Resumo: Nos contratos administrativos é prerrogativa da Administração Pública a aplicação de sanções aos contratados que incidirem em descumprimentos contratuais. A lei 8.666/90 elenca as seguintes sanções aplicáveis aos fornecedores: advertência, multa, suspensão temporária e declaração de inidoneidade. Em relação a essas duas últimas há grande dissenso sobre a sua diferenciação e alcance, sendo que o STJ e o TCU tem entendimento oposto em relação à abrangência das referidas penalidades. O presente artigo visa a esclarecer esses pontos divergentes.
Palavras-chave: Sanção. Suspensão Temporária. Declaração de Inidoneidade.
1. Introdução
O Direito Administrativo funda-se principalmente em dois pilares básicos: o princípio da supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público. Em virtude de tais princípios, a Administração Pública possui certas prerrogativas ou poderes em suas relações com os particulares.
Em relação aos contratos administrativos, essas prerrogativas são reveladas nas chamadas “cláusulas exorbitantes”, que são aquelas que excedem o direito privado para desnivelar as partes contratantes, conferindo uma posição de supremacia para a Administração.
Dentre tais prerrogativas existe a de aplicar sanções aos contratados, pelo descumprimento das cláusulas contratuais. Ressalte-se que não se trata de faculdade, mas sim de um poder-dever da Administração, posto que esta encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, ou seja, incidindo o contratado em uma inexecução ou em uma execução deficiente a Administração deve aplicar-lhe as sanções cabíveis.
A lei 8.666/90 elenca as sanções administrativas aplicáveis ao contratado no seu art. 87:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
O presente artigo visa a distinguir e demonstrar a divergência de entendimentos acerca do alcance das sanções de suspensão e impedimento de licitar e contratar com a Administração e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública.
2. Suspensão e impedimento de licitar e contratar com a Administração
A penalidade de suspensão temporária de licitar e contratar com a administração acarreta a impossibilidade de o contratante participar de procedimentos licitatórios ou celebrar contratos, nos casos em que já houver sido realizada a licitação, pelo prazo de até 2 (dois) anos.
A aplicação de tal penalidade deve observar a gravidade da conduta do contratado, bem como os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, assim como as demais sanções.
Questão controvertida diz respeito aos limites de tal penalidade, ou seja, se a suspensão alcança toda a Administração Pública ou somente o órgão que aplicou a sanção.
Inicialmente cumpre trazer à tona o conceito de Administração constante na lei de licitações:
Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;
Assim, conforme o brocardo jurídico que a lei não contém palavras inúteis, uma interpretação literal do dispositivo leva a entender que a sanção de suspensão limita-se apenas ao órgão, entidade ou unidade administrativa que aplicou a referida penalidade.
Este é o entendimento do Tribunal de Contas da União:
ALCANCE DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 87, III, DA LEI N.º 8.666/93Representação formulada ao TCU noticiou suposta irregularidade no Convite n.º 2008/033, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB), cujo objeto era a “contratação de serviços de infraestrutura na área de informática do Banco”. Em suma, alegou a representante que o BNB estaria impedido de contratar com a licitante vencedora do certame, haja vista ter sido aplicada a esta, com base no art. 87, III, da Lei de Licitações, a pena de “suspensão de licitar e contratar com a Administração pelo período de um ano”, conforme ato administrativo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE). Instado a se manifestar, o Ministério Público junto ao TCU alinhou-se “ao posicionamento da parcela da doutrina que considera que a sanção aplicada com supedâneo no art. 87, inciso III, da Lei das Licitações restringe-se ao órgão ou entidade contratante, não sendo, portanto, extensível a toda a Administração Pública”. Portanto, para o Parquet, “o impedimento temporário de participar de procedimentos licitatórios está restrito à Administração, assim compreendida pela definição do inciso XII do art. 6º da Lei de Licitações.”. Anuindo ao entendimento do MP/TCU, o relator propôs e o Plenário decidiu considerar improcedente a representação. Precedentes citados: Decisão n.º 352/98-Plenário e Acórdãos n.os 1.727/2006-1ª Câmara e 3.858/2009-2ª Câmara. Acórdão n.º 1539/2010-Plenário, TC-026.855/2008-2, rel. Min. José Múcio Monteiro, 30.06.2010.
Seguindo este mesmo entendimento, a Instrução Normativa nº 02/2010 da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que estabelece normas para o funcionamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG., estabelece que:
Art. 40. São sanções passíveis de registro no SICAF, além de outras que a lei possa prever:
I – advertência por escrito, conforme o inciso I do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, conforme o inciso II do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993;
III – suspensão temporária, conforme o inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993;
IV – declaração de inidoneidade, conforme o inciso IV do artigo 87 da Lei nº 8.666, de 1993; e
V – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme o art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.
