Resumo: A guarda compartilhada foi inserida em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei nº 11.698/2008 – que promoveu alteração nos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil. Porém, é com a edição da recente Lei nº 13.068/2014 que o compartilhamento da guarda se torna regra. Trata-se de uma espécie de guarda em que ambos os pais são postos em condição de igualdade, como detentores concomitantes do poder familiar e tomadores igualitários de decisões relativas à criação dos filhos, tudo isso visando a manutenção dos laços afetivos entre pais e filhos e amenizar os efeitos do rompimento do vínculo conjugal na vida dos filhos. Com esse novo regramento normativo, questões controvertidas passaram a ser pauta, a saber: tempo de convivência, residência base, direito de visitas, direito de supervisão e informação e alimentos. Nesse processo de fixação da guarda compartilhada, detém o Ministério Público o direito de requerer a produção de provas técnicas, a serem produzidas por uma equipe multidisciplinar, que servirão de subsídio para o magistrado estabelecer os termos do compartilhamento da guarda. Toda essa reflexão relativa ao novel sistema normativo será apreciado no presente artigo científico.
Palavras Chaves: Guarda Compartilhada, Lei nº 13.068/2014, Convivência Familiar, Melhor Interesse dos filhos, Ministério Público.
SUMÁRIO: Introdução – 1. O Poder Familiar. 1.1 Evolução histórica do poder familiar. 1.2 Conceito de poder familiar. 1.3 Titularidade do poder familiar – 2. A guarda dos filhos. 2.1 Conceito e Modalidades. 2.2. A guarda Compartilhada – 3. A Nova Lei da Guarda Compartilhada e seus aspectos controvertidos. 3.1 Tempo de Convivência e Residência Base de Moradia. 3.2 Direito de Visitas. 3.3 Direito aos Alimentos. 3.4 Descumprimento do Dever da Guarda e Penalidades ao Guardião. 4. O papel do Ministério Público como efetivador das diretrizes instituídas pela Nova Lei da Guarda Compartilhada. – 5. Conclusão – Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Os conflitos envolvendo a guarda dos filhos de pais que não coabitam ganharam novos contornos com o advento da Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2015, que alterando os artigos 1.583, 1.584 e 1.634 do Código Civil, instituiu a aplicação da guarda compartilhada como regra.
A presente produção científica tem justamente o escopo de abordar o instituto da Guarda Compartilhada, abordando, minuciosamente, os aspectos controvertidos decorrentes do compartilhamento da guarda como: o direito de convivência, moradia, visitas, alimentos, supervisão e penalidades ao guardião, destacando-se, também, a atuação do Ministério Público como efetivador das diretrizes traçadas por essa Nova Lei da Guarda Compartilhada.
Antes de adentrar no foco principal, realizar-se-á uma abordagem sobre o poder familiar, o instituto da guarda, com ênfase à modalidade compartilhada, para, finalmente, chegar-se à temática do papel do Ministério Público como efetivador das novas diretrizes instituídas por este novo regramento da lei civilista.
1. O PODER FAMILIAR
Antes de adentrar no estudo da guarda compartilhada e do papel do Ministério Público diante das novas diretrizes estabelecidas pela Lei nº 13.058/2014, imprescindível uma breve abordagem sobre o poder familiar, seu conceito, suas espécies.
1.1 Evolução histórica do poder familiar.
O instituto do pátrio poder, poder familiar ou poder paternal, ao lado da trajetória evolutiva da família, modificou-se bastante no curso da história.
Durante a vigência do antigo Código Civil de 1916, o atual poder familiar era denominado de pátrio poder, em alusão ao poder que detinha o pai sobre os filhos. Com o advento do Novo Código Civil de 2002, em adequação à ordem constitucional de 1988, que tratou de forma isonômica a figura do homem e da mulher, conferindo-lhes poderes-deveres igualitários na criação e educação de seus filhos, o histórico termo “pátrio poder” passou a ser denominado de poder familiar.
Quando do seu surgimento, na Roma Antiga, o pátrio poder ou poder familiar era considerado como o poder incontestável do pai, o pater, que detinha a autoridade ilimitada sobre todos os membros da família. Exercia o pater funções religiosas e políticas, sendo considerado o sacerdote, o herdeiro do lar, o continuador dos avós, o tronco dos descendentes, o depositário dos ritos misteriosos do culto e das fórmulas secretas da oração. O pátrio poder se revelava até mesmo pelo poder de vida e morte que era conferido ao pai em relação aos seus filhos.
Na Idade Média, mais especificamente a partir do século X, em vista das mudanças de natureza econômica e demográfica que atingiram a Europa, do incremento da atividade comercial e do crescimento da população, o modelo de instituição familiar começou a sofrer grandes transformações, reduzindo-se ao núcleo formado pelos pais e seus filhos. Nessa época, já se visualizava um abrandamento na autoridade paterna.
O Brasil, sob a influência romana, teve, em seu período colonial e imperial, o exercício do patriarcalismo, que ingressou, em terras brasilis, com a chegada dos portugueses. A autoridade do senhor de engenho e do barão do café são marcas evidentes da existência, no período da economia da cana-de-açúcar e do café, da figura do patriarca, como herança da Roma antiga.
