Resumo: O artigo trata dos direitos do preso e do executado em sede de execução penal. Visa-se detalhar as prerrogativas asseguradas ao executado, asseguradas pela constituição federal de 1988, e pela Lei de Execução Penal 7.210/84. O tema será trabalhado a partir de um breve panorama introdutório sobre o assunto dentro do universo da execução das penas.
Palavras-chave: preso; execução penal; constituição federal de 1988; Lei de Execução Penal 7.210/84.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Este artigo visa expor alguns dos mais importantes direitos do preso que lhe são assegurados pela constituição federal e pelas normas legais sob a égide do Estado Democrático de Direito em vigor.
Objetiva-se fornecer à comunidade acadêmica uma compreensão ampla acerca das prerrogativas concedidas ao executado, tema pouco explorado com profundidade pela doutrina. Visa-se também desenvolver uma análise sistemática da legislação específica com o propósito de fornecer uma interpretação jurídica satisfatória, e consequentemente solucionarmos problemas práticos. Temas como o sigilo das correspondências do preso e o seu direito de petição são tratados de maneira rasa pela doutrina, justificando o presente trabalho.
Para que este objetivo seja alcançado, partiu-se do emprego de variadas fontes de investigação. Dentre elas podemos destacar a doutrina nacional, a jurisprudência e a legislação brasileira. O método de investigação se inicia com o estabelecimento das noções centrais do instituto, trabalhados conceitualmente. A partir dele partiremos para uma análise analítica das espécies de direitos que fazem parte de seu conceito principal, para que assim o leitor possa ter uma noção satisfatória do assunto.
A Constituição Federal de 1988 assegurou ao preso uma série de direitos e garantias individuais, dentre os quais se se destacam o direito à individualização da pena, proibição de penas cruéis, vedação de tratamentos desumanos e degradantes, e cumprimento da sanção de acordo com critérios como idade, sexo e a natureza do delito.
A constitucionalização da Execução Penal confere ao preso a faculdade de exigir o atendimento aos seus direitos judicial e extrajudicialmente, sendo a ele reconhecido o status de sujeito de direitos. A execução das penas e medidas de segurança que exorbitam os limites legais acabam por sua vez violando direitos fundamentais, em descompasso com os valores tutelados em um Estado Democrático de Direitos.
A interpretação da legislação positivada, atualmente condensada na Lei 7.210/84- Lei de Execução Penal (LEP), permite afirmar que os direitos do preso definitivo, aplicam-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança. Neste sentido, preconiza o art. 2° da LEP:
''Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.
Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.''
Importante ressaltar que os direitos conferidos ao preso são numerus apertus, não se esgotando no rol do Art. 41 da Lei de Execução Penal, exigindo uma interpretação ampliativa. O limite da pena é a privação de liberdade do apenado, de modo que direitos e prerrogativas compativeis com a privação da liberdade devem ser assegurados.[1]
Os principais direitos elencados na legislação específica da matéria são:
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Passa-se à uma análise pormenorizada dos direitos e faculdades atribuídos ao executado.
ANÁLISE CONSTITUCIONAL DE ALGUNS DIREITOS RECONHECIDOS:
A doutrina reconhece a importância de se assegurar o direito ao uso apropriado de vestuários condizentes com o clima e a higiene. Neste sentido, valiosa a lição de Lauria:[2]
Sempre que o preso não tenha vestuário suficiente, deve o Estado fornecer esse tipo de uniforme, apropriado ao clima da região, que não prejudique a saúde do preso nem ofenda a sua dignidade. Neste caso, as roupas do preso devem ser frequentemente lavadas, mantendo o estado de higiene e boa-saúde. Eventualmente, em circunstâncias excepcionais, o preso, ao sair do estabelecimento naquelas situações que a lei autoriza, pode usar roupa pessoal ou trajes que não chamem atenção.
O recebimento de assistência material materializa o direito de receber vestes condizentes com a sua realidade. Não apenas deve ser assegurado o direito de se vestir adequadamente, mas também o direito de receber uma alimentação e condições de habitação, próprias de um sujeito de dignidade. Interpretações e práticas em sentido contrário são inconstitucionais sendo eivadas de vício crasso, incongruentes com os princípios e valores elementares estampados na ordem jurídica vigente.
O preso deve ser protegido de qualquer forma de sensacionalismo. Isso implica afirmar que a ele deve ser assegurado a observância do direito de se respeitar a sua honra e à sua imagem, inclusive da mídia quando esta vise expô-lo ao ridículo e ao menoscabo, e/ou vise obter vantagens puramente econômicas. Esta última situação inclusive é bastante comum, e ocorre quando os veículos informadores não observam a finalidade principal de seu dever de fornecer informações qualitativamente úteis para a formação da consciência de seus destinatários. A proteção à imagem encontra amparo no inciso X do art. 5° da Constituição Federal.
Sobre o chamamento nominal, relevante salientarmos o seu valor histórico, considerando que foi preocupação do legislador assegurar que o executado seja tratado pelo seu nome, ao invés de números ou sinais que desconsideram a sua individualidade, e consequentemente a sua dignidade pessoal.
