RESUMO: O presente artigo destina-se a investigar a constitucionalidade da interpretação-aplicação da imunidade tributária dos templos religiosos delineada pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula nº 724, na Súmula Vinculante nº 52 e no Recurso Extraordinário 325.822/SP no contexto das igrejas evangélicas existentes na região metropolitana de Salvador. Para tanto, foram investigados os fundamentos constitucionais da regra que garante a imunidade tributária dos templos religiosos de qualquer culto, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea 'b', da Constituição Federal vigente de acordo com o sentido das atividades relacionadas com as “finalidades essenciais” de tais entidades, com vistas a verificar situações que (não) são abarcadas por tal baliza hermenêutica, sempre levando em consideração a necessidade de equilibrar os propósitos dos direitos fundamentais atinentes à liberdade religiosa que guardam relação com a liberdade econômica.
Palavras-chave: Imunidade Tributária; Direitos Fundamentais; Liberdade Religiosa; Liberdade Econômica.
ABSTRACT: The present essay aims to investigate the constitutionality of the interpretation - application of tax exemption to religious temples delineated by the Supreme Court in Súmula nº 724, Súmula Vinculante nº 52 and the Extraordinary Appeal 325.822/SP in the context of existing evangelical churches in the metropolitan region of Salvador. To achieve this goal, we investigated the constitutional foundations of the rule ensures that the tax immunity of religious temples of worship anyone , provided for in Article 150 , section VI , paragraph b, of the current Constitution in accordance with the direction of related activities " essential purposes " such entities , in order to verify situations that are ( not) embraced by such hermeneutic goal , taking into account the need to balance the purposes of fundamental rights relating to religious freedom and basic rights that are related to freedom economic .
Keywords: Tax immunity; Fundamental Rights; Religious Freedom; Economic Freedom.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. DA LIBERDADE RELIGIOSA À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA TEMPLOS DE QUALQUER CULTO 3. O ENTENDIMENTO DO STF POR MEIO DO RE 325.822/SP E DA SÚMULA Nº 724 E SÚMULA VINCULANTE Nº 52 4. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA OS TEMPLOS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NO ÂMBITO DA CIDADE DE SALVADOR: ENTRE LIBERDADE ECONÔMICA E LIBERDADE RELIGIOSA 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é balizado por uma temática genérica: imunidade tributária para os templos de qualquer culto na circunscrição da cidade de Salvador. E também possui um foco, qual seja, objetiva investigar a incidência da imunidade tributária sobre as atividades da Igreja Universal do Reino de Deus cujo exercício desborda daquelas estritamente vinculadas à manifestação do culto religioso, embora sejam consideradas atividades imunes à tributação pelo Constituição e por entendimento do STF.
Com efeito, o exame de tais garantias será pautado no estudo do âmbito jurídico de aplicação do § 4º do art. 150 da Constituição Federal vigente, ou seja, na interpretação das situações que compreendem e ultrapassam os limites de incidência da citada regra no que se refere às atividades que (não) guardam vínculo direto com a prática do culto religioso na Igreja Universal do município de Salvador.
A construção do presente objetos de estudo fez-se a partir da coleta de dados e informações obtidas em pesquisa documental junto a entidades vinculadas à Prefeitura do Município de Salvador, à Receita Federal, à Imprensa, bem como a órgãos públicos e privados de pesquisa e estatística. Outrossim, frise-se que a doutrina e jurisprudência ocuparam um papel não menos importante na realização desta pesquisa.
Registre-se que a tutela desses direitos, dotados de status constitucional, representa um avanço na promoção da liberdade de crença, posto que a Lei Maior coíbe a imposição de obstáculos ao livre exercício de qualquer religião, bem como à liberdade de consciência.
Mais uma vez urge destacar o valor jurídico da presente polêmica vez que se trata de uma garantia que até décadas atrás não compunha o invólucro constitucional intransponível dos direitos fundamentais. Guindada ao patamar de cláusula pétrea, o direito relativo à liberdade de crença nada mais reclama que seu efetivo cumprimento tanto por parte do Poder Público, quanto dos cidadãos e das instituições religiosas.
