Dos Princípios Gerais da Hierarquia e da Disciplina
Art. 7° A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações.
Parágrafo único. A ordenação dos postos e graduações se faz conforme preceitua o Estatuto dos Militares.
1. Hierarquia
Hierarquia é o escalonamento vertical dos órgãos e agentes da Administração Pública, cujo objetivo é a organização administrativa. Já “A organização administrativa é fundada em dois pressupostos fundamentais: a distribuição de competência e a hierarquia. A lei define as atribuições dos vários órgãos administrativos, cargos e funções e, para que haja harmonia e unidade de direção, estabelece relação de coordenação e subordinação entre os vários órgãos que compõe a Administração Pública, ou seja, estabelece a hierarquia” (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 82).
No meio militar o Código da Polícia Militar do Paraná define Hierarquia como: “escala de subordinação do militar” (Lei Estadual n. 1943, de 23-06-1954, art. 304, letra “d”).
1.1 Efeitos
O poder hierárquico tem como objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública. Da organização administrativa decorrem diversos poderes: 1) o de editar atos normativos (resoluções, portarias e instruções) com o objetivo de ordenar o serviço interno; 2) o de dar ordens aos subordinados, impondo-lhes o dever de obediência, salvo se a ordem for manifestamente ilegal; 3) o de controlar as atividades dos órgãos inferiores, podendo anular os atos ilegais e revogar os atos inconvenientes e inoportunos, atuando “ex officio” ou mediante recurso; 4) o de aplicar sanções aos subordinados; 5) o de avocar atribuições, desde que não seja atribuição exclusiva do subordinado; 6) o de delegar atribuições, se não for atribuição exclusiva. (DI PIETRO, 2010, p. 95-96)
A hierarquia não é exclusiva do Poder Executivo, ocorre também noutros poderes, mas não existe a relação de coordenação e subordinação, no que diz respeito às atribuições institucionais.
2. Hierarquia militar
O Decreto n. 88.777, de 30-09-1983 define hierarquia como a “Ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas e Forças Auxiliares” (art. 2°, n. 15). Nessa hierarquia existe uma escala hierárquica com a fixação ordenada dos postos e graduações, sendo a graduação o grau hierárquico das praças e o posto grau hierárquico do oficial (Decreto n. 88.777, de 30-09-1983, art. 2°, n. 13 e 28, respectivamente).
A hierarquia e a disciplina são as bases de toda instituição militar, onde a autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. No Estatuto dos militares a “hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade” (Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 14, § 1°).
No artigo 16 e seguintes da Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980 está previsto a hierarquia das Forças Armadas. Por exemplo, no Exército Brasileiro a hierarquia é a seguinte: no círculo dos oficiais generais: Marechal (somente em tempo de Guerra); General de Exército, General de Divisão e General de Brigada; no círculo dos oficiais superiores: Coronel, Tenente-Coronel e Major; no círculo dos oficiais intermediários: Capitão; no círculo dos oficiais subalternos: 1° Tenente, 2° Tenente e Aspirante a oficial (praça especial); no círculo dos graduados: Subtenente, 1° sargento, 2° Sargento, 3° Sargento, Cabo e Soldado.
Nas forças auxiliares a hierarquia é a seguinte: Oficiais de Polícia: Coronel, Tenente-Coronel, Major, Capitão, 1º Tenente, 2º Tenente; Praças Especiais de Polícia (Aspirante a oficial e alunos da Escola de Formação de Oficiais da Polícia); Praças de Polícia: Graduados: Subtenente, 1º Sargento, 2º Sargento, 3º Sargento, Cabo e Soldado, com todos os postos e graduações acrescidos da designação "PM" (Polícia Militar) (Decreto-Lei n. 667, 02-07-1969, art. 8°).
Em relação aos alunos dos cursos de formação, escolas preparatórias existem normas específicas. Por exemplo, no caso específico das Forças Armadas são observadas as seguintes normas: 1) os alunos da Escola Naval, e os Cadetes, os alunos da Academia Militar das Agulhas Negras e da Academia da Força Aérea, bem como os alunos da Escola de Oficiais Especialistas da Aeronáutica, são hierarquicamente superiores aos suboficiais e aos subtenentes; 2) os alunos de Escola Preparatória de Cadetes e do Colégio Naval têm precedência sobre os Terceiros-Sargentos, aos quais são equiparados; 3) os alunos dos órgãos de formação de oficiais da reserva, quando fardados, têm precedência sobre os Cabos, aos quais são equiparados; 4) os Cabos têm precedência sobre os alunos das escolas ou dos centros de formação de sargentos, que a eles são equiparados, respeitada, no caso de militares, a antigüidade relativa (Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 19, incisos I a V).
No caso das Forças Auxiliares o assunto deve ser tratado por normas específicas de cada Força. A princípio, os alunos dos Cursos de Formação de Cabos (CFC) devem manter a antiguidade relativa da graduação de Soldado e os alunos do Curso de Formação de Sargentos (CFS) devem manter sua antiguidade relativa de Cabo, tendo em vista que a lei somente discrimina a precedência dos alunos do Curso de Formação de Oficiais (Decreto-Lei n. 667, 02-07-1969, art. 8°).
