, e dá outras providências. Em seu artigo 46, o texto normativo em tela expressamente revoga o inciso I do artigo 3.º da Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, que tinha a seguinte redação:
Lei n. 8.009/90. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
Verifica-se, portanto, que o legislador decidiu por reforçar a garantia da impenhorabilidade do bem de família, excluindo uma das hipóteses de exceção àquela. Nesse contexto, é possível que surjam opiniões pugnando a inconstitucionalidade material da Lei Complementar n.º 150, sob a alegação de que ela estaria a dificultar o direito dos trabalhadores à percepção dos salários, o que iria de encontro à valorização do trabalho humano (artigo 170, caput, da Constituição Federal[1]).
Todavia, entendemos que o diploma normativo em testilha não violou a Constituição, mas, ao contrário, valorizou e ampliou a eficácia de um de seus direitos fundamentais mais paradigmáticos: o direito à moradia.
No presente artigo, busca-se analisar, em brevíssimas linhas, o bem de família e o direito à moradia, sob o enfoque dos conceitos jurídicos abertos do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana, com o objetivo de, ao final, e mediante o cotejo da evolução histórica de tal instituto, chegar à conclusão de que o reforço da garantia do bem de família legal é medida salutar e que visa a assegurar ao indivíduo ou entidade familiar um plus de proteção do bem imóvel utilizado para a moradia, desde que único.
1 BEM DE FAMÍLIA LEGAL
A lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, instituiu o bem de família legal no ordenamento pátrio. O objetivo do Congresso Nacional era claro: proteger o imóvel utilizado para moradia pela entidade familiar da execução de dívidas contraídas pelo casal. Com isso, eventuais períodos de desestabilização financeira momentâneos do casal não acarretariam a perda de seu local de moradia.
Em seu artigo 1.º, o legislador tentou conceituar o bem de família legal, conforme se percebe de sua redação que segue abaixo transcrita:
Art. 1.º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Da leitura do dispositivo acima colacionado, extrai-se que o Parlamento brasileiro conferiu ao imóvel residencial próprio a prerrogativa da impenhorabilidade, criando verdadeira exceção legal à regra de que os bens do devedor garantem as suas obrigações (artigo 591 do Código de Processo Civil[2]).
O instituto é conhecido como bem de família legal, posto que decorre diretamente da lei, não exigindo a adoção de qualquer providência por parte de seu titular para que o bem goze de tal prerrogativa. Em outras palavras, a proteção é automática, independentemente de qualquer inscrição voluntária no registro de imóveis ou outra serventia notarial. Maximiza-se, desta forma, a sua eficácia, de molde a dar ênfase considerável ao direito fundamental de moradia.
A norma, portanto, é de ordem pública, razão pela qual pode ser reconhecida pelo julgador de ofício, ainda que o devedor não a tenha alegado no processo de execução.
Ademais, reafirmando o caráter cogente da Lei n. 8.009/90, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o bem de família legal é irrenunciável, de forma que o seu oferecimento à penhora não torna o bem passível de constrição[3], principalmente se no imóvel residem outros integrantes da entidade familiar a que pertence o devedor. Veja interessante manifestação do Tribunal:
- Se a proteção do bem visa atender à família, e não apenas ao devedor, deve-se concluir que este não poderá, por ato processual individual e isolado, renunciar à proteção, outorgada por lei em norma de ordem pública, a toda a entidade familiar. (REsp 526.460/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/10/2003, DJ 18/10/2004, p. 184)
Ainda que o devedor se omita no processo de execução, os demais integrantes da entidade familiar têm legitimidade para apresentar embargos de terceiro, a fim de desconstituir penhora incidente sobre o imóvel no qual residem, pertencente a seus genitores, porquanto integrantes da entidade familiar a que visa proteger a Lei nº 8.009/90, existindo interesse em assegurar a habitação da família diante da omissão dos titulares do bem de família[4].
A se proceder a uma análise meramente literal do artigo 1.º da Lei n. 8.009, seria possível que o intérprete chegasse à conclusão de que a proteção legal compreenderia tão somente o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência, com o passar do tempo, aperfeiçoaram o conceito de bem de família legal, expandindo-lhe o significado.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assentou que o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas[5]. E não podia ser diferente, tendo em vista que a principal finalidade do bem de família legal sempre foi a de garantia da subsistência digna da entidade familiar, mediante a garantia de impenhorabilidade do imóvel utilizado para a moradia.
No dizer de Tartuce, o bem de família legal é direito que protege tanto a família quanto a pessoa humana[6].
