A Lei n.º 12.015 de 07 de agosto de 2009, que alterou o Título VI, da Parte Especial do Código Penal, no tocante ao crime de estupro, assim dispôs:
“Art. 225 – Nos crimes definidos nos capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo Único: Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Assim, a ação penal pública condicionada à representação tornou-se a regra geral para os delitos contra a dignidade sexual e, a ação pública incondicionada, a exceção, tal como dispõe o citado paragrafo único do artigo 225 do CP, quando a vítima for menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável.
No tocante à questão da vulnerabilidade, se a vítima não for pessoa permanentemente vulnerável, a ação penal será publica condicionada à representação; contudo, tratando-se de vítima possuidora de incapacidade permanente, a ponto de não oferecer resistência aos atos libidinosos, a ação será incondicionada.
A propósito, é a lição de Cesar Roberto Bitencourt:
A confusa previsão da natureza da ação penal nos crimes contra a liberdade sexual e contra vítima vulnerável A Lei n. 12.015/2009, que alterou a redação do art. 225 do Código Penal, determina que a ação penal, para os crimes constantes dos Capítulos I e II do Título VI ("Dos Crimes contra a liberdade sexual" e "Dos crimes sexuais contra vulnerável", respectivamente), passa a ser pública condicionada à Documento: 37700959. Inverte, dessa forma, sua natureza, que era de exclusiva iniciativa privada. Contudo, paradoxalmente, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal determina que a ação penal é pública incondicionada se a vítima for menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável, ou seja, na hipótese dos crimes previstos no Capítulo II do mesmo Título do Código Penal, o exercício da ação penal não depende de qualquer condição, contrariando a previsão do caput. Afinal, nos crimes sexuais contra vulnerável (Capítulo II) a ação penal será pública condicionada à representação, como determina o caput do questionado art. 225, ou será pública incondicionada, como afirma o seu parágrafo único? Trata-se de um dos aspectos de uma verdadeira vexata quaestio deste Capítulo IV, que cuida das disposições gerais; o outro aspecto reside na contradição do ordenamento jurídico que, a pretexto de proteger um direito constitucionalmente tutelado - a liberdade sexual do cidadão -, restringe exatamente o exercício dessa liberdade, que era protegida pela natureza da ação penal de exclusiva iniciativa privada, pois reconhecia, nesses crimes, a prevalência do interesse individual em relação ao interesse público. (Tratado de Direito Penal, Parte Especial - Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual até os Crimes Contra a Fé Pública . 8ª ed., págs. 150/151)
Também é o que vem decidindo o STJ, in verbis:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT IMPETRADO CONCOMITANTE À INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
VERIFICAÇÃO DE EVENTUAL COAÇÃO ILEGAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO.
VIABILIDADE. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE NOS DEPOIMENTOS COLETADOS POR MEIO DE AUDIOVISUAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO EM MOMENTO OPORTUNO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS, DE PREJUÍZO EVIDENTE. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA.
PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VULNERABILIDADE VERIFICADA APENAS NA OCASIÃO DA SUPOSTA OCORRÊNCIA DOS ATOS LIBIDINOSOS. VÍTIMA QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA PESSOA PERMANENTEMENTE VULNERÁVEL, A PONTO DE FAZER INCIDIR O ART. 225, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA NO SENTIDO DE VER O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PROCESSADO. INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. É inadmissível o emprego do habeas corpus em substituição ou concomitante a recurso ordinariamente previsto na legislação processual penal ou, especialmente, no texto constitucional (precedentes do STJ e do STF).
2. Apesar de se ter solidificado o entendimento no sentido da impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do recurso cabível, o Superior Tribunal de Justiça analisa, com a devida atenção e caso a caso, a existência de coação manifesta à liberdade de locomoção, não tendo sido aplicado o referido entendimento de forma irrestrita, de modo a prejudicar eventual vítima de coação ilegal ou abuso de poder e convalidar ofensa à liberdade ambulatorial.
3. Em se tratando de nulidade, necessária a demonstração do efetivo prejuízo, bem como a arguição em momento oportuno, sob pena de preclusão. Precedente.
4. Evidenciado que a defesa alegou o vício decorrente de cortes nos depoimentos de testemunhas de acusação, coletados por meio de audiovisual, apenas nas razões da apelação, não tendo demonstrado prejuízo indispensável ao reconhecimento da nulidade, não há falar em anulação da ação penal.
5. De acordo com o art. 225 do Código Penal, o crime de estupro, em qualquer de suas formas, é, em regra, de ação penal pública condicionada à representação, sendo, apenas em duas hipóteses, de ação penal pública incondicionada, quais sejam, vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
6. A própria doutrina reconhece a existência de certa confusão na previsão contida no art. 225, caput e parágrafo único, do Código Penal, o qual, ao mesmo tempo em que prevê ser a ação penal pública condicionada à representação a regra tanto para os crimes contra a liberdade sexual quanto para os crimes sexuais contra vulnerável, parece dispor que a ação penal do crime de estupro de vulnerável é sempre incondicionada.
7. A interpretação que deve ser dada ao referido dispositivo legal é a de que, em relação à vítima possuidora de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação penal seria sempre incondicionada. Mas, em se tratando de pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos, a ação penal permanece condicionada à representação da vítima, da qual não pode ser retirada a escolha de evitar o strepitus judicii.
8. Com este entendimento, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer crime de estupro de vulnerável seria de ação penal pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 do Código Penal.
