RESUMO: Este artigo visa discutir os impostos sobre a propriedade previstos na Constituição Federal e hipóteses em que sua incidência se faz ilegítima. Par tal mister, tomaremos o prisma constitucional e principalmente o estudo da capacidade contributiva. Voltaremos os olhos para situações em que a tributação far-se-á inconstitucional no IPTU, no ITR, no IPVA e a ainda discutiremos o esqueleto constitucional do IGF e situação em que sua cobrança também seria injusta.
Palavras-chave: Direito tributário, Impostos sobre a propriedade, Princípio da capacidade contributiva, Princípio da Isonomia tributária.
ABSTRACT: This article aims to discuss property taxes in the Federal Constitution and assumptions on which its incidence is corroded. For such task, we will take the constitutional perspective and especially the study of equality. We will return our eyes to situations where the tax will be unconstitutional, in the IPTU, the ITR, and also discuss property taxes in the skeleton of IGF and constitutional situations in which it collection would also be unfair.
Keywords: tax law, property taxes, ability to pay principle, principle of equality of taxation.
Sempre foi com o discurso de custear as despesas comuns e promover o desenvolvimento do todo que desde que o homem começou a se organizar em grupos que os seus líderes coletam riquezas da coletividade.
Tal expediente ainda é utilizado no mais diversos momentos: desde quando colegas de trabalho se cotizam para comprar um presente para um aniversariante ou quando rateamos as despesas condominiais.
Porém quando essa verba não decorre de ato ilícito, tem como destino o ente estatal e essa contribuição, exprimida em pecúnia, assume contornos de obrigatoriedade estamos diante do objeto de estudo do direito tributário, então temos de observar todo o ordenamento da matéria.
O Estado, através do poder legislador, tem a competência para eleger situações que, por si só, obrigarão seu agente a entregar riqueza aos cofres públicos. No entanto o Estado também está amarrado ao ordenamento da legislação tributária.
Estudaremos então algumas das regras dessa competência, seu arquétipo constitucional/legal e algumas das limitações, notadamente o princípio da capacidade contributiva, e seus reflexos para a atividade do Estado-legislador e do Estado- arrecadador. Por fim veremos situações reais e hipotéticas onde é possível verificar que em não havendo constante acompanhamento das normas e seus efeitos estas se mostrarão em choque com seus próprios fundamentos de validade.
No mundo inteiro os tributos incidem basicamente sobre 3 grupos de situações: Propriedade, Renda e Consumo. É necessário haver um bom balanceamento sobre os três grupos de maneira a não tomar injusta a tributação, ainda que legal.
No Brasil podemos verificar um excesso de carga tributária no consumo. Não percebemos quanto pagamos embutidos nos preços dos produtos que consumimos, mas nos queixamos da alíquota do imposto de renda ou do valor do IPVA. Tal forma de tributação é perversa pois p rico e o pobre acabam sendo nivelados. Tanto o rico quanto o pobre ao comprar feijão recolhem aos cofres públicos à mesma importância, isto choca com a ideia de justiça fiscal e às finalidade extra e para-fiscais dos tributos. Penso que tal escolha desse modelo por parte dos políticos possivelmente se dá por conta de que são esses os tributos que mais permitem “se esconder” da população. Essa tributação beneficia aqueles que têm mais sobras de caixa, pois ao depois de gastar sua renda com consumo ainda há sobra esta não será amealhada para as necessidades públicas.
Os tributos que incidem sobre a renda permitem uma maior individualização da carga tributária, em que efetivamente se mede a possibilidade de pagamento de tributos do contribuinte e assim uma maior justiça fiscal. Permitem atingir ás finalidade fiscais e extra-fiscais concomitantemente. Esta forma de tributar traz um ônus político maior por conta de que muitas vezes o contribuinte se sente roubado pelo Estado. A preponderância deste tipo de tributos favorece os que ganham menos, pois pagarão menos tributo ou até não pagarão, enquanto que os mais abastados se verão com injustiçados por pagar altos valores e geralmente não usar nenhum ou usar poucos serviços públicos.
