Resumo: O presente artigo tem por escopo realizar um breve cotejo analítico acerca do fenômeno da recuperação judicial de empresas. Tendo em vista a notória importância da atividade comercial dentro das relações socioeconômicas, revela-se de suma importância a incidência da atuação do Estado-Juiz no que diz respeito ao acompanhamento e procedibilidade da recuperação da empresa como forma de contribuir não só para a atividade comercial ali desenvolvida, mas também de todas as demais consequências que dela decorrem.
Palavras-chave: Recuperação judicial, direito falimentar, procedimento.
Sumário: 1 – Objetivo e importância; 2 - Requisitos necessários para o requerimento da recuperação judicial; 3 – Procedimento de recuperação judicial; 3.1 – Fase postulatória; 3.2 – Fase deliberativa; 4 – Considerações finais.
1 – Objetivo e importância
O objetivo do instituto da recuperação judicial de empresas tem fulcro no Art. 47 da Lei 11.101/2005. Tal artigo possui forte influência principiológica que incide sobre todo o procedimento de recuperação judicial. In verbis: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A preocupação com a ocorrência de crise interna na relação empresarial decorre do fato de que houve uma mudança dentro do ordenamento jurídico no que diz respeito às crises socioeconômicas. O que antes era visto como um fato oriundo de situações ilícitas – emanadas pela má-fé e desonestidade -, hoje é tido como um fato comum decorrente das complexas relações desenvolvidas no âmbito da atividade econômica. Este pensamento decorre de uma mudança de paradigma do direito falimentar moderno. Neste sentido:
O desenvolvimento das relações socioeconômicas fez com que o ordenamento jurídico passasse a tratar a crise da empresa de modo diverso, e assim a falência, que até pouco tempo atrás era vista como algo ocorrente apenas aos devedores desonestos, passou a ser considerada como uma situação de ocorrência comum, decorrente das dificuldades inerentes do exercício de atividade econômica. (RAMOS, 2014, p. 670)
O mecanismo anterior que buscava a solução para a crise sanável, a concordata, era muito criticado, pois permitia que seu uso indevido gerasse inadimplementos baseados em atos de má-fé e insegurança para os credores. Com a recuperação judicial, pautada num procedimento legal e com uma ótica diversa da utilizada na concordata, houve então a chamada mudança de paradigma supracitada.
Logo, percebe-se que a importância da insurgência da recuperação judicial de empresas na relação empresarial – seja em relação ao empresário individual ou até a sociedade empresária – consiste no fato de que há a aplicação de um verdadeiro mecanismo de recuperação que busca viabilidade para solucionar a crise econômico-financeira dentro do âmbito da empresa.
O que se busca, na verdade, é a reorganização da atividade da sociedade empresária, como bem leciona o ilustre Fábio Ulhoa Coelho:
A recuperação judicial é um processo peculiar, em que o objetivo buscado - a reorganização da empresa explorada pela sociedade empresária devedora, em benefício desta, de seus credores e empregados e da economia (local, regional ou nacional) — pressupõe a prática de atos judiciais não somente pelo juiz, Ministério Público e partes, como também de alguns órgãos específicos previstos em lei. (ULHOA, 2014, P. 332)
Portanto, é evidente a utilidade do uso deste procedimento tendo em vista que a atividade empresarial constitui uma genuína fonte de geração de empregos e produção de riqueza e, consequentemente, de crescimento econômico. Tendo em vista esse relevante papel, podemos afirmar que este se reveste de verdadeira função social. Neste sentido:
Muito se debateu ao longo dos anos sobre o papel fundamental a ser preenchido pela empresa, cuja conotação disciplina uma função social constitucionalmente prevista, a tal ponto de se delimitar a ação do Estado, dos agentes no momento da eclosão de crise, visando assim sujeitar às leis concorrenciais, ou simplesmente dispor de aparato suficiente à salvaguarda do negócio empresarial. Não se trata de assunto simples e de solução preparada, mas da reforma de princípios e conceitos em torno da preservação da empresa em crise. (MARTINS, 2014, p. 470)
Por se tratar de um assunto de notória complexidade, dado o fato de que os efeitos decorrentes da recuperação ou não recuperação repercutem – de certa forma – nas relações econômicas em torno do seio social, a recuperação de empresas não ocorre apenas na via judicial, mas também extrajudicial. Entretanto, a avaliação do presente trabalho tem por escopo a análise tão somente da primeira hipótese.