A moderna doutrina especializada em direito de família[7] prega pela impossibilidade de tratamento desigual às entidades familiares existentes no meio social. O artigo 226 da Constituição Federal, portanto, é mera norma exemplificativa de inclusão, e não de exclusão. Todas as espécies de família, nesse sentido, são beneficiárias da proteção legal instituída pela Lei n. 8.009/90.
Sobre o assunto, vale à pena transcrever julgado do Tribunal da Cidadania sobre o assunto:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO DO CASAL POSTERIOR. PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL QUE O EX-MARIDO VEIO A RESIDIR. EXCLUSÃO. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 1º, da Lei n.º 8.009/90, visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar. 2. A entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. Precedente: (REsp 205170/SP, DJ 07.02.2000). 3. Com efeito, no caso de separação dos cônjuges, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos ex-cônjuges varão e virago. 4. Deveras, ainda que já tenha sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por incorporar ao patrimônio do ex-cônjuge, não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído. 5. A circunstância de bem de família tem demonstração juris tantum, competindo ao credor a prova em contrário. (...). (REsp 859.937/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 04/12/2007, DJ 28/02/2008, p. 74) (grifei)
Assente-se que a preocupação do Superior Tribunal de Justiça com a garantia do direito à moradia é de tal monta que aquela Corte firmou o entendimento de que é “impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”[8], por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado ou mesmo para garantir a sua subsistência[9].
Desta forma, para o Tribunal da Cidadania, pouco importa que a entidade familiar esteja residindo no imóvel ou não. O que se revela fundamental para a incidência ou não da Lei n. 8.009/90 é que a renda obtida com o aluguel desse único imóvel seja utilizada para arcar com a subsistência da entidade familiar. Assegura-se, mediante interpretação teleológica, o direito à moradia. Pela relevância do julgado, transcreve-se abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA EM FACE DE BEM SERVIL À RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA. IMÓVEL LOCADO. RATIO ESSENDI DA LEI Nº 8.009/90. SÚMULA 7 - STJ. 1. A lei deve ser aplicada tendo em vista os fins sociais a que ela se destina. Sob esse enfoque a impenhorabilidade do bem de família, prevista na Lei 8.009/80, visa a preservar o devedor do constrangimento do despejo que o relegue ao desabrigo. 2. Aplicação principiológica do direito infraconstitucional à luz dos valores eleitos como superiores pela constituição federal que autoriza a impenhorabilidade de bem pertencente à devedor, mas que encontra-se locado a terceiro. 3. Não se constitui em condicionante imperiosa, para que se defina o imóvel como bem de família, que o grupo familiar que o possui como única propriedade, nele esteja residindo. Precedentes (...). 4. Extrai-se das razões do recurso que o teor da matéria discutida nos autos demanda evidente análise probatória, vedada nesta instância especial pela Súmula 7 do STJ. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 902.919/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 19/06/2008) (grifei)
Em que pese a preocupação da jurisprudência em estender o benefício da impenhorabilidade a todas as pessoas que dela necessitam, independentemente do estado civil ou do fato de residirem com algum parente ou não, deve-se atentar que a proteção legal tem sua razão de ser na exata medida em que se revela necessária a se resguardar o direito de moradia. Não se presta, dessarte, para a proteção de outro patrimônio do devedor que não tenha direta e imediata relação com o seu direito de moradia, tendo em vista que o direito subjetivo de crédito do credor também deve ser protegido pela ordem jurídica, nos termos do que estabelece o Código de Processo Civil[10].
Diante disso, a vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora[11], visto que se trata de unidade autônoma, que não integra o imóvel residencial do devedor e nem lhe é acessório, para o efeito do artigo 1.º da Lei n. 8.009/90.
Tendo em vista os motivos que levaram o legislador a instituir o bem de família legal, percebe-se que ele se relaciona intimamente com o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º, inciso III da Constituição Federal) e o seu decorrente direito fundamental de moradia, inserido expressamente no texto constitucional[12] pela Emenda Constitucional de n. 26, de 2000.
Quando de sua publicação, houve intenso debate sobre a possibilidade ou não de a Lei n. 8.009/90 possuir efeitos retroativos. Após certo tempo, a jurisprudência não tardou a consolidar o entendimento de que referido texto legal incidia nos processos em curso, desconstituindo penhoras efetivadas antes de sua vigência[13], desde que, é claro, o bem não tivesse sido alienado, sem que isso pudesse ser tido por ofensa a ato jurídico perfeito ou à coisa julgada[14]. O Superior Tribunal de Justiça aprovou, então, o Enunciado 205, com o seguinte teor: “A lei 8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência”. A preocupação em dar efetividade aos comandos da lei era tal que a Corte adotou o entendimento da retroatividade motivada ou justificada, em razão do caráter cogente das normas[15].
