Deborah Marques Pereira Clemente - Docente do Curso de Direito da Faculdade Guanambi-FG/CESG. Mestra em Desenvolvimento Social (UNIMONTES).
RESUMO: O presente estudo é um trabalho de revisão bibliográfica cujo objeto é a relativização da soberania estatal frente às decisões proferidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) na resolução de conflitos. Neste sentido, o método empregado foi o dialético, desenvolvido mediante pesquisa embasada em publicações sob a forma de livros, artigos e revistas. Quanto aos resultados, conclui-se a partir da análise, que as decisões proferidas pela ONU na resolução de conflitos, relativizam a soberania estatal ao constatar que os Estados-membros ao assinarem à Carta da organização delegam parte de sua soberania ou a compartilharam com a referida instituição.
Palavras-chave. Direito Internacional. Estado. Soberania. Organização das Nações Unidas.
The effectiveness of decisions delivered by the UN in conflict resolution
ABSTRACT: This study is a work of literature review whose purpose is the relativization of state sovereignty ahead of judgments rendered by the United Nations (UN) in conflict resolution. In this sense, the method used was the dialectic, developed through research based publications in the form of books, articles and magazines. As for the results, it is concluded from the analysis, that decisions taken by the UN in conflict resolution, relativize state sovereignty to see that the Member States by signing the Charter of the organization delegate some of their sovereignty or shared with that institution.
Keywords. International law. State. Sovereignty. The United Nations.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da sociedade humana, a existência de conflitos entre pares é algo corriqueiro e provocado pelos mais diversos motivos. Todavia, a ocorrência de conflitos confinados a esfera local, atingiram dimensões cada vez mais amplas, alcançando o cenário internacional, passou a exigir, espaços de negociações supranacionais e intergovernamentais. Assim, considerando a importância da Organização das Nações Unidas (ONU) na solução de litígios, se buscará neste estudo, discutir a eficácia das decisões proferidas por tal instituição na pacificação de conflitos em âmbito internacional frente à soberania estatal.
Do exposto, verifica-se que desafios de ordem planetária tornaram-se frequentes. Todavia, se por um lado surgem questões cada vez mais globais, por outro, constata-se que as relações internacionais, ainda são regidas em conformidade com os modelos de um Estado, constituído pelos elementos território, povo e soberania.
Emergem cada vez mais litígios para serem solucionados pela comunidade internacional. Entretanto, é a soberania estatal que ainda se sobrepõe aos interesses planetários, haja vista, não existir um poder central mundial que se sobreponha aos Estados impondo-lhes deliberações.
A contemporaneidade, no cenário internacional tem despertado inúmeras preocupações, cujos desdobramentos podem comprometer sobremaneira a vida no planeta. Aumento da população nos países mais pobres, crises econômicas que atingem até mesmo as economias mais desenvolvidas, escassez e má distribuição de alimentos, escassez hídrica, destruição da biodiversidade, aquecimento global, proliferação de organizações terroristas e de grupos fundamentalistas, má distribuição de renda, guerras civis, desrespeito aos direitos humanos e a soberania estatal e o enfraquecimento de organizações internacionais.
Diante do quadro catastrófico supramencionado, não provoca espanto saber que as relações internacionais encontram-se em um momento extremamente delicado frente às causas geradoras de conflitos e cujas consequências tem sido a proliferação de um clima belicoso entre Estados.
Dada à importância da Organização das Nações Unidas (ONU); na mediação de conflitos, no fortalecimento da paz mundial, na cooperação internacional e na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; questiona-se acerca do papel desempenhado pela supramencionada organização.
Tem ainda a ONU razão de ser? Qual é a sua relevância para a sociedade contemporânea? Quais são os interesses que realmente representa? Estes, e tantos outros questionamentos são necessários para repensar a sociedade e o Direito internacional, inclusive discutindo qual é a eficácia das decisões proferidas pela ONU?
Neste sentido, tendo como delimitação da pesquisa a eficácia das decisões proferida pela ONU quanto à resolução de litígios internacionais é tal pesquisa, salvo quaisquer pretensões didáticas ou academicistas, pertinente para traçar na ótica do direito e das relações internacionais o perfil das condições que nos permite questionar contraditórios e apontar possibilidades de negociação entre os diversos sujeitos de direito internacional.
A presente revisão bibliográfica tem como objetivo apresentar uma análise crítica acerca da eficácia das decisões proferidas pela ONU frente ao Estado que tem a sua soberania relativizada ou compartilhada.
Tal estudo reveste-se de grande impotência dada à necessidade em abordar um assunto que embora não inédito, seja fundamental, diante da atual configuração do direito e das relações internacionais, haja vista que o advento de uma Nova Ordem Mundial, relativizou a noção de soberania estatal, frente às organizações supranacionais e intergovernamentais como a ONU.
O método de abordagem empregado para o desenvolvimento da presente pesquisa é o Dialético, uma vez que suas características relacionam-se à construção do saber científico no campo das Ciências Humanas, mediante a diversidade de informações e a possibilidade de investigação decorrentes da ideia de que os fatos ganham sentido dentro de um contexto social, político, econômico e cultural.
Constata-se que o método dialético implica no entendimento da dinâmica dos objetos, nada está inerte ou acabado. Tudo se transforma todo o tempo, assim, o fim de um processo é sempre o começo de outro. Do exposto, baseando-se nas leis fundamentais do método em tela, ou seja: ação recíproca; mudança dialética; mudança qualitativa e interpretação dos contrários; percebe-se então que nada e definitivo exceto o processo ininterrupto do transitório.