2 – Requisitos necessários para o requerimento da recuperação judicial
O requerimento de recuperação judicial, assim como a grande maioria dos procedimentos submetidos ao crivo do judiciário, está intimamente relacionado ao preenchimento de determinados requisitos legais. Em relação à recuperação judicial, os requisitos específicos estão expressamente previstos no Art. 48 da L. 11.101/05, que inclusive sofreu sensíveis alterações recentemente.
Tendo em vista a importância recorrente da obediência a estes requisitos, necessária se faz a leitura do aludido Artigo. Entretanto, por questões didáticas, é interessante fazermos uma tabela para que a visualização dos requisitos fique mais nítidas.
Requisitos para requerimento da recuperação judicial (Art. 48 L11105/05) |
1 - No momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos; |
2 - Não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; |
3 - Não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; |
4 - Não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; |
5 - Não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. |
Por fim, cabe salientar que, conforme assevera o próprio diploma legal, os requisitos supracitados devem ser preenchidos de forma cumulativa e não alternadamente. Isso significa que, uma vez não observado um desses requisitos, não haverá incidência de requerimento válido da recuperação judicial.
3 – Procedimento de recuperação judicial
O processo de recuperação judicial possui fases muito bem delimitadas na doutrina empresarial brasileira. Resumidamente, são 3 as fases do processo de recuperação: Fase postulatória, fase deliberativa e fase de execução, respectivamente.
Nesse sentido, ressalta Ulhoa (2014, P. 342):
O processo da recuperação judicial se divide em três fases bem distintas. Na primeira, que se pode chamar de fase postulatória, a sociedade empresária em crise apresenta seu requerimento do benefício. Ela começa com a petição inicial de recuperação judicial e se encerra com o despacho judicial mandando processar o pedido. Na segunda fase, a que se pode referir como deliberativa, após a verificação de crédito, discute-se e aprova-se um plano de reorganização. Tem início com o despacho que manda processar a recuperação judicial e se conclui com a decisão concessiva do benefício. A derradeira etapa do processo, chamada de fase de execução, compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de encerramento do processo.
Tendo em vista as especificidades de cada fase deste procedimento (chamado por Fábio Ulhoa de processo), passemos à análise individualizada de cada fase dele.
3.1 – Fase postulatória
A primeira fase do pedido inicial de recuperação judicial, em apertada síntese, compreende dois atos: Petição inicial – instruída com os documentos necessários[1] – e o despacho do Juiz determinando o processamento do procedimento de recuperação.
Caso tudo ocorra nos conformes legais, os atos da fase postulatória ficarão restritos aos dois já citados. Entretanto, não observando os requisitos legais, o Juiz poderá determinar a emenda à inicial, conforme leciona Ulhoa[2]:
Se a pessoa legitimada para requerer a recuperação judicial instruir adequadamente o pedido, a fase postulatória se encerra com dois atos judiciais: a petição inicial e o despacho que manda processar a recuperação. Se a instrução do pedido não tiver observado a lei, pode arrastar-se o processo pelo período solicitado para apresentação de documentos ou por determinação do juiz, com base na legislação processual civil, de emenda da petição inicial.