1.1 Exceções à garantia da impenhorabilidade
Não obstante a relevância da garantia da impenhorabilidade do único bem imóvel utilizado para moradia pelo ente familiar ou indivíduo, deve-se ter em mente que inexistem direitos absolutos em nosso ordenamento jurídico. Desta forma, o próprio legislador ordinário previu, no texto da Lei n. 8.009/90, as hipóteses em que a garantia seria excepcionada. Segue, abaixo, o texto do artigo 3.º do diploma legal em questão, antes da publicação da Lei Complementar n. 150:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
As hipóteses acima elencadas consistem nas situações em que o legislador achou por bem preservar o direito subjetivo dos credores, em detrimento do direito à moradia do devedor. A análise das razões de cada uma das exceções fugiria ao objetivo do presente artigo. O que se deve ter em mente é que a Lei Complementar n.º 150 expressamente revogou o inciso I do artigo 3.º da Lei n. 8.009/90, reforçando, então, a impenhorabilidade do bem de família legal. Passa-se a analisar a decisão legislativa, em indissociável cotejo com o direito à moradia e o princípio da dignidade da pessoa humana.
2 O DIREITO À MORADIA
O direito à moradia, desde os tempos iniciais, traduz uma das necessidades básicas do homem, constituindo-se em um requisito indispensável para uma vida plena.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, mesma data em que confirmada pelo Brasil, previu, em seu artigo XXV, item 1, a moradia como condição indispensável para uma vida completa[16], ainda que tenha utilizado o termo “habitação” para se referir a tal direito. Segue a transcrição do dispositivo:
Artigo XXV. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (sem grifo no original)
A Constituição Federal de 1988, em seu texto original, não previa expressamente o direito à moradia. Todavia, a doutrina já entendia que ele era garantido pela Lei Maior, ainda que de forma indireta. A base para essa interpretação era o artigo 7.º, inciso IV, que estabelecia que o salário mínimo deveria ser capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores e de suas famílias, incluindo-se aí os custos com a moradia. Segue a redação do dispositivo constitucional:
CF. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (sem grifo no original)
Havia — e ainda há — também outra previsão, ainda que indireta, ao direito à moradia no texto originário da Constituição Federal. O artigo 4.º, inciso II, prevê que a República Federativa do Brasil deve se reger, nas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. E o direito à moradia, nos termos do que reconhece abalizada doutrina, integra o rol de direitos humanos reconhecidos e previstos em convenções e tratados internacionais, dado o seu caráter universal e a sua estreita ligação com a dignidade da pessoa[17].
Percebe-se, portanto, que não obstante a falta de previsão expressa como direito fundamental e social, a moradia já tinha sido motivo de preocupação do constituinte originário, certamente em razão de sua intrínseca relação com a dignidade da pessoa, o que lhe garantia envergadura constitucional.
Com efeito, em 14 de fevereiro de 2000, o legislador constituinte derivado reformador brasileiro aprovou a Emenda Constitucional n.º 26, que alterou a redação do caput do artigo 6.º da Constituição Federal para expressamente inserir, dentre os direitos sociais, o direito à moradia.
A intenção do legislador era evidente: prestigiar de forma inequívoca o direito universal à moradia, de forma a não deixar dúvida da relevância do tema para sociedade brasileira.
Loreci Gottschalk Nolasco define o direito à moradia como sendo a posse exclusiva de um lugar onde se tenha um amparo, com o intuito de resguardo da intimidade e da promoção de condições para o desenvolvimento das práticas básicas da vida. É, portanto, um lugar de sobrevivência do individuo; o abrigo e o amparo para si próprio e seus familiares[18].
O direito de moradia é direito social de acesso, consagrado pelo só fato de a pessoa existir, e possui natureza prestacional, o que significa dizer que sua aplicabilidade plena está condicionada à intervenção do Poder Publico e à realização de políticas públicas que garantam não só a imediatividade desse direito, como também sua eficácia[19].
Para Sérgio Sérvulo da Cunha, o direito à moradia “integra o direito à subsistência, que é expressão mínima do direito à vida”. Merecem destaque as palavras do autor:
Mas, antes do direito a morar, vem o direito de simplesmente estar: ninguém subsiste sem ser em algum lugar. O direito de deslocar-se (art. 5.º - LXVIII da Constituição Brasileira de 1988) e o direito de ter casa — asilo inviolável do individuo (art. 5.º - XI), resguardo da sua intimidade (art. 5.º- X) — decorrem do direito de estar: o de ocupar um espaço, indissociável da existência física[20].