§ 1º A aplicação da sanção prevista no inciso III deste artigo impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção.
Na contramão deste posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça entende que a sanção de suspensão temporária impede o sancionado de licitar e contratar com toda a Administração Pública e não apenas aquele órgão ou entidade aplicador da sanção, tendo em vista que a administração é uma, sendo incabível a distinção entre administração e Administração Pública:
EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.
- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
- A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.
- Recurso especial não conhecido.( REsp 151567 / RJ - SEGUNDA TURMA - STJ - Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS. Publicação: DJ 14/04/2003 p. 208.)
Marçal Justen Filho adota o entendimento no sentido da repercussão subjetiva ampla da suspensão temporária de licitar e contratar:
Seria possível estabelecer uma distinção de amplitude entre as duas figuras. Aquela do inc. III produziria efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicasse; aquela do inc. IV abarcaria todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da redação legislativa, pois o inc. III utiliza apenas o vocábulo ‘Administração’, enquanto o inc. IV contém ‘Administração Pública’. No entanto, essa interpretação não apresenta maior consistência, ao menos enquanto não houver regramento mais detalhado. Aliás, não haveria sentido em circunscrever os efeitos da ‘suspensão de participação de licitação’ a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar ‘suspenso’. A menos que lei posterior atribua contornos distintos à figura do inc. III, essa é a conclusão que se extrai da atual disciplina legislativa.
Assim, percebe-se que a tese que amplia o alcance da sanção de suspensão temporária de licitar e contratar é mais fortalecida na doutrina e jurisprudência.
3. Declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública
Esta é a sanção considerada mais grave na escala apresentada pela lei de licitações e contratos. Impede o particular de contratar com a Administração, a princípio, por um prazo indeterminado, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção de suspensão temporária.
Em virtude de tal gravidade, só pode ser aplicada por Ministros de Estado, Secretários Estaduais ou Municipais.
O jurista Marçal Justen Filho distingue a sanção de declaração de inidoneidade da suspensão temporária da seguinte forma:
A distinção entre os pressupostos da suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e da declaração de inidoneidade (inc. IV) não é simples. Ambas as figuras importam retirar do particular o direito de manter vínculo com a Administração. O que se pode inferir, da sistemática legal, é que a declaração de inidoneidade é mais grave do que a suspensão temporária do direito de licitar – logo, pressupõe-se que aquela é reservada para infrações dotadas de maior reprovabilidade do que esta.
(...)
A mais nítida diferença entre as figuras é o prazo. A suspensão temporária poderia ser decretada para prazo máximo de dois anos, já a declaração de inidoneidade prevaleceria por prazo indeterminado (até cessarem os motivos da punição ou até que fosse promovida a ‘reabilitação’ do punido). Outra, consiste na competência, a imposição da sanção de suspensão temporária cabe à autoridade competente do órgão contratante, enquanto a declaração de inidoneidade à autoridade máxima do órgão ou entidade
A aplicação desta sanção abrange a Administração Pública com um todo, ou seja, a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas (Inciso XI, do art. 6º, da lei 8.666/90).
4. Conclusão
As penalidades previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 distinguem-se em relação ao prazo, à gravidade, competência e, para alguns, abrangência.
O TCU perfilha o entendimento de que a suspensão temporária de licitar e contratar produz efeitos somente em relação ao órgão contratante, ao passo que a declaração de inidoneidade produz efeitos em relação a toda a Administração Pública.
O STJ e grande parte da doutrina entendem que não é possível se distinguir as duas sanções em relação ao alcance, posto a aplicação de ambas abrange toda a Administração Pública.
A par de tais entendimentos divergentes, é certo que cabe à Administração apurar os descumprimentos contratuais por meio do devido processo administrativo e observando os princípios da ampla defesa e contraditório.
Referências
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 18.ª edição, Lumen Juris, 2007.
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11.ª edição, Dialética, 2005.
Graduação em TECNOLOGIA EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS pelo IFPI (2009) e em DIREITO pela UESPI (2011). Atualmente é ADVOGADO da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Rayanna Silva. O entendimento divergente do STJ e TCU sobre o alcance das sanções de suspensão e impedimento de licitar e declaração de inidoneidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44726/o-entendimento-divergente-do-stj-e-tcu-sobre-o-alcance-das-sancoes-de-suspensao-e-impedimento-de-licitar-e-declaracao-de-inidoneidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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