Deste modo, o presente estudo buscará compreender as categorias de soberania estatal versus eficácia de decisões proferidas por organizações supranacionais como a ONU. Assim, os dados tratados no estudo em tela, mediante revisão bibliográfica, oportunizará a construção de uma base dialético-dialógica acerca das ideias de: Estado, soberania, relações jurídicas, Direito Internacional, Relações Internacionais, organizações supranacionais, eficácia de decisões, ONU.
SOBERANIA E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
Tradicionalmente, somente o Estado figurava como sujeito de direitos e obrigações, portanto o único detentor de personalidade internacional. Entretanto, na contemporaneidade, em virtude de uma nova configuração do Direito Internacional, se faz necessário acrescentar outros sujeitos como parte deste novo cenário, a saber: as organizações internacionais e os indivíduos.
Para incorporar na condição de ente com personalidade internacional é necessário capacidade de ação conforme diz Amaral (2010, p. 25):
A capacidade de ação decorre do reconhecimento da personalidade jurídica de um determinado ente, eis que a capacidade é o “poder de intervir por si mesmo”. Contudo, o exercício de direitos e deveres poderá sofrer limitações, na medida da capacidade conferida a um determinado ente pelo Direito Internacional. A capacidade, portanto, varia de um ente para outro.
A noção de ente com personalidade jurídica internacional relaciona-se a sua capacidade de ação. Assim sendo, sem poder de intervenção de modo autônomo, não há que se falar em capacidade internacional de ação. Todavia, poder para intervir, não pode se confundir com capacidade ilimitada, já que é o próprio Direito Internacional que confere maior ou menor poder de intervenção a um determinado ente.
Ainda quanto à capacidade de ação do Estado esclarece Amaral (2010) que é esta assegurada pela própria constituição estatal, sendo necessário para a efetividade de tal ação que haja soberania e independência na tomada de decisões. Salienta-se então que as noções de independência e soberania são elementos fundamentais para assegurar a capacidade do Estado, permitindo a este figurar como sujeito de direitos e deveres na esfera internacional. É salutar mencionar a afirmação de que um Estado que se encontre subordinado a outro, não poderá manter relações jurídicas na comunidade internacional.
Nota-se nos argumentos supracitados que a capacidade do Estado difere-se das organizações internacionais, pois, a ideia de capacidade é assegurada pelas suas Constituições e pelo reconhecimento de sua soberania. Já a capacidade das organizações internacionais depende do que dispõem seus acordos constitutivos, capacidade, refere-se ainda ao reconhecimento dos países que compõem tais entidades.
Embora a definição de Estado seja complexa, torna-se salutar estabelecer tal conceito, haja visa que a soberania é um dos seus elementos constitutivos. Deste modo, conceitua-se Estado conforme Friede (2000, p. 05) [...] “como toda associação ou grupo de pessoas fixado sobre determinado território, dotado de poder soberano. É, pois, um agrupamento humano em território definido, politicamente organizado”.
Dentre os aspectos fundamentais para compreender os mecanismos estruturantes das organizações internacionais, merece destaque a soberania dos Estados, frente às instituições internacionais, pois com a globalização, intensificaram-se as relações internacionais, tornando-se frente à nova realidade, imprescindível compreender o significado de soberania.
Segundo Carrazza (2000, p. 89) soberania, define-se como: [...] “a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder. Bem por isso, ele sobrepaira toda e qualquer autoridade” [...].
A soberania representa para o Estado Moderno a noção de poder supremo ou capacidade para agir com autonomia frente a qualquer outro poder. Entretanto, o poder absoluto do Estado encontra-se limitado ao seu território, servindo como instrumento para a regulamentação da ordem interna.
De Cicco & Gonzaga (2009) lecionam que a soberania estatal refere-se à autodeterminação de seu governo, sem qualquer dependência de potências estrangeiras nas esferas politicas, econômicas ou culturais. Deste modo, soberano é o Estado que faz suas próprias leis, que administra conforme as necessidades de seu povo e que julga em conformidade com a justiça, cujo propósito é resolver as demandas jurídicas e também sociais nos limites do território do Estado-Nação.
O Estado tem na soberania o seu elemento maior, pois sem tal noção perde a sua autodeterminação e ao perdê-la, deixa, seja na ordem interna ou internacional, de impor determinações, o que em última instância significa desaparecimento de sua capacidade de ação jurídica e territorial.
Quanto às características da soberania Dallari (2010, p. 81) argumenta:
[...] Ela é una porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias. Seja ela poder incontrastável, ou poder de decisão em última instância sobre a atributividade das normas, é sempre poder superior a todos os demais que existam no Estado não sendo concebível a convivência de mais de um poder superior no mesmo âmbito. É indivisível porque, além das razões que impõem a sua unidade, ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da mesma soberania. [...] A soberania é inalienável, pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado. Finalmente, é imprescritível porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e só desaparece quando forçado por uma vontade superior.
Das características constituidoras da soberania, verifica-se que sendo una exige exclusividade, não sendo possível falar em bilateralidade de soberania em um mesmo território. Sendo indivisível, não admite fragmentações. É inalienável na medida em que seus titulares ao perdê-la, perdem a razão de ser e desaparecem. Por último, é imprescritível, pois possui prazo de duração indeterminável.
A ideia de soberania encontra-se presente na própria gênese do Estado sendo sinônimo do poder estatal, portanto é a noção de poder que deve ser considerado o elemento precípuo da soberania.
