RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso visa analisar a quebra da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo gestor público, notadamente no tocante aos Restos a Pagar, incorrendo, assim, em atos de improbidade administrativa. O conceito de Responsabilidade Fiscal sofreu mudanças ao longo da história, sobretudo quanto ao que concerne a obrigatoriedade de prudência no trato com as finanças públicas. Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000, houve um choque de moralidade na gestão pública, para consolidação de um novo regime fiscal no país. Por conseguinte, aquele administrador despreocupado com o equilíbrio das contas públicas responderá nos termos da Lei de Improbidade Administrativa.
Palavras-chave: Lei, Responsabilidade, Fiscal, Restos, Pagar, Improbidade.
Introdução
A Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n. 101/2000 foi uma inovação para o mundo jurídico, ao passo que trouxe regras rígidas para os administradores irresponsáveis com o dinheiro público.
Por conseguinte, a presente pesquisa tem como finalidade precípua a análise da Lei de Responsabilidade Fiscal, especificamente no tocante aos Restos a Pagar (art. 42 da referida Lei).
Nesta perspectiva, aborda-se na fase propedêutica os aspectos gerais do novo regime fiscal (Lei de Responsabilidade Fiscal), enfatizando suas características primordiais.
Na sequência, serão abordadas breves considerações sobre a questão dos Restos a Pagar, bem como a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos infratores da Lei Complementar n. 101/2000. Ao final, a pesquisa será arrematada com informações imprescindíveis para a configuração de atos ímprobos pelo gestor público quando há o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho será realizado através do método dedutivo, baseando-se em um referencial teórico bibliográfico de vários doutrinadores da área em estudo, legislação e jurisprudências.
Desenvolvimento
1 – Breve Histórico da Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, ao estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, regulamentou o artigo 163 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 163. Lei Complementar disporá sobre:
I – finanças públicas;
II – dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações, e demais entidades controladas pelo Poder Publico;
III – concessão de garantia pelas entidades públicas;
IV – emissão e resgate de títulos da dívida pública;
V- fiscalização financeira da administração pública direta e indireta.
Referido diploma marcou a administração pública brasileira pela obrigatoriedade de prudência na gestão da coisa pública. Os recursos públicos, geralmente escassos, passaram a ser geridos de forma responsável (princípio da responsabilidade fiscal), planejada (princípio da programação) e transparente (princípio da transparência), com observância da estrita adequação às necessidades públicas (princípio da economicidade).
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2006, p. 390/391), ao discorrer sobre o “Descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal”, esclarece:
Há algumas décadas, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, discorrendo sobre a história do constitucionalismo no Brasil, afirmara que “não há povo independente, muito menos autêntica soberania política, onde não há organização econômica e administração financeira (...)”.
Não obstante o romper dos anos, o quadro pintado pelo ilustre jurista ainda mantém um colorido atual, tendo sido nesta atmosfera que surgiu e amadureceu a ideia de se instituir mecanismos asseguradores de uma gestão responsável do dinheiro público. Em que pese à obviedade, sendo evidente que todo aquele que administra valores alheios deve ter seriedade e retidão em sua conduta, foi grande a resistência ao regramento que buscava coibir o despautério, a insensatez e a má-fé na administração do patrimônio público, pois, enfim, os maus-administradores seriam responsabilizados por seus atos.
Com tais objetivos foi editada a Lei Complementar nº 101/00, também denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, que é parte integrante de um conjunto de medidas que compõem o denominado Plano de Estabilização Fiscal (PEF), tendo estabelecido mecanismos de gestão responsável dos recursos públicos, visando conter o déficit e estabilizar a dívida pública, possibilitando a manutenção do equilíbrio que deve existir entre despesas e receitas públicas.
Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal constitui um verdadeiro código de conduta a ser observado pelo gestor público na gerência da Administração Pública, prevendo instrumentos de planejamento, controle e transparência, que tem por escopo a utilização racional das receitas em benefício das necessidades coletivas.
Além disso, as Disposições Preliminares da Lei Complementar n. 101/2000, em seu §1º do art. 1º, prescreveu:
Art. 1º. (...)
§1º. A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultado entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidadas e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
Desta feita, a Lei de Responsabilidade Fiscal passou a não ser mais um diploma programático que estabelece somente regras a serem discricionariamente observadas pelo administrador público. Com o advento da Lei Complementar n. 101/2000, a norma tornou-se imperiosa, posto que estabeleceu sanções rígidas ao administrador imprudente na gestão do dinheiro público.
2 – Dos Restos a Pagar - Improbidade Administrativa
Observa-se que a Lei nº 4320/64, já dispunha em seu art. 36, o significado de restos a pagar:
(...) as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas, sendo que os empenhos que correm a conta de créditos com vigência plurianual, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito (parágrafo único).
Por sua vez, com o advento da Lei Complementar n. 101/2000, tal regramento veio disposto no art. 42:
Art. 42. É vedado ao titular do Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigações de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.
Contudo, da simples leitura do supramencionado dispositivo, percebe-se que a vedação para que o administrador público contraia despesas nos últimos dois quadrimestres do mandato só existe quando as dívidas não possam ser pagas dentro do mesmo exercício ou se contraídas para pagamento no exercício seguinte não tiverem provisão de caixa para o pagamento.