Como ocorrera no cenário internacional, com o processo de industrialização, a autoridade patriarcal começa a perder força, já que as mulheres passam a ter maior autonomia em relação à sua prole. É a chamada despatriarcalização.
É, contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, que a ordem jurídica brasileira confere, de forma expressa, tratamento isonômico aos cônjuges, conforme dicção do art. 226, §5º:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
(…)
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Seguindo a mesma linha, o legislador ordinário edita o vigente Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), colocando em “pé de igualdade” os pais no exercício do pátrio poder. É como dispõe o art. 21 desta norma estatutária:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Tem-se, assim, sob a égide da ordem jurídica em vigor, um poder familiar, ou como preferem alguns doutrinadores, uma autoridade parental exercida em conjunto, em compartilhamento, pelo pai e pela mãe.
Mas, o que vem a ser este poder familiar?
1.2 Conceito de poder familiar
A legislação civilista, ao fazer referência ao poder familiar, não se preocupa em conceituá-lo, apenas lhe fazendo menção em vários dispositivos e estabelecendo que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores” (art. 1630 do CC), deixando este papel de defini-lo para a doutrina.
O professor doutor Flávio Tartuce, em sua obra Manual de Direito Civil, define modernamente o poder familiar como sendo “(...) uma decorrência do vínculo jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto.”[1]
Já, sob a ótica do renomado estudioso do direito de família na atualidade - Paulo Lôbo, o poder familiar é “o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, no interesse destes. Configura uma autoridade temporária, exercida até à maioridade ou emancipação dos filhos”[2]
Preciosa também a definição externada pelo doutrinador Sílvio Rodrigues: “o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção deles”[3].
Independentemente da conceituação, têm-se como objetivo precípuo do exercício do poder familiar salvaguardar os interesses dos filhos menores, proporcionando-lhes uma criação e uma educação adequada às condições vivenciadas pela família. Em contrapartida, o poder familiar encerra também o dever dos filhos em respeitar, obedecer, honrar os seus pais. É o que expõe claramente Sílvio de Salvo Venosa:
“Visto sob o prisma do menor, o pátrio poder ou poder familiar encerra, sem dúvida, um conteúdo de honra e respeito, sem traduzir modernamente simples ou franca subordinação. Do ponto de vista dos pais, o poder familiar contém muito mais do que singela regra moral traduzida ao Direito:o poder paternal, termo que também se adapta a ambos os pais, enfeixa um conjunto de deveres com relação aos filhos que muito se acentuam quando a doutrina conceitua o instituto como um pátrio dever”[4].
Maria Helena Diniz, trazendo o pátrio poder sob uma conotação de compartilhamento entre progenitores, acentua que:
“O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.”[5]
Constata-se, assim, dos supracitados conceitos que é o poder familiar um instituto de Direito de Família, que conjuga direitos e obrigações mútuas assumidas pelos pais, implementado para dar proteção aos filhos menores e não emancipados, de modo que concedendo-lhes meios dignos de subsistência, saúde, educação para fazê-los seres humanos íntegros, físico e moralmente.
1.3) Titularidade do poder familiar
Como já explicitado, o poder familiar transmudou-se no curso da história. Durante a vigência do revogado Código de 1916, era defensável ao marido, na condição de chefe da sociedade conjugal, a titularidade do pátrio poder, cabendo à mãe apenas excepcionalmente, por ausência ou impedimento do outro genitor, o direito de exercê-lo.
Com a edição da Lei nº 4.210/62 – Estatuto da Mulher Casada, as esposas começaram a ser “premiadas” com algumas concessões, dentre elas, o exercício simultâneo do pátrio poder pelos progenitores e a possibilidade de fazer uso da via judicial para dirimir eventuais divergências.
Para Sílvio Rodrigues, “a vantagem da inovação consistia em impedir o despotismo do marido, que soube, a partir de então, não ser inexorável a sua decisão”[6].
Com o advento da Constituição Federal de 1988, toda essa situação se modificou, não se permitindo a concessão de qualquer privilégio, ainda que mínimo, ao pai no exercício do poder familiar.
Instituiu-se, a partir de então, o princípio da igualdade entre os cônjuges, previsto no citado §5º do art. 226 da Constituição Federal, e acompanhado pelo art. 21 Lei nº. 8.069/90.
O Novo Código Civil de 2002, em observância a esses novos princípios, atribuiu a ambos os cônjuges ou conviventes, na constância do casamento ou da união estável, o poder familiar, sendo apenas no caso de falta e impedimento de um deles exercido com exclusividade pelo outro cônjuge.
É interessante observar que, em que pese tenha a legislação civilista atribuído como titulares do poder familiar os pais, deve essa normatização ser interpretada em conformidade com a Constituição, que tutela implícita e explicitamente outras entidades familiares. Assim, como bem destaca Paulo Lôbo, “onde houver quem exerça múnus, de fato ou de direito, na ausência de tutela regular, como se dá com irmão mais velho que sustenta os demais irmãos, na ausência de pais, ou de tios em relação a sobrinhos que com ele vivem”.[7]
É de bom alvitre destacar que a convivência entre os pais não é requisito para a se titularizar o poder familiar, ou seja, nenhum dos pais, em caso de dissolução do casamento ou da união estável, perde o exercício do poder familiar, pois este encargo decorre da paternidade e da filiação.