Por último temos os tributos sobre o patrimônio. Nos parece um meio termo entre os dois no que tange a percepção por parte do contribuinte, isto é, de certa maneira parece razoável á todos que o dono de um bem deva pagar alguma soma por isso. Favorece a realização de finalidade para-fiscais por se poder cruzar dados de patrimônio com renda. Como a maioria dos eleitores tem pouco ou nenhum patrimônio o ônus político para aprovação de tributos com essa materialidade não é alto. Este grupo de tributos permite um melhor planejamento tributário para os contribuintes.
É este grupo que focamos este trabalho.
Aduzimos que não estudaremos o ITBI por entender que é um tributo sobre operação comercial e não sobre patrimônio, apesar de haver doutrina respeitável que entende diferentemente.
Nossa constituição criou 4 impostos sobre o patrimônio: o ITR, o IPTU, o IPVA e o IGF.
O IPTU e o ITR incidem sobre áreas físicas, o IPVA sobre veículos automotores e o IGF ainda não foi instituído/regulamentado, mas deverá incidir sobre todo o patrimônio do contribuinte.
A Constituição Federal as materialidades dos impostos em 1988 e para os tributos acima mencionados ficou implícita/explicitamente consignado que o critério material apto a atrair a incidência tributária é a propriedade, o domínio útil ou a posse.
Passemos a analisar em breves linhas o esboço constitucional de cada um deles.
O imposto sobre a propriedade territorial rural é imposto de competência federal e seu produto deve ser dividido igualmente com os municípios em que as propriedades se encontram.
Há a hipótese de a união delegar para o município as atribuições de fiscalização e cobrança desde que isso não implique em redução do imposto ou renúncia fiscal.
A emenda constitucional 42/2003 determinou que o referido tributo deve ter caráter também extra-fiscal para estimular a função social da propriedade.
Numa rápida análise pelos critérios de Regra matriz de incidência tributária de Paulo de Barros Carvalho podemos indicar que: Se o contribuinte é titular do direito de propriedade, domínio útil ou posse de determinado imóvel situado na zona rural no período apontando em lei como critério temporal surge para ele a obrigação de pagar à União ou ao município o produto do valor de sua propriedade vezes a alíquota aplicável.
O imposto sobre propriedade predial e territorial urbana é a versão “da cidade” do ITR. É de competência municipal e seu produto deve ser integrado totalmente às contas do município onde se encontra o referido imóvel.
A competência legislativa do mais de 5 mil municípios ficou bem restringida com o tratamento do CTN sobre a matéria. No entanto as câmaras de vereadores podem dispor sobre isenção, multa, obrigações acessórias, data e forma de pagamento e etc.
Desde a emenda constitucional de 29/2000 que o IPTU pode ter alíquotas progressivas em razão do valor e da localização e uso do imóvel.
Para que haja surja a obrigação de pagar ao município o valor do imóvel vezes a alíquota aplicável basta que o contribuinte seja titular de direito de propriedade, tenha o domínio útil ou a posse de imóvel situado na zona urbana em data prevista na legislação local.
O imposto sobre a propriedade de veículos automotores é de competência estadual/distrital, pertencendo seu produto integralmente à unidade federativa onde o veículo está matriculado.
O legislador complementar nesse caso preferiu deixar ao talante das assembleias legislativas e câmara distrital um maior espectro de atuação na fixação de critérios quanto ao IPVA.
A carta magna, no entanto, exigiu que fossem obedecidos pelos legisladores locais a alíquota mínima a ser definida pelo Senado Federal. Permitiu a Constituição que houvessem alíquotas diferenciadas por tipo e por utilização, em clara tentativa de mensuração da capacidade contributiva.
