Este assunto diz respeito ao artigo 11, I, ‘d’, Lei Geral do ICMS, Lei Complementar nº 87/1996, reproduzida na Lei Estadual cearense nº 12.670/1996 (art. 12, I, ‘d’):
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;
Esse dispositivo é aplicado sem critérios, é desprezado na interpretação. Os servidores fazendários fixam-se literalmente no termo ‘entrada física’ e determinam a cobrança do ICMS quando desembaraçadas e internadas em seus respectivos territórios. Basta ocorrer essa situação que já é suficiente para a cobrança do ICMS.
Deve-se atentar que nem todos os entes federados possuem estruturas adequadas para receberem navios grandes, não possuem aeroportos internacionais, enfim, capazes de suportar as demandas de mercadorias de outros países. Essa constatação por si só já deveria orientar que a norma deverá ser observada com reserva. Também, por ser elucidativo, alguns Estados não possuem mar em seus territórios.
Dessa forma, justifica-se a aplicação da regra da ‘entrada física’, ou seja, é possível ocorrer o desembaraço em um determinado Estado e nem por isso o ICMS ser da competência desse Estado que ocorreu o desembaraço.
O caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal e em 2004 a corte se pronunciou pela primeira vez e seguiu, acertadamente, o comando constitucional: “firmou posicionamento de que o ente competente para cobrança do imposto é aquele onde esteja situado o estabelecimento importador (onde há ingresso jurídico), pouco importando onde tenha sido realizado o desembarque físico”. Eis em seguida o texto constitucional:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (GN)
Outra decisão no mesmo sentido em 2006:
O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea a do inciso IX do § 2º do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso” (RE 299.079, DJ de 16-6-2006).
Em 2005 a corte maior resolveu um caso entre o Estado de São Paulo e o Estado do Espírito Santo e decidiu diversamente, contudo, a decisão possuiu outros contornos em decorrência do caso concreto. Nesse caso particular os estabelecimentos comerciais envolvidos estavam burlando o fisco paulista; usava-se uma pessoa jurídica do Espírito Santo a fim de importar por conta e ordem de um contribuinte do ICMS paulista visando os benefícios fiscais oferecidos pelo fisco capixaba. Nesse caso o desembaraço também ocorria no porto paulista e lá ficavam os produtos, estavam apenas usando um importador capixaba para gozarem os benefícios fiscais e lesar o erário de São Paulo.
O acórdão afirmou que nesse caso o ICMS pertence ao erário paulista! Parece uma contradição do Supremo Tribunal Federal, comparando com as outras decisões, mas é apenas aparência, os ministros analisaram o caso concretamente, como os fiscos estaduais deveriam proceder, também.
A doutrina esclarece que importação indireta ocorre quando existe um intermediador, por exemplo, uma matriz em São Paulo que importa pela filial na Bahia. Decisão judicial esclarecendo o que é importação indireta:
IMPORTAÇÃO INDIRETA - ICMS - SIMULAÇÃO - INDÍCIOS SUFICIENTES – EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES.
Dá-se a chamada 'importação indireta' quando a mercadoria importada se destina, na realidade, desde o início, a adquirente situado em outro Estado da Federação que não aquele em que situado o importador que efetuou a operação. A ‘importação indireta' pode ser comprovada por indícios, desde que suficientes à sua conclusão. O ICMS pela importação da mercadoria deve ser recolhido no Estado onde se encontra situado o estabelecimento destinatário da mercadoria, em conformidade com o que dispõe o artigo 155, IX, da Constituição Federal. Goza da presunção de veracidade a certidão de dívida ativa, lançada através do devido processo legal, não elidida por elementos fortes de convicção." (TJMG, 1. Câmara Cível, Ap. 1.0024.03.991104-5/001, rel. Desembargadora Vanessa Verdolim, Hudson Andrade, julgado em 14/06/2005, publicado em 24/06/2005).
Assim, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entendeu acertadamente que:
Nos casos de importação indireta, o ICMS deverá ser recolhido no Estado onde se localiza o destinatário final da mercadoria, a despeito de ter sido esta desembaraçada por estabelecimento intermediário sediado em outra Unidade da Federação” (EREsp 835537⁄MG, DJe 30⁄11⁄2009; EDcl no REsp 1036396⁄MG, DJe 19⁄08⁄2009; EDcl no AgRg no Ag 825.553⁄MG, DJe 20⁄08⁄2009; REsp 835.537⁄MG, DJe 17⁄02⁄2009; REsp 1.190.705⁄MG, DJe 14/10/2010).
No caso citado acima, a matriz em São Paulo apenas utilizou a estrutura portuária de São Paulo, contudo, desde o início já se sabia que os produtos iriam para a Bahia, logo, é correto e justo que o ICMS se destine ao fisco baiano. Aplicação do artigo 11, I, ‘d’, Lei complementar nº 87/1996: o ICMS pertence ao estabelecimento onde ocorrer a entrada física.
Observem que aqui o importador foi de São Paulo, ocorreu o desembaraço em São Paulo, e nem por isso o ICMS pertenceu ao fisco paulista. Mais uma vez, esse caso enfatiza que a interpretação deverá ocorrer no caso a caso, e não como vem adotando os entes federados que determinam a cobrança pelo simples fato de ocorrer a entrada física, sem analisar concretamente a operação.