Diante dos conceitos acima, extrai-se que a moradia é o lugar assegurado constitucionalmente para o desenvolvimento e exercício dos direitos da personalidade. Daí a preocupação do legislador em inseri-lo expressamente no texto constitucional. Chega-se, pois, à conclusão de que o direito à moradia é direito inerente a todo ser humano, possuindo intrínseca relação com o mínimo existencial e com o metaprincípio da dignidade da pessoa humana.
3 O MÍNIMO EXISTENCIAL
Relativamente ao mínimo existencial, os primeiros estudos sobre o tema remontam ao período do pós-Guerra, com o jurista alemão Otto Bachof, que sustentava a possibilidade de reconhecimento de um direito subjetivo à garantia pestacional de recursos mínimos necessários a uma vida digna. Tendo por base o artigo 1.º da Lei Fundamental da Alemanha, Bachof, no início dos anos 1950, considerava que o princípio da dignidade da pessoa humana lá previsto não deveria garantir tão somente a liberdade, mas também uma mínima parcela de segurança social, visto que a ausência de recursos materiais para uma vida digna implicaria o sacrifício da própria dignidade da pessoa humana. Não por outro motivo, conforme aduzem Sarlet e Figueiredo, o direito à vida e integridade corporal, previstos na Lei Fundamental alemã em seu artigo 2.º, não poderia ser concebido, na lição do publicista alemão, como mera proibição de destruição da existência, “isto é, como direito de defesa, impondo, ao revés, também uma postura ativa no sentido de garantir a vida”[21].
Ricardo Lobo Torres define o mínimo existencial nos seguintes termos:
Mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da dignidade do homem, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão[22].
Mais adiante, o mesmo autor assevera que o mínimo existencial deveria combater a pobreza absoluta, na medida em que a pobreza relativa, que teria relação com causas de produção econômica ou redistribuição de bens, seria minorada de acordo com as possibilidades sociais e orçamentárias do Estado (reserva do possível).
Nas palavras de Canotilho, “todos têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais”[23]. Em outras palavras, o que o conhecido doutrinador português quer dizer é que há um limite mínimo de direitos sociais que devem ser observados pelo Estado e pelos cidadãos para que o homem possa sobreviver com dignidade. É o que se estabeleceu chamar de mínimo existencial.
Para Robert Alexy, os direitos sociais fundamentais mínimos consistem em uma prestação jurídica jusfundamentalmente garantida[24]. Eles têm natureza, portanto, de direitos subjetivos vinculantes e definitivos[25]. Não há como o Estado se descuidar de seu dever jurídico de promovê-los.
Ainda conforme a lição de Ricardo Lobo Torres, o Estado, além de não poder interferir nas condições mínimas de existência humana digna, tem o dever jurídico de realizar prestações positivas. O mínimo existencial deve ser procurado na “ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da dignidade do home, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão”[26]. Ione Maria Domingues de Castro acrescenta que o “mínimo existencial abrange qualquer direito (ainda que originariamente não fundamental) considerado em sua dimensão essencial e inalienável”[27].
O tema do mínimo existencial possui profunda ligação com a teoria do patrimônio mínimo, da lavra do Ministro Luis Edson Fachin, para quem o ordenamento jurídico deve garantir a cada ser humano um mínimo de patrimônio, para que possa viver com dignidade. Nas palavras do ministro:
Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à propriedade privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo, vale dizer, sendo regra de base desse sistema a garantia ao direito de propriedade, não é incoerente, pois, que nele se garanta um mínimo patrimonial. Sob o estatuto da propriedade, agasalha-se, também, a defesa dos bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção eleita assegurá-lo, a congruência sistemática não permite abolir os meios que, na titularidade, podem garantir a subsistência[28].
Chega-se, portanto, à conclusão de que o mínimo existencial, em brevíssimas palavras, poderia ser entendido como um conjunto de prestações materiais indispensáveis à garantia de uma vida diga e que constituem o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Sarlet e Figueiredo ainda asseveram que tal núcleo seria “blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade”[29]. A doutrina é quase uníssona em relacionar o mínimo existencial à dignidade humana. O equilíbrio está muito além da mera manutenção da existência, a dignidade humana exige uma vida a ser vivida em sua plenitude de corpo e mente[30].