Como dito é de competência dos vários estados e do DF a definição do conteúdo do IPVA mas o eu arquétipo constitucional pode ser rascunhado da seguinte forma: Se alguém for dono, tiver domínio útil ou posse de veículo automotor dentro do Brasil fica obrigado a pagar à unidade federativa onde este estiver matriculado o produto do valor do bem e da alíquota determinada em lei.
O imposto sobre grandes fortunas é de competência da união que deverá instituí-lo por lei complementar.
A constituição pouco falou sobre o IGF. Não definiu se haverá progressividade, se ele deverá atender à função extra ou para-fiscal e nem definiu momento para sua instituição.
O imposto sobre grandes fortunas só existe com previsão constitucional. Não há lei que o defina, no entanto podemos fazer um exercício de hermenêutica e traçar um mínimo que ele, quando instituído não poderá fugir.
Para ser contribuinte do IGF o contribuinte deve ser titular de bens que o lhe deem a condição de muito rico. O constituinte não quis tributar neste caso apenas o cidadão que se encontra financeiramente confortável, o vocábulo utilizado foi fortuna e este ainda foi qualificado com o adjetivo grande, logo a soma deve ser realmente bem grande. Então pragmatizando: Se o contribuinte é titular de soma considerável de riqueza no Brasil em data fixada em lei deve pagar à União parcela desse valor.
A capacidade contributiva está umbilicalmente relacionada à isonomia.
Enquanto a isonomia entendida de forma estrita manda tratar os iguais de forma igual, decorre logicamente deste raciocínio que se deve tratar os desiguais de forma desigual, e tão somente na medida de suas desigualdades.
Este é o entendimento consagrado do princípio da isonomia no Brasil e decorre do pensamento do genial Rui Barbosa que por ocasião da formatura dos egressos da faculdade de direito do Largo de São Francisco em 1920 disse:
“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualmente flagrante, e não igualdade real.”
O tributo será justo quando for o critério diferenciador eleito pela norma.
Só é lícito eleger como discrimen elemento que evidencie uma capacidade econômica diferenciada do sujeito passivo da exação tributária.
A constituição Federal no parágrafo único do artigo 145 estabelece o princípio da capacidade contributiva.
“§1º- Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividade econômicas do contribuinte.”
Hugo de Brito Machado¹ em sua 31ª edição do curso de direito tributário esclarece:
“A nosso ver o princípio da capacidade contributiva ou capacidade econômica, diz respeito aos tributos em geral e não apenas aos impostos, embora apenas em relação a estes esteja expressamente positivado na Constituição. Aliás, é esse princípio que justifica a isenção de certas taxas, e até da contribuição de melhoria, em situações nas quais é evidente a inexistência de capacidade contributiva daquele de quem teria de ser o tributo cobrado. E quanto à segunda das referidas questões (Quanto a possibilidade de o legislador ordinário afastar a incidência deste princípio, haja visto que o texto da Constituição diz: “ sempre que possível...)nos parece que se trata de um princípio constitucional que deve ser encarado com os princípios jurídicos em geral. Não é razoável entender-se que o legislador tem ampla liberdade para resolver quando é e quando não é possível exigir-se obediência ao princípio da capacidade contributiva porque tal compreensão anula inteiramente a sua supermacia. Em outras palavras, essa interpretação rebaixa o princípio em questão do nível da Constituição para o nível das leis ordinárias, o que não é razoável admitir-se.”
Nesse trabalho trataremos apenas de impostos, mas vimos que se trata de um princípio aplicável a todos as espécies de tributos, não só aos impostos, e que é de observância obrigatória pelo legislador.
Roque Antônio Carraza² nos diz que:
“De um modo bem amplo, já podemos adiantar que ela (a capacidade contributiva) se manifesta diante de fatos ou situações que revelam, prima facie, da parte de quem os realiza ou neles se encontra, condições objetivas para, pelo menos em teses, suportar a carga econômica desta particular espécie tributária.”