Nessas situações de dissolução da entidade conjugal e assemelhada, ocorria, até pouco tempo, a concessão da guarda dos filhos a um dos cônjuges, ficando o outro genitor com o direito de visitas, situação que não representava a suspensão ou extinção do poder familiar, posto que os institutos do poder familiar e da guarda não se confundem.
É justamente em atenção ao princípio da igualdade entre os genitores, previsto no art. 226, §5º, da CF/88, e ao princípio do melhor interesse da criança, consagrado na Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, que os Tribunais pátrios passaram a admitir o exercício da guarda compartilhada, praxe jurídica que restou recentemente preconizada como regra com a edição da Lei nº 13.058/2014, matéria que será minuciosamente examinada a seguir.
2. A GUARDA DOS FILHOS
2.1 Conceito e Modalidades
Segundo o dicionário Aurélio, o termo Guarda significa “ato ou efeito de guarda; cuidado e vigilância; serviço (de quem guarda ou exerce vigilância); proteção; benevolência…”
Na semântica jurídica, guarda é o ato de guardar e resguardar o menor, de manter a vigilância no exercício da custódia e de representá-lo ou assisti-lo. A guarda é o instituto jurídico, por meio do qual se atribui ao guardião um complexo de direito e deveres a serem exercidos, com o objetivo de proteger e prover as necessidades da sua prole, com o intuito de protegê-la e educá-la, garantindo-lhe um crescimento saudável.
Dessa forma, juridicamente, entende-se a guarda dos filhos como um dos atributos do poder familiar, baseado na responsabilidade da proteção e do cuidado dos filhos menores pelos pais, independente da modalidade de guarda instituída por eles.
Apesar do Código Civil de 2002, no artigo 1.583, enunciar que a guarda será exercida de forma unilateral ou compartilhada, há divergência na doutrina em relação à quantidade de modalidades de guarda, porquanto, para uma melhor compreensão desta obra, suficiente se fará a explanação de três, a saber: a guarda unilateral, a guarda alternada e a guarda compartilhada.
Em relação à guarda unilateral, trata-se de uma espécie prevista no § 1° do artigo 1.583 do Código Civil, conceituada como aquela atribuída a um só dos genitores ou alguém que o substitua, nos termos do artigo 1.584, §5°, do CC.
Nessa modalidade, o poder-dever sobre o filho é exercido de forma direta e exclusiva pelo guardião, que é aquele com melhores condições de exercê la, enquanto ao outro, como não há a destituição do poder familiar, caberá o papel de supervisionar os interesses do filho, conforme exegese do §3° do mesmo artigo.
Sobre o tema, vale transcrever o entendimento de Camargo et al:
“Embora a aplicação da guarda unilateral a um dos pais seja a solução viável nos casos de incapacidade ou não desejo do outro de exercer a guarda, tem-se que tal modalidade nem sempre se apresenta como a melhor solução para os casos de desentendimento entre os pais, podendo, como se disse no início, até mesmo agravar a litigiosidade entre os membros de determinado núcleo familiar existente quando da separação/ruptura do vínculo conjugal em razão da disputa pela guarda exclusiva dos filhos”.[8]
De criação doutrinária, a guarda alternada, por sua vez, não detém previsão expressa na legislação civil pátria, recebendo inúmeras críticas tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, não sendo acolhida pela maioria dos juristas brasileiros especialistas em direito de família, por não possibilitar uma maior solidez à formação da criança e estabelecimento de rotinas essenciais ao desenvolvimento dela.
A modalidade alternada pressupõe um revezamento do exercício da guarda pelos genitores, com a alternância da convivência física dos filhos e concentração isolada do poder familiar de um dos pais no período pré-determinado de tempo em que filho está sob a sua companhia. Assim, a característica principal dessa guarda é a exclusividade da soberania do poder familiar a um dos pais, sendo transferidos todos os poderes, com exclusividade, ao outro, quando o menor passará a estar com ele por certo período.
Desta feita, sobre posicionamento majoritário contrário a concessão da guarda alternada, diante da sua natureza cíclica e de revezamento da transferência do poder dever dos pais sobre os filhos e considerada prejudicial ao desenvolvimento saudável do infante, segue novamente o entendimento de CAMARGO et. al., sobre a guarda alternada:
Sobre esse aspecto, a guarda alternada é muito criticada por ser considerada prejudicial às crianças, na medida em que vai de encontro ao princípio da continuidade do lar, prejudicando o alicerçamento das bases de formação da criança em razão da troca constante de orientações a que ficam expostas, já que é característica desta modalidade de guarda a frequente alternância de referenciais físicos e pessoais. De acordo com os críticos dessa modalidade de guarda, em especial psicólogos, a alternância de constantes referenciais pode ser danosa à saúde psíquica do menor, tornando-o confuso e inseguro e causando instabilidade emocional.[9]
Por fim, em relação a guarda compartilhada, apesar da sua análise no próximo tópico deste presente estudo, vale enunciar que sua conceituação está prevista no artigo 1.583, §1°, do Código Civil, estabelecendo que, nesta modalidade de guarda, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
2.2 A Guarda Compartilhada.
Chega-se a um dos pontos centrais da presente obra: a Guarda Compartilhada. Como já explicitado, a guarda compartilhada foi inserida em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei nº 11.698/2008 – que promoveu alteração nos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil.