Além disso, a deflagração do processo de recuperação pode ocorrer de duas formas. A primeira acontece através de um pedido feito por qualquer dos legitimados. Já a segunda incide dentro de um pedido de falência – dentro do prazo da contestação uma vez requerida a falência do empresário ou da sociedade empresária, conforme o Art. 95 da lei 11.101/2005 que prevê expressamente que dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial. Portanto, constata-se que o pedido de recuperação judicial na falência constitui uma faculdade e não uma obrigação do devedor.
Independente de como tenha sido feito o pedido de recuperação, seja por petição inicial, seja no prazo da contestação da falência, o juiz terá que se pronunciar para conceder ou não o processamento da recuperação. Se o despacho for pelo prosseguimento, começará a correr o prazo para a apresentação do plano de recuperação.
3.2 – Fase deliberativa
Na fase deliberativa discute-se o plano de recuperação judicial – parte mais importante da recuperação. Na fase de análise do plano de recuperação – que deve conter a demonstração de como a empresa pretende se recuperar -, há um prazo de 60 (sessenta) dias de apresentação.
A contagem desse prazo começa a valer a partir da decisão que deferiu o processamento do procedimento de recuperação judicial. Esse prazo de 60 dias, saliente-se, é improrrogável e sua não apresentação de forma tempestiva acarreta a pesada de consequência de haver convolação em falência. É o que prevê o caput do Art. 53 da respectiva lei de falência e recuperação ao asseverar que o plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência.
Além da redobrada atenção quanto ao prazo para apresentar o plano de recuperação, há também a necessidade de aprovação do respectivo plano pela assembleia de credores. Preliminarmente, a assembleia de credores é um dos três órgãos específicos de recuperação judicial – juntamente com o comitê o administrador judicial.
Sem a atuação desse colegiado, o processo de recuperação judicial simplesmente torna-se inviável e, consequentemente, não tramita, uma vez que cabe a esse órgão a aprovação do plano de recuperação, parte crucial do procedimento. Salienta Ulhoa (2014, P. 234) que, até mesmo por razões lógicas, da Assembleia só podem participar os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e que tenham sido admitidos ao processo em função da verificação dos respectivos créditos.
Além disso, de acordo com o Art. 45 da Lei de falência, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas deverão aprovar a proposta[3]. Assim, percebe-se que estamos diante e um quórum deliberativo qualificado, que serve de condição para aprovação do plano de recuperação judicial.
Uma vez atingido o quórum, o plano aprovado pelos credores é simplesmente homologado pelo Juiz. Todavia, mesmo não atingindo o quórum deliberativo, mas chegando próximo a ele, o plano poderá ser adotado. Mas, nesse caso, quem decide se o plano de recuperação será aprovado ou não é o próprio Juiz. Em que pese a soberania dos credores e, consequentemente, da assembleia, ser nítida, há mitigação conquanto ao fato de que o Judiciário tem a competência de fazer o respectivo controle judicial dos atos de validade e de seus referidos requisitos legais.
Esse é o posicionamento do STJ, conforme podemos ver a seguir:
Plano de recuperação judicial. Aprovação pela AGC. Controle judicial. A assembleia geral de credores (AGC) é soberana em suas decisões quanto ao conteúdo do plano de recuperação judicial. Contudo, as suas deliberações - como qualquer outro ato d e manifestação de vontade – estão submetidas ao controle judicial quanto aos requisitos legais de validade dos atos jurídicos em geral. REsp 1.314.209, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 22.5.12. 3ª T. (Info 498, 2012)
Desta forma, o STJ deixou claro que a “soberania” da assembleia constituída pelos credores não afasta a hipótese de controle judicial no tocante ao plano de recuperação. Nesse sentido, cite-se o voto da Ministra Relatora, Nancy Andrighi, acompanhado por unanimidade pela 3ª turma no julgamento do já citado REsp 1.314.209/SP:
A obrigação de respeitar o conteúdo da manifestação de vontade, no entanto, não implica impossibilitar ao juízo que promova um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia. [...] A vontade dos credores, ao aprovarem o plano, deve ser respeitada nos limites da Lei. A soberania da assembleia para avaliar as condições em que se dará a recuperação econômica da sociedade em dificuldades não pode se sobrepujar às condições legais da manifestação de vontade representada pelo Plano.