2.1 Fundamento constitucional
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (CF-88, art. 142, caput). As forças auxiliares (polícias militares e corpos de bombeiros militares) também são instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina e seus membros são considerados militares dos Estados, do Distrito Federal (CF-88, art. 42, caput).
2.2 Precedência hierárquica
A precedência hierárquica é instituto de vital importância na hierarquia militar (ordenação de autoridade dentro da estrutura das Forças Armadas e Forças auxiliares). Entretanto a precedência e hierarquia não são palavras sinônimas. Precedência é apenas uma primazia para efeito de continência e sinais de respeito. Por exemplo, no caso de dois militares pode até não existir uma relação hierárquica entre eles, por pertencerem a Força diferente ou organização militar diferente ou, simplesmente, por não existir entre eles qualquer relação de subordinação. Entretanto, entre eles existirá sempre uma relação de precedência hierárquica, para fins de sinais de respeito.
Na hierarquia militar o superior, por estar numa posição mais elevada na escala hierárquica, tem sempre também a precedência hierárquica sobre o subordinado. Em decorrência de sua posição na hierarquia pode rever, avocar, delegar, anular administrativos, ou aplicar punição aos subordinados.
Por outro lado podem existir relações entre militares, em que ocorra a precedência hierárquica (por exemplo, a precedência de um oficial das Forças Armadas sobre o oficial das Forças auxiliares, no caso de igualdade de posto), embora não exista entre eles qualquer relação hierárquica, dentro da organização a que pertença cada membro.
As organizações militares possuem regras rígidas mo sentido de determinar a precedência hierárquica de cada militar. Seguem como exemplos, a seguir, algumas regras sobre a precedência entre militares: 1) A precedência entre militares da ativa do mesmo grau hierárquico, ou correspondente, é assegurada pela antiguidade no posto ou graduação, salvo nos casos de precedência funcional estabelecida em lei; 2) A antiguidade em cada posto ou graduação é contada a partir da data da assinatura do ato da respectiva promoção, nomeação, declaração ou incorporação, salvo quando estiver taxativamente fixada outra data; 3) Em igualdade de posto ou de graduação, os militares da ativa têm precedência sobre os da inatividade (Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 17). Em igualdade de posto e graduação os militares das Forças Armadas em serviço ativo e da reserva remunerada têm precedência hierárquica sobre o pessoal das Polícias Militares (Decreto-Lei n. 667, 02-07-1969, art. 27).
2.3 Disciplina militar
Art. 8° A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar.
§ 1° São manifestações essenciais de disciplina:
I - a correção de atitudes;
II - a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos;
III - a dedicação integral ao serviço; e
IV - a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência das Forças Armadas.
§ 2° A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos militares na ativa e na inatividade.
Valores militares é o conjunto de características imutáveis determinantes da moral do militar. Valor pode ser considerado também o conjunto de princípios ou fundamentos morais ou éticos que orientam a ação do militar. Existe um vínculo indissociável entre valores e deveres militares.
Conforme amplamente divulgado, os princípios da hierarquia e da disciplina são pilares mestres das organizações militares. Não é ao acaso que prescreve o regulamento que a disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições por parte de todos. De fato, ocorrendo o acatamento integral de todas as normas, por conseqüência não haveria nenhuma ofensa ao dever militar. Por sua vez, da Hierarquia origina a confiança e o respeito entre superiores e subordinados, na compreensão recíproca de seus direitos e deveres, dentro da escala hierárquica. Daí a importância da Hierarquia e da Disciplina às Corporações militares.
Observe que existem também deveres fundamentais nos regulamentos disciplinares como “cumprir e fazer cumprir as leis, regulamentos, instruções e ordens emanadas de autoridades competentes” (Lei federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 28, inciso IV).
Isso porque “Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente: a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida; o culto aos Símbolos Nacionais; a probidade e a lealdade em todas as circunstâncias; a disciplina e o respeito à hierarquia; o rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens; e a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com urbanidade (Lei federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 31, incisos I a VI).
Em linhas gerais pode-se afirmar que toda a transgressão disciplinar ofende os princípios da hierarquia e da disciplina, mas a afronta acentuada desses princípios constitui infração grave no âmbito das organizações militares, conforme reiteradas decisões judiciais: “Apelação. Defesa. Crime de motim. Paralização das atividades do ACC-CW - Curitiba/PR. Controladores do trafego aéreo do CINDACTA II. Caos aéreo. Pena acessória de exclusão das Forças Armadas. [....] 5. Configura o crime de motim o fato de graduados impedirem o Comandante de exercer sua autoridade, em recusa conjunta à obediência, após acordo prévio entre eles estabelecido, com o objetivo de fazer cessar as atividades de controle do tráfego aéreo, em visível afronta aos pilares da hierarquia e da disciplina. 6. Ausente qualquer inconstitucionalidade na aplicação da pena acessória de exclusão das Forças Armadas por expressa imposição legal, ex vi do art. 102 do CPM, quando devidamente fundamentada em Sentença e que se afigura em consonância com o grave delito praticado. Preliminares rejeitadas. Decisão unânime” (STM. Acórdão n. 0000013-12.2007.7.05.0005 (1) UF: PR, Ministro Relator: Artur Vidigal de Oliveira Decisão: 19-03-2014, publicação em DJE de 03-04-2014).
No âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná decisões semelhantes: Conselho de Justificação. Oficial da Polícia Militar Estadual. Exclusão. Aceitação de ocupação gratuita de imóvel mediante a intermediação de pessoa sabidamente envolvida em atos ilícitos por ele investigados. Conduta irregular, incompatível com a preservação de valores ético-morais que devem pautar a vida pessoal e a atividade castrense. Incapacidade de permanência na instituição, risco de incentivo à obtenção de benesses no exercício da função. Observância dos critérios de moralidade e conveniência da Corporação, marcada pela Disciplina e Hierarquia - Decisão do Comandante Geral Mantida. (TJPR - 1ª C.Criminal - CJ - 542767-0 - Curitiba - Rel.: Telmo Cherem - Unânime - - J. 24.09.2009).
2.4 Manifestações essenciais da disciplina
São manifestações essenciais da disciplina: a correção de atitudes; a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos; a dedicação integral ao serviço; e a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência das Forças Armadas (e Forças auxiliares).
2.4.1 Correção de atitudes
Os principais objetivos da punição disciplinar é a preservação da disciplina e a educação ao punido à coletividade a que ele pertence. Por isso é essencial que o próprio militar se conscientize de sua conduta contrária à disciplina e corrija seus atos. O próprio regulamento esclarece que a “relevação” de punição disciplinar consiste na suspensão de seu cumprimento e poderá ser concedida: quando ficar comprovado que foram atingidos os objetivos visados com a sua aplicação, independentemente do tempo a cumprir” (RDE-2002, art. 45, inciso I).
2.4.2 Obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos
Primeiramente importante constar que a obediência a que se refere o regulamento é aquela obediência à ordem necessária ao cumprimento dos serviços e missões militares. As ordens podem se emanar das diversas formas, como a ordem verbal, ordem por instrumentos (apitos, cornetas), ordem por gestos, ordens escritas etc., desde que emanada por autoridade competente para emaná-la.
Sendo a ordem emanada da autoridade competente, em matéria de serviços, deve o subordinado solicitar os esclarecimentos necessários ao perfeito cumprimento da ordem e cumpri-la imediatamente, salvo motivo de força maior plenamente justificado.
O regulamento prevê diversas transgressões relacionadas à inércia do subordinado no cumprimento da missão ou ordem recebida como: “Retardar o cumprimento, deixar de cumprir ou de fazer cumprir norma regulamentar na esfera de suas atribuições” (RDE-2002, do Anexo I, item 7); “Desrespeitar, retardar ou prejudicar medidas de cumprimento ou ações de ordem judicial, administrativa ou policial, ou para isso concorrer (RDE-2002, do Anexo I, item 12); “Aconselhar ou concorrer para que não seja cumprida qualquer ordem de autoridade competente, ou para retardar a sua execução” (RDE-2002, do Anexo I, item 16); Deixar de cumprir ou alterar, sem justo motivo, as determinações constantes da missão recebida, ou qualquer outra determinação escrita ou verbal (RDE-2002, do Anexo I, item 17).
2.4.3 A dedicação integral ao serviço
É dever do militar se dedicar inteiramente ao serviço. No próprio compromisso dos militares (recrutas) consta a advertência deles se dedicarem inteiramente ao serviço da pátria (Portaria Normativa n. 660-MD, de 19-05-2009, art. 176, inciso V). Os Oficiais quando do ingresso no primeiro posto e os Guardas-Marinhas e Aspirantes a Oficial, quando de sua declaração também fazem juramentos semelhantes (Portaria Normativa n. 660-MD, de 19-05-2009, art. 179, inciso V).
Nas Forças Auxiliares também os militares estaduais se comprometem a dedicarem-se inteiramente ao serviço do Estado e da Pátria, como, por exemplo, consta no Código da Polícia Militar, no compromisso dos soldados (Lei Estadual n. 1943, de 23-06-1954, art. 49). No compromisso dos oficias, quando do acesso ao primeiro posto também consta disposição semelhante.
No caso das Forças Auxiliares o problema do “bico” policial é amplamente debatido: uma parcela defende que o “bico” policial contribui para segurança pública, na medida em que os policiais de folga realizam a segurança de estabelecimentos privados; outra parcela, porém, defende que o “bico” é uma forma nociva, que destrói as Corporações militares. A razão está com o segundo grupo.