A individualização da pena foi muito bem tratada por Adeildo Nunes que a conceituou nos seguintes termos:[3]
A individualização executória, portanto, significa tratar cada um dos condenados de conformidade com o crime praticado, seu sexo e sua idade. É evidente que quem cometeu um crime de estupro, por exemplo, não pode ser tratado da mesma forma de quem praticou um pequeno furto. A administração prisional e sua equipe de psicólogos e assistentes sociais têm um papel preponderante na tarefa de realizar essa individualização. Individualizar a pena não significa tratar com desigualdade os presos do ponto de vista material, mas sim de forma a perseguir a sua reintegração social.
É assegurado ao preso o sigilo das correspondências enviadas e recebidas, e que nem por ordem judicial devem ser quebradas, quando injustificadamente. Em caso de dúvidas, o preso deverá no máximo ser compelido a abrir correspondência na frente da autoridade competente, mas a esta não pode ser dado o mister de conhecer do conteúdo da mensagem. Infelizmente a prática carcerária não obedece a estes ditames constitucionais, sendo comum aberturas de cartas motivadas por meras suspeitas infundadas, não lastreadas em elementos concretos.
Também é assegurado ao apenado o direito de se entrevistar com o diretor do estabelecimento prisional, com o objetivo de esclarecer eventual situação contra sua pessoa, e obter o conhecimento das normas aplicáveis no estabelecimento, evitando que seja acometido de qualquer sorte de surpresas em caso de eventual cometimento de faltas disciplinares.
Essa faculdade garante o exercício do contraditório, além de simultaneamente assegurar o direito à informação, evitando problemas como o cometimento de faltas por falta de informação suficiente. O emprego adequado dessa prerrogativa evitaria que procedimentos disciplinares fossem instaurados de maneira desnecessária, que poderiam ser evitados com a compreensão das autoridades acerca de questões justificantes de uma determinada postura ou comportamento, inclusive favorecendo a organização do estabelecimento para os problemas que lhe serão apresentados.
Dentro desta perspectiva, é assegurado ao preso também o direito de obter certidões e atestados de pena para que assim possa saber quanto tempo falta para cumprir a pena, e também para que possa exercer direitos que exijam estes documentos como meios de prova, tais como progressões de regime, saídas temporárias e reconhecimento do período de tempo de trabalho para fins de remissão.
O direito de receber periodicamente o atestado de pena atualizado possibilita que o preso possa verificar o período de tempo remanescente para a extinção da pena, bem como viabiliza a compreensão do período de tempo para obtenção de benefícios penitenciários ou na progressão de regime. Infelizmente muitos desses atestados estão desatualizados, o que prejudica a realização deste direito, especialmente por causa da carência de servidores com conhecimento especializado na matéria de execução penal, e na implantação lenta, mas ainda insatisfatória de varas especializadas em execução penal.
Sobre o direito de assistência de um advogado, destaco as palavras de Andrei Zenkner Schimidt:[4]
Outro grande vício verificado nos processos de execução é a ausência de advogados representando os interesses dos apenados. À exceção das comarcas onde a defensoria pública encontra-se com boas condições de trabalho (pouquíssimos casos, diga-se de passagem), a grande maioria do processos de execução tem andamento sem que o juiz dê, ao réu, defensor dativo.
A dura realidade do cárcere, onde poucos detentos podem contar com a assistência de um advogado provoca uma série de desvios na execução, como pessoas detidas por tempo superior ao da pena, direitos que deixam de ser assegurados, tendo o sentenciado já cumprido seus requisitos objetivos e subjetivos, como concessão de saídas temporárias, remição da pena e/ou progressão de regime prisional. Essa a razão da Lei 12.313, de 2010, prescrever que em todos os estabelecimentos penais deverá haver local apropriado destinado ao atendimento pelo Defensor Público.
À Defensoria Pública cabe requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo, peticionar pela unificação de penas, a declaração de extinção de punibilidade, remição e detração de penas. Além disso, compete a ela o papel de interpor recursos das decisões proferidas pela autoridade judiciária ou administrativa durante a execução.
O direito de visitação deve ser assegurado ao preso, especialmente o direito à visita íntima, fator que contribui para a redução do índice de rebeliões. Segundo doutrinamento de Guilherme de Souza Nutti:[5]
Cremos ser necessário democratizar esse novo direito à visita íntima, permitindo que o maior número de possível de presos dele possa fazer uso, Sem preconceitos, discriminações, discriminações de toda ordem e com regras e critérios previamente estabelecidos. Aliás, o ideal e correto é legalizar o procedimento, inserindo-o na Lei de Execução Penal, contendo as regras para que tal ocorra.
A visitação garante o atendimento dos familiares, evitando que o preso seja posto em condição de abandono. Isso é fundamental para a redução dos efeitos perversos inerentes à execução penal. A família é fundamental para o seu amparo, ela estimula o seu retorno ao convívio social. Para a promoção desse direito, as assistências sociais possuem papel central no esforço de servirem como elo de ligação entre o preso e a sociedade, evitando que o executado fique em situação de desamparo e seja incentivado a atender ao programa de execução para logo retornar à sociedade.