O professor Carraza faz menção a “...desta particular espécie tributária.” pois diverge do Dr. Hugo de Brito na aplicabilidade deste princípio quanto ao espectro de espécies tributárias que este princípio abarca.
Entendo este princípio como sendo além do já dito quanto à decorrência da isonomia, como também expressão da extrafiscalidade, ferramenta da justiça fiscal que busca diminuir a diferença das classes sociais. Os benefícios resultantes da aplicação dos tributos servirão a todos; às custas também de todos, mas mais dos que têm melhores condições de pagar.
A nosso ver a carta magna determina que apenas fatos que denotem alguma exteriorização de riqueza podem ser alçados a fatos tributários. Isto é: apenas fatos de quem se presuma riqueza devem ser os critérios materiais aptos a atrair a incidência tributária. E esta exação deve observar o tamanho da sua exteriorização.
Já disse aqui que é a propriedade sobre espaço físico, veículo automotor e grande fortuna a materialidade apta a atrair a incidência dos tributos. Na verdade haverá casos em que outros direitos sobre as coisas poderão também justificar a atividade arrecadatória do Estado. Impende aprofundar um pouco o conteúdo destes institutos.
Comecemos observando o que o CTN dispõe sobre o IPTU:
“O imposto de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizando na zona urbana do Município.”
Ou seja, o legislador complementar deixou para as Câmaras de Vereadores de cada município, observando suas particularidades, a missão de escolher qual dos direitos reais sobre o imóvel que realizará o fato tributável.
Quanto ao ITR disse a Lei 5.172/66 em seu artigo 29:
“O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.”
Os direitos que compõem a materialidade do IPVA não foram minudenciados pela constituição ou pelo Código Tributário Nacional. Vejamos então a Lei que regulamenta o tributo no estado da Bahia.
A Lei estadual nº 6.348 de 17 de dezembro de 1991 não traz nenhum artigo com a clareza dos já vistos nos outros impostos mas quando trata da base de cálculo acaba por dizer qual o critério material bastante para definir a obrigatoriedade do recolhimento do tributo.
“§5°- Ocorrendo perda total do veículo, por sinistro, roubo, furto ou outro motivo que descaracterize sua propriedade, seu domínio ou sua posse,o imposto será calculado por duodécimo ou fração, considerada a data do evento...”.
Como já dissemos o IGF não tem aplicabilidade por falta de lei que o defina.
Pudemos ver que nos 3 tributos as materialidades eleitas foram sempre a propriedade, o domínio e a posse.
O direito tributário é um direito de superposição. Diz de superposição pois ele incide sobre situações já regulamentadas por outros ramos do direito.
Por exemplo o ISS incide sobre serviços, mas como definir o que é serviço? Recorre-se a outro ramo do direito, no caso o direito civil, então tudo que configurar obrigação de fazer será serviço.
Da mesma forma quanto ao ICMS que deve incidir sobre operações de circulação de mercadoria. Recorrer-se-á a outras matérias dentro do direito para conceituar-se mercadoria.
Desta forma o direito tributário não pode inventar toda uma realidade, ou seja, não pode, para fins tributários, dizer que na compra de imóveis incidirá ICMS haja visto que no conceito de mercadoria está a ideia de mobilidade, ausente do conceito de imóvel.
É esta a leitura que fazemos do artigo 110 da lei 5.172/66, o Código Tributário Nacional, in verbis:
“Art.110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizadas, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Neste trabalho estamos examinando especificamente o ITR, o IPTU, o IPVA e arquétipo constitucional Do IGF, já que ainda não existe lei instituidora deste imposto.
Já vimos que o critério material dos referidos tributos envolvem a propriedade, o domínio útil e a posse.
Então, vejamos o conteúdo de cada um destes institutos.
