RESUMO: O presente artigo irá versar sobre a responsabilidade civil no transporte de passageiros, tendo em vista que, atualmente, o transporte coletivo se tornou meio de locomoção imprescindível para a maioria da população e que, infelizmente, não tem sido alvo de investimento do poder público. Em breve considerações este artigo irá abordar temas de forma a esclarecer os principais aspectos atinentes a responsabilidade do transportador, dentre elas a cláusula de incolumidade, a presunção de responsabilidade e não simples culpa presumida, a responsabilidade do transportador face ao código do consumidor, a exclusão da responsabilidade do transportador, o fortuito interno e externo, o fato exclusivo do passageiro, os limites da responsabilidade do transportador e as questões referentes ao transporte aparentemente gratuito e puramente gratuito.
Palavras-chave: Responsabilidade do transportador. Dano causado por terceiro. Excludentes de responsabilidade.
Introdução
Os transportes coletivos urbanos tornou-se para as sociedades atuais instrumento fundamental para o cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado Moderno, encontrando-se em progressiva relevância visto que, atualmente, há um grande número de pessoas dependentes desse transporte para deslocamento entre locais distantes, bem como em razão da escassez de tempo.
Atualmente, percebe-se uma maior preocupação em melhorar a quantidade e a qualidade do transporte coletivo, sendo sua maior concentração nos grandes conglomerados urbanos.
Ocorre que, em razão da grande demanda, a sua quantidade disponível não atende de forma satisfatória a todos os usuários e, ainda, podem vir a causar-lhes prejuízos que poderão ser reparados ou não dependendo da situação. Senão vejamos.
Desenvolvimento
O contrato de transporte constitui uma obrigação de resultado, ou seja, o transportador assume perante o passageiro levá-lo ao seu destino com segurança. Por meio do contrato de transporte, surge para o transportador uma específica obrigação de resultado, qual seja, a de deslocar pessoas de um lugar a outro. Para o beneficiário do transporte (passageiro) surge a obrigação de retribuir pagando pelo serviço. Assim, o contrato de transporte é bilateral, sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, aperfeiçoando-se pelo simples consentimento das partes.
Esses contratos são regidos pela chamada cláusula de incolumidade, ou seja: isenção de perigo ou danos, segurança. Esta cláusula está implícita e determina a obrigação do transportador, repise-se, que é de resultado esperado ou de finalização, e não de meio, a garantir aos passageiros uma viagem boa e segura, não permitindo que ocorra um fato estranho que possa causar dano aos passageiros. Tem o transportador o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto. Caso ocorra o contrário, a responsabilidade será do transportador.
Assim, verifica-se que a responsabilidade do transportador será objetiva, conforme preconiza o artigo 37, §6º da Constituição Federal. Sendo assim, na condição de fornecedor do serviço, ele deve indenizar o passageiro que sofre prejuízos durante a execução do contrato de transporte desde que demonstrada a relação de causa e efeito entre o defeito do serviço e o acidente de consumo.
Com efeito, o transportador deverá responder pelos danos causados ao consumidor transportado, através de simples demonstração do nexo causal entre estes danos e o exercício da atividade, independentemente de culpa.
Nesse sentido:
-EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ACIDENTE DE TRANSITO - LEGITIMIDADE ATIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR - ESPÉCIE OBJETIVA - ÔNIBUS DE PASSAGEIRO - COLISÃO - DEVER DE INCOLUMIDADE - LESÕES FÍSICAS - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE - INEXISTENCIA - INDENIZAÇÃO - VALOR.
A legitimidade para a causa deve ser analisada com base nos elementos da lide, à luz da situação afirmada da demanda, relacionando-se com o próprio direito de ação, autônomo e abstrato.
A responsabilidade do transportador é objetiva, tendo, ainda, a obrigação de conduzir o passageiro são e salvo ao seu destino.
A incolumidade física do passageiro é um direito da personalidade e a sua ofensa, mesmo por lesão leve, enseja indenização por danos
morais. Apenas o fortuito externo exonera o transportador do dever
de indenizar.
Consoante entendimento uníssono da jurisprudência pátria, a indenização por danos morais não deve implicar em enriquecimento ilícito, tampouco pode ser irrisória, de forma a perder seu caráter de justa composição e prevenção. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.11.316649-0/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/2015, publicação da súmula em 02/06/2015)
Pode acontecer também do dano advir de terceiros e não da empresa transportadora. A responsabilidade nesse caso dependerá das circunstâncias.