No que se refere à organização interna dos Estados, não existe qualquer dúvida de que o poder estatal é superior a qualquer outro no território do Estado. Na esfera externa, sabe-se que os Estados equiparam-se quanto à noção de soberania, não existindo Estados mais ou menos soberanos, mas igualmente soberanos.
Para Sato (2003) a questão da soberania frente às relações internacionais é historicamente não resolvida, pois não existe um parâmetro para estabelecer quais são os limites da soberania em analogia com as normas, os princípios e as instituições internacionais. Constata-se que mesmo com a ideia de interconexão oportunizada pela globalização, continuam evidentes as noções de diferenças culturais e religiosas, típicas das muitas facetas humanas. Assim, se por um lado; a diversidade dos padrões humanos seja essencial para a manutenção da multiplicidade da riqueza do fenômeno humano; por outro, dificulta a convivência e a compreensão mútua.
Observa-se que o advento da globalização, alterou sobremaneira a relação entre os Estados e as organizações internacionais. Assim, torna-se pertinente reavaliar para relativizar a noção de soberania frente às entidades globais, pois, conforme menciona Maluf (2010) a globalização tem produzido novos paradigmas para o conceito de soberania, haja vista que atinge todos os países de forma desigual, mediante a proporção de riqueza, poder, ou desenvolvimento nas esferas social, econômica e tecnológica. Constata-se que entre os países em desenvolvimento, os reflexos da Nova Ordem Mundial assumem maior gravidade, perante a vulnerabilidade destes frente à incapacidade de enfrentamento das imposições da ordem internacional vigente.
Na medida em que as organizações internacionais se expandem, conduzidas pela globalização e em direção ao fortalecimento da comunidade internacional, torna-se imprescindível relativizar o papel da soberania, pois, sabe-se que a ideia de interligação entre diferentes poderes deverá ser a tônica das novas relações internacionais.
Acerca da relativização da soberania no cenário contemporâneo Martins et al (2011, p.1) discorrerem:
No momento em que o Estado não pode mais exercer de forma absoluta sua soberania, este começa a perder, ainda que de forma mínima, certo espaço na esfera internacional. [...]. Dessa forma, a gradativa relativização da soberania e, consequentemente, de discricionariedade pelo Estado, correlaciona-se ao desenvolvimento pleno do Direito Internacional Público e de seus sujeitos, e não à constatação de um momento histórico [...].
Do exposto, infere-se que a construção de uma ordem planetária, só se efetivará se abandonada a noção de soberania absoluta em prol da ideia de soberania relativa ou compartilhada entre Estados e organizações internacionais.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA CRIAÇÃO DA ONU
Conforme consta na parte inicial da Carta das Nações Unidas, a denominada Carta foi assinada em São Francisco, Estados Unidos da América, a 26 de junho de 1945, ao término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional. Assim, a 24 de outubro do já referido ano, entra em vigor a Carta da ONU, marco inicial de criação da instituição.
Os fatores determinantes para a criação da Organização das Nações Unidas encontram-se especificados no preâmbulo da Carta da instituição, a saber:
Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidas a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso econômico e social de todos os povos. Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução destes objetivos. (ONU, 1945).
Constata-se no preâmbulo da Carta da ONU um chamado às nações para viverem em harmonia, evitando os flagelos das guerras. O apelo à paz entre as nações transformou a Carta em um documento à esperança ao possibilitar as gerações vindouras que se preservem dos danos causados pela guerra. Todavia, verifica-se que a ideia de paz estabelecida no documento, vai muito além da noção de ausência de guerra, mas também, implica no estabelecimento de direitos fundamentais do homem, dentre os quais a melhoria das condições de vida.
Segundo aponta Mazzuoli (2011) é diante do cenário catastrófico da Segunda Guerra Mundial que surge a ONU, com o propósito de estabelecer a paz e ajudar as vítimas da guerra. Destaca-se que antes do término do conflito, cuja duração estendeu-se entre 1939 e 1945, as nações que combatiam o Eixo, percebendo o absoluto fracasso da Liga das Nações na tentativa de evitar as guerras, estabeleceram em curto período, uma organização de abrangência internacional, respaldada na igualdade de soberania das nações pacíficas e com o escopo de manter a paz e a segurança internacionais.
Muito se tem discutido acerca da eficácia da ONU na resolução de conflitos, haja vista a necessidade de reformá-la para atender as peculiaridades da contemporaneidade, pois sua estrutura atual reflete o cenário em que foi criada. Acrescenta-se ainda, o fato de tal organização ter servido de fachada para atender os propósitos das nações hegemônicas, principalmente aquelas que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU. Sobre o manto protetivo, da ideia de segurança, sem saber exatamente para quem, manipulam-se os propósitos da Carta da ONU e deste modo enfraquecem a razão de ser da organização.
Embora as questões supramencionadas exijam reflexões urgentes, inegável é o papel da Organização das Nações Unidas para o estabelecimento de relações internacionais justas e pacíficas, este é o entendimento de Amaral (2010) quando diz que a presença da ONU embora questionada a sua credibilidade interna e externamente é fundamental, mesmo quando os Estados que a compõem ajam por interesses próprios sem o aval da organização, como por exemplo, ocorreu por ocasião da invasão dos Estados Unidos e seus aliados no território soberano do Iraque.