O código civil fugiu à tarefa de conceituar a propriedade definindo os poderes de seu titular. Disse a lei que o proprietário é a pessoa que tem direito de usar,gozar e dispor da coisas, podendo ainda reavê-la do poder de quem injustamente a detenha ou possua.
Socorramo-nos da doutrina para traçar um conceito do instituto.
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald³ dizem o que não é propriedade para depois chegar num sucinto conceito:
“A propriedade não é o retrato material do imóvel com as características físicas, mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente, dotando o proprietário de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidades e a proteção plena do aparto jurisdicional. O título representativo da propriedade é apenas a parte visível de um bem intangível que resume um conjunto integrado e controlável de informações que circulam entre cartórios, registros, instituições financeiras e Estado, promovendo segurança e confiança intersubjetiva.
Podemos conceituar assim propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas.”
Em Orlando Gomes4, podemos ver de uma só vez três conceitos, que harmonicamente nos trazem a melhor ideia da propriedade:
“Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica, submetida à vontade de uma pessoa com as limitações da lei.”
Para César Fiúza[1]5:
“... propriedade pode significar, num sentido mais amplo, a situação jurídica composta de uma relação dinâmica e complexa entre o dono e a coletividade, da qual surgem direitos e deveres para ambos; num sentido mais restrito, pode significar apenas os direitos do dono de usar, fruir, dispor e reivindicar, daí se falar em direito ou direitos de propriedade; e num sentido mais específico e objetivo, propriedade é a própria coisa, objeto do domínio. Daí se falar em propriedade urbana ou rural como sinônimo de imóvel ou prédio urbano ou rural.”
De todos estes conceitos podemos extrair que a propriedade é direito complexo, ou seja envolve vários poderes que o senhor tem sobre a coisa e que todos devem respeitar. Não é, entretanto, absoluto, pois deve observar em sua extensão e direção o bem comum, não pode o proprietário fazer o que quiser com a coisa, deve pautar seus atos pelos fins jurídicos e econômicos.
Voltando ao nosso estudo, temos que se alguém é senhor de uma coisa e portanto pode usar, fruir, dispor e gozar livremente deste bem quem tem conteúdo econômico concreto é justo que seja sujeito passivo de obrigação tributária.
O legislador cível também se furtou a tarefa de conceituar o domínio útil. O código civil por diversas vezes utiliza a palavra domínio com o sentido de poder sobre determinada coisa, detença.
Para Cristiano Chaves o domínio é o poder que instrumentaliza a propriedade:
“A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio...”.
Enquanto que a propriedade é uma relação jurídica o domínio é uma relação fática. Devem, pois andar de mãos dadas. Mas há situações onde a propriedade é cindida do domínio. O exemplo mais fácil é a locação. Quando o proprietário decide alugar sua coisa passa o domínio para outrem, reservado para si a propriedade.
Mais a frente veremos outras situações de partição entre propriedade e domínio que trarão repercussões à esfera do poder de tributar.
Há diversas e intricadas questões sobre a posse. Haja visto que tratamos de tema tributário em que a aplicação do instituto é mínima, para não dizer nula, deixarei de conceituar o instituto.
Na seara da atividade arrecadatória especialmente nos impostos sob comento cujos lançamentos dão da modalidade de ofício perde objeto a discussão sobre a teoria de Savigny ou lhering, se existe animus domini e se ele se encontra presente em um caso ou outro.
Não há atividade fiscalizatória a investigar os posseiros e suas intenções com os bens para se verificar se é caso ou não de sujeição passiva.
Vejamos breve lição de Aires F. Barreto6 que define qual o tipo de posse que pode, em tese, visto que na prática não é verificável, atrair a incidência dos impostos sobre o patrimônio.
“A “posse” apresenta-se como a terceira variável da hipótese de incidência, porquanto reflete o exercício de poderes inerentes à propriedade. Enfeixando-se o poder que se manifesta quando alguém age como se fora titular do domínio, a posse obriga- notadamente quanto ao uso e gozo – direito nos quais se faz presente o substrato tributável.