Nesse sentido, é inequívoco que o bem de família legal, como instituto de prestígio do direito à moradia, possui papel de destaque na garantia de um padrão mínimo de dignidade ao indivíduo, o que contribui para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil[31].
4 O DIREITO À PERCEPÇÃO DE SALÁRIO DOS TRABALHADORES
Primeiramente, há que se registrar que no presente trabalho não é feita distinção entre salário e remuneração, visto que isso fugiria ao tema ora proposto, não obstante a diferenciação legal estabelecida pelo artigo 457 da CLT[32] e pela doutrina trabalhista[33].
Diante da consideração supra, pode-se conceituar o salário como sendo a soma dos valores percebidos pelo trabalhador a título de contraprestação pela força de trabalho colocada à disposição do empregador.
O salário é utilizado pelo trabalhador para sustentar a si próprio e a sua família. É com o salário, portanto, que o trabalhador busca levar uma vida digna, mediante o custeio de suas necessidades básicas vitais, tais como alimentação, vestuário, saúde, diversão e moradia. No dizer de Maurício Godinho Delgado, “independentemente das aptidões, talentos e virtudes individualizadas, cabe às pessoas humanas acesso a utilidades essenciais existentes na comunidade”[34].
Desta feita, a garantia da percepção, pelo trabalhador, da contrapartida salarial devida em razão do oferecimento de sua força laboral ao empregador possui íntima ligação com o metaprincípio da dignidade da pessoa humana, que se constitui, nunca é demais lembrar, no núcleo essencial dos direitos fundamentais, por ser a “fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais”[35].
Em consequência, a natureza alimentar do salário salta aos olhos, sendo expressamente reconhecida pela Constituição Federal, em seu artigo 100, § 1.º-A[36], com a redação dada pela EC n.º 62/09.
Um dos corolários do reconhecimento da natureza alimentar do salário é a sua impenhorabilidade prevista no CPC[37], que tem como fundamento a proteção da própria vida do trabalhador. Objetiva-se, desta forma, concretizar a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, afirmam Gomes e Gottschalk:
O caráter alimentar do salário é, talvez, o seu mais incisivo traço em face das demais retribuições próprias dos denominados contratos de atividade. O salário do empregado é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de vida e de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar[38].
Não é por outro motivo que a Constituição Federal elencou expressamente como direito do trabalhador urbano ou rural a garantia de recebimento de salário[39].
Nos dizeres de Fábio Monteiro de Oliveira, a efetividade do direito ao crédito do trabalhador é “medida que se impõe em conformidade aos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do direito constitucional à ordem jurídica justa”[40].
Para Delgado, a valorização do trabalho se constitui em princípio cardeal da ordem constitucional brasileira, sendo certo que a essencialidade do trabalho é reconhecida na Constituição Federal como um dos mais importantes instrumentos de afirmação do ser humano, seja no que concerne à sua própria individualidade, seja no tocante à sua inserção familiar e social. No entendimento do autor, “o trabalho assume o caráter de ser o mais relevante meio garantidor de um mínimo de poder social à grande massa da população, que é destituída de riqueza”[41]. A necessidade de trabalho, então, origina-se da falta de riqueza ou de modos alternativos de subsistência, o que faz com que o indivíduo tenha de buscar por um trabalho, não por opção, mas por necessidade para a sua sobrevivência[42].
Surgem, portanto, alguns questionamentos? Seria possível, em alguma hipótese específica, a relativização do direito fundamental do trabalhador ao crédito para que outro direito, de igual envergadura constitucional e fundamental, possa preponderar? Caso possível, tal relativização feriria o mínimo existencial? Em eventual e aparente conflito, o direito do trabalhador ao crédito cederia ao direito à moradia? Tais questões serão tratadas a seguir.
5 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
Princípios são, na lição de Robert Alexy, “mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais como também jurídicas”[43].
É por essa razão que os princípios não contêm mandamentos definitivos. O fato de certo princípio preponderar para um caso específico não significa, necessariamente, que tal resultado seja definitivo. Nesse sentido, merecem registro as palavras de Ione Maria Domingues de Castro:
Os princípios fornecem razões que podem ser afastadas por razões opostas. O princípio não determina como se resolve entre uma razão e a razão oposta. Por isso se diz que os princípios carecem de um conteúdo de determinação com relação aos princípios contrapostos e às possibilidades fáticas. Na verdade, eles constituem razões para juízos concretos do dever-ser[44].