Na realidade, os policiais que realizam a chamada atividade complementar conhecida como “bico” utilizam os valores oriundos desse trabalho, como se salário mensal fosse.
Daí ele organiza toda a sua vida financeira baseado no subsídio recebido como militar estadual e nos valores recebidos com o “bico”. Com o tempo, o militar torna-se escravo do “bico”, não sendo mais possível identificar qual é a atividade principal e qual é a atividade secundária. Os prejuízos à Corporação são evidentes, porque terá que conviver com um policial cansado, estressado, dividido, insatisfeito, relapso e desmotivado. A conclusão é óbvia o policial não desempenhará a contento sua profissão. O “bico” policial ofende o princípio da moralidade pública e da eficiência constante na Constituição Federal de 1988 (art. 37, caput), porque o militar não desempenhará de forma satisfatória suas atividades.
2.4.4 colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência das Forças Armadas
O papel de cada militar é comportar de maneira disciplinada e disciplinadora, cumprindo suas obrigações e servindo de exemplo aos demais membros que compõe à coletividade militar.
As normas militares são rígidas em relação aos militares que contribuem ou concorrem para que outros militares cometam crime ou transgressão disciplinar. Por exemplo: é considerada transgressão disciplinar o fato de: “Induzir ou concorrer intencionalmente para que outrem incida em transgressão disciplinar” (RDE-2002, Anexo I, item 113), outras vezes, o fato pode até ser considerado como crime militar como na Aliciação para motim ou revolta (CPM, art. 154) ou Incitamento à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar (CPM, art. 155), como exemplos.
Art. 9° As ordens devem ser prontamente cumpridas.
§ 1° Cabe ao militar a inteira responsabilidade pelas ordens que der e pelas conseqüências que delas advierem.
§ 2° Cabe ao subordinado, ao receber uma ordem, solicitar os esclarecimentos necessários ao seu total entendimento e compreensão.
§ 3° Quando a ordem contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante poderá solicitar a sua confirmação por escrito, cumprindo à autoridade que a emitiu atender à solicitação.
§ 4° Cabe ao executante, que exorbitou no cumprimento de ordem recebida, a responsabilidade pelos excessos e abusos que tenha cometido.
3 Noções gerais de ato administrativo
3.1 Conceito
No conceito clássico “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir; resguardar transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (MEIRELLES, 1998, p. 131). Noutro aspecto “ato administrativo pode ser definido como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o regime de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário” (DI PIETRO, 2010, p. 96), ou ainda ato administrativo é “toda manifestação expedida no exercício da função administrativa, com caráter infralegal, consistente na emissão de comandos complementares à lei, com a finalidade de produzir efeitos jurídicos” (MAZZA, 2013, p. 173).
3.2 Atributos
Os atos administrativos apresentam certos atributos que o diferencia dos atos de direito privado, decorrentes das prerrogativas da Administração, em virtude do regime de direito público, aplicáveis a tais atos. Adotamos, aqui, a classificação de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a qual, além dos Atributos apontados por Hely Lopes Meirelles (Presunção de Legitimidade, Imperatividade e autoexecutoriedade), também adiciona a Tipicidade, na classificação.
a) Presunção de Legitimidade e Veracidade
Como a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade, presume que o ato administrativo foi formulado em conformidade da lei. Todos os atos administrativos possuem tal atributo. Isto não significa, porém, que tal presunção é absoluta, porque admite prova em contrário pelo interessado, que poderá utilizar dos meios jurídicos cabíveis (mandado de segurança, recursos administrativos, etc.).
A presunção de veracidade diz respeito aos fatos alegados pela Administração, como as certidões, atestados, declarações, informações, todos dotados de fé-pública. É bom esclarecer que em decorrência de tal atributo, enquanto não decretada eventual invalidação, ele produzirá todos os seus efeitos, devendo a parte interessada demonstrar sua pretensão perante a própria Administração ou perante o Judiciário. Todos os atos administrativos possuem tal atributo.
b) Imperatividade
Imperatividade é o Atributo de imposição presente no ato administrativo, porque ele cria obrigação para terceiros, independente de sua concordância. Diferente da presunção de legitimidade (que está presente em todos os atos administrativos), a imperatividade somente está presente naqueles que se consubstanciam em uma ordem administrativa ou num provimento, ou seja, naqueles que impõe obrigações, como nos atos punitivos, normativos e ordinatórios. Noutros atos, porém, que apenas conferem direitos solicitados pelos interessados, como na licença, autorização, permissão, admissão ou apenas enunciativos (certidão, atestado, parecer) esse atributo inexiste.
c) Autoexecutoriedade
Autoexecutoriedade é o atributo de o ato administrativo ser executado pela própria Administração, sem necessidade de autorização por parte de terceiro ou do Poder Judiciário. Esse atributo, assim como a imperatividade não existe em todos os atos administrativos, só existindo quando houver previsão em lei, em matéria de polícia administrativa (apreensão de mercadorias, fechamento de estabelecimentos, cassação de licença para dirigir, etc.) e medidas urgentes. A autoexecutoriedade não afasta o controle a posteriori do ato e até mesmo a suspensão do ato, ainda não executado, via administrativa (recurso com efeito suspensivo) ou judicial (mandado de segurança).
d) Tipicidade
A Administração em virtude do princípio da legalidade não deve praticar atos inominados. “Tipicidade é o atributo do pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei” (DI PIETRO, 2010, p. 202).