Questionar o papel da ONU ou de qualquer organização internacional é importante para repensar a razão de ser de tais instituições, pois, muito se tem discutido acerca da credibilidade das Nações Unidas, haja vista, a participação de seus Estados membros em ações sem o aval da instituição, o que compromete sobremaneira a ONU na condição de entidade promotora da paz mundial. Todavia, sem a presença das Nações Unidas certamente maiores seriam os problemas que atingiriam o cenário internacional. Salienta-se ainda que ações contraditórias praticadas por alguns de seus Estados membros, não significa necessariamente fracasso da entidade na negociação de conflitos.
ESTRUTURA DA ONU
A estrutura da Organização das Nações Unidas é formada por Estados que assinaram e ratificaram a Carta da ONU (Membros das Nações Unidas) conforme constam os artigos 3 e 4 da referida Carta. Assim, a organização é formada por dois tipos de membros: os originais (art. 3 da Carta da ONU), formados por aqueles que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional ou que assinaram previamente a Declaração das Nações Unidas em 1º de janeiro de 1942; já, segundo, o art. 4 da Carta da ONU existe outro grupo de países que formam a instituição, são os admitidos, estes últimos, para serem aceitos, estão condicionados às obrigações estipuladas na presente Carta e que, a juízo da Organização estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações. Verifica-se ainda, que a admissão será efetuada por decisão da Assembleia Geral, entretanto, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Segundo Xavier (2007, p. 30) “A ONU é uma OI com vocação universal mas que não pretende substituir-se aos Estados nem transformar-se num governo mundial. A ONU não é, por isso, uma Organização supranacional mas sim uma Organização Intergovernamental” [...].
Sendo a ONU, uma instituição voltada à promoção da paz mundial, nada mais justo do que constatar a necessidade de ser um país amante da paz, para poder se configurar no rol dos países que formam a organização. Todavia, se observado enfaticamente, qual país é verdadeiro promotor da paz? Quantos Estados, inclusive aqueles que compõem o Conselho de Segurança figuram-se como verdadeiras ameaças à paz mundial? Portanto, aceitar as obrigações impostas pela Carta, não tem sido garantia de cumprimento de tais obrigações. Assim sendo, pergunta-se: “Qual é a real eficácia das decisões proferidas pela ONU”?
Argumenta-se ainda que a admissão de novos Estados membros da ONU, está condicionada à recomendação do Conselho de Segurança (art. 4 da Carta da ONU), o que tem dado lugar a verdadeiras barganhas entre quem deseja um assento na organização e aqueles que se apoderaram desta no intuito exclusivo de fazer valer suas vontades hegemônicas. Tudo isto só reforça a necessidade urgente de reforma da instituição.
No que se refere aos principais órgãos das Nações Unidas ficam estabelecidos no artigo 7 da Carta da ONU, a saber: a Assembleia- Geral das Nações Unidas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado.
A Assembleia-Geral da ONU é considerada órgão de caráter deliberativo, formada por todos os países membros (art. 9 da Carta da ONU). Poderá discutir quaisquer assuntos dentre os previstos nas finalidades da instituição (art. 10 da Carta da ONU) e admite-se a igualdade entre os membros (art. 2 da Carta da OUN), pois se permite o direito a voto, todavia, cada Estado tem o direito de somente um voto (art. 18 da Carta da ONU).
Nas lições de Mazzuoli (2011) a Assembleia-Geral da ONU é apresentada como o órgão precípuo das Nações Unidas, sendo dentre os órgãos que compõem a organização o único composto por todos os Estados-membros, com direito de cinco delegados por Estado. Nesse quadro, percebe-se que é a Assembleia-Geral o maior foro da contemporaneidade, com competência para discutir e fazer recomendações referentes a matérias tratadas na Carta da ONU ou aquelas que se relacionam a funções e atribuições de órgãos das Nações Unidas. Todavia, apesar da amplitude de competências atribuídas a Assembleia-Geral, esta fica com certa frequência subordinada aos desígnios do Conselho de Segurança, obrigando-se a declinar frente às decisões do supraressaltado Conselho por força dos termos do art. 12, §1º, da Carta da OUN.
Quanto à natureza das decisões proferidas pela Assembleia-Geral Mazzuoli (2011, p.624) salienta: “A Assembleia-Geral da ONU se manifesta por meio de resoluções, declarações ou recomendações, de efeito não vinculante aos seus Estados-membros. Estas são diferentes das decisões do Conselho de Segurança, que têm força cogente e são de cumprimento obrigatório”.
A natureza das decisões proferidas pela Assembleia-Geral da ONU, não possui efeito vinculante, o que representa um aspecto contraditório, pois é o órgão da instituição que reúne todos os Estados-membros. Todavia, mesmo sendo o Conselho de Segurança formado por um número mínimo de nações, suas decisões têm força de cumprimento obrigacional. Deste modo, por mais que seja importante o papel da ONU, perante a comunidade internacional, não há como não refletir sobre a necessidade de reforma da instituição, principalmente quanto à ampliação do Conselho de Segurança, com um quadro de representação geográfica e política que melhor atenda a conjuntura da contemporaneidade.
Para Giacon (2010) embora seja pacifico o entendimento por parte dos Estados-membros acerca da necessidade de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os membros permanentes do órgão de segurança da ONU, insistem em concentrar poderes, dentre os quais o poder de veto e de admissão de novos membros para integrar tal Conselho de modo provisório. Entretanto, os maiores esforços do Grupo dos Cinco ou membros permanentes do Conselho de Segurança são no sentido de obstaculizar a entrada de novos Estados-membros permanentes. Deste modo, sendo obrigatórias que qualquer mudança no Órgão de Segurança da ONU tenha o aval do Grupo dos Cinco, tais reformas dificilmente ocorrerão, haja vista que a expansão do Conselho significará perda de status e de influência das nações hegemônicas que o compõe.