Não obstante, antes mesmo da regulamentação legislativa, alguns julgados já vinham admitido o compartilhamento da guarda entre pais não conviventes.
Inclusive, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal, desde o ano de 2006, convocava os julgadores à aplicação desta modalidade de guarda, editando, na IV Jornada de Direito Civil, o Enunciado nº 335 que assim expressava: “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação da equipe multidisciplinar”.
Contudo, é com a edição da Lei nº que a guarda compartilhada é posta como regra no sistema jurídico brasileiro.
Trata-se de uma espécie de guarda em que ambos os pais são postos em condição de igualdade, como detentores concomitantes do poder familiar e tomadores igualitários de decisões relativas à criação dos filhos, tudo isso visando a mantença dos laços afetivos entre pais e filhos e amenizar os efeitos do rompimento do vínculo conjugal na formação dos filhos.
A instituição da guarda compartilhada como regra tem sido acolhida com grande louvor pela doutrina moderna.
Para Paulo Lôbo, essa espécie de guarda “é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos. Nessa modalidade, a guarda é substituída pelo direito a convivência dos filhos em relação aos pais. Ainda que separados, os pais exercem em plenitude o poder familiar.”[10]
Maria Berenice Dias, grande nome do Direito de Família Brasileiro, destaca que o compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar, é o modo de garantir, de forma efetiva, a corresponsabilidade dos pais, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla destes na participação na formação e na educação do filho, que a simples visitação não dá espaço.
Sobre a temática, de grande valia transcrever também os ensinamentos de Waldir Grisard Filho, citado por Mônica Guazzelli em seu artigo:
“a guarda compartilhada é a organização estabelecida após a separação dos genitores, no zelo e proteção da prole comum, na qual ambos detêm integralmente a guarda jurídica, devendo ser estabelecida a forma de convívio do filho com um e outro, garantido aos genitores proximidade física, divisão dos encargos no exercício da guarda e, ainda, a participação equitativa de pai e mãe na tomada de decisões relativas ao menor”.[11]
Assim, nesta espécie de guarda, os pais, ainda que separados, habitantes de lares diferentes, exercerão, concomitantemente, a custódia dos filhos, cabendo-lhes a formação, a criação, a educação e a manutenção.
Ora, sem sombra de dúvidas, a guarda compartilhada é aquela que traduz o melhor interesse dos filhos.
Afinal, como explicita,
“o que se propõe pela guarda compartilhada é manter uma convivência entre pais e filhos muito mais frequente e contributiva. Isso pode ocorrer por iniciativas corriqueiras, como acompanhá-los até a escola e os auxiliar na resolução das respectivas tarefas, participar dos eventos escolares e das reuniões pedagógicas, levá-los à natação, ao futebol, ao curso de línguas etc. Relevante é que os pais se façam presentes na vida dos filhos, interagindo com eles e ensinando-lhes, por suas atitudes, como se deve, ou não, instituir a própria identidade.(...)”
Foi justamente, em atenção aos princípios da proteção integral e do melhor interesse dos filhos, que o legislador ordinário resolveu editar a Lei nº 13.058/2014 e fixar a guarda compartilhada como regra.
Por conta desta nova normatização, alguns aspectos controvertidos precisam ser esclarecidos como o tempo de convivência com cada genitor, a sua residência base de moradia, os alimentos, dentre outros pontos que serão a seguir apreciados.
3. A NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA E SEUS ASPECTOS CONTROVERTIDOS
É cediço que a regulamentação da guarda compartilhada, no Brasil, ocorreu com o advento da Lei 11.698 de 2008, que alterando os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, previu de forma expressa a modalidade compartilhada da guarda, mesmo diante da inexistência de acordo entre os pais.
No entanto, apesar do instituto da lei visar à garantia de condições igualitárias de direito aos pais em relação a seus filhos, observava-se que a alteração prevista pela Lei não se mostrou suficiente, pois ainda predominava o posicionamento tradicionalista da concessão da guarda unilateral, especialmente à mãe, quando presente o dissenso entre os pais, representando, para mutos, ainda uma modalidade excepcional.
Assim, visando à alteração deste cenário e na tentativa de ampliação da adoção da guarda compartilhada, foi que se editou a Lei n° 13.058 de dezembro de 2014, que alterando novamente os artigos 1.583, 1.584 e 1.634 do Código Civil, estabeleceu o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispôs sobre as formas de sua aplicação, trazendo novidades no âmbito do direito de família, pontos polêmicos que serão a seguir explanados.