Esse cuidado todo ocorre pelo fato de que, uma vez preenchidos os requisitos formais do requerimento de recuperação e tendo seu plano aprovado, conforme alude o caput Art. 49 da referida lei, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos[4].
Não obstante, a importância da aprovação e de sua necessária observância aos requisitos de validade, a parte fundamental do plano de recuperação é o requerente provar que tem meios para sair do momento de crise econômico-financeira. Em rol meramente exemplificativo, informa o Art. 50 da Lei 11.101/2005 quais seriam os possíveis meios.
4 - Considerações finais
A atividade empresarial não é um fim em si mesma. Dela, originam-se toda uma organização e estruturação de conversações de natureza socioeconômicas que, por não serem autônomas, são dependentes da manutenção de determinada atividade comercial. A depender da localidade na qual é desenvolvida, a atividade comercial ganha ainda mais expressão. Tendo em vista tamanho importância, tem-se à disposição todo um procedimento que deve ser obedecido para que seja possível a efetiva e eficaz recuperação da empresa nos moldes judiciais.
Contudo, a participação da empresa no procedimento aqui analisado não garante que haverá a efetiva recuperação. É preciso que, no decorrer do procedimento, constate-se que realmente é viável e possível o restabelecimento da atividade que está passando pelo trâmite de recuperação judicial. Vimos que isso ocorre quando o requerente da demanda empresarial demonstra que possui meios suficientes para superar a crise em que se encontra. Uma vez demonstrado, analisado e aprovado, o plano concederá à empresa a almejada recuperação, fomentando assim não apenas a determinada atividade, mas todo o contexto socioeconômico acessório à ela.
Referências
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: Direito de empresa. — 15. ed. — São Paulo: Saraiva, 2014.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 37. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 518. Disponível em <http://conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-518-do-stf-2008,21032.html>. Acesso em: 02/08/2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 498. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-498-do-stj-2012,37393.html>. Acesso em: 02/08/2015
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.314.209 – SP. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1149022&sReg=201200531307&sData=20120601&formato=PDF>. Acesso em: 02/08/2015.
[1] A relação dos documentos está prevista no Art. 51 da L. 11.101/2005. Por ser uma lista extensa, nota-se mais uma vez a presença da mudança de paradigma do direito falimentar moderno na tentativa de evitar concessão infundada de recuperação para quem solicita de má-fé e seus corolários.
[2] Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa / Fábio Ulhoa Coelho. — 15. ed. — São Paulo: Saraiva, 2014, P. 342.
[3] Neste ponto, Ulhoa atenta para o fato de que por outro lado, enquanto a maioria dos credores admitidos têm direito a voz e voto na Assembleia, alguns têm apenas o direito a voz.
[4] Apesar dessa afirmativa do caput do dispositivo, a regra não é assim tão severa, pois os parágrafos vão trazer exceções que se pode numerar: créditos nos quais o credor tenha posição de fiduciário, seja de bens móveis ou imóveis; créditos decorrentes de arrendamento mercantil; créditos no qual o credor seja promitente vendedor em cujo contrato contenha cláusula de irrevogabilidade; créditos decorrentes
De venda com reserva de domínio; créditos decorrente de adiantamento de contrato de câmbio e créditos fiscais. (INF 518/2013 do STJ)
Advogado. Pesquisador. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes. Ex-bolsista de iniciação científica e monitor de Direito Constitucional. Coautor do livro: "Ensaios de Direito Constitucional - Uma homenagem a Tobias Barreto". Autor de artigos e materiais jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, José Henrique Araujo dos. Recuperação judicial de empresas: importância e procedimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44931/recuperacao-judicial-de-empresas-importancia-e-procedimento. Acesso em: 23 dez 2024.
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