Nesse sentido, com vistas a desvelar[1] o sentido da imunidade tributária para os templos de qualquer culto no âmbito da cidade de Salvador no que toca às atividades da Igreja Universal do Reino de Deus, o presente estudo propõe-se a responder as questões que seguem abaixo:
I) Quais os fundamentos constitucionais que sustentam a imunidade tributária para templos religiosos?
II) Quais os parâmetros de interpretação adotados pelo Supremo Tribunal Federal do atual sistema constitucional de imunidade tributária para os templos de qualquer culto, mais especificamente no que toca aos “serviços voltados à finalidade essenciais de tais instituições”?
III) O que as informações coletadas sugerem para a presente pesquisa no que toca à aplicação da imunidade tributária dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus no âmbito da cidade de Salvador?
IV) Quais implicações decorrem da posição do Supremo Tribunal Federal notadamente no que toca à liberdade econômica e à liberdade religiosa?
2. DA LIBERDADE RELIGIOSA À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Com a proclamação da República, o Estado brasileiro deixou de possuir uma religião oficial para tornar-se um Estado laico o que implicou na separação definitiva entre a Igreja e o Estado. Tal acontecimento repercutiu diretamente na Constituição Federal de 1988, a qual trouxe em seu bojo, mais precisamente no art. 5º, inciso VI a VIII da CF, garantias fundamentais, tais como a igualdade de crenças e a liberdade religiosa. Além disso, assegurou a imunidade tributária para templos de qualquer culto, mantendo o quanto disposto na alínea “b”, do inciso V, do art. 31 da Constituição de 1946.
Desde a época da República, marco histórico em que o Catolicismo deixou de ser a religião oficial do Brasil, não se vislumbra qualquer destinação de prerrogativas a uma religião em detrimento de outra, ou mesmo qualquer espécie de favorecimento por meio de relações jurídicas especiais[2].
Atualmente a República Federativa do Brasil se consagra como um país laico, ou seja, não adota nenhuma religião oficial. Isso não quer dizer, contudo, que a separação entre as instituições ‘Estado’ e ‘Igreja’ represente uma despreocupação ou mesmo uma forma de censura por parte da Constituição Federal de 1988 no que tange ao exercício das variedades de crenças e rituais religiosos, muito pelo contrário.
Com o fito de assegurar o direito fundamental à inviolabilidade da liberdade de crença, a Constituição Federal de 1988 reconhece a diversidade de crenças nas mais variadas formas de manifestação, na medida em que contém em seu texto previsões que garantem o livre exercício dos cultos religiosos e protegem os espaços a estes destinados.
Nesta senda, imperativa é a menção ao art. 5º, inciso VIII, da Lei Maior, o qual dispõe que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”, confirmando a noção de que a laicização do Estado não implicou na restrição a qualquer espécie de manifestação de cunho religioso.
Além disso, a Carta Magna de 1988 consagra a imunidade tributária, uma das formas escolhidas pelo Constituinte Originário para garantir a efetiva liberdade à celebração de qualquer culto. Daí se dizer que o caráter inviolável da liberdade de consciência e crença, previsto no art. 5º, inciso VI, da Lei Maior, deve ser analisado conjuntamente ao dispositivo que normatiza a imunidade tributária de que gozam os templos religiosos.[3] Nesse contexto, a Constituição vigente prevê em seu art. 150, inciso VI alínea “b”, que aos templos religiosos de qualquer culto assistirá direito à imunidade tributária:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
(...)
III – cobrar tributos
(...)
b) templos de qualquer culto;
Com efeito, verifica-se que os fundamentos constitucionais para a instituição da imunidade tributária dos templos de qualquer culto encontra assento na liberdade de crenças, mas especificamente na liberdade religiosa, de modo que o Estado, ao instituir tal garantia, visou resguardar ampla participação no seio da sociedade das entidades que promovem seus cultos e, com isso, arrebanha fiéis das mais diversas manifestações de fé, seja ela católica, protestante, israelita, maometana, evangélica, budista, do candomblé, etc.
Delineados os fundamentos constitucionais da imunidade tributária para os templos de qualquer culto, importa compreender qual a sua natureza jurídica e de que maneira ela otimiza a liberdade religiosa.