3.3 Elementos ou requisitos do ato administrativo
Os elementos do ato administrativo estão previstos no art. 2°, Parágrafo Único da Lei Federal n. 4.717, de 29-06-1965, que regula a ação popular quais sejam: a competência, a forma, o objeto, o motivo e a finalidade, porque tal artigo diz que são nulos os atos lesivos ao patrimônio nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.
A própria lei estabelece os conceitos: “a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
a) Competência
Alguns autores preferem utilizar a denominação de sujeito, porque ser este o autor do ato. Seria melhor falar então em sujeito competente ou agente público competente. O importante é que para a prática do ato não basta apenas possuir a capacidade civil, tem que haver a competência.
É indispensável no direito administrativo a competência do sujeito para a prática do ato. Competência é o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixados pelo direito positivo (DI PIETRO, 2010, p. 203). Portanto “para a prática do ato administrativo a competência é a condição primeira de sua validade. Nenhum ato - discricionário ou vinculado - pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo” (MEIRELLES, 1998, p. 134).
Daí a sempre atual a lição de Caio Tácito, lembrada por Meirelles de que "não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito" (MEIRELLES, 1998, p. 134)
Aplicam-se à competência as seguintes regras: 1) decorre da lei, e por ela é limitada, não podendo, por si mesmo, o órgão estabelecer sua competência; 2) seu exercício é obrigatório; 3) É intransferível, mas pode ser delegada ou avocada, em virtude da organização hierárquica da Administração, salvo se for competência exclusiva do órgão;
b) Forma
Em palavras simples forma é o revestimento externo do ato. Forma é a maneira com que o ato se exterioriza no mundo jurídico. Regra geral, a forma é a escrita, como decreto, portaria, resolução, deliberação etc., para que tudo fique devidamente documentado e permita mais facilmente sua análise de legalidade. Diferente daquilo que se opera no direito privado, onde vigora o princípio da liberdade das formas, no direito público a regra é a solenidade das formas, porque “Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente” (MEIRELLES, 1998, p. 134).
No entanto, em certos casos admite outras formas, que não a escrita (ordens verbais, controle de trânsito por policiais, etc.). De fato “Além dos escritos, existem, excepcionalmente, atos orais (ordens dada a um servidor), atos pictórios (placas de sinalização de trânsito), atos eletromecânicos (semáforos) e atos mímicos (policiais orientando manualmente o trânsito)” (GASAPARINI, 2012, p. 115).
Forma, em sentido amplo, abrange também todas as formalidades no período de formação do ato. Exemplo, não basta à nota de punição do servidor ser elaborado em conformidade da lei, mas todo o processo também deve estar em conformidade legal. O respeito à forma é uma garantia ao administrado e à própria Administração, pois possibilita o controle do ato, tanto pela própria Administração, quanto por parte de outros poderes, principalmente o Poder Judiciário.
É bom esclarecer que a forma é sempre elemento vinculado do ato e a inobservância da forma é motivo para invalidade do ato.
c) Objeto
Em termos simplificados o objeto é a disposição jurídica que o ato expressa, ou seja, constitui o efeito jurídico imediato que o ato produz no mundo jurídico. Todo ato administrativo teve por finalidade a criação, a modificação, ou a comprovação de situações jurídicas.
De fato “Todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Nesse sentido, o objeto identifica-se com o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes” (MEIRELLES, 1998, p. 135).
Alguns autores utilizam a expressão “conteúdo”, sendo o objeto alguma coisa sobre a qual incide o conteúdo do ato, como por exemplo, no caso de permissão de uso de bem público, o objeto é o próprio bem público (GASPARINI, 2012, p. 119-120). O conteúdo seria a modificação ocorrida no mundo jurídico. Importante constar que diversos autores adotam os termos como sinônimos, definindo o objeto ou conteúdo como “o efeito imediato que o ato produz” (DI PIETRO, 2010, p. 206).
d) Motivo
Decorre de situações reais (de direito ou de fato), que são avaliadas para a prática do ato, ou seja, “O motivo ou causa é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato, pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, discricionário, quanto à sua existência e valoração” (MEIRELLES, 1998, p. 135).
Não se deve confundir “motivo” com “motivação”, porque o segundo é a mera descrição e explicitação do motivo (considerações ou justificativas por escrito).