De acordo com Súmula 187 do STF (“A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”) e com o artigo 735 do CC, a empresa de transporte responde pelo dano, ainda que a culpa seja atribuída à terceiro, contra o qual cabe ação regressiva. Sendo assim, o transportador responderá perante o passageiro e, posteriormente em ação regressiva poderá acionar o causador do dano. Isso está em total consonância com os princípios do Código de Defesa do Consumidor facilitando a defesa dos direitos dos consumidores.
Por outro lado, se o dano não tiver relação alguma com o transporte, a empresa de transporte não se responsabilizará. Conforme jurisprudência do STJ: “O transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta”. O dano há de ser, pois, conexo ao transporte, não havendo que se falar em responsabilidade do transportador caso ocorra um assalto no interior de um ônibus.
No que tange à responsabilidade relacionada ao transporte gratuito (ex. carona), a Súmula 145 do STJ dispõe: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. De acordo com o teor da citada súmula infere-se que, nos casos de simples cortesia a culpa deve ser grave, equiparando-se ao dolo. Contudo, há entendimentos doutrinários diversos, no qual caberia à vítima provar culpa para obter a respectiva reparação.
Há casos em que a empresa transportadora se exime da responsabilidade. São as excludentes da responsabilidade. Passemos às hipóteses.
A primeira hipótese em que pode ocorrer a isenção da responsabilidade da empresa transportadora se dá quando a culpa for exclusiva da vítima. A culpa exclusiva do passageiro exonera o transportador de responsabilidade. Trata-se de fato exclusivo do viajante, ocasião em que é o próprio passageiro, e não o transportador que dá causa ao evento. Havendo qualquer participação do transportador, ainda que concorrente com a participação do passageiro, não se admitirá a causa exonerativa. Ocorre que, para se eximir da responsabilidade é necessário que a empresa, a quem se imputa o dever de segurança, fazer a prova da culpa da vítima. Caso contrário, terá o dever de indenizar.
A empresa transportadora também não terá responsabilidades quando ocorrer caso fortuito ou força maior.
Há o chamado fortuito externo que é imprevisível, inevitável e estranho à organização do negócio. É fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa. Duas, portanto, são as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam força maior. Exemplo de fortuito externo: assaltos aos coletivos.
Atualmente, há um grande número de causas judiciais que envolvem o transporte coletivo, tendo como pleito a indenização em casos de assaltos. Nesse caso, a empresa não terá responsabilidade visto que se trata de condutas de terceiros. O STJ tem, inclusive, entendimento nesse sentido, pois se trata de fato de terceiro, alheios aos riscos do transporte, não devendo, pois, ser atribuído ao transportador.
Nesse sentido, também é o entendimento egrégio Tribunal de Justiça de minas Gerais:
APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS. ÔNIBUS COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORTUITO EXTERNO. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no sentido de que roubo praticado no interior de ônibus coletivo constitui fortuito externo, suficiente a romper o nexo causal, não sendo possível, pois, responsabilizar a transportadora de passageiros pelo evento para fins de obtenção de indenização por danos materiais ou morais. V.V EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - FURTO DE BAGAGEM - EQUIPAMENTO ELETRÔNICO - EMPRESA DE TRANSPORTE TERRESTRE - ÔNIBUS - DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS - DANO MORAL DEVIDO - FIXAÇÃO DO QUANTUM. A responsabilidade da empresa de ônibus, tanto com relação ao deslocamento seguro dos passageiros, quanto à segurança da bagagem e objetos pessoais transportados, enquanto fornecedora de serviços e concessionária de serviço público, é objetiva, nos termos do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor e art. 37, § 6º, da Constituição Federal. O furto de bagagem no transporte de passageiros é situação que configura danos morais, em decorrência da situação a qual é submetida o consumidor. O critério que deve nortear a fixação da indenização por dano moral é a moderação. A quantia não deve ser ínfima a ponto de não representar uma punição ao agente, nem mesmo exagerada de modo a possibilitar o enriquecimento da vítima. Não havendo comprovação do alegado dano material, improcede o pedido inicial para reparação dele. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.10.070593-8/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/06/2014, publicação da súmula em 11/06/2014)
Por outro lado, quando o fortuito for interno, ou seja, quando o acontecimento fizer parte dos riscos da atividade, a empresa transportadora terá responsabilidade. Por exemplo: se o ônibus apresentar defeitos nos freios e daí advir um acidente causando lesões aos passageiros, haverá responsabilidade da empresa, pois mesmo provando que o veículo estava regular, o dano foi inerente aos riscos do transporte, cabendo, assim, indenização. Da mesma forma ocorre, em casos em que o motorista passa mal e provoca acidente.