3.1 Tempo de Convivência e Residência Base de Moradia
Com o advento dessa novel legislação, muitas opiniões surgiram e algumas de certa maneira equivocadas, acerca da pretensão do legislador, ao utilizar as expressões “tempo de convivência”, “dividido de forma igualitária” e “cidade base de moradia”, nos §§2° e 3º do artigo 1.583 da Lei Civil. Segue teor:
§2° - “Na guarda compartilhada, o tempo de convivência com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.
§3° Na guarda compartilhada, a cidade base de moradia será aquela que melhor atender aos interesses do filho.
Ao expressar as suas razões, no projeto da discutida lei, o legislador demonstrou o seu intuito de privilegiar o compartilhamento da convivência, das decisões, da responsabilidade dos pais sobre os filhos, e não estipular uma medida exata de quantidade de períodos de tempo idênticas a cada genitor, pois assim equipararia a guarda compartilhada à guarda alternada, interpretação esta prejudicial aos filhos.
Pois bem, voltando a característica principal da guarda compartilhada que é a responsabilização conjunta dos pais aos filhos, resguardando-a, principalmente, à aquele em que não há a convivência física, pois o poder familiar independe da possibilidade dos pais estarem ou não fisicamente convivendo com a prole, o legislador foi bastante claro, no parágrafo 3° do artigo 1.583 do CC, quanto à necessidade da fixação da residência base do menor.
Assim, considerando que, na guarda compartilhada, a guarda jurídica é de ambos os genitores, poderá a guarda física da criança ser alternada, morando o menor apenas com um dos genitores, a “cidade base de moradia”, onde será sua residência habitual, mas convivendo com o outro genitor de forma ampla e mais assídua do que o “direito de visitas” estabelece.
Nesse sentido, corrobora o entendimento de Simone Roberta Fontes apud Francinária Ferreira Santiago:
“Na guarda compartilhada, um dos pais pode manter a guarda física do filho, enquanto partilham equitativamente sua guarda jurídica, essa chamada por joint legal custody no sistema da commom law. Assim, o genitor que não mantém consigo a guarda material, não se limita a fiscalizar a criação dos filhos, mas participa ativamente de sua construção. Decidindo ele, em conjunto com o outro, sobre todos os aspectos caros ao menor, a exemplo da educação, religião, lazer, enfim, toda a vida do filho”.[12]
É importante destacar que, mesmo quando os pais moram em cidades diferentes, o compartilhamento da guarda é admitido.
De qualquer forma, para estabelecer a base de moradia dos filhos, o critério eleito pelo legislador foi o da residência que melhor “atender aos interesses dos filhos”.
Neste caso, não havendo um consenso, caberá ao magistrado e ao promotor de justiça utilizarem-se de perícias técnicas, de modo a apurar este critério.
Com a fixação da residência base, deverá o julgador determinar os períodos de convivência com o outro genitor, atentando-se sempre ao disposto no §2º do art. 1.583 da legislação civilista: “§2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.”
3.2 Direito de Visitas.
A regulamentação do direito de visitas, com a adoção do modelo compartilhado de guarda, perdeu muito significado e é, para alguns, reconhecido como inaplicável quando da fixação dessa modalidade de guarda.
No entanto, conforme já explanado, no compartilhamento da guarda não ocorre necessariamente o compartilhamento da guarda física do menor, na qual a criança reside tanto na casa do pai quanto na da mãe, mas sim, pressupõe o compartilhamento da guarda jurídica, da corresponsabilidade dos poderes e deveres dos pais sobre os filhos, tudo dependendo do que for estabelecido nas cláusulas da fixação dos termos da guarda.
Apesar de o termo visitas ser bastante criticado pela doutrina, por evocar a ideia de tarefa mecânica entre os pais e os filhos, com limitações de encontros e horários rígidos, sob a fiscalização do outro genitor, subentende-se que mesmo assim, nos casos da guarda compartilhada, há a possibilidade das visitas serem estabelecidas, em benefício da criança e do genitor com quem ela não reside, pois a visitação não é somente um direito assegurado ao pai ou à mãe, é um direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos paternos e materno filial.
Sobre o desuso do termo visitas, esclarece Mônica Guazzelli:
[…] Fazendo breve digressão, essa terminologia “direito de visitas” está em franca decadência, sendo muito melhor designada por períodos de convivência. Muito criticado, com razão, esse vocabulário, pois, como bem afirma a pedagoga Maristela Barcelo de Castro, “visitar é uma condição de quem não convive, não vive, não está sempre presente, nem de corpo, nem de alma, e, ao menos, é responsável. Dar o direito à visita ao próprio filho é dar a sentença e o limite do envolvimento que se deve ter com ele”.[13]
Dessa forma, considerando que não há prévia determinação legal sobre as formas de fixação de visitas, já que o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, acertadamente, não a previram de forma expressa, o tempo reservado às visitas deverá ser estabelecido conforme as possibilidades dos pais e filhos que as exercem, observando-se sempre que as visitas constituem muito mais um direito do filho e um dever dos pais, pois o objetivo da lei é permitir a ampla convivência dos filhos com os pais, de modo a preservar a afetividade entre eles.