Para Alexy, o surgimento de conflito aparente entre princípios em um caso concreto deve ser solucionado por meio da ponderação, que, por sua vez, é concretizada por intermédio da aplicação do princípio da proporcionalidade[45]. Quando eventualmente dois princípios colidem, um deles precede o outro em razão das circunstâncias concretas. Na hipótese de alteração de tais circunstâncias, essa relação de prevalência pode se inverter. Não é por outro motivo que se costuma afirmar que os princípios, no caso concreto, têm pesos distintos, sendo certo que o que se afigurar como de maior peso deve preponderar[46]. A colisão de princípios, então, ocorre na dimensão de peso.
Se é verdade que não há como se definir, a priori e em abstrato, qual norma principiológica deve prevalecer, sendo necessária a análise do caso concreto para se chegar ao princípio preponderante para aquela determinada circunstância, verifica-se que especificamente na hipótese em comento, de aparente choque entre os direitos à moradia e à percepção de retribuição pecuniária pela trabalho (dignidade do trabalhor), o legislador entendeu que o direito fundamental de cunho social à moradia deveria preponderar, muito provavelmente em razão de sua íntima ligação com a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.
A escolha do Parlamento brasileiro pode até ser debatida. Todavia, não se pode olvidar que ela foi tomada dentro do legítimo campo discricionário de atuação reservado ao Poder Legislativo pela Constituição Federal. Seus representantes, detentores de mandato eletivo, realizaram a escolha de acordo com as regras do jogo democrático, no legítimo exercício de definição das políticas públicas que cabe à Casa das Leis.
De outra mão, mesmo os estudiosos do Direito do Trabalho reconhecem que nas hipóteses em que o devedor trabalhista não dispõe de recursos suficientes a sua própria subsistência, a efetividade do direito ao crédito do trabalhor poderá ser relativizada no escopo de se chegar à solução que melhor atenda aos fins sociais, mediante a ponderação de interesses[47].
Merecem destaque as palavras de Oliveira:
No entanto, o intérprete não poderá olvidar a necessidade de ser preservado um núcleo essencial do outro direito fundamental em jogo, pertencente ao devedor, como conteúdo mínimo protegido de qualquer restrição. Assim, deverá impor “compreensões” recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à convivência com o outro. Logo, deverá valer-se dos subprincípios da proporcionalidade, a fim de que possa alcançar a concordância prática entre os interesses colidentes[48].
De nossa parte, entendemos que o direito de moradia garante ao indivíduo um local onde ele possa exercer em sua plenitude os direitos da personalidade. A moradia consiste, em outras palavras, em verdadeira fortaleza para seu morador. O Brasil, como Estado Democrático de Direito, não pode se afastar de um de seus principais objetivos: garantir e promover ao indivíduo o gozo de seus direitos da personalidade e a preservação de um verdadeiro mínimo existencial que o possibilite viver com dignidade.
Ademais, não haveria, realmente, na situação em estudo, um conflito entre o direito à moradia e o direito ao crédito proveniente do trabalho, haja vista que este permanece íntegro, pois que o seu credor poderá exercitar o direito de ação para buscar o reconhecimento jurisdicional e posterior pagamento das verbas salariais.
A peculiaridade da nova lei, então, refere-se unicamente à impossibilidade de penhora do único bem imóvel do devedor trabalhista — ou previdenciário relacionado a tais créditos — utilizado para a sua moradia, o que, conforme raciocínio desenvolvido no trabalho, coaduna-se com o direito fundamental à moradia e com os ideais de mínimo existencial e patrimônio mínimo, em verdadeira reafirmação legislativa do movimento de despatrimonialização do direito civil.
CONCLUSÃO
Conforme todo o exposto, o Congresso Nacional, ao revogar a possibilidade de penhora do bem de família para o pagamento de dívidas relacionadas a empregados domésticos e as respectivas contribuições previdenciárias, deu importante passo para consolidar, ainda mais, o caráter fundamental do direito à moradia, impedindo a sua relativização quando em confronto com dívidas de trabalhadores, ainda que domésticos.
Essa é uma importante diretriz que deve ser levada em consideração pelos operadores do direito. Ressalva-se que não se está a dizer aqui que o Parlamento teria a prerrogativa de estabelecer, abstrata e antecipadamente, uma escala de preferência entre direitos fundamentais tão caros à sociedade brasileira. Tal conclusão poderia inclusive configurar uma afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, na medida em que a interpretação das normas jurídicas cabe precipuamente ao Judiciário. O que se deve ter em mente é que o legislador estaria atento a uma das grandes demandas da população nos dias hodiernos, que é a casa própria, não no sentido de adquiri-la, mas sim na acepção de permanecer com ela, em total sintonia com a ideia de patrimônio mínimo de Fachin.
