RESUMO: O presente artigo tem por fim o estudo acerca da possibilidade do exercício da atividade de fomento por ente diverso da Administração Pública. Na sequência, será aferida a possibilidade deste ente, integrante do setor privado, no exercício da atividade de fomento, ser qualificado como organização social.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Funções ou Atividades Administrativas. Atividade de Fomento. Não exclusividade. Exercício. Particular.
INTRODUÇÃO
A Administração Pública pode ser conceituada como um conjunto de pessoas ou entidades jurídicas, de direito público ou de direito privado, de órgãos públicos e de agentes públicos