9. No caso em exame, observa-se que, embora a suposta vítima tenha sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião da prática dos atos libidinosos, esta não é considerada pessoa vulnerável, a ponto de ensejar a modificação da ação penal. Ou seja, a vulnerabilidade pôde ser configurada apenas na ocasião da ocorrência do crime. Assim, a ação penal para o processamento do crime é pública condicionada à representação.
10. Verificada a ausência de manifestação inequívoca da suposta vítima de ver processado o paciente pelo crime de estupro de vulnerável, deve ser reconhecida a ausência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal.
11. Observado que o crime foi supostamente praticado em 30/1/2012, mostra-se necessário o reconhecimento da decadência do direito de representação, estando extinta a punibilidade do agente.
12. Writ não conhecido. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício, para anular a condenação e a ação penal proposta contra o paciente.
(HC 276.510/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 01/12/2014)
HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT IMPETRADO CONCOMITANTE À INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
VERIFICAÇÃO DE EVENTUAL COAÇÃO ILEGAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO.
VIABILIDADE. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE NOS DEPOIMENTOS COLETADOS POR MEIO DE AUDIOVISUAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO EM MOMENTO OPORTUNO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS, DE PREJUÍZO EVIDENTE. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA.
PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VULNERABILIDADE VERIFICADA APENAS NA OCASIÃO DA SUPOSTA OCORRÊNCIA DOS ATOS LIBIDINOSOS. VÍTIMA QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA PESSOA PERMANENTEMENTE VULNERÁVEL, A PONTO DE FAZER INCIDIR O ART. 225, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA NO SENTIDO DE VER O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PROCESSADO. INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. É inadmissível o emprego do habeas corpus em substituição ou concomitante a recurso ordinariamente previsto na legislação processual penal ou, especialmente, no texto constitucional (precedentes do STJ e do STF).
2. Apesar de se ter solidificado o entendimento no sentido da impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do recurso cabível, o Superior Tribunal de Justiça analisa, com a devida atenção e caso a caso, a existência de coação manifesta à liberdade de locomoção, não tendo sido aplicado o referido entendimento de forma irrestrita, de modo a prejudicar eventual vítima de coação ilegal ou abuso de poder e convalidar ofensa à liberdade ambulatorial.
3. Em se tratando de nulidade, necessária a demonstração do efetivo prejuízo, bem como a arguição em momento oportuno, sob pena de preclusão. Precedente.
4. Evidenciado que a defesa alegou o vício decorrente de cortes nos depoimentos de testemunhas de acusação, coletados por meio de audiovisual, apenas nas razões da apelação, não tendo demonstrado prejuízo indispensável ao reconhecimento da nulidade, não há falar em anulação da ação penal.
5. De acordo com o art. 225 do Código Penal, o crime de estupro, em qualquer de suas formas, é, em regra, de ação penal pública condicionada à representação, sendo, apenas em duas hipóteses, de ação penal pública incondicionada, quais sejam, vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
6. A própria doutrina reconhece a existência de certa confusão na previsão contida no art. 225, caput e parágrafo único, do Código Penal, o qual, ao mesmo tempo em que prevê ser a ação penal pública condicionada à representação a regra tanto para os crimes contra a liberdade sexual quanto para os crimes sexuais contra vulnerável, parece dispor que a ação penal do crime de estupro de vulnerável é sempre incondicionada.
7. A interpretação que deve ser dada ao referido dispositivo legal é a de que, em relação à vítima possuidora de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação penal seria sempre incondicionada. Mas, em se tratando de pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos, a ação penal permanece condicionada à representação da vítima, da qual não pode ser retirada a escolha de evitar o strepitus judicii.
8. Com este entendimento, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer crime de estupro de vulnerável seria de ação penal pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 do Código Penal.
9. No caso em exame, observa-se que, embora a suposta vítima tenha sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião da prática dos atos libidinosos, esta não é considerada pessoa vulnerável, a ponto de ensejar a modificação da ação penal. Ou seja, a vulnerabilidade pôde ser configurada apenas na ocasião da ocorrência do crime. Assim, a ação penal para o processamento do crime é pública condicionada à representação.
10. Verificada a ausência de manifestação inequívoca da suposta vítima de ver processado o paciente pelo crime de estupro de vulnerável, deve ser reconhecida a ausência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal.
11. Observado que o crime foi supostamente praticado em 30/1/2012, mostra-se necessário o reconhecimento da decadência do direito de representação, estando extinta a punibilidade do agente.
12. Writ não conhecido. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício, para anular a condenação e a ação penal proposta contra o paciente.
(HC 276.510/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 01/12/2014)
Assim, a interpretação que Sexta Turmado STJ vem dando ao referido dispositivo legal seria no sentido de que, em se tratando de pessoa vulnerável, a ação penal é pública incondicionada. Em relação à vítima vulnerável, possuidora de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação penal seria incondicionada. Em se tratando de pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos, a ação penal permaneceria condicionada à representação da vítima.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Tratado de Direito Penal, Parte Especial - Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual até os Crimes Contra a Fé Pública . 8ª ed., págs. 150/151.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo: RT, 2009.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Ação penal nos crimes contra a liberdade sexual e nos delitos sexuais contra vulnerável – a Lei 12.015/09. Disponível em www.jurid.com.br , acesso em 11.09.2009.
www.stj.jus.br
Analista em direito do Ministério Público de Minas Gerais, pós graduada em direito administrativo e em direito penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Cleia Zille. Ação penal nos crimes de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44682/acao-penal-nos-crimes-de-estupro. Acesso em: 23 dez 2024.
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