Conforme clássica lição de Pontes de Miranda, o instituto jurídico da imunidade tributária pode ser definido com uma restrição constitucional ao poder de tributar do Estado[4]. No entanto tal posição não é unânime, afinal como atesta a professora Regina Helena Costa, a concepção ponteana se revela imprecisa, na medida em que se constata que as hipóteses de restrição ao poder de tributar nem sempre apresentam identidade com a garantia de imunidade tributária.[5] Isso se deve ao fato de que as situações abrangidas pela imunidade tributária já estão previamente estabelecidas na Constituição Federal de 1988.
Com efeito, a imunidade tributária, nos dizeres de Regina Helena quer significar a incompetência das pessoas políticas de Direito Interno para editar normas que instituam tributos que tenham incidência sobre as situações tipificadas na Constituição Federal como imunes à tributação.[6]
Partindo dessa premissa, insta destacar que ao assegurar a imunidade tributária, a Lei Maior o faz em benefício dos “templos religiosos de qualquer culto”, sendo imperativo compreender que se deve aplicar uma interpretação abrangente à semântica de tal expressão, que compreenda toda e qualquer espécie de culto religioso, por mais exótico que seja, afinal, só assim restaria aplicado o princípio da liberdade religiosa.[7]
Atente-se, ainda, para o fato de que a imunidade tributária assegurada pelo Texto Constitucional diz respeito tão-somente aos impostos e não aos tributos em geral, sendo relevante destacar que o §4º do referido dispositivo (art. 150 da CRFB) que garante imunidade religiosa afirma que esta se restringe ao “patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”:[8]
§ 4º - As vedações expressas no inciso IV, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
Dessa forma, é plausível inferir que o culto não pode se desvirtuar de seus propósitos meramente religiosos, isto é, estar imbuído de finalidade lucrativa sob pena de restar afastada a garantia imunidade tributária, conforme será visto no tópico 04. Isso porque a finalidade primordial da Constituição Federal de 1988 ao inserir a imunidade em seu conteúdo, como direito fundamental, se traduz na efetivação das liberdades de crença, notadamente, nos valores da igualdade e liberdade, bem assim com fulcro na plena realização dos desígnios da dignidade da pessoa humana.
A este respeito, o professor José Eduardo Soares de Melo, afirma que os valores auferidos em decorrência de casamentos, batizados, missas e atividades correlatas não tipificam rendas e serviços tributáveis. Nem mesmo os imóveis, acrescenta ele, onde são celebrados os ofícios religiosos estão sujeitos ao imposto territorial predial urbano – IPTU. Até mesmo, diz o professor, os veículos (carros, barco, caminhões) utilizados nas atividades religiosas devem ficar fora da incidência de imposto sobre propriedade, desde que as receitas auferidas tenham origem na prática litúrgica, de modo que, por exemplo, a venda de imagens de santos, desde que sejam integrantes do ritual de oração, bem como a venda de velas de sétimo dia, ambas operações estão sob o abrigo da imunidade, porquanto integram o ritual de orações[9].
Nesse contexto, pertinente se faz analisar também a exegese dos termos “templo”, “patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais”, inerente ao dispositivo constante do art. 150, inciso VI, alínea “b” e do seu §4º, aduzindo, para isso, que a interpretação está lastreada no princípio da liberdade de crença, o que conforma um sentido amplo às expressões “templo”, “patrimônio, renda e serviços” no intuito de abarcar não somente os edifícios e construções onde os cultos religiosos se manifestam como também todos os lugares em que se oportuniza o culto, ou seja, seus anexos, além dos serviços, rendas e patrimônios cuja origem se vincula à prática litúrgica[10]. É este, pois, o propósito da interpretação esboçada do Supremo Tribunal Federal que será melhor delineada no tópico a seguir.
3. O ENTENDIMENTO DO STF POR MEIO DO RE 325.822/SP E DA SÚMULA Nº 724 E SÚMULA VINCULANTE Nº 52.
Para compreender quais os parâmetros de interpretação adotados pelo Supremo Tribunal Federal no que toca ao atual sistema constitucional de imunidade tributária para os templos de qualquer culto, é necessário apreender o significado da Súmula nº 724, da Súmula Vinculante nº 52 do STF e do acórdão que julgou o Recurso Extraordinário 325.822/SP.
Como pressuposto para a análise da Súmula nº 724 e da Súmula Vinculante nº 52 do STF, é imprescindível analisar o Recurso Extraordinário 325.822/SP, tendo em vista que foi por meio dele que o STF estabeleceu as premissas que amparam o enunciado das referidas súmulas.