Os aspectos supraelencados encontram-se também respaldados nas lições de Sato (2003) que aponta a necessidade de reforma da ONU, embora reconheça que tal empreendimento é difícil, pois embora exista consenso de que a atual composição do Conselho de Segurança não atenda as necessidades da nova ordem internacional, inúmeros são os aspectos controvertidos que obstaculizam a necessidade de reforma da instituição.
Quanto ao Conselho de Segurança da ONU discorre em conformidade com a Carta da organização em seu artigo 23 que é este formado por cinco Estados-membros, com assento permanente e com poder de veto. São eles: Estados Unidos, União Soviética (atualmente Rússia), Reino Unido, França e China e dez membros não permanentes, eleitos pela Assembleia-Geral, cujos mandatos duram dois anos (membros rotativos).
De acordo com Mazzuoli (2011) o Conselho de Segurança das Nações Unidas é o único órgão da instituição com poder de decisões mandatárias, vinculando, portanto os demais membros da ONU a acatar e executar suas decisões, em conformidade com o art. 25 da Carta. Argumenta-se então que todas as decisões do Conselho de Segurança são obrigatórias e não simples recomendações.
As decisões mandatárias do Conselho de Segurança da ONU assumem um caráter de poder absoluto, incompatível com deliberações contrárias o que justifica os crescentes questionamentos acerca da necessidade urgente de reforma da ONU, sob o risco de se tornar uma organização obsoleta que não atende aos apelos e demandas contemporâneos, o que em última instância poderá comprometer a própria eficácia de suas decisões.
Conforme Giacon (2010) embora reconheçamos a importância do Direito Internacional enquanto guia moral entre as nações e também como instrumento de institucionalização de interesses, o fato é que o egoísmo possui papel precípuo nas relações políticas internacionais, e com ele, justifica-se a defesa da soberania e da sobrevivência do Estado-Nação. Assim, as instituições internacionais, dentre elas as Nações Unidas, encontram-se subordinadas à vontade de seus membros.
Diante do advento de uma nova conjuntura internacional que elevou o Direito Internacional a categoria de parâmetro moral entre Estados é aspecto contraditório perceber que o egoísmo ainda prevalece nas relações internacionais. Neste sentido, o processo de mundialização não tem conseguido eliminar o protecionismo estatal frente à internacionalização de interesses. Assim, as Nações Unidas, como as demais instituições internacionais têm sido subordinados a vontade de seus membros, principalmente as nações hegemônicas com poder de veto no Conselho de Segurança.
A EFICÁCIA DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA ONU
A ONU possui competência e legitimidade para atuar em conflitos internacionais, pois segundo os propósitos da instituição estabelecidos no artigo 1 de sua Carta constitutiva, estão entre as suas atribuições zelar pela manutenção da paz e da segurança internacionais, podendo buscar medidas para evitar ameaças à paz mundial.
Segundo o artigo 33 da Carta das Nações Unidas:
As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
A ONU em sua gênese fundamental tem o escopo de promover a paz mundial, buscando sempre métodos pacíficos para solucionar controvérsias. Todavia, torna-se necessário observar que não é sempre possível a busca por soluções pacíficas, assim, esgotadas soluções para resolver litígios é legítimo o emprego de meios coercitivos. Deste modo, a Carta das Nações Unidas, refere-se ao uso da força no artigo 2, destacando que os seus membros devam resolver seus litígios por meios pacíficos. No artigo 2.4 determina aos seus membros que evitem o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de outro Estado, por último, no artigo 51 quando assegura que em nome do direito inerente de legítima defesa, nada presente na Carta deverá prejudicar tal direito caso ocorra um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tome as medidas cabíveis para o estabelecimento da segurança e paz.
Nota-se que embora a ONU recomende aos seus membros que evitem o uso da força, sendo esta a regra, existem, entretanto exceções asseguradas pela legítima defesa, permitindo ao Conselho de Segurança que tome medidas cabíveis ao estabelecimento da paz (art. 51 da Carta da ONU). Acerca das denominadas medidas cabíveis a manutenção da paz, posiciona-se o artigo 41 da Carta, ao mencionar que o Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que devem ser empregadas, sem o uso das forças armadas, para tornar efetivas suas decisões. Todavia, o artigo 42 estabelece que não sendo eficazes as medidas previstas no artigo 41, poderá o Conselho de Segurança levar a efeito o uso da força [...] “por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais” [...].
Conforme entendimento de Ferreira & Baumgarten (2007) o Estado é constituído pela comunidade nacional que lhe delegou poderes e consequentemente jurisdição. Quando o Estado integra a comunidade internacional, pode haver conflitos entre aquele e esta, sendo então necessário o emprego de soluções que conciliem interesses distintos em prol da comunidade internacional. Deste modo, embora a ONU não seja detentora de uma jurisdição supranacional, entende-se que suas deliberações condicionam o comportamento estatal, mesmo na esfera interna, compelindo-o a acatar tais deliberações. Todavia, não cumprindo as determinações impostas pela comunidade internacional, estarão os Estados sujeitos a sanções.
Mesmo considerando a legitimidade da ONU para impor sanções, torna-se relevante questiona: Tem realmente o Estado, por força de sua soberania, a obrigação de acatar tais sanções?
