RESUMO: Este artigo tem como objetivo o estudo acerca da possibilidade de cabimento da querella nullitatis como sucedâneo da ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, eis a lei que instituiu os Juizados, veda expressamente a utilização da ação rescisória. Contudo, isto não quer dizer que as decisões judiciais transitadas em julgado proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis com qualquer dos vícios elencados pelo art. 485 do Código de Processo Civil, não possam ser passíveis de impugnação.
Palavras-Chave: Juizados Especiais Cíveis. Princípios Norteadores dos Juizados Especiais Cíveis. Ação Rescisória. Querela Nullitatis.
Abstract: This article aims to study about the possibility of the appropriateness of nullitatis querella as substitute for rescission action under the Small Claims Courts, that is the law that established the Courts, expressly prohibits the use of rescission action. However, this does not mean that carried over judicial decisions handed down under the small claims courts with any of the vices listed by art. 485 of the Civil Procedure Code, cannot be open to challenge.
Keywords: Civil Small Claim’s Courts. Civil Small Claim’s Courts principles. Termination Action. Querela Nullitatis.
Sumário. Introdução. 1. Da Ação Rescisória e sua Vedação no Âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. 2. Breves Considerações Acerca do Instituto da Querella Nullitatis. 3. Utilização da Querella Nullitatis como Sucedâneo da Ação Rescisória no Âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. 4. Conclusão.
Face ao sucesso obtido em razão da implantação dos Juizados de Pequenas Causas, o Constituinte de 1988, instituiu no art. 98, I da Constituição Federal, o seguinte: “caberia à União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarem juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.” (BRASIL, 2005, p. 80)
Desta feita, a Lei 9.099/95 instituiu os Juizados Cíveis Estaduais, ao passo que a Lei 10.259/2001 criou os Juizados Especiais Cíveis na esfera Federal.
Assim, com o escopo de ampliar o acesso do cidadão ao Poder Judiciário, os Juizados Especiais Cíveis foram criados como um microssistema processual, devendo se orientar pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e busca da conciliação ou transação.
E, é em respeito aos princípios supracitados que alguns institutos processuais foram extirpados do arcabouço dos Juizados Especiais Cíveis, sem, contudo, terem sido criados mecanismos que visassem resultados práticos similares. É o que se dá, por exemplo, com a vedação de ajuizamento de ação rescisória, terminantemente proibida no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, conforme determinação prevista no art. 59 da Lei 9.099/95.
Contudo, resta-nos uma indagação: Nos casos previstos no art. 485 do Código de Processo Civil, hipóteses de cabimento de ação rescisória, as decisões proferidas pelos Juizados Especiais Cíveis e por suas Turmas Recursais ficariam imunes a qualquer tipo de controle?
1. DA AÇÃO RESCISÓRIA E SUA VEDAÇÃO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
A ação rescisória, prevista nos arts. 485 a 495 do Código de Processo Civil, é um dos meios de ataque à desconstituição da coisa julgada material, elevada à garantia constitucional no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.
Nesse diapasão, Alexandre Freitas Câmara define a rescisória, como “demanda autônoma de impugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com eventual rejulgamento da matéria neles apreciada. ” (CÂMARA, 2014, p. 19).
Destarte, por não ser recurso, mas sim demanda autônoma, a ação rescisória provoca a instauração de processo novo em relação àquele em que se prolatou a decisão que se quer rescindir, devendo, portanto, preencher os requisitos dos pressupostos processuais e das condições da ação, conforme disposto no art. 267, incisos IV e VI, do Código de Processo Civil.
No entanto, outros requisitos devem ser observados para que seja possível a admissibilidade da ação rescisória: que seja ajuizada dentro do prazo decadencial de 2 (dois) anos, que o provimento judicial que se pretende rescindir verse sobre o mérito da causa, portanto, deve ser proferido em conformidade com as hipóteses previstas no art. 269 do Código de Processo Civil, que o provimento judicial tenha transitado em julgado e que se verifique a ocorrência de pelo menos uma das hipóteses elencadas taxativamente pelo art. 485 do Código de Processo Civil.
Contudo, há, porém, outro ponto que precisa ser considerado, o da proibição expressa a ação rescisória, é o que esclarece Alexandre Freitas Câmara:
[...]. É que há decisões de mérito que, não obstante alcancem a autoridade de coisa julgada material, não podem ser impugnadas por ação rescisória simplesmente porque a lei não o autoriza. É o caso das decisões de mérito proferidas nos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis [...] (CÂMARA, 2014, p. 39).
Sem dúvida, a ação rescisória é terminantemente proibida no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, eis que o art. 59 da lei 9.099/95 veda expressamente o seu cabimento. Contudo, a questão que aqui se põe é saber os motivos de tal vedação.
Alexandre Freitas Câmara aponta que “é razoável supor que o legislador tenha suprimido a “ação rescisória” do microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis em razão do fato de que os Tribunais não atuam no processo por esse microssistema regido”. (CÂMARA, 2004, p. 162). Isto porque, as Turmas Recursais, competentes para revisar as decisões egressas dos Juizados, embora atuem em segundo grau, são órgãos da primeira instância, ou seja, não se encontram vinculadas aos Tribunais, e, como sabido, a competência originária para conhecer da ação rescisória é dos Tribunais.