Sendo assegurado ao preso os mesmos direitos conferidos ao cidadão, salvo as exceções previstas em lei, por decorrência lógica é manifesta a inconstitucionalidade do art. 29 caput da LEP que trata do trabalho remunerado, não podendo este ser inferior a três quartos do salário mínimo mediante prévia tabela. Isso porque o dispositivo viola disposição constitucional (art.7° inciso IV da Constituição Federal) que preceitua que o salário mínimo constitui o valor mínimo necessário para se atender à dignidade do trabalhador.
Desse modo, o recebimento de um valor menor a contrario sensu não atende à dignidade do preso.
Estes são os principais direitos reconhecidos ao preso, temos a remissão da pena pelo trabalho e pelo estudo, conferido aos presos que cumprem penas no regime fechado e semi-aberto. O STJ tem entendimento recente sobre o reconhecimento da remissão até mesmo na hipótese de atividades de leitura, fator que atende à sua ressocialização.
Neste sentido, temos:
A atividade de leitura pode ser considerada para fins de remição de parte do tempo de execução da pena. O art. 126 da LEP (redação dada pela Lei 12.433/2011) estabelece que o "condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena". De fato, a norma não prevê expressamente a leitura como forma de remição. No entanto, antes mesmo da alteração do art. 126 da LEP, que incluiu o estudo como forma de remir a pena, o STJ, em diversos julgados, já previa a possibilidade. Em certa oportunidade, salientou que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento, em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal (REsp 744.032-SP, Quinta Turma, DJe 5/6/2006). O estudo está estreitamente ligado à leitura e à produção de textos, atividades que exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo, levando-os à construção do conhecimento. A leitura em si tem função de propiciar a cultura e possui caráter ressocializador, até mesmo por contribuir na restauração da autoestima. Além disso, a leitura diminui consideravelmente a ociosidade dos presos e reduz a reincidência criminal. Sendo um dos objetivos da LEP, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, impõe-se a interpretação extensiva do mencionado dispositivo, o que revela, inclusive, a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. Além do mais, em 20/6/2012, a Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen) já haviam assinado a Portaria Conjunta 276, a qual disciplina o Projeto da Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. E, em 26/11/2013, o CNJ - considerando diversas disposições normativas, inclusive os arts. 126 a 129 da LEP, com a redação dada pela Lei 12.433/2011, a Súmula 341 do STJ e a referida portaria conjunta - editou a Recomendação 44, tratando das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelecendo critérios para a admissão pela leitura. HC 312.486-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/6/2015, Dje 22/6/2015
CONCLUSÃO:
O presente trabalho procurou analisar o tratamento constitucional e legislativo dos direitos do preso, com o objetivo de informar a comunidade acadêmica da importância do tema.
Procurou-se fornecer à comunidade acadêmica uma compreensão da possibilidade dos direitos fundamentais se apresentarem de maneira especial, em face de um sujeito com qualidades especiais, o executado que cumpre penas e medidas de segurança, e de que forma esses direitos devem se exteriorizar e efetivar visando a proteção das minorias de qualquer forma de arbítrio e abuso injustificado em seu reconhecimento.
É conferida ao preso a qualidade de sujeito de direitos, ao invés de mero objeto da administração pública. Seu tratamento deve se dar de forma a lhe assegurar a condição de sujeito que goza de dignidade jurídica. Essa interpretação serve como vetor da compreensão dos direitos do preso, contribuindo para a adequação das formas jurídicas positivadas à realidade, atendendo à finalidade das normas constitucionais.
Espera-se que muitos dos direitos apresentados de fato passem a fazer parte da realidade carcerária, de modo a se garantir a observância dos preceitos constitucionais de inegável importância histórica. A LEP, cuja vigência se deu em 1984, já sinalizava a mudança de paradigma.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, Carlos Lélio Lauria. Lei de Execução Penal em perguntas e respostas. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.65.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. Ed. São Paulo: RT, 2010, p.995.
NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. Rio de Janeiro: Forense,2012, p.88
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. In: CARVALHO, Salo de et.al. Crítica à execução Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 230.
[1] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.65.
[2] FERREIRA, Carlos Lélio Lauria. Lei de Execução Penal em perguntas e respostas. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73.
[3] NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. Rio de Janeiro: Forense,2012, p.88.
[4]SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. In: CARVALHO, Salo de et.al. Crítica à execução Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 230.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. Ed. São Paulo: RT, 2010, p.995.
Advogado, bacharel em direito pela UFMG, cursando especialização em ciências penais na PUC/MG, pesquisador do grupo de pesquisas do PRUNART/UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Adriano Resende de. Direitos do preso e do executado: breves esclarecimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45041/direitos-do-preso-e-do-executado-breves-esclarecimentos. Acesso em: 23 dez 2024.
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