Consoante relatório extraído do sítio eletrônico do Supremo, o RE 325.822/SP foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que entendeu não ser extensiva a todos os bens da Mitra Diocesana do Município de Jales (Diocese e Paróquia) a imunidade prevista no art. 150, inciso VI, letra b, e §4º da Constituição Federal, limitando o benefício, na esfera municipal, aos templos em que são feitas as celebrações religiosas e às dependências que servem diretamente a tal fim.
Com efeito, as recorrentes alegaram que ao exercerem subsidiariamente funções de Estado, todos os seus bens são utilizados em suas finalidades institucionais, tais como centros pastorais ou de formação humano-religiosa, locais de reunião e administração, residência de padres e religiosos encarregados dos trabalhos da Igreja, incluindo-se aí os imóveis alugados para arrecadar fundos para ajudar a garantir a sustentação da sua missão, de modo que a imunidade relativa ao IPTU deveria abranger todos os seus 61 imóveis e não apenas os prédios destinados à celebração dos cultos religiosos.
A princípio, o Relator Ministro Ilmar Galvão, acompanhado pela ministra Ellen Gracie e pelos ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, observou que o STF tem reconhecido o benefício da imunidade com relação ao IPTU, ainda que sobre imóveis locados (RE 257.700) ou utilizados como escritório e residência de membros de entidades (RE 221.395), e com relação ao ISS, ainda que sobre o preço cobrado em estacionamento de veículos (RE 144.900) ou sobre a renda obtida pelo SESC na prestação de serviços de diversão pública (AGREG 155.822), todos, porém, abarcados sob a alínea “c” do dispositivo que veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos”.
Dessa forma, entendeu o Ministro-relator que não socorria às recorrentes a interpretação ampliativa que o Supremo Tribunal Federal vinha imprimindo à matéria sob o pálio da alínea c, já que seria difícil identificar no conceito de templo a noção de lotes vagos e prédios comerciais dados em locação. Para tanto invocou as lições de Hely Lopes Meirelles[11], Hugo Machado de Brito[12] e Aliomar Baleeiro[13] e concluiu pelo não conhecimento do recurso, com a manutenção do acórdão do tribunal a quo, excluindo os lotes vagos e prédios comerciais dados em locação do benefício constitucional.
No entanto, o ministro Gilmar Mendes, em voto dissidente, com amparo na opinião divergente do ministro Moreira Alves, travada quando dos debates orais, e na lição de a lição de Ives Gandra[14] sustentou que o Constituinte Originário quis fazer uma equiparação entre as alíneas “b” e “c”, porque não precisava repetir “patrimônio, renda ou serviços” já existentes na alínea “c” e o fez justamente para abarcar na alínea “b”, em que não se falava em patrimônio, renda ou serviços.
Dessa forma, entendeu que o dispositivo do art. 150, VI, b, há de ser lido com o vetor interpretativo do §4º deste mesmo artigo da Constituição, de modo que tal dispositivo alcança o patrimônio, a renda ou os serviços dos templos de qualquer culto, motivo pelo qual se equiparam as alíneas “b” e “c” do referido dispositivo. Este entendimento divergente foi seguido pelos ministros Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Marco Aurélio.
Dessa forma, o STF alterou sua jurisprudência, equiparando os efeitos da imunidade da alínea “c” para alínea “b”. Além disso, consolidou seu entendimento com a súmula 724 do STF com a seguinte redação, “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, vi, "c", da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.
Já nos idos de 2015, consolidando o entendimento supracitado, o Supremo veio a publicar a Súmula Vinculante nº 52, cujo teor é semelhante ao da Súmula 724, senão vejamos:
Súmula Vinculante nº 52 - Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, vi, "c", da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas.
Dito isto, importa compreender as implicações que tal interpretação implicam no âmbito da cidade de Salvador, o que será feito no próximo tópico.
4. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA OS TEMPLOS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NO ÂMBITO DA CIDADE DE SALVADOR: ENTRE LIBERDADE ECONÔMICA E LIBERDADE RELIGIOSA.