Se, no entanto, o passageiro contribuir para o dano, a indenização será proporcionalmente reduzida. Quando o passageiro viaja sem usar o cinto de segurança mesmo com recomendação da empresa para que o fizesse, nesse caso, a culpa será concorrente.
A responsabilidade das empresas de transporte é uma questão tão relevante e a qual deve se dar a devida importância que são nulas as cláusulas excludentes de responsabilidade. O Código Civil (artigo 734) e o Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, inciso I) regulamentam essa questão, tendo a norma o escopo de impedir que, antecipadamente à ocorrência do dano, de antemão o transportador tenha a seu favor uma disposição contratual que impeça a imputação da responsabilidade a si. Inclusive a Súmula 161 do STF dispõe que: “Em contratos de transporte, é inoperante a clausula de não indenizar”. Sendo assim, quaisquer cláusulas restritivas da responsabilidade da empresa transportadora são despidas de efeito vinculante.
Mencionada nulidade não decorre apenas de o contrato de transporte ser celebrado mediante adesão, mas do princípio da boa-fé objetiva, que se presume a favor do passageiro. De acordo com ele, o contrato de transporte deve ser interpretado de acordo com a lealdade entre as partes contratantes e, portanto, de modo a possibilitar que se compreenda a sua atuação de acordo com os ditames de probidade. Espera-se que aquele que ingressa no veículo de transporte tenha o tratamento condizente com sua saúde e integridade, devendo ser transportado incólume ao local de destino. De parte do transportador se espera que responda pelos danos que causar ou que forem propiciados a eventuais vítimas no decorrer do transporte, pois é ele quem assume o risco da atividade, tendo ela sob seu comando. Daí a relevância da interpretação conforme com a boa-fé.
Já a responsabilidade no que se refere aos danos causados a terceiros que não são passageiros, de acordo com o CDC e atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, é objetiva, ou seja, ela será responsabilizada.
Segue julgado do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NÃO-USUÁRIO. ABRANGÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA CARACTERIZADA. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE.
I - É objetiva a responsabilidade da concessionária de serviço público de transporte pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, respondendo a empresa pelos prejuízos causados, salvo se comprovar causa excludente de sua responsabilidade.
II - É objetiva a responsabilidade das empresas que prestam serviço público também em relação a terceiros, ou seja, aos não-usuários, conforme entendimento esposado pelo colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 591.874/MS.
III - Inexiste dever de indenizar quando houver comprovação de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima.
IV - Recurso não provido. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.11.111837-8/002, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/03/2015, publicação da súmula em 17/04/2015)
Conclusão
Sendo assim, observa-se que o contrato de transporte por ser consensual se consuma pelo simples acordo de vontades. A partir do momento em que o passageiro dá a sua adesão às condições preestabelecidas pelo transportador, está celebrado o contrato.
Com efeito, a execução do contrato de transporte, no que respeita à obrigação do transportador, tem lugar quando se inicia a viagem e a partir daí, torna-se operante a cláusula de incolumidade, que persiste até o final da viagem, pois cabe ao transportador a responsabilidade de conduzir os passageiros sãos e salvos ao seu destino.
Desta feita, o passageiro estará assegurado, visto que a responsabilidade civil do transportador, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor é objetiva, tendo em vista tratar-se de atividade desempenhada com habitualidade e de forma remunerada, e sendo o transportador considerado fornecedor de serviços deve realizar sua prestação de forma a preservar sempre a incolumidade do transportado, sob pena de arcar com a indenização cabível.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; Bessa, Leonardo; Marques, Claudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. 6ª ed., Revista dos Tribunais, 2014.
GARCIA, Leonardo. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. 11ª ed., 2015.
NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor, 10ª ed., Saraiva, 2015.
Formada em direito pela Universidade Fumec em julho de 2004. Analista juciária do Ministerio Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RABELO, Fernanda Albernaz. Responsabilidade civil no transporte de pessoas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44942/responsabilidade-civil-no-transporte-de-pessoas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
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Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
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