Conforme aponta Sato (2003), a construção da ordem internacional encontra entrave na relutância dos Estados em ceder parte de sua soberania em benefício de instituições internacionais, haja vista que esta atitude implica em ceder total ou parcialmente a prerrogativa de transformar em ação política suas visões de mundo.
Os Estados-membros que assinaram a Carta da ONU delegaram parcela de sua soberania a tal instituição. Assim sendo, não há que se falar em perda da soberania dos Estados perante a ONU, antes, torna-se salutar mencionar que é a própria noção de soberania, que confere ao Estado a liberdade para se tornar ou não membro da organização, entretanto, uma vez tendo aderido à entidade, aceitam as obrigações presente na Carta, conforme estabelece o art. 4º desta: [...] “fica aberto a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações, contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” [...].
A eficácia das decisões proferidas pela ONU relaciona-se à evolução das organizações intergovernamentais, tais organizações conforme aponta Mello (2002, p. 585): [...] “uma vez criadas, não se limitam aos Estados signatários do tratado; pelo contrário, novos Estados podem se tornar seus membros, bem como aqueles podem perder este status” [...].
A seu turno, Mazzuoli (2011, p.597) discorre acerca das organizações internacionais intergovernamentais, tratando-as como fenômeno da modernidade e fruto de um processo de desenvolvimento das relações bilaterais e multilaterais entre os Estados. Fundamenta-se a gênese de tais organizações na impossibilidade do Estado-Nação de sozinho organizar-se para atingir seus objetivos econômicos, militares, políticos e social. Na condição de senhor absoluto do Direito Internacional Público, o Estado pode ceder em conformidade com as suas necessidades, parte de suas competências funcionais para entidades criadas mediante acordo mútuo, permitindo a tais entidades agirem em seu nome. Todavia, não há que se confundir ceder parcialmente poder, com a noção de dar plenos poderes, assim ao fazer parte de uma organização internacional intergovernamental o Estado reserva-lhe tão somente atribuições necessárias para o cumprimento de funções específicas, sem, contudo falar em plenos poderes, pois estes só o próprio Estado possui, mediante a noção de soberania.
Nota-se que, sendo a Organização das Nações Unidas, uma entidade internacional e intergovernamental, qualquer Estado que dela venha fazer parte deverá aceitar suas determinações, não significa que com isto o Estado abra mão de sua soberania, pelo contrário, utilizando-se de sua soberania, as nações, conferem as organizações internacionais poderes relativos, pois, plenos poderes o Estado só assegura a ele próprio.
Constata-se que as sanções impostas pela ONU aos Estados-membros encontra razão de ser no momento em que os Estados, cedem parte de suas competências para tal organização internacional.
Para Mazzuoli (2011, p.613):
[...]. O descumprimento das obrigações assumidas para com a organização internacional pode trazer ao seu Estado-membro consequências das mais diversas, a depender do que dispõe o respectivo acordo constitutivo, por voto dos outros Estados-membros num dos seus órgãos. O sistema de sanções das organizações internacionais é, porém, diverso tanto dos sistemas de Direito interno (uma vez que não conta ainda com meios típicos de coerção, à maneira do que ocorre no âmbito doméstico) Como dos sistemas de Direito Internacional clássico (em que os meios sancionatórios restavam adstritos à vontade discricionária dos Estados).
Nas decisões da entidade, vigora sempre a noção de pacificação entre os Estados-membros, conforme é possível inferir na redação do Capítulo VI da Carta da ONU, em seu art.1º:
As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.
Litígios entre partes que venham colocar em risco a paz e à segurança internacionais devem ser trazidos à luz do Conselho de Segurança, que buscará sobremaneira um entendimento entre as partes com o escopo da pacificação. Trata-se, portanto o referido artigo de um método de recomendações. Entretanto, não alcançando os meios de solução pacifica, a ONU, está legitimada a adotar medidas mais enérgicas.
Nota-se que o Capítulo VI da Carta da ONU faz referência, nitidamente às soluções pacíficas: “Solução Pacífica de Controvérsias”. No entanto, a análise do Capítulo VII, nos conduz a um entendimento diferenciado, por apresentar natureza coercitiva, como se observa: “Ação Relativa às Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agressão”.
Acerca da eficácia das organizações internacionais Sato (2003) argumenta que a construção de uma ordem internacional pacifica e articulada é tarefa árdua, pois implica em conciliação de interesses políticos contraditórios. Parte das dificuldades enfrentadas para a materialização de uma ordem internacional reside no fato de não existir uma correlação entre o estabelecimento de tais normas e a garantia de que serão efetivamente cumpridas e muito menos ao serem produzidas farão surgir automaticamente padrões de comportamento. Salienta-se que mesmo nas dimensões territoriais dos Estados apesar de existir uma autoridade formalmente constituída, a criação de leis não significa que garantias fundamentais sejam asseguradas e plenamente respeitadas, dentre as quais o respeito aos direitos humanos, as garantias de padrões ambientais, a redução de delitos e que os crimes praticados sejam devidamente punidos.
A eficácia das decisões da Organização das Nações Unidas possui em regra um caráter periférico, haja vista, ser possível constatar, que os diversos órgãos que fazem parte da estrutura da ONU, costumam fazer recomendações aos Estados-membros quanto a questões que maculam os dispositivos do documento maior da instituição, ou seja, a Carta da ONU. Entretanto, o mesmo entendimento, não pode ser aplicado ao Conselho de Segurança, já que este pode adotar medidas coercitivas.