Para haver posse tributável é preciso que se trate de posse ad usucapionem. É dizer, posse que pode conduzir ao domínio. Caso se trate de posse que não tenha essa virtude, não se há de cogitar se esse possuidor contribuinte do IPTU. Assim, não se podem ser contribuintes- embora seja possuidores- os locatários e os arrendatários de imóvel.”
Investiguemos agora os tributos individualmente e verifiquemos se é possível em cada um deles que o legislador opte livremente em eleger seu critério material apto a atrair a incidência tributária.
Vejamos agora as referidas hipóteses em que mesmo havendo, num primeiro olhar, a subsunção do fato à norma é legítima a cobrança de qualquer tributo sobre o patrimônio.
É legítima essa cobrança porque esse olhar deve se dar pelo prisma constitucional da capacidade contributiva e onde esta não se revelar a norma não poderá incidir, vez que obstada pela ausência do signo de riqueza legitimador da cobrança.
Vimos até aqui que o imposto territorial rural é tributo que deve incidir sobre o direito de propriedade, domínio ou posse de terras que não sejam urbanas.
Tem capacidade contributiva aquele que extrai riqueza do bem ou, ao menos, tem condição de fazê-lo.
O recurso especial 963.499/PR pôs fim a interessante caso em que se demonstra a aplicabilidade do tema ora em debate. Trata-se de pretensão de espólio que tivera fazenda invadida e mesmo após obter provimento judicial que determinara a desocupação do imóvel pelas cerca de 80 famílias sem- terra que lá residam não conseguiu obter o bem de volta. O Estado por não querer assumir tamanho ônus político ou por questões de solidariedade não cumpriu a ordem judicial.
A fim de resolver o problema de outra forma o INCRA pondo em movimento a reforma agrária resolveu adquirir a já invadida fazenda para regularizar a situação das famílias. Ocorre que para adquirir a fazenda, como todo comprador cauteloso, a autarquia federal exigiu a quitação de todos os tributos.
Ficou assim um grande problema, o Estado não cumpriu com seu dever de garantir o direito de propriedade e também a execução das ordens judiciais, mas, de certa forma, exigia o pagamento dos tributos.
Ora, não havia tributo a ser pago. O direito de propriedade ali era um “pastel de vento”, no dizer dos ministros do STJ: “Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos.”
É salomônica a justeza da decisão do STJ. Com a anulação dos lançamentos ficou o imóvel sem ônus tributário e, a um só tempo, o INCRA, o espólio nas pessoas dos herdeiros do de cujos, e as famílias assentadas tiveram seus problemas resolvidos.
No caso que acabamos de ver o direito de propriedade tinha sido esvaziado integralmente pelos fatos. Mas há situações em que o titular ainda exerce todos os seus direitos, no entanto estes podem ser restringidos em seu alcance de tal forma que a cobrança do tributo deve ser reavaliada sob pena de ilegitimidade/injustiça.
Na seara do direito administrativo, com fundamento na predominância do interesse público sobre o privado, há diversas limitações ao direito de propriedade. Em maior ou menos grau essas restrições invadem o patrimônio individual do cidadão que fica impedido de exercer o direito de propriedade em sua plenitude.
Há certo consenso entre os administrativistas que quando a limitação do direito de propriedade tem caráter geral não caberá indenização e quando esta forma específica, fica para o proprietário prejudicado o direito de ser ver indenizado.
Não obstante caber ou não indenização o certo é que tais restrições diminuem o valor econômico do bem. Se, por exemplo, em determinada região, já houver excesso de tráfego o dono de terreno fica impedido de construir imóvel que importe em adicionar à região fluxo de pessoas este imóvel terá seu valor diminuído em grande monta por conta do interesse público.