Consoante os dados extraídos do relatório do Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, no Brasil, no ano de 2010, o número de adeptos da religião evangélica passou de 15,4%, no ano de 2000, para 22,2%. Apurou-se ainda que dentre os indivíduos que se declararam evangélicos, 60% eram de origem pentecostal, 18,5% eram de missão e 21,8% eram evangélicos não determinados. Além disso, conforme dados da Atlas da Filiação Religiosa, dessa porcentagem, verifica-se que a Igreja Universal do Reino de Deus, cuja fundação ocorreu em 1977, conta com 2,1 milhões de fiéis.
Como demonstram as estatísticas, trata-se de vultoso agrupamento de pessoas que propagam a fé e prestam serviços sociais de extrema relevância para a manutenção da sociedade, em meio ao maior país católico do mundo. Nesse contexto, fez-se imperioso pesquisar como se verifica a aplicação da imunidade tributária dos templos da igreja evangélica.
A presente pesquisa fez o recorte na Igreja Universal do Reino de Deus e suas filiais na cidade de Salvador, notadamente quanto as atividades econômicas e serviços prestados nas lojas de artigos religiosos, na cantina, nos estacionamentos e aluguéis de imóveis.
Conforme demonstrado no tópico anterior, é pacífico, que ao adotar a ampla exegese na interpretação da expressão “templos de qualquer culto” é possível concluir que as igrejas que professam o culto evangélico estão abarcadas pela garantia constitucional, fazendo jus, portanto, à imunidade tributária.
Corroborando tal raciocínio Gilmar Mendes afirma que:
Será inequivocamente religião o sistema de crenças que se vincula a uma divindade, que professa uma vida além da morte, que possui um texto sagrado, que envolve uma organização e que apresenta rituais de oração e de adoração. Não será um culto religioso uma atividade comercial ou de ensino qualquer, apenas porque se inicia uma oração.[15]
Ainda de acordo com a lição de Gilmar Mendes, no âmbito da liberdade religiosa está inserida a liberdade de organização religiosa, não podendo as igrejas sofrerem ingerências estatais acerca da economia interna das associações religiosas.[16]
Nesse particular é indubitável a incidência da garantia de imunidade tributária, relativamente aos impostos, no âmbito das igrejas evangélicas, notadamente a Igreja Universal do Reino de Deus. Contudo, este entendimento era restrito, até o julgamento do RE 325.822/SP acerca da constitucionalidade de se aplicar a imunidade tributária às situações que implicavam favorecimento econômico da entidade religiosa.
Com efeito, a doutrina se dividia em duas posições. A corrente restritiva representada por Sacha Calmon, Paulo de Barros e Pontes de Miranda, que entendia que a imunidade se dirige ao templo, considerado como conjunto de bens vinculados ao culto (o imóvel ou mesmo o móvel em que se oficia o culto, com os bens móveis nele contidos), enquanto que para Baleeiro, Carrazza e Hugo de Brito, representantes da corrente abrangente, a imunidade se dirigiria a um conjunto de bens e atividades vinculados ao culto, ou seja, um conjunto de relações jurídicas de direitos e deveres que podem ter por objeto as coisas[17].
Como vimos, tal questão foi levada à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal e, em sede de recurso extraordinário (RE 325.822/SP), o entendimento se orientou pela extensão da imunidade tributária endereçada aos “templos religiosos de qualquer culto” pela Constituição Federal de 1988, aos terrenos desocupados, aos empregados em estacionamentos e demais imóveis destinados ao aluguel, porém cuja renda serve diretamente aos propósitos da religião evangélica. Dessa forma, consagrou-se a segunda corrente, mais abrangente.
Pode-se dizer que esta segunda corrente encontra ampla aplicação no âmbito da cidade de Salvador. Com efeito, as informações coletadas no âmbito da pesquisa desenvolvida sugerem, no que toca à aplicação da imunidade tributária dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus no âmbito da cidade de Salvador, que os recursos, renda e patrimônio amealhados com estacionamentos, cantina e aluguel de imóveis vêm sendo, de fato, revertidos para a população através da prestação de serviços de sociais cuja competência para prestar é do Estado através de políticas públicas.
Nesse sentido, é possível afirmar que a posição do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que toca ao tema da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, favorece a prestação dos serviços sociais desempenhados pela Igreja Universal do Reino de Deus na cidade de Salvador, sem implicar, todavia, ofensa à liberdade econômica, já que, dos casos analisados na pesquisa nenhum implicou dominação de mercado ou eliminação de concorrência, sendo todos imunes de ISSQN, IPTU e IR pessoa jurídica.