Assim, o regramento para as visitas deve basear na atuação conjunta dos genitores, advogados, juízes e promotores de justiça para, no caso concreto, estabelecer as cláusulas que melhor permitam a convivência do filho aos genitores, sempre na busca do melhor desenvolvimento da criança.
No mais, vale lembrar que a qualquer momento as regras poderão ser alteradas, em caso de grave violação das prerrogativas dos genitores, tudo na prevalência do superior interesse da criança.
Pois bem, extremamente importante que o regime de visitas seja bem detalhado, em especial, quando há conflito entre os genitores, evitando-se assim dúvidas e constrangimentos capazes de gerar novos desacertos.
Caberá aos pais, no dia a dia, sempre que possível flexibilizar a aplicação destas regras, através de um bom relacionamento, pois quanto melhor a relação entre os pais melhor serão os indicadores de saúde mental da criança.
E como ficarão os alimentos?
3.3 Direito aos Alimentos.
No Brasil, o dever de prestar alimentos aos filhos que ainda não atingiram a maioridade decorre do Poder Familiar e o critério para sua fixação está previsto no artigo 1.694, §1° do Código Civil (CC), justificando-se no binômio alimentar necessidade X possibilidade e não especificamente na detenção da guarda, que mesmo na modalidade compartilhada, ambos os genitores serão responsáveis pelas necessidades dos seus filhos.
Assim, cabe frisar que o estabelecimento da guarda compartilhada não implicará na ausência de fixação de alimentos aos filhos, a qual poderá, se necessária sua concessão, justificando se no binômio alimentar e não na instituição apenas na modalidade unilateral da guarda.
Corroborando com o tema, bem enuncia trecho da obra de Azambuja et al:
O assunto atinente aos alimentos na guarda compartilhada não difere dos alimentos destinados aos casos rotineiros de guarda jurídica entregue a um só dos pais, tanto no plano material como no plano do direito processual. O problema residirá em apurar, cuidadosamente, as despesas pelas quais responderão cada um dos genitores, tudo em conformidade com os termos que regerão esta espécie de guarda.(Azambuja, 2009, p.23)
De forma bastante clara, esclarece:
“A determinação da base de moradia (art. 1.583, §3º, do CC), ou seja, qual dos genitores exercerá a custódia física da prole, acarretará, em consequência, a obrigação de prestar alimentos do outro progenitor. Aquele que detém o filho em sua custódia física alcançará o atendimento das necessidades da prole de forma direta (e, muitas vezes, despendendo valores maiores do que o genitor que paga o pensionamento).”[14]
E complementa: “É equivocada a ideia de que a Lei nº 13.058/2014 poderia eximir um dos pais do pagamento da prestação alimentícia nem, ao menos, proporcionar-lhes redução na contribuição em curso.”[15]
Com efeito, não restam dúvidas de que o compartilhamento da guarda e, portanto, das responsabilidades por ambos os genitores, não é óbice ao arbitramento de alimentos em desfavor de um dos pais. O que se espera é que os pais busquem um denominador comum como forma da resolução dos conflitos e envolvam o mínimo possível os filhos em suas divergências, atentando-se sempre para os interesses do menor envolvido.
3.3 Direito de Supervisão e à Informação.
A nova Lei 13.058/2014, vide seu §5° do artigo 1.583 do Código Civil, instituiu o dever ao genitor que não detenha a guarda, quando unilateral, de supervisionar os interesses do filho, e como forma de efetivar a supervisão, permitiu que qualquer dos genitores sempre seja parte legítima para solicitar informações e/ou prestações de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos relacionados à sua prole.
No entanto, ponto bastante polêmico é a previsão na lei do ajuizamento de ação de prestação de contas. Ocorre que, quando necessária a fixação de pensão alimentícia por um genitor em favor do filho, presume-se que tal valor a ser administrado pelo guardião é um valor necessário para o pagamento das despesas do menor, portanto, permitir que se ajuíze demanda contra o guardião, a fim de que preste contas, é fazer nascer novos e desnecessários conflitos.
Assim, tal ação deve ser aplicada apenas de forma eventual, ante presente indícios de abuso ou desvio da verba alimentar fixada, pois a forma mais adequada, caso os alimentos não estejam destinados exclusivo ao sustento do filho, é a discussão em ação revisional de alimentos e não, necessariamente, em ação de prestação de contas. (Idem, 2015).
Por fim, no tocante ao direito à informação, vale a pena elencar que a lei 13.058 de 2014, incluiu o §6° no artigo 1.584 do CC, obrigando qualquer estabelecimento público ou privado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre seus filhos, sob pena de multa por dia pelo não atendimento da solicitação, consoante disposição outrora elencada:
§6° Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação”
3.4 Descumprimento do Dever da Guarda e Penalidades ao Guardião.
Com a Lei nº 11.698, de 2008, o antigo §4º do artigo 1.584 do CC previa hipótese de sanção civil, de discutível utilidade há época, em casos de descumprimento imotivado das cláusulas de guarda unilateral ou compartilhada, o que permitia a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho, regra esta que comprometia a concessão da guarda compartilhada e aumentava, nos casos da guarda unilateral, os casos de alienação parental.