Hoje a moderna teoria do direito administrativo aponta que tantos os atos vinculados, quantos os discricionários necessitam de motivação. O STJ assim já decidiu que “A margem de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade, conferida à Administração Pública, na prática de atos discricionários, não a dispensa do dever de motivação. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explícita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que está fundado (art. 50, I, e § 1º da Lei 9.784/99). Não atende a tal requisito a simples invocação da cláusula do interesse público ou a indicação genérica da causa do ato” (STJ. MS 9944 - DF, Relator: Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI - PRIMEIRA SEÇÃO, data Publicação/fonte: DJ, 13/06/2005 p. 157).
Ainda relacionado ao Motivo, há a teoria dos motivos determinantes, que vincula à validade do ato, os motivos apontados como fundamento do fato. Se inexistentes ou falsos, cabe à nulidade do ato.
e) Finalidade
Explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 209) que Finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato administrativo, só que, enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato, a finalidade é o resultado mediato que se quer alcançar.
Por exemplo, no livro do Helly Lopes Meirelles, é dito que a finalidade de todo ato administrativo é o interesse público; nesse caso, a finalidade é considerada em sentido amplo. Assim “A finalidade do ato administrativo é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente. Não cabe ao administrador escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos. Neste particular, nada resta para escolha do administrador, que fica vinculado integralmente à vontade legislativa. A alteração da finalidade expressa na norma legal ou implícita no ordenamento da Administração caracteriza o desvio de poder (détournement de pouvoir - sviamento di potere), que rende ensejo à invalidação do ato, por lhe faltar um elemento primacial em sua formação: o fim público desejado pelo legislador” (MEIRELLES, 1998, p. 134).
Di Pietro (2010, p. 209-2010) fala em finalidade ou fim em dois sentidos: um amplo (finalidade pública) outro restrito, que é o resultado específico que cada ato deve produzir em decorrência da lei. Dessa forma se infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal por desvio de poder. Um exemplo muito comum narrado pela autora: remover o funcionário “ex-officio”, a título de punição; isto é muito comum, o funcionário é mandado para o outro lado do fim do mundo, a título de punição. Então, ao invés de se instaurar um processo e aplicar a penalidade adequada, usa-se a remoção, com caráter punitivo, quando ela não tem uma finalidade punitiva.
4 Requisitos de uma ordem militar
Amparado nas considerações sobre o ato administrativos pode-se afirmar que são requisitos da ordem militar
4.1 Que a ordem seja emanada da autoridade militar competente
A autoridade militar competente para a prática do ato é aquela que o direito positivo determina. Não basta ser superior hierárquico, é necessário também que possua ascendência de subordinação dentro da hierarquia, ou qualquer outra relação que o autorize a expedição da ordem, como, por exemplo, um instrutor. Em palavras mais simples a ordem é a manifestação de vontade exarada pelo superior ao subordinado.
Não se justifica que um militar sem qualquer relação com outro militar possa emitir indiscriminadamente ordens. Somente pode emitir ordens quem expressamente o ordenamento jurídico indique. Existirá entre dois ou mais militares, independentemente de qual Força pertençam, uma relação de precedências hierárquicas, mas não, necessariamente, uma relação de subordinação, em que um deles possa emitir ordens a outro.
Dessa forma antes de emitir uma ordem o superior deve analisar sua situação em relação ao “subordinado”, que deve cumprir a ordem, considerando o papel de ambos dentro da estrutura hierárquica. O superior deve estar em posição hierárquica ou funcional que lhe permita emitir a ordem e, por sua vez, a ordem emanada contenha as tarefas (atribuições) que o subordinado deva cumprir.
4.2 Que a ordem tenha um interesse público
É o resultado que a superior hierárquico, agente público, que age em nome da administração militar quer alcançar com a emanação da ordem. Essa ordem só pode ser emanada em interesse do serviço, nunca com interesses particulares ou desvinculadas de um interesse público.
O regulamento prevê como causa de justificação da transgressão quando ela for cometida em obediência a ordem de superior hierárquico (omitindo a expressão “em matéria de serviços”) (RDE-2002, art. 18, inciso III). Entretanto, o Código Penal Militar é mais específico ao discriminar que não é culpado quem comete o crime em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços (CPM, art. 38, letra “b”).
A ordem do superior hierárquico deve ser sempre em matéria de serviço para que possa servir como causa de excludente de culpabilidade de um crime militar ou causa de justificativa de uma transgressão disciplinar. É ilegal a ordem militar que não seja em matéria de serviços.
Pode ocorrer no caso concreto que o subordinado não tenha condições de discernir que a ordem seja em matéria de serviço ou não e, assim, cumpre a ordem. Nesse caso pode ser aplicada outra causa de justificativa da transgressão, como ignorância plenamente comprovada (RDE-2002, art. 18, VI).
Todas as ordens emanadas pelo superior devem ter um fim público: se o superior exige alto grau de desempenho em treinamento militar, a finalidade pública aí é o interesse da administração militar em ter um militar preparado para as missões que lhe forem impostas. Por outro lado, se os exercícios realizados são feitos com o único objetivo de “sugar” ou humilhar o subordinado, as ordens perdem a finalidade pública e são viciadas por desvio de poder ou finalidade.