No raciocínio do legislador, o ônus de desalojar uma família de seu único bem imóvel não compensa o bônus de se garantir o pagamento da contraprestação dos serviços prestados pelos trabalhadores domésticos. Até mesmo porque eventual momento de dificuldade financeira experimentado por uma família pode desaparecer em curto espaço de tempo — com a consequente quitação dos débitos. Todavia, os graves efeitos sociais resultantes da penhora e alienação do bem utilizado pela entidade familiar para moradia se perpetuariam por longo período, o que contribuiria para desestabilizar ainda mais o corpo social.
E nem há que se alegar que o direito dos trabalhadores domésticos de ser remunerado teria sido desprestigiado pela novel legislação, pois o que passou a ser vedado, doravante, foi tão somente a penhora do bem de família. Os demais bens e valores dos devedores das prestações trabalhistas e previdenciárias continuam respondendo por seus débitos, em consonância com o artigo 591 do Código de Processo Civil e a legislação específica.
Não se pode olvidar, ainda, do que dispõe o artigo 2.º da Lei n. 8.009/90: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. A lei se preocupa, com isso, em garantir o direito de moradia do indivíduo ou entidade familiar nos exatos limites de sua necessidade, afastando a garantia de impenhorabilidade de bens móveis não essenciais à configuração de uma existência digna.
Desta feita, o credor trabalhista e previdenciário continuará a poder direcionar a execução para outros bens imóveis do devedor, tal qual eventual vaga de garagem com matrícula autônoma no registro de imóveis, nos termos do enunciado sumular 449 do Superior Tribunal de Justiça, ou mesmo para bens móveis que não integrem o conceito legal de bem de família (artigo 2.º, parágrafo único da Lei n. 8.009/90[49]).
De todo modo, conforme já assinalado anteriormente, o Poder Legislativo exerceu sua competência constitucional nos exatos termos do procedimento estabelecido pelo texto da Lei Maior, mediante a escolha das ações que devem, em sua visão, priorizar as políticas públicas dos governantes na atual conjuntura brasileira, tudo dentro das regras do jogo democrático.
Consoante posicionamento consolidado do Pretório Excelso, inexistem direitos ou princípios absolutos[50]. O princípio da convivência das liberdades públicas estabelece exatamente isso: quando, no julgamento do caso concreto, dois princípios aparentemente se colidirem, o intérprete deverá reduzir o alcance de um deles, de maneira que o outro preponderá naquela situação específica. Isso não significa que em outra situação, o princípio que ora teve o seu alcance reduzido não poderá prevalecer.
No tocante à jurisprudência, constatou-se que o Superior Tribunal de Justiça, desde a edição da Lei n. 8.009/90, sempre procurou ampliar ao máximo o âmbito de aplicação da proteção por ela consagrada, seja em seu aspecto temporal, seja em sua interpretação como cláusula intrinsecamente ligada à dignidade da pessoa humana. E isso antes mesmo de a Emenda Constitucional n. 26 de 2000 inserir textualmente o direito à moradia como um direito fundamental de cunho social.
Desta feita, a novidade legislativa trazida pela Lei Complementar n. 150 de 2015, no sentido de excluir a possibilidade de o bem de família legal ser penhorado por dívidas relacionadas a empregados domésticos e suas respectivas contribuições previdenciárias, encontra-se em perfeita consonância com a orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça.
A Lei Complementar n. 150, portanto, amplia a eficácia do bem de família, de molde a prestigiar as mais avançadas correntes doutrinárias que defendem a concepção de patrimônio mínimo, em verdadeira consagração do direito social fundamental de moradia. Percebe-se, assim, a preocupação do legislador em garantir ao indivíduo ou à entidade familiar um local para o exercício e desenvolvimento de seus direitos da personalidade, de forma a se buscar uma existência digna.
REFERÊNCIAS
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[1] CF. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...).
[2] CPC. Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
[3] REsp 208.963/PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/1999, DJ 07/02/2000, p. 166.
[4] REsp 511.023/PA, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 12/09/2005, p. 333.
[5] Súmula 364, Corte Especial, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008.
[6] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:Forense. São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 187.
[7] Nesse sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito constitucional à família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 23, p. 5-21, abr./mai. 2004; e DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 34-40.
[8] STJ. Súmula 486, Corte Especial, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012.
[9] AgRg no Ag 679.695/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2005, DJ 28/11/2005, p. 328.
[10] CPC. Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
[11] Superior Tribunal de Justiça. Súmula 449, Corte Especial, julgado em 02/06/2010, DJe 21/06/2010.