O entendimento supramencionado, só nos conduz a reconhecer a necessidade de uma reforma nas estruturas da Organização das Nações Unidas, para que este alcance verdadeiramente os seus objetivos fundamentais deixando de ser refém das nações hegemônicas.
NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DA ONU
Acerca da personalidade jurídica das organizações internacionais Mazzuoli (2011, p.613) discorre:
[...] têm personalidade jurídica internacional, da mesma forma que os Estados, podendo participar da cena internacional em seus mais variados campos de atuação. Contudo, a personalidade jurídica das organizações internacionais não se confunde com a dos seus membros, o que lhes dá total autonomia e independência funcional para gerir os seus interesses e alcançar as finalidades para as quais foram criadas. Em outras palavras, essa personalidade jurídica autônoma e não vinculada à dos seus membros permite-lhe atender às expectativas do conjunto de Estados que dela fazem parte, independentemente da vontade individualizada de cada um deles. Tal personalidade jurídica tem início na data em que as mesmas começam a funcionar efetivamente. Pode-se então considerar que a existência jurídica de uma organização internacional depende integralmente da sua condição de poder decidir autônoma e livremente sem se vincular à vontade dos seus Estados-membros.
Ter personalidade jurídica não é um privilégio somente dos Estados, já que as entidades internacionais também gozam de tal possibilidade. Explicitamente deve ser esclarecido que personalidade jurídica das mencionadas entidades, não pode ser confundida com a personalidade jurídica dos Estados que as compõem. Assim, deve-se falar em autonomia de decisões. Portanto, em nome da autonomia que confere personalidade jurídica a ONU, não pode ser admissível que as decisões proferidas pela organização supramencionada estejam vinculadas à vontade de seus Estados-membros.
Chamados ao debate Martins et al (2011, p.1) expõem:
Com o surgimento da ONU, pode-se afirmar que os Estados delegaram parcela de sua soberania a tal entidade quando aderiram à Carta das Nações Unidas, com a finalidade de incumbi-la da responsabilidade de resolver, além de outras coisas, os problemas referentes à paz e à segurança internacionais.
Nesse sentido, os Estados comprometem-se, em tese, a respeitar a competência da ONU para atuar no combate ao terror e à crueldade. Contudo, essa instituição é um órgão político, que reflete a balança de poder entre as principais potências militares, políticas, econômicas e sociais, que procura atender aos anseios de consolidação hegemônica desses Estados.
As decisões do Conselho de Segurança sobre a intensidade das medidas que serão tomadas para assegurar a paz e a segurança internacionais são estabelecidas de acordo com a conveniência dos membros permanentes do Conselho. Tudo depende das circunstâncias, dos sujeitos envolvidos na controvérsia e da disposição política da ONU para enfrentar o problema.
A autonomia de que goza a ONU, não implica na perda da soberania dos Estados-membros, o que deve ser constatado é que o Estado que decide fazer parte da ONU, delega parcela de sua soberania à instituição. Disto, decorrem duas situações fundamentais para compreender o tema em tela. Primeiro, o país que compõe a ONU vincula-se em tese a respeitar as competências da organização, segundo, em decorrência da primeira situação, nenhum país deve fazer valer seus próprios interesses em detrimento de toda a comunidade internacional.
Todavia, não é o que temos constatado, pois, nem só as decisões ou recomendações da ONU têm sido violadas, como também, decisões proferidas por um grupo restrito de países, têm sido apresentadas como se fosse à vontade de todos os Estados-membros, e principalmente como sinônimo da autonomia da organização, quando é na verdade submissão aos interesses estatais hegemônicos. Tal situação pode ser confirmada em conformidade com o pensamento de Sato (2003) que observa a intervenção anglo-americana no Iraque como um exemplo do enfraquecimento da eficácia do Direito Internacional e das organizações internacionais, haja vista que o ataque à soberania iraquiana foi desfechado à margem de normas e princípios internacionais, atingindo sobremaneira a ONU e tudo o que representa.
Conforme aponta Xavier (2007, p. 30 -31) deve ser a ONU considerada uma Organização Internacional e, portanto detentora de uma natureza jurídica própria. São para a autora, quatro razões que reforça seu entendimento, a saber:
No fundo, pode concluir-se que a ONU é uma Organização Internacional, por quatro ordens de razão. Primeiro, é uma associação/coletividade voluntária de Estados, enquanto sujeitos plenos do Direito Internacional.
Segunda, é constituída por um acto de direito internacional – um Tratado ou Convenção Internacional – que vinculam os Estados a não serem ou virem a ser signatários de outros actos de Direito Internacional que violem as suas obrigações enquanto membros da Organização. A única excepção é feita a entidades que, não sendo um Estado, participam em várias OI’s e entidades várias (como a Santa Sé).
Para além disso, uma Convenção Internacional estabelece os fins, a estrutura e as competências da Organização a ser criada com um carácter de permanência natural, já que não define um prazo de duração limitada. O carácter de permanência é ainda reforçado pela necessidade de aceitação e vinculação às mesmas regras (não se admitindo, a priori, reservas ou cláusulas de excepção).
Terceiro, é dotada de uma constituição, neste caso a Carta das Nações Unidas, que regulamenta as relações entre os Estados, através de normas de direito internacional, aceites pelos signatários como vinculativas.