Dessa forma, verifica-se que dispositivo em tela (art. 42) possui nítido intuito de extinguir práticas políticas históricas dos agentes públicos de legarem aos seus sucessores administrações falidas e gerencialmente inviáveis, impondo aos administradores o dever de “gastar apenas o que se arrecada”.
1.1 Da Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Infratores da LRF
Ao agente público é imposta a obrigação de estrita observância das disponibilidades financeiras do ente público quando da assunção de obrigações nos oitos últimos meses de mandato. O art. 42 traduz a finalidade imediata da Lei de Responsabilidade: responsabilidade administrativa na gestão do dinheiro público.
Caso contrário, se o agente público contrair despesas em vultosa quantia nos dois últimos quadrimestres do mandado, sem atentar para as disponibilidades orçamentárias do órgão público, responderá nos termos da Lei de Improbidade Administrativa.
Neste caso, o art. 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal, expressamente prevê a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa no tocante às infrações àquele diploma:
Art. 73. As infrações a dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto – Lei nº 2.848, de 7 de outubro de 1940 (Código Penal); a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.
Entretanto, ainda que não houvesse a disposição do preceito acima, a violação ao princípio da legalidade, por si só, possibilitaria a subsunção da conduta do agente público ao disposto nas sanções da LIA, face a absoluta inobservância ao disposto no art. 42 da LRF.
O princípio da legalidade condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal, submetendo os agentes públicos à estrita observância da legalidade.
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da Lei e às exigências do bem comum, e deles não pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei. Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (MEIRELLES; HELY LOPES, 1993, p. 82).
Além disso, quando a Constituição é cumprida pelo legislador ordinário na sua tarefa de concretização constitucional, tal medida (moralidade administrativa) deve ser observada de forma imperativa, pois encerra uma imposição constitucional.
Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isso ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos (...)”(DI PIETRO; MARIA SILVA ZANELLA, 1991, p. 111)
Ademais, os recursos não podem ser alocados de forma irresponsável, com consequente gasto desarrazoado, sob pena de ferir o princípio da eficiência.
O dever de bem administrar, que sintetiza a eficiência, decorre do princípio republicano, segundo o qual quem administra gere o que pertence à sociedade. Por sinal, de conformidade com esse mesmo princípio, a programação e a realização de projetos administrativos é, hoje, uma imposição da LC nº 101/2000. (FAZZIO JUNIOR; WALDO, 2014, 98).
Vale salientar, ainda, que partindo da melhor interpretação do disposto no artigo 42 da LRF, deve ser destacado que não se sanciona, indiscriminadamente, toda e qualquer inscrição de despesa em restos a pagar nos dois últimos quadrimestres do mandado que ultrapasse a disponibilidade financeira de caixa. Tal inscrição somente será tida como ilegal, violando tal preceito, se se tratar de obrigação que foi contraída no período em questão (dois últimos quadrimestres do mandato), bem como não ser imprescindível para a continuidade dos serviços públicos.
Ademais, como cediço, a configuração do ato de improbidade a atrair as sanções da Lei Federal nº 8.429/92 depende da presença do elemento subjetivo do agente. Neste caso, seria necessário provar que o agente público contraiu despesas que poderiam ter sido adiadas para outro momento, ou seja, despesas que não eram imprescindíveis para a continuidade dos serviços à população, aquilatando-se assim, inobservância do artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000 pelo gestor público.
Conclusão
O presente trabalho teve por escopo ressaltar que o regime fiscal no país sofreu transformações ao longo da história, implicando em profundas mudanças nas questões de responsabilidades mais rígidas dos gestores públicos em relação as contas da Administração Pública.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n.101/2000, foi a responsável direta por esta conquista, uma vez que extinguiu práticas políticas que facilitavam os agentes deixarem para seus sucessores dívidas exorbitantes, inviabilizando o início do mandado subsequente. Neste sentido, a Lei Complementar n. 101/2000 impôs aos administradores somente contraírem obrigações de despesa que pudessem ser cumpridas integralmente dentro do exercício (art 42).
Por conseguinte, no caso de eventual descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o gestor público responderá nos termos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429-92), sem prejuízo de outras sanções.
Neste contexto, comprovando-se que o administrador público deixou restos a pagar para o mandato subsequente, dolosamente, caracteriza-se quebra dos princípios retores da administração pública, notadamente o da legalidade, da moralidade e da eficiência.
Portanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem sombra de dúvidas, veio a lume para privilegiar o interesse público e zelar pelo patrimônio financeiro das Administrações Públicas.
REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas S.A, 1991.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. 2ª. ed., São Paulo:Atlas S.A, 2014.
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3ª. ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1993.
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – disponível em. Acesso em: 04 de agosto de 2015.
Analista de Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Graduada em Direito pela Fundação Universidade de Itaúna - FUI, no ano de 2004. Pós Graduada em Direito Administrativo pela FIJ - Faculdades Integradas de Jacarepaguá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Daniela Sousa Gomes do. A improbidade administrativa e a lei de responsabilidade fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45164/a-improbidade-administrativa-e-a-lei-de-responsabilidade-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
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