Resumo:Situações de conflitos entre casais separados geram frustrações afetivas que excedem os limites do lar desfeito, culminando em prejuízos aos filhos oriundos da relação desfeita. Quando tal relacionamento é composto de pessoas que possuem cidadanias distintas e uma delas resolve retirar o menor do país onde vive para impossibilitar completamente o seu convívio com o outro genitor, deve ser aplicada a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro, que tem como escopo a restituição imediata do menor à sua residência habitual. A aplicação do mencionado Tratado acarreta, além da devolução da criança, a prevenção da alienação parental e a efetivação do melhor interesse do menor.
Palavras-chave: Seqüestro internacional de crianças. Convenção de Haia. Restituição imediata. Residência habitual. Alienação parental. Prevenção. Melhor interesse da criança.
Introdução
As famílias possuem, na atualidade, inúmeros arranjos, sendo formadas, inclusive, por cônjuges de nacionalidades distintas. Entretanto, quando essas relações são desfeitas, ofilho, além do natural sofrimento advindo da separação, pode ainda ser vítimade seqüestro internacional por um de seus pais, evitando-se o contato com o outro genitor. Nesse contexto, necessário maior estudo sobre a Convenção de Haia para que os direitos e garantias das crianças, asseguradas constitucionalmente, sejam plenamente assegurados, evitando-se, por conseguinte, a alienação parental.
Desenvolvimento
A Constituição Federal, em seu artigo 227 dispõe que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, entre outros direitos, a convivência familiar.
Contudo, diante do litígio entre pessoas que já não vivem mais juntas, os filhos oriundos dessa relação sofrem conseqüências nefastas, pois, em muitos casos, os envolvidos não conseguem separar o exercício da atribuição conjugal do papel parental.
A propósito, ensina Maria Berenice Dias:
“Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma ‘lavagem cerebral’ feita pelo genitor alienador no filho, de modo a denegrir a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram e não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão do genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.” (DIAS, 2009, p. 418)
O genitor insatisfeito com o término da relação, que deveria proteger seus filhos de situações não saudáveis, passa a ser sujeito ativo nos conflitos, denegrindo de forma contínua a imagem do outro cônjuge após a separação.
Em tempos de globalização da sociedade, em que são verificados avançados métodos tecnológicos de comunicação e mobilidade, criam-se novos padrões de família, sendo cada vez mais comum existirem nacionalidades distintas envolvidas. Contudo, as diferenças comportamentais e culturais podem se destacar a ponto de tornar inviável os anseios que iniciais que motivaram o relacionamento.
Em hipóteses não raras, as desilusões oriundas do fracasso do casamento são causas de brigas intensas perante os tribunais internacionais, gerando litígios diplomáticos. Aqui, merece destaque a existência de filhos advindos do relacionamento findo, haja vista que são travadas verdadeiras guerras para se obter a custodia dos menores.
Esse contexto pode dar ensejo ao seqüestro internacional de menores, que ocorre quando um dos genitores, sem o consenso do outro, desloca o filho para outro país, para fins de obter uma situação que lhe seja favorável, que lhe atenda os interesses pessoais.
Nos dizeres de Paulo Lins Silva, “o genitor alienador, que tem o despertar de suas próprias questões pessoas conflituosas com a separação e desfazimento conseqüente dos planos de vida ali embutidos, por vezes age consciente do que provoca na prole.” (SILVA, 2008, p. 388)
Portanto, o seqüestro do próprio filho se torna uma forma interessante de tentativa de reconhecimento do alienador como único indivíduo que pode cuidar da criança. Os efeitos da alienação parental, que já seriam prejudiciais se todos os entes envolvidos vivessem no mesmo lugar, passam a ser extremamente danosos, pois são substituídos os sentimentos naturais do filho por aqueles projetados pelo alienante.
Acerca do tema, transcreve-se a lição de Paulo Lins Silva:
“Haverá um estreitamento do vínculo de dependência entre o filho e o genitor alienador, pois ao mesmo tempo em que alija o alienado da vida da criança, se estabelece como o único a quem ela poderá recorrer. Tornar-se-á, progressivamente, o único adulto em quem aquela criança confiará, inclusive porque afasta do convívio do menor todo aquele que, ainda, que minimamente, apresenta versão diversa dos fatos.” (SILVA, 2008, p. 388)
Na alienação parental, afasta-se não só a convivência com o outro genitor, mas também qualquer chance de conexão emocional do menor com este. No caso de retirada do menor de seu país, fica bastante facilitado o afastamento, inviabilizando o convívio com o alienado.
Tal hipótese envolve questões atinentes ao bem estar da criança, os pais, a sociedade e os Estados.
De acordo com Carolina Helena Lucas Mérida,
“O seqüestro parental internacional afeta milhares de crianças todos os anos. A Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças é o principal instrumento internacional, destinado a proteger as crianças dos efeitos nocivos da sua deslocação ou retenção ilícito além das fronteiras. Este tratado multilateral, que possui atualmente 82 Estados-Partes, não pretende pronunciar-se sobre questões de guarda, mas dá sentido ao princípio de que originariamente uma criança raptada deve ser devolvida imediatamente ao seu pais de origem.” (MÉRIDA2011, p. 9)
Assim, a mencionada Convenção, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 3.413/2000, prevê a promoção de medidas judiciais tendentes à restituição ao país de sua residência habitual os menores transferidos de forma ilícita para território estrangeiro, pois considera que a privação da convivência do menor com o outro genitor é prejudicial ao desenvolvimento psíquico e ao equilíbrio físico e emocional, ferindo o direito de conviver com os dois pais, pois ambos são essenciais na formação da personalidade e caráter.