No entanto, com o advento da Lei 13.058/2014, fora excluída essa possibilidade de “redução quanto ao número de horas de convivência com o filho”, visto que a diminuição do número de horas poderia ser vantajoso ao genitor “faltoso”, já que seu anseio poderia ser a própria a redução de número de horas de convivência com o filho, conforme assim dispôs a nova redação do §4° do referido artigo: “alteração não autorizada e o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor”.
Posto isto, considerando que o direito à convivência é um direito também do menor e em prevalência ao princípio do melhor interesse do filho a interpretação da regra de sanção ao guardião, nos termos da nova previsão na legislação Civil, deve se atentar ao caso concreto e a gravidade da violação das cláusulas da guarda estabelecida, aplicando-se ao genitor apenas quando sem justificativa razoável e de modo arbitrário, prejudica o direito de convivência do outro genitor e a equilíbrio da guarda e do seu compartilhamento.
Por fim, vale enunciar que os genitores devem ter a consciência do fiel cumprimento e responsabilidade dos termos avençados na guarda, sendo que ocorrências isoladas e de pouca gravidade podem até ser desconsideradas, necessitando se de reiteradas violações do guardião para que a haja uma redução das suas prerrogativas, pois a finalidade da guarda compartilhada é justamente assegurar o compartilhamento das decisões e corresponsabilidades dos genitores perante os filhos, permitindo o parâmetro de duplo referencial do pai e da mãe, necessário para o seu desenvolvimento saudável.
Apreciadas as diretrizes instituídas pelo legislador pátrio a respeito do novel modelo de guarda, passa-se ao exame da atuação do Parquet, ante o surgimento da guarda compartilhada.
4. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO EFETIVADOR DAS DIRETRIZES INSTITUÍDAS PELA NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA
O ponto crucial da presente produção científica é o estudo da atuação do Ministério Público nos processos de guarda e do seu importante papel na fixação da guarda compartilhada.
Como já fora explicitado, há tempos que a guarda compartilhada tem habitado o cenário jurídico brasileiro. Muitos magistrados, verificando a possibilidade de convivência harmônica entre os pais da criança, já vinham decidindo pelo compartilhamento da guarda.
Atento a tais reclamos, resolveu o legislador ordinário editar a Lei nº, criando legalmente o instituto da guarda compartilhada. No entanto, é com o surgimento da recente Lei nº 13.058/2014 que esta espécie se consolida como a regra.
Tal postura do constituinte representou uma importante forma de efetivação do princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança e do adolescente, principiologia instituída, de forma inédita, pelo constituinte de 1988, com a inserção do art. 227, in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Seguindo a ótica do constituinte, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90, também assim estabeleceu:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Nessa perspectiva, como os direitos e interesses relativos à tutela da criança e do adolescente se configuram de caráter social ou indisponível, detém o Parquet o múnus constitucional de atuar em todos os processos que envolvam interesses de menores, a exemplo das ações em que se discute a guarda dos filhos, configurando-se a sua eventual ausência em hipótese de nulidade processual.
Nas palavras do colega Promotor de Justiça do Paraná Luciano Machado de Souza, essa atuação do parquet, em processos desses jaez, é:
“(....) norteada pela promoção dos interesses sociais e individuais indisponíveis envolvidos, é instrumento eficiente na gestão dos conflitos do Juízo de Família, independentemente da atuação dos interessados e do eventual impulso oficial do Poder Judiciário. Não bastasse, é evidente que se trata de atuação em benefício da paz social.”[16]
Inclusive, a obrigatoriedade de participação do Ministério Público, em lides que envolve interesses de incapazes e de pátrio poder, encontra-se elencada no art. 82 do Código de Processo Civil:
“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I - nas causas em que há interesses de incapazes;
II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade.”
É justamente amparado neste mister de tutelar os direitos das crianças e dos adolescentes que a Lei da Guarda Compartilhada conferiu, em seu §3º do art. 1584, aos promotores de justiça, atuantes junto aos juízos de famílias, a possibilidade de participar ativamente dos processos de estabelecimento da guarda compartilhada, requerendo a produção de provas técnicas a serem elaboradas por profissionais de diversas áreas, como psicólogos, psiquiatras, pedagogos, assistente sociais, com vistas à fixação mais eficiente e ideal de atribuições aos pais e melhor distribuição do tempo de convívio com os filhos.
Segue inteligência do referido regramento civilista:
“Art. 1584. (…) §3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (destaque nosso).
A atuação conjunta desta equipe interdisciplinar com o magistrado e o promotores é de grande relevância, posto que é através dos laudos sociais e psicológicos produzidos que se poderá fixar os liames da guarda compartilhada.
Nesse sentido, pronuncia Douglas Freitas:
“A atuação da equipe interdisciplinar está prevista tanto na lei da alienação parental como na nova lei da guarda compartilhada, visto que é instrumento de ampla utilização nas lides familistas e de reflexo ímpar no fundamento das decisões judiciais: A perícia interdisciplinar será um dos instrumentos no conjunto probatório da ação. A produção da perícia como prova processual possui um caráter objetivo e outro subjetivo. O primeiro se dá pelo fato que se apresentará nos autos da ação um instrumento hábil e verificável, que tem por finalidade demonstrar a existência de um fato.