[12] CF. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
[13] EDcl no REsp 64.628/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Primeira Turma, julgado em 14/03/1996, DJ 22/04/1996, p. 12535.
[14] REsp 84.715/SP, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 14/11/1996, DJ 16/12/1996, p. 50755.
[15] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:Forense. São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 187.
[16] Declaração Universal dos Direitos Humanos. <http://www.dudh.org.br/declaracao>. Acesso em 9 jun. 2015.
[17] SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: Análise Comparativa e suas Implicações Teóricas e Práticas com os Direitos da Personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 61-65.
[18] NOLASCO, Loreci Gottschalk. Direito Fundamental à Moradia. São Paulo: Editora Pillares, 2008, p. 88.
[19] SANTOS, Camila Buzinaro dos. A moradia como direito fundamental. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, set 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13677&revista_caderno=9>. Acesso em jun 2015.
[20] CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Direito à moradia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32, n. 127, p. 49-54, jul./set. 1995.
[21] SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html>. Acesso em: 09 jun. 2015.
[22] TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In Teoria dos direitos fundamentais. Ricardo Lobo Torres, org. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 243342.
[23] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 518.
[24] ALEXY, Robert. Teoria de lós derechos fundamentales. Traducción Carlos Bernal Pulido. 2. ed. Madrid: Centor de Estudos políticos y constitucionales, 2007, p. 466.
[25] CASTRO, Ione Maria Domingues de. Direito à saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário? cit., p. 95
[26] TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 266.
[27] CASTRO, Ione Maria Domingues de. Direito à saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário? São Paulo: I.M.D., 2012, p. 95.
[28] FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 232.
[29] SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html>. Acesso em: 09 jun. 2015.
[30] MENDES, Marcelo Barroso. A propriedade intelectual e a perspectiva contra-garantista do mínimo existencial. <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000461.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2015.
[31] CF. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.
[32] Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
[33] Nesse sentido: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTR. 5. ed, 2006, p. 206-207; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo, LTR. 29ª ed,. 2003, p. 351; e RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2000, p. 233.
[34] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2006, p. 660.
[35] SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 97.
[36] CF. Art. 100. § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
[37] CPC. Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
[38] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 200.
[39] CF. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
[40] OLIVEIRA, Fábio Monteiro de. A penhora de salários e de ganhos decorrentes do trabalho: instrumento de efetivação do direito fundamental à tutela executiva trabalhista. Dissertação (Mestrado em Direito das relações sociais). Universidade da Amazônia-UNAMA. Belém, 2008, p. 98.
[41] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2006, p. 38.
[42] SOUZA, Gelson Amaro de. O Salário como Direito Fundamental – Revisitação. Disponível em: < http://www.gelsonamaro.com/artigo30.html>. Acesso em 15 jun.2015.
[43] ALEXY, Robert. Teoria de lós derechos fundamentales. Traducción Carlos Bernal Pulido. 2. ed. Madrid: Centor de Estudos políticos y constitucionales, 2007, p. 63.
[44] CASTRO, Ione Maria Domingues de. Direito à saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário? São Paulo: I.M.D., 2012, p. 77-78.
[45] SILVA, Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 23-50, abr. 2002.
[46] ALEXY, Robert. Teoria de lós derechos fundamentales. Traducción Carlos Bernal Pulido. 2. ed. Madrid: Centor de Estudos políticos y constitucionales, 2007, p. 70-74.
[47] OLIVEIRA, Fábio Monteiro de. A penhora de salários e de ganhos decorrentes do trabalho: instrumento de efetivação do direito fundamental à tutela executiva trabalhista. Dissertação (Mestrado em Direito das relações sociais). Universidade da Amazônia-UNAMA. Belém, 2008, p. 102.
[48] OLIVEIRA, Fábio Monteiro de. A penhora de salários e de ganhos decorrentes do trabalho: instrumento de efetivação do direito fundamental à tutela executiva trabalhista. Dissertação (Mestrado em Direito das relações sociais). Universidade da Amazônia-UNAMA. Belém, 2008, p. 102.
[49] Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.
[50] "Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros" (STF - MS 23452-1/RJ - Rel. Min. Celso de Mello - Pleno - RTJ 173/805-810).
: Advogado e servidor público federal. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Rogério Faleiro. Bem de família legal e os créditos dos trabalhadores domésticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2015, 02:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44643/bem-de-familia-legal-e-os-creditos-dos-trabalhadores-domesticos. Acesso em: 23 dez 2024.
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