4.3 Que a ordem obedeça à forma adequada
A regra geral é a solenidade das ordens emanadas, como no caso das escalas de serviço, ordens de serviço, memorandos etc. Entretanto, a ordem verbal emitida a um subordinado é comum no meio militar, principalmente devido às peculiaridades da missão militar. Há diversas formas ainda de emanar ordens no meio militar como, por instrumentos, por gestos, por sinais.
4.4 Que a ordem seja legal
No direito penal um dos elementos da culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa. Ou seja, a prática da conduta ilícita poderia ter sido evitada pelo agente, caso ele tivesse tomado outra postura possível no caso concreto. O Código Penal prevê a coação irresistível e obediência hierárquica como causas legais excludentes da exigibilidade de conduta diversa (CP, art. 22). No entanto, o Código prevê que o cumprimento deve ser “em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico”, para tornar eivada de vício a vontade do subordinado, excluindo, via de consequência a culpabilidade.
Ordem de superior hierárquico: “É a manifestação de vontade do titular de uma
função pública a um funcionário que lhe é subordinado. Existem casos em que não há
vinculação funcional, mas subordinação em virtude da situação. É a hipótese do policial
militar encarregado de manter a ordem na sala de audiências, devendo seguir as determinações administrativas que o magistrado lhe der, enquanto estiver nessa função” (CAPEZ, 2012, p. 87).
Já a ordem emanada pelo superior deve ao menos possuir aparência de legalidade, porque se de pronto verificar a manifesta ilegalidade deve o subordinado responder pelo crime. Imagine o caso que o superior pede ao subordinado para que peque arma dele e atire na perna de outro militar que se encontra dormindo. Nesse caso é flagrante a ilegalidade da ordem e deve responder o subordinado pelo crime.
Nucci prevê cinco requisitos para configurar a excludente de culpabilidade penal: “a) existência de uma ordem não manifestamente ilegal, ou seja, de duvidosa legalidade (essa excludente não deixa de ser um misto de inexigibílidade de outra conduta com erro de proibição); b) ordem emanada de autoridade competente (excepcionalmente, quando se cumpre ordem de autoridade incompetente, pode se configurar um “erro de proibição escusável”); c) existência, como regra, de três partes envolvidas: superior, subordinado e vítima; d) relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público [....] e) e) estrito cumprimento da ordem” (NUCCI, 2010, p. 239)
Observados os requisitos legais, a estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico afasta a culpabilidade do agente, porque nessas circunstâncias não lhe poderia exigir outra conduta. No entanto deve-se ser bastante frisado que o cumpridor da ordem jamais se deve afastar dos limites constantes na ordem.
a) Hierarquia
Hierarquia é relação de Direito Público. Para que se possa falar em obediência hierárquica é preciso que exista dependência funcional do executor a quem lhe ordenou, dentro da estrutura hierárquica. Não basta ter precedência hierárquica, mas sim um vínculo funcional.
Do exercício da hierarquia, decorre diversas competência ao superior, uma delas é o de dar ordens ao subordinado: “Pela atribuição de dar ordens determina-se ao subordinado o ato a ser praticado ou a conduta a ser observada” (GASPARINI, 2012, p. 105).
b) Doutrina quanto ao dever de obediência
O dever de obediência impõe ao subordinado o acatamento integral das normas e sua fiel e imediata execução. O militar deve obediência ao superior hierárquico, mesmo porque a disciplina militar consiste no acatamento integral das normas.
Enquanto na doutrina francesa o servidor deve cumprir todas as ordens emanadas, sem poder discutir sua legalidade; na doutrina inglesa, o servidor só é obrigado a cumprir as ordens legais. A doutrina inglesa é a que melhor se adapta ao modelo brasileiro, porque ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF-88, art. 5°, II), conforme adverte Gasparini (2012, p. 292). Entretanto o modelo brasileiro é um misto entre o sistema francês e o inglês.
Isso porque, no caso dos militares, a obediência deve ser mais acentuada que no meio civil, porque “Em certos casos, a obediência deve ser absoluta e não relativa, como acontece no sistema militar, em que não cabe ao subordinado a análise da legalidade da ordem. Então se a ordem é ilegal, é ilegal também o fato praticado pelo subordinado. Mas como não lhe cabe discutir sobre a sua legalidade, encontra-se no estrito cumprimento do dever legal (dever de obedecer a ordem)” (JESUS, 2005, p. 100). No sistema militar “o militar só pode e deve desobedecer a ordem direta do superior hierárquico, em matéria de serviço, sem incorrer no crime de insubordinação, se ela tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso” (ROMEIRO, 1994, p. 124).