Por conseguinte, infere-se que uma das finalidades da Convenção é possibilitar que as relações parentais sejam exercidas dentro da legalidade, preservando-se os vínculos familiares.
Para tanto, ressalta Paulo Henrique Gonçalves Portela:
“A Convenção prevê expressamente medidas administrativas ou judiciais, voltadas a promover a restituição de crianças ilicitamente transferidas do país de residência habitual para outro país. Sua aplicação orienta-se, portanto, pela necessidade de respeitar os termos de guarda estabelecidos dentro de um processo judicial ou decorrentes da convivência das crianças com um ou com os dois genitores.” (PORTELA, 2015, p. 781)
Os juízes que examinarem hipóteses que envolvam a Convenção de Haia devem se limitar ao exame sobre a ilegalidade da transferência dos menores do local de sua residência habitual, pois a Convenção não se destina a verificar o direito de guarda, mas a assegurar o retorno da criança ao país de origem, sendo esse o juízo competente para resolver acerca da guarda.
Mister destacar os ensinamentos de Paulo Henrique Gonçalves Portela no sentido de que
“Configurando-se os requisitos que caracterizam a transferência ilícita, deve a criança retornar ao Estado de onde foi levada, independentemente do mérito da decisão que, no Estado de origem, conferiu a guarda ou regulou as visitas.” (PORTELA, 2015, p. 784)
A Convenção visa solucionar o problema relacionado com a dificuldade em recuperar crianças seqüestradas, que, em muitos casos, tem sua destinação ignorada. Além disso, tem como escopo viabilizar o apoio da autoridade de onde a criança se encontra e efetivar o processo de devolução.
A propósito, ensina Marcos Duarte:
“O maior obstáculo encontrado antes da aprovação da Convenção era encontrar a criança, e mesmo conhecido seu paradeiro a parte interessada nao podia contar com a ajuda das autoridades do país onde esta se encontrava. Era necessário ajuizar ação perante o Juízo local, que sempre resultava em uma decisão contrária ao retorno da criança.” (DUARTE, 2011, p. 81)
Portanto, tem-se que a Convenção é um instrumento importante e eficaz no combate à alienação parental, haja vista que, além de prever normas de cooperação internacional que resguardam o menor, ainda propiciam o imediato retorno do menor abduzido da sua residência habitual.
Nesse diapasão, a Convenção assegura a manutenção do convívio da criança com o genitor alienado, inibindo ações do alienador e possibilitando a análise pelo juízo da residência habitual dos interesses da criança, cuja proteção é objetivo maior desse Tratado multilateral.
Insta salientar o apontamento de Carolina Helena Lucas Mérida:
“A Convenção de Haia de 1980, apesar de imperfeita, tem sido uma das melhores alternativas que impera nos casos desta natureza. A referida Convenção é um tratado multilateral que insere os Estados em um regime internacional de localização e avaliação da real situação da criança, que deverá ser restituída ao Estado de residência habitual.” (MÉRIDA, 2011, p. 8.)
Assim, consistindo o objetivo mediato da convenção em proteger os interesses da criança, impedindo seqüestros internacionais de menores, garantindo o seu retorno imediato ao país de onde foi retirada de forma ilegal, verifica-se que tal Tratado implica a prevenção da alienação parental. Nesse contexto, pode-se citar, de forma exemplificativa, a obrigação do genitor que retira a criança de seu país arcar com os custos que o recorrente e os Estados interessados incorrerem para localizar o menor, de acordo com o artigo 27 da Convenção.
Juntamente com a Lei 13.058/14, que prevê as alterações alusivas ao instituto da guarda compartilhada, esse tratado multilateral, de fundamental importância em nosso ordenamento, possuindo, frise-se, status constitucional de acordo com o artigo 5o, § 3o, da Constituição Federal, tem o nobre e precípuo objetivo de propiciar a efetivação do melhor interesse da criança.
Conclusão:
Um dos consectários lógicosda aplicação da Convenção de Haia é a valorização da convivência familiar, o que encontra guarida constitucional, pois se impede que um dos genitores se utilize do liti?gio, no caso, internacional, para impedir o convívio de seu filho com o outro pai, em notória hipótese de alienação parental. Portanto, fica garantido o desenvolvimento harmonioso e sadio da criança no seio da família, base social do ser humano.
Referências:
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.5d. São Paulo: RT, 2009.
DUARTE, Marcos. Alienação Parental: Restituição Internacional de Crianças e Abuso do Direito de Guarda. 1ed. São Paulo: Leis e Letras, 2011.
MÉRIDA,Carolina Helena Lucas. Seqüestro interparental: O Novo Direito das Crianças. Revista de Direito Internacional e Cidadania, Brasília, n. 9, p. 7-16, fev. 2011.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
SILVA, Paulo Lins e. “Síndrome da Alienação Parental e a Aplicação da Convenção de Haia”. In: CUNHA, Rodrigo da (Org.). Família e Solidariedade. Rio de Janeiro:LumenJuris, 2008.
Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Processual pela UNISUL e em Direito Público pela ANAMAGES. Pós-graduanda em Direito de Família pela UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUATIMOSIM, Ana Carolina Motta. A aplicação da Convenção de Haia como forma de evitar a alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44859/a-aplicacao-da-convencao-de-haia-como-forma-de-evitar-a-alienacao-parental. Acesso em: 23 dez 2024.
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