O segundo é a influência psíquica que a perícia produz, pois ao retratar – documentar – uma realidade fática, ela traz às partes envolvidas na ação a possibilidade de apreciação da prova produzida, para que seja corroborada ou contestada.”[17]
Além de conferir ao parquet o direito de requerer a produção de provas úteis ao estabelecimento da guarda compartilhada, a nova lei reconheceu a sua legitimidade para ajuizar ação de prestação de contas em face do genitor detentor da guarda e gestor dos alimentos concedidos ao menor, medida que visa à tutela do melhor interesse da criança e do adolescente.
Para corroborar:
“(...) é reconhecida ao genitor-alimentante (bem como ao Ministério Público e a qualquer outra pessoa interessada, como os avós e os tios) a legitimidade para requerer a prestação de contas do genitor que detiver a guarda e estiver administrando a importância pecuniária paga a título de alimentos”[18]
É de bom alvitre destacar ainda que o papel do MP, diante das novas diretrizes instituídas pelas Leis da Guarda Compartilhada, extrapola o âmbito judicial, conferindo-lhe, como também à Defensoria Pública, o dever de fomentar a utilização do instituto da mediação familiar, forma de apaziguamento dos ânimos dos genitores, visando a mitigação dos conflitos sem gerar sofrimento e traumas aos envolvidos, sobretudo à criança.
5. CONCLUSÃO
A guarda compartilhada foi introduzida em nosso ordenamento jurídico, por meio da Lei nº 11.698/2008. Surge como fruto das profundas transformações sofridas pelas entidades familiares nas últimas décadas.
Esta nova modalidade de guarda já há algum tempo habita o mundo jurídico brasileiro. Porém, é com o advento da Lei nº 13.058/2014, amparada no princípio do melhor interesse dos filhos, que o compartilhamento da guarda passa a ser regra.
O objetivo do legislador, sem sombra de dúvidas, foi o de permitir aos filhos o maior convívio com seus genitores e aos pais uma maior participação efetiva na criação e educação dos filhos. Além disso, a aplicação desta espécie de guarda tem sido recomendada para diminuir os efeitos negativos que o rompimento do vínculo conjugal possa ocasionar aos menores.
Para fixá-la, o julgador pode valer-se de perícias técnicas, elaboradas por profissionais das diversas áreas, como psicólogos e assistentes sociais, detendo o Ministério Público a legitimidade para pleitear essa produção de provas.
Nestes processos de guarda, a participação do parquet é imprescindível como forma de garantir às crianças e aos adolescentes que os seus direitos individuais e indisponíveis serão preservados.
REFERÊNCIAS
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[1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 1294.
[2] LÔBO, Paulo. Direito civil, famílias. 3.ed São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.268.
[3] RODRIGUES, Silvio apud COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 64.
[4] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 6, p. 333/334.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – vol. 5. Direito de família. São Paulo: Saraiva. 27ª ed., 2012, p. 601.
[6] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 357.
[7] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 273.
[8] CAMARGO, D. R. T.; OLIVEIRA, G. V.; ZAMARIOLA, A.T.S. Análise da obrigatoriedade da guarda compartilhada e as repercussões nas famílias brasileiras: a Lei n° 13,058/2014. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre, v.4 (jan/fev.2015), p. 22-44, jan. 2015, p. 30.
[9] Idem, p. 30.
[10] LÔBO, Paulo. Direito civil, famílias. 3.ed São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 175.
[11] GUAZZELLI, Mônica. A nova lei da guarda compartilhada. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre, v.4 (jan/fev.2015), 2015, p. 5-6.
[12] FONTES, Simone Roberta. Guarda compartilhada doutrina e prática. São Paulo: Pensamentos & Letras, 2009.
[13] GUAZZELLI, Mônica. A nova lei da guarda compartilhada. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre, v.4 (jan/fev.2015), 2015, p. 8.
[14] ROSA, Conrado Paulino da. Nova Lei da Guarda Compartilhada. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 80.
[15] Idem, p. 80.
[16] SOUZA, Luciano Machado. Luciano. A Atuação do Ministério Público na Gestão dos Conflitos que Envolvam Guarda qe Filhos qe Pais Separados. Disponível em: http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/teses09/LucianoMachado.pdf. Acesso em: 20 de maio. 2015.
[17] FREITAS, Douglas Phillips. JAVORSKI, Josiane. Perícia Social e Psicológica no Direito de Família. Florianópolis: Voxlegem, 2015. p. 63.
[18] ROSA, Conrado Paulino da. Nova Lei da Guarda Compartilhada. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 80.
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe, com atuação da 4ª Promotoria Distrital, membro do IDBFAM e Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUERRA, Edjilda Resende de Lima. O papel do Ministério Público como efetivador das diretrizes instituídas pela Nova Lei da Guarda Compartilhada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44671/o-papel-do-ministerio-publico-como-efetivador-das-diretrizes-instituidas-pela-nova-lei-da-guarda-compartilhada. Acesso em: 23 dez 2024.
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