A jurisprudência do Superior Tribunal Militar é pacífica no sentido que somente a ordem, com caráter manifestamente criminoso, deve ser recusada o cumprimento pelo subordinado: “Apelação. Defesa. Art. 163 do CPM. Recusa de obediência. Alegação de ordem ilegal. Desclassificação para o artigo 301 do CPM. Impossibilidade. Apelo desprovido. 1. Militar que se recusa a obedecer ordem dos superiores sobre matéria de serviço, mantendo-se irredutível em sua posição, comete o crime de recusa de obediência ínsito no artigo 163 do CPM. 2. O dever de obediência hierárquica é peculiar no âmbito castrense e não exime o militar do cumprimento de uma determinação, salvo se manifestamente criminosa. [.....] (Num: 0000095-10.2013.7.09.0009 UF: MS Decisão: 30/03/2015: Apelação. Data da Publicação: 06/05/2015. Relator para Acórdão: José Coêlho Ferreira).
Noutro giro, a ordem ilegal cumprida pelo subordinado, é reconhecida como excludente de culpabilidade de obediência hierárquica: “Apelação. MPM e defesa. Falsidade ideológica. Escala de ronda. Falsificação de documento público. Aplicação da excludente de obediência hierárquica. Ordem não manifestamente ilegal. 1. Comete o crime de falsidade ideológica (Art. 312 do CPM) o superior hierárquico que determina ao subordinado que confeccione nova escala de ronda, inserindo declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. 2. O reconhecimento da excludente de culpabilidade de obediência hierárquica deve ser utilizado para absolver o subordinado corréu quando a ordem superior não é manifestamente ilegal. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime” (Num: 0000030-18.2010.7.02.0202 UF: SP Decisão: 07/03/2013, Apelação. Publicação: 22/03/2013, Ministro Relator: Artur Vidigal de Oliveira).
Enfim, a obediência à ordem do superior militar não deva ser cega e irrestrita, mas o seu cumprimento não deve ficar restrito às ordens legais, porque devem ser cumpridas todas as ordens, em matéria de serviços, exceto àquelas manifestamente criminosas ou que atentarem flagrantemente contra os princípios da hierarquia e disciplina militares.
No modelo brasileiro ocorrem situações em que o subordinado pode cumprir ordens ilegais, sem que haja culpabilidade criminal ou responsabilidade administrativa em sua conduta; outras vezes, porém, deve o subordinado respeitar o princípio da legalidade, no caso de ordens manifestamente criminosas. Portanto, o modelo brasileiro é sistema intermediário entre o sistema francês e o sistema inglês de cumprimento de ordens militares, pois procura conciliar os princípios da hierarquia e disciplina militares com o princípio da legalidade.
5 Responsabilidade do superior
Cabe ao superior a inteira responsabilidade pelas ordens que der e pelas conseqüências que delas advierem. No caso de ordem ilegal, o superior responde pelo crime ou transgressão decorrente dessa ordem. Apenas se a ordem for manifestamente ilegal ou contrária flagrantemente às normas administrativas, é que o subordinado deve responder também.
A fundamentação da excludente de culpabilidade do subordinado em caso de crime militar encontra-se no artigo 38, letra “b” do Código Penal Militar e, no caso de transgressão disciplinar no art. 18, inciso III do Regulamento Disciplinar do Exército.
6 Responsabilidade do subordinado
Embora o subordinado que cumpra a ordem de superior hierárquico, em matérias de serviços, fique isento de pena, no caso de crime militar; ou ainda, fique isento de punição disciplinar, no caso de transgressão disciplinar, alguns cuidados devem ser observados por ele (subordinado).
Primeiro, cabe ao subordinado, ao receber uma ordem, solicitar todos os esclarecimentos necessários ao seu total entendimento e compreensão, porque se cumpri-la erroneamente pode responder pelos erros cometidos. De fato, cabe ao executante, que exorbitou no cumprimento de ordem recebida (por dolo ou culpa), a responsabilidade pelos excessos e abusos que tenha cometido.
O regulamento prevê que “Quando a ordem contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante poderá solicitar a sua confirmação por escrito, cumprindo à autoridade que a emitiu atender à solicitação” (RDE-2002, art. 9, § 4°). A previsão deve ser analisada com ressalvas necessárias.
Não é comum do meio militar o subordinado exigir tal formalidade, mas se assim o fizer o superior não deve interpretar tal atitude como ofensivo à disciplina militar. Também não deve o subordinado utilizar-se de tal artifício, quando a ordem não apresentar qualquer elemento que possa causar dúvida. Um último aspecto deve ser ressalvado: a ordem mesmo que seja emanada por escrito não tem o condão em tornar uma ordem manifestamente ilegal em aparentemente legal. Em caso de ordem manifestamente ilegal responde o subordinado, independentemente do fato da ordem ser escrita ou não.
REFERÊNCIAS
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Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. Comentários ao Regulamento Disciplinar do Exército: Artigo 7° ao 9° Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45166/comentarios-ao-regulamento-disciplinar-do-exercito-artigo-7-ao-9. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
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Por: Sócrates da Silva Pires
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