Quarto, é dotada de personalidade jurídica, distinta dos Estados (artigos 104.º e 105.º da Carta), ou seja, é juridicamente autónoma dos seus membros, porque possui órgãos e instituições próprias, criadas para dar materialização prática aos fins comuns a todos os membros da Organização.
A ONU é uma associação voluntária de Estados, portanto não há qualquer argumento ou ação de caracteres coercitivos que requeiram a participação sumária de qualquer Estado, obrigando-o a vincular-se a dita organização. Entretanto, estando o país associado à ONU, compete a este aceitar o que está positivado na Carta da instituição, disto, decorre a obrigação de que os Estados-membros não se vinculem a outras organizações internacionais, cujos dispositivos maculem aqueles estabelecidos na Carta da ONU, documento aceito pelos signatários como vinculativos e por fim, sendo a entidade dotada de personalidade jurídica, o que lhe confere autonomia, não está, pelo menos em tese, vinculada aos interesses dos países-membros, pois possui órgãos que lhe confere atingir fins próprios, distintos dos atos soberanos estatais.
Para Amaral (2010, p. 36):
Quanto ao processo decisório, as organizações internacionais geralmente não operam segundo as normas de deliberação por maioria. O Estado soberano somente costuma se sentir vinculado à determinada resolução caso tenha sido favorável a ela, ao menos no que seja classificado como importante, e não meramente instrumental.
Importante destacar que a Organização das Nações Unidas tem na denominada Carta de São Francisco, o seu documento maior, gozando de supremacia frente a qualquer outro. Sendo a Carta da ONU o documento maior da entidade, nada mais justo que existindo qualquer espécie de conflito entre obrigações assumidas pelos Estados-membros da ONU, frente a qualquer tipo de acordo internacional, deverá sempre prevalecer às obrigações firmadas perante a ONU. Portanto, a Carta da organização é o documento máximo na hierarquia do Direito Internacional.
Verifica-se que a posição adotada pela Carta da ONU, reforça outro entendimento, o que reconhece que embora não seja a instituição uma espécie de governo mundial, pelo seu caráter intergovernamental e não supranacional é convenie aceitar que em virtude de sua competência e universalidade, a organização assume papel de destaque frente a qualquer outra entidade internacional.
Do exposto até o momento, torna-se imprescindível reafirmar, que a natureza jurídica da ONU a coloca frente aos Estados-membros como um ente cujas decisões são em regra não vinculantes, sendo apenas recomendações, este é, por exemplo, o escopo da Assembleia-Geral. No entanto a natureza jurídica do Conselho de Segurança assume um caráter vinculante, portanto obriga os países signatários a acatar suas decisões, caso contrário, estão sujeitos a medidas coercitivas, conforme aponta o Capítulo VII, Artigo 39 da Carta da ONU: “O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a seguranças internacionais”.
A ordem jurídica do Direito Internacional é descentralizada. Assim, por mais que consideramos importante a Carta da ONU esta, não tem a força de uma Constituição, sendo, portanto a vontade dos Estados-membros fator de grande relevância. Reforçando tal argumento, Rezek (2010) menciona que na esfera internacional inexiste autoridade superior e milícia permanente. Deste modo, o Estado-Nação se organiza de modo horizontal agindo em conformidade com normas jurídicas fruto de seu consentimento, haja vista que a criação de normas é obra direta de seus destinatários.
.Convém salientar que tem a Organização das Nações Unidas, o poder de aplicar sanções. Todavia, reflexões devem ser feitas acerca do escopo destas sanções, pois no intuito de punir Estados que macularam dispositivos da ONU, acabam atingindo populações e economias, muitas já marcadas por vulnerabilidades decorrentes de governos autoritários, organizações criminosas e pobreza extrema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O surgimento da Organização das Nações Unidas procurou ser uma resposta aos conflitos gerados por duas guerras de âmbito mundial. Deste modo, tal instituição, foi apresentada ao mundo, como, um espaço do diálogo e da negociação em prol da promoção, manutenção e fortalecimento da paz.
Compreendendo paz não só como ausência de guerra a ONU, desde a sua criação, apoia a cooperação entre os povos, busca respeitar e fazer respeitar os direitos humanos e procura assegurar as liberdades fundamentais.
Na medida em que expandem as organizações internacionais, impulsionadas pela globalização, relativiza-se a soberania estatal, pois, vivemos os tempos de uma ordem planetária.
Quanto à eficácia das decisões proferidas pela ONU, constata-se, que os Estados-membros ao assinarem à Cata da organização, delegaram parte de sua soberania ou resolveram compartilhá-la com a referida instituição, entretanto não há que se falar em perda de soberania, mas de relativização desta.
Ainda quanto à eficácia das decisões da ONU, critica-se o papel desempenado pelas nações hegemônicas que têm feito da organização um espaço de luta pelo poder, colocando seus interesses acima das necessidades da comunidade internacional. Deste modo, torna-se urgente uma reforma da instituição, principalmente em seu documento maior e no Conselho de Segurança.
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Professor do Ensino Médio da rede estadual da Bahia, licenciado em Geografia pela UNEB ( Universidade do Estado da Bahia), bacharelando em Direito pela Faculdade Guanambi- Guanambi- BA;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TRINDADE, Ricardo Neiva. A eficácia das decisões proferidas pela ONU na resolução de conflitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2015, 01:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44648/a-eficacia-das-decisoes-proferidas-pela-onu-na-resolucao-de-conflitos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
Por: Beatriz Matias Lopes
Por: MARA LAISA DE BRITO CARDOSO
Por: Vitor Veloso Barros e Santos
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