Neste caso não há consenso se caberia indenização no valor que o imóvel perdeu, mas seria imperiosa a diminuição do valor do IPTU do terreno, haja vista a possibilidade de geração de renda por parte deste imóvel haver diminuído.
Outro raciocínio que não diminua o valor cobrado a título de IPTU do dono de imóvel que perdeu valor de mercado ofenderia frontalmente o já estudado princípio da capacidade contributiva.
Para objetivarmos ainda mais o raciocínio pensemos na caso hipotético de um cidadão que compre um terreno e pague por ele R$ 200.000,00 com o fim de construir um edifício. Quando da emissão de licenças ambientais se constate que importante fonte d’água seria prejudicada caso obra daquela monta fosse efetuada naquele espaço. Não há que se falar que a propriedade é dele e este faz i que quiser. O interesse público ordena que não seja autorizada nenhuma obra que tenha potencial de causar prejuízo à fonte. No entanto o bem público não pode ser realizado às custas de um cidadão. Veja, não é caso de se desapropriar o bem. O terreno pode ter outro uso. Ele deve permanecer sob a propriedade do cidadão, apenas deve ser gravado em sua matrícula a obrigação de não prejudicar a nascente. Por óbvio que o valor econômico do imóvel foi prejudicado. No valor deste prejuízo o titular do terreno deve ser indenizado. Caso o valor do terreno em que não se pode construir seja de R$ 90.000,00 o poder público deve indenizar o cidadão no complemento para o valor do bem antes de imposto o ônus ambiental. E mais, para as novas cobranças do IPTU a base de cálculo a ser observada é o do novo valor do bem.
No caso do IPVA o problema é flagrante e de mais fácil constatação. Centenas de carros são furtados todos os dias no Brasil. É improcedente alegar que, caso o pagamento devesse ser feito após a data em que o bem foi subtraído este se torna indevido, pois o contribuinte ostentou o signo de riqueza durante algum tempo. Da mesma forma se pago antecipadamente o tributo e após isto o signo (veículo) desaparece se torna imperiosa a devolução proporcional do valor pela Administração Pública para o cidadão.
Afinal a data de incidência da norma é apenas em um dia enquanto eu o signo de riqueza se protrai no tempo.
Vendo este problema, real, cotidiano do cidadão contribuinte que o legislador paulista editou a nova lei do IPVA paulista, número 13.296/2008.
No artigo 14 da sucinta lei é disciplinada a hipótese de privação da propriedade do bem tributado:
Artigo- 14- Fica dispensado o pagamento do imposto, a partir do mês da ocorrência do evento, na hipótese de privação dos direitos de propriedade do veículo por furto ou roubo, quando ocorrido no território do Estado de São Paulo, na seguinte conformidade:
I- o imposto pago será restituído proporcionalmente ao período, incluído o mês da ocorrência em que ficar comprovada a privação da propriedade do veículo;
I- o imposto pago será restituído proporcionalmente ao período, incluído o mês da ocorrência em que ficar comprovada a privação da propriedade do veículo;
II- a restituição ou compensação será efetuada a partir do exercício subsequente ou da ocorrência.
§ 1º- A dispensa prevista neste artigo não desonera o contribuinte do pagamento do imposto incidente sobre fato gerador ocorrido anteriormente ao evento, ainda que no mesmo exercício.
§ 2º- O Poder Executivo poderá dispensar o pagamento do imposto incidente a partir do exercício seguinte ao da data da ocorrência do evento nas hipóteses de perda total do veículo por furto ou roubo ocorridos fora do território paulista, por sinistro ou por outros motivos, previstos em regulamento, que descaracterizem o domínio ou a posse.
§ 3º- Os procedimentos concernentes à dispensa, à restituição e à compensação serão disciplinados por ato do Poder Executivo.
A lei prevê a restituição proporcional apenas se o bem foi subtraído no Estado de São Paulo. Certamente foram razões políticas/arrecadatórias que levaram à isso. Ao nosso ver não faz sentido tal restrição e mesmo que o bem tenha sido furtado ou roubado em outro estado deve persistir o não pagamento ou a restituição.