Já Ricardo Cunha Chimenti, entende que “a vedação à ação rescisória encontra respaldo nos princípios norteadores do Sistema Especial, principalmente no princípio da celeridade. ” (CHIMENTI, 2012, p. 340).
2. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO QUERELLA NULLITATIS
A querela nullitatis, que teve origem no direito romano, é meio de impugnação através da qual se pede o reconhecimento da ineficácia de um provimento judicial transitado em julgado, é apontada como ascendente das demandas autônomas de impugnação.
O certo é que a querella nullitatis sobrevive no direito processual civil brasileiro, em que pese não contar com previsão legal expressa, sendo admitida inicialmente na hipótese de falta ou nulidade de citação (art. 475-L, I, e art. 741, I, CPC).
Mas, segundo argumenta Alexandre Freitas Câmara, “mais recentemente, passou-se a admitir a utilização da querella nullitatis em qualquer caso em que a sentença, transitada em julgado, tenha sido proferida com a violação de norma constitucional. ” (CÂMARA, 2004, p. 169).
E afirma também que a querella nullitatis, pode ser admitida “em pelo menos mais uma hipótese, refiro-me ao sistema dos Juizados Especiais Cíveis. ” (CÂMARA, 2014, p. 188).
E conclui que “no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, porém, o campo de incidência desse instituto é ainda mais amplo, uma vez que atua como sucedâneo da “ação rescisória”. ” (CÂMARA, 2004, p. 170).
3. UTILIZAÇÃO DA QUERELLA NULLITATIS COMO SUCEDÂNEO DA AÇÃO RESCISÓRIA NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Como se demonstrou alhures, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis não contempla a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória.
A falta de instrumento previsto para impugnação na hipótese de se verificar qualquer dos vícios elencados pelo art. 485 do Código de Processo Civil, não significa dizer que as decisões transitadas em julgado proferidas na órbita dos Juizados Especais Cíveis fiquem refratárias a qualquer tipo de insurgência.
Assim, a pergunta que se faz é a seguinte: caberia ajuizamento de querella nullitatis contra decisões que tenham sido proferidas nos processos dos Juizados Especiais Cíveis que se amoldem em alguma das hipóteses previstas no art. 485 do Código de Processo Civil?
Segundo entende Alexandre Freitas Câmara,
[..] deve-se considerar cabível a querella nullitatis, no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, em todos os casos em que a sentença de mérito, transitada em julgado, tenha sido proferida com violação de norma constitucional ou em qualquer dos casos previstos no art. 485 do CPC.
Sendo possível, portanto, a utilização da querella nullitatis como sucedâneo da ação rescisória, seria a ação em epígrafe proposta perante o Juízo que proferiu a decisão ou em Tribunal? Ainda, estaria a querella nullitatis sujeita ao prazo decadencial a que se submete a ação rescisória?
No que diz respeito a questão da competência para julgamento da querella nullitatis, Freddie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, defendem que “a competência para a querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária. ” (DIDIER; CUNHA, 2009, p. 457).
Assim, a ação de querella nullitatis deve ser proposta e julgada na instância do juízo que se prolatou a decisão que se pretende ter declarada a ineficácia.
Com relação ao prazo para propositura, Adroaldo Furtado Fabrício defende sua posição no sentido de que a querella nullitatis não se submete ao prazo decadencial a que se sujeita o pedido de rescisão, podendo ser proposta a qualquer tempo, inclusive, após o transcurso de dois do trânsito em julgado do provimento judicial.
Portanto, a querella nullitatis não está sujeita à decadência tampouco à prescrição, podendo, portanto, ser proposta a qualquer tempo.
Por derradeiro, outro ponto a ser observado a respeito da querella nullitatis, é que o autor da ação em epígrafe deverá formular pedido objetivando tão somente a declaração de ineficácia de um provimento judicial transitado em julgado, devendo se abster de formular um outro pedido: o de rejulgamento da causa original. Isto porque, com a propositura da querella nullitatis “se buscará, tão somente, a declaração da ineficácia da sentença (ou do acórdão) proferida com violação de norma constitucional ou em qualquer das hipóteses previstas no art. 485 do Código de Processo Civil. ” (Câmara, 2004, p. 171/172).
Assim, face ao estudo ora realizado, observa-se que o legislador, sob a premissa de resguardar os princípios que norteiam os Juizados Especiais Cíveis, vedou a utilização de diversos institutos processuais, mormente, a ação rescisória.
Ocorre que mesmo no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis os casos que ensejam a rescindibilidade de um provimento judicial transitado em julgado, podem se manifestar, e, não há na lei dos Juizados hipótese de impugnação de tais decisões.
Assim, cabe a propositura da ação de querella nullitatis como sucedâneo da ação rescisória, devendo ser apresentada perante o Juízo prolator da decisão, se abstendo o autor da ação em epígrafe de pedir o rejulgamento da causa original.
REFERÊNCIAS
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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Bahia: Editora Jus Podivm, 2009.
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Advogada, Graduada em Direito pela Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), em agosto de 2010. Especialista em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC Minas). Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8531775992536707.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMADO, Izabela Alexandre Marri. O instituto da querella nullitatis como sucedâneo da ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2015, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44777/o-instituto-da-querella-nullitatis-como-sucedaneo-da-acao-rescisoria-no-ambito-dos-juizados-especiais-civeis. Acesso em: 23 dez 2024.
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