Ademais, verificou-se que nas proximidades das Igrejas pesquisadas, havia lojas de atributos religiosos, bem como estacionamentos e pessoas vendendo lanches, inclusive na porta de Igreja. Quanto aos aluguéis de imóveis, não foi possível obter maiores dados a respeito da localização dos mesmos.
Por este motivo compreende-se que não resta maculada a liberdade econômica ao se conceder imunidade tributária à Igreja Universal do Reino de Deus por desempenhar atividade de natureza econômica e amealhar patrimônio, sobretudo, porque tais rendas são reinvestidas na prestação de serviços sociais cuja competência recairia, em tese, primordialmente para o Estado, que infelizmente, não consegue prestar tais serviços em quantidade e qualidade quando comparados com as entidades religiosas.
5. CONCLUSÃO
A interpretação extensiva da imunidade tributária dos templos de qualquer culto prevista no artigo 150, VI, 'b', da Constituição Federal vigente, propalada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tomando como parâmetro o § 4º deste dispositivo e tendo em vista a promoção do exercício livre das crenças de qualquer culto - direito fundamental à liberdade religiosa – não implica em restrição à liberdade econômica, especialmente, no que se refere à livre iniciativa.
Conquanto o precedente julgado pelo referido tribunal superior RE 325.822/SP aproxime fundamentos diversos para justificar imunidades tributárias distintas, quais sejam, a imunidade em função da prática religiosa e a imunidade para instituições educacionais e assistenciais sem fins lucrativos que exercem, sem finalidade econômica, atividades supletivas à atuação do Estado na prestação de serviços relevantes para a sociedade, não se vislumbra maiores dificuldades em aplicar o mesmo efeito, já que os serviços sociais prestados pela Igreja Universal do Reino de Deus, no âmbito da cidade de Salvador, em muito se aproxima ao prestado pelas entidades filantrópicas e de educação.
Por outro lado, imperioso compreender que a interpretação-aplicação conforme a constituição dos casos que envolvam o conflito/diálogo de mais de um direito fundamental importará em alguma medida na restrição de um ou de outro. Nesse sentido, deve-se atentar in casu para o fato de que o Estado não tem a pretensão de prestar serviços religiosos à semelhança do dever de prestar serviços educacionais e assistenciais, o que, a priori, nos leva a compreender que a imunidade tributária dos templos religiosos deve ser interpretada restritivamente perante a livre iniciativa - corolário dos direitos fundamentais à liberdade econômica, à igualdade e à propriedade.
Nesse sentido, a Lei nº 9.532/97, em seus artigos 12, §2º, e 15, §2º, estatui que os rendimentos e os ganhos auferidos em aplicações financeiras de renda fixa e variável não gozam da prerrogativa imunizante, sendo tributadas tal e qual como qualquer outro sujeito passivo da obrigação tributária. Pareceres normativos da lavra da Receita Federal do Brasil atribuem robustez administrativa a já aclamada imunidade constitucional (consulte PN CST 162, de 1974, e PN CST 5, de 1992).
Todavia, impende compreender que somente nos casos em que haja efetiva dominação do mercado, ou seja, quando se vislumbrar ofensa direta à liberdade econômica por eliminação de concorrência ao gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente. Daí porque é necessário se vislumbrar caso a acaso quando uma medida importará tais efeitos e quando não implicará, para que não se ameace o pleno exercício da liberdade de crença, notadamente pela aplicação correta da imunidade tributária ao templos de qualquer culto.
Ademais, embora a atividade religiosa não seja prestada pelo Estado, é comum que pastorais, agremiações evangélicas, budistas, etc, estejam engajadas com a prestação de serviços sociais ao prestar alimentação, abrigo, segurança, oportunidade de emprego, alfabetização e tantas outras atividades que, normalmente, deveria ser prestado pelos diversos entes componentes da Federação na qualidade de serviço público.
Com efeito, tais atividades só podem ser prestadas, porque os fiéis e a administração da entidade religiosa tem a capacidade de arrecadar fundos das mais diversas fontes, sendo que o estacionamento, a cantina, os prédios alugados, constituem verdadeiras fontes de potencialização da renda e patrimônio que serão reinvestidos na prestação dos serviços sociais retrocitados. Por tais motivos, compreendemos correta a interpretação esboçada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 325.822/SP.