O Estado do Ceará editou o Decreto nº 31.471/2014, e no artigo 12, parágrafo 1º, persiste o entendimento em não analisar o caso concretamente; determina que o ICMS deverá ser cobrado e para tal exação é suficiente que o destinatário físico final da operação esteja domiciliado no Ceará. Eis o comando normativo:
Art. 12. O contribuinte do ICMS que importar, do Exterior, mercadorias, bens ou serviços deverá, por ocasião do desembaraço aduaneiro, emitir nota fiscal de entrada com destaque do imposto, quando devido, e recolhê-lo até esse momento, através de Documento de Arrecadação Estadual (DAE) ou, quando for o caso, de Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE).
§1º A exigência do imposto de que trata este artigo aplica-se somente aos casos em que o destinatário físico final da operação de importação esteja domiciliado ou estabelecido neste Estado.
O Regulamento do ICMS, artigo 16, I, ‘c’, diz que o local da operação ou da prestação, para efeito de cobrança do imposto e definição de estabelecimento responsável, tratando-se de mercadoria ou bem, importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física ou o do domicílio do adquirente, quando este não for estabelecido, ainda que se trate de bens destinados a consumo ou ativo permanente.
Vejamos um caso concreto aplicado em decorrência dessa determinação normativa.
Em 2007 um Auditor Fiscal do Ceará lavrou um auto de infração enquadrando como sujeito passivo um contribuinte cearense filial de uma matriz Paraibana; o fiscal percebeu que o contribuinte paraibano importou as mercadorias via Porto de Fortaleza e em seguida conduziu as mercadorias para a Paraíba e logo em seguida, após selagem das notas fiscais na fronteira do Ceará com a Paraíba, retornou as mesmas para o Ceará, já com notas fiscais emitidas na Paraíba para a filial em Fortaleza. O fiscal entendeu que o contribuinte levou as mercadorias até a fronteira apenas para não pagar o ICMS ao Ceará e como tal autuou. Alegou o fiscal que o mesmo não recolheu o ICMS importação ao erário cearense.
O fiscal cearense não percebeu, e continuam não percebendo, que ocorreu o contrário! O contribuinte fez isso porque sabe que o ICMS pertence ao importador no outro Estado. O fisco força os contribuintes a tal procedimento dispendioso, ou seja, para não serem cobrados do ICMS indevidamente efetuam esses gastos com transportes e os demais gastos decorrentes.
Para esse caso concreto a consultoria tributária do CONAT, via parecer nº 81/2010, orientou os julgadores pela improcedência do auto de infração. Argumentou a consultora tributária que o contribuinte não deu entrada física no Ceará, ou seja, levou as mercadorias até a Paraíba e depois retornou normalmente.
Agora, imaginem que o contribuinte fosse do Rio Grande do Sul! Teria que viajar mais de 3.000Km de ida, depois mais 3.000Km de volta, então, conforme o parecer nº 81/2010, não seria devido o ICMS ao Estado do Ceará. Enfatizando o entendimento: desde que o contribuinte fizesse o percurso de ida e volta ao Rio Grande do Sul estaria agindo conforme a legislação e não seria cobrado o ICMS pelo Ceará!
Ocorre que existe na legislação (art. 3º, IV, RICMS) previsão da ocorrência do fato gerador no momento da transmissão de propriedade de mercadoria ou de título que a represente, quando a mercadoria não houver transitado pelo estabelecimento do transmitente.
Tal dispositivo é plenamente aplicável ao presente caso, ou seja, não precisa a mercadoria viajar até a Paraíba para ocorrer o fato gerador na entrada na Paraíba e consequentes saída das mercadorias; basta as emissões das notas fiscais respectivas, remetidas via Correio ou outra modalidade de envio. O contribuinte paraibano emite nota fiscal de entrada (para fins de pagamento do ICMS paraibano) ao mesmo tempo emite a nota fiscal de saída da Paraíba para o Ceará (para fins de pagamento do ICMS cearense, ICMS antecipado ou substituição tributária). Não se pode esquecer que outros dispositivos reconhecem a emissão de notas fiscais sem que as mercadorias transitem pelo estabelecimento. Operações que comprovam essa realidade: venda à ordem prevista no artigo 705, parágrafo 5º, RICMS; também, o artigo 702, e demais casos previstos.
O entendimento defendido nesse tema não traz prejuízo ao erário, não é contra o erário cearense, apenas mostra um procedimento adequado, razoável. Quando for desembaraçado no Ceará o ICMS importação seria devido ao Estado do importador e na operação seguinte remetida para o Ceará seria cobrado o ICMS antecipado/substituição mostrado acima; Quando desembaraçado em outros Estados o ICMS importação seria devido, então, ao erário cearense. Sempre existiria ICMS devido ao Ceará, contudo, cobrado dentro dos procedimentos adequados aos negócios dos contribuintes.
A cobrança do ICMS conforme a regra da entrada física ocorreria analisando o caso concreto e não ser aplicada indiscriminadamente, gerando transtornos aos contribuintes e ao judiciário. A regra da entrada física é como um ‘soldado em prontidão’, agir no momento oportuno e não sair atirando para todos os lados, lesando tudo e todos.
Auditor Fiscal Adjunto da Receita Estadual, Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, lotado no Plantão Tributário em Fortaleza. Ingresso na Secretaria da Fazenda via Concurso Público em 20 de agosto de 1990. Licenciado em História, URCA, Crato - Ceará, 1994.<br>Bacharel em Ciências Econômicas, URCA, Crato - Ceará, 2002.<br>Pós-graduado em Gestão de Pessoas, Faculdade Christus, Fortaleza - Ceará, 2000. Mestre em Economia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza - Ceará, 2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, José Flávio da. Entrada Física Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2015, 05:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44990/entrada-fisica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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