Mesmo assim é louvável a intenção dos deputados e a iniciativa deve ser aplaudida, principalmente por ser pioneira.
Previsto pela Constituição Federal em seu artigo 153, VII, o IGF ainda não foi regulamentado. Sem entrar no campo político do motivo da omissão do legislador e mantendo o quanto já dito anteriormente quanto à máxima aplicabilidade das normas constitucionais entendo que o referido tributo teria como materialidade deter grande fortuna.
É claro que a lei instituidora do tributo teria liberdade para definir qual o valor a partir do qual se considera grande fortuna. Mas levando em conta a baliza constitucional o legislador teria que escolher um valor a partir do qual fosse o seu titular considerado um afortunado e não um trabalhador que conseguiu atingir algum conforto. De outro lado esta soma não poderia ser tal que apenas poucos brasileiros fossem atingidos pela exação.
Como entre um e outro degrau há um grande espaço, peguemos um cidadão hipotético que se localizasse dentro de tal espectro de riqueza. Voltemos ao ano de 1989 em que, da noite para o dia, com o fito de conter a inflação, o Estado brasileiro sequestrou a poupança da população.
Caso este nosso cidadão, sujeito passivo do IGF, detivesse parte considerável de seu patrimônio na referida aplicação continuaria a estar sob a incidência do tributo?
Penso que não. Desapareceu, ainda que temporariamente o signo de riqueza. Tivesse a fortuna do nosso contribuinte hipotético sido aplicada em imóveis ele deveria continuar contribuindo, mas não é o caso. O signo, o motivo da tributação por ora desapareceu. Veja, não há necessidade que o contribuinte tivesse ficado à míngua. Ele inclusive poderia continuar a ser considerado abastado. Mas se houvesse cruzado para baixo o limite legal de grande fortuna sem dúvida estaria desobrigado ao recolhimento do imposto.
Os impostos sobre a propriedade, como todos os outros, devem ser entendidos sobre o prisma constitucional do direito tributário.
O estudo da capacidade contributiva aqui assume grandes contornos de importância, eis que ser proprietário, não define sempre ter riqueza.
Há uma certa presunção constitucional nesse sentido e o Estado deve garantir ai cidadão- contribuinte as bases para que se possa extrair da condição de proprietário a situação de riqueza. Me refiro à condições de normalidade de segurança, possibilidade de trabalho, estabilidade nas relações econômicas e jurídicas e etc.
Mas não se pense que os impostos sobre o patrimônios são como taxas que o contribuinte paga para ter direito a essas condições. Não é isso.
Todas as situações de segurança pessoal, patrimonial, econômica, jurídica e outras mais são prévias e geração de riqueza e, quando o Estado não as garante perde sua legitimidade de cobrar tributo pois cai por terra a presunção relativa de riqueza que emanava da condição de proprietário.
Assim sendo, fica o estado obrigado a cumprir com seu papel e, assim feito, surge para si a legitimidade de cobrar os impostos.
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³CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2009.p.168
4 GOMES Orlando, Coord BRITO, Edvaldo Atualiz FACHIN, Luiz Edson. Direitos Reais. 19º Ed. São Paulo: Saraiva,2007.p.109
6 BARRETO, Aires F. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).In BARRETO, Aires F. e BOTTALLO, Eduardo Domingos ( Coord). Curso de iniciação em Direito Tributário. São Paulo: Dialética,2004.p.175.
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Salvador; Advogado; Pós-graduando em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Pedro Camera. Os impostos sobre o patrimônio e a necessidade de o poder público garantir a possibilidade de uso, gozo e disposição do bem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45138/os-impostos-sobre-o-patrimonio-e-a-necessidade-de-o-poder-publico-garantir-a-possibilidade-de-uso-gozo-e-disposicao-do-bem. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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