Nada obstante, foi possível verificar in loco, por meio das pesquisas de campo realizadas, que de fato tais rendas e patrimônios são revestidos para a prestação dos serviços sociais, de modo que diversas igrejas de fato destinam à sociedade a renda dos estacionamentos, cantina, lojas, aluguel de imóveis que têm potencializado um retorno para a população que necessita da ajuda destas entidades.
Por todos os motivos apresentados, compreendemos correta a interpretação-aplicação feita pelo Supremo acerca da imunidade tributária dos templos de qualquer culto e verificamos na prática que traz enormes benefícios para os cidadãos que tem a oportunidade de serem educados, alimentados, abrigados e retirados da violência e das drogas pela atividade desempenhada pela Igreja Universal do Reino de Deus no âmbito da cidade de Salvador.
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[1] Trata-se aqui de desvelamento ínsito à hermenêutica filosófica, matriz teórica que fundamenta os pensamentos do autor. Para melhor compreensão: STEIN, Ernildo. Seis ensaios sobre ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 10-11. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 5.ed. Petrópolis:Vozes, 2011, p. 202-214. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. Petrópolis: Vozes. 2002, p. 231 e ss.
[2] MARTINS, Ives Gandra. O Sistema Tributário na Constituição. 6.ed. São Paulo: Saraiva,2007.p.298
[3] CASSONE, Vittorio. Sistema tributário nacional da nova Constituição. Atlas, 1989, p.45. apud. MARTINS, Ives Gandra. O Sistema Tributário na Constituição. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.299.
[4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969. 2ª ed., Tomo II, São Paulo: RT, 1970, p.407-408.
[5] COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.p.33.
[6] Idem, ibidem. p.49.
[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
[8] COSTA, Regina Helena.Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.p.125.
[9] SOARES MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 161-162.
[10] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª. ed. Malheiros Editores, 2001, p. 620.
[11] “As imunidades tributárias devem ser interpretadas e aplicadas nos estritos termos da Constituição porque constituem exceção ao princípio da igualdade fiscal. Assim, quando a Constituição da República declara imunes de impostos os templos de qualquer culto (art. 150, VI, “b”), não há que se estender essa imunidade às taxas e contribuições (que não são impostos), nem aplica-las aos demais bens da Igreja que não sejam recintos de culto (templos) e seus anexos (casas paroquiais, sede de congregação religiosa, e outras dependências institucionais dos cultos), sem abranger, todavia, as casas para locação, os terrenos aforados e outros bens não destinados a práticas religiosas, embora pertencentes à administração das seitas e cultos “ (grifo nosso) (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal, 11ª ed,, São Paulo: Malheiros, p. 172).
[12] “Nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer culto. Templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos” (grifo nosso) (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 245-246).
[13] “O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício paroquial, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pároco ou pastor, pertencentes à comunidade religiosa, desde que não empregados em fins econômicos (...) Mas não se incluem na imunidade as casas de aluguel, terrenos, bens e rendas do Bispado ou da paróquia, etc”. (grifo nosso) (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 137).
[14] Em suas palavras “se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência, mas livre de impostos. Ora, o texto constitucional atual objetivou eliminar definitivamente tal possibilidade sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º, e 150, §4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciads nos incisos b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam da proteção imunitória. Exemplificando: se uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas finalidade decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nessa hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: RT, 1998, p. 45-48).
[15] MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. SãoPaulo:Saraiva,2008.p.417.
[16] Idem, Ibidem, 2008.
[17] CAMPOS, Flávio. Imunidade Tributária na Prestação de Serviço por Templos de Qualquer Culto. In Revista Dialética de Direito Tributário, v. 454, n.54, março, p.44-53, 2000, p.49.
Assessor jurídico do Ministério Público de Contas da Bahia, especialista em Direito Civil, formado pela Universidade Federal da Bahia
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Frederico Magalhães. A interpretação da imunidade tributária dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus da cidade de Salvador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44981/a-interpretacao-da-imunidade-tributaria-dos-templos-da-igreja-universal-do-reino-de-deus-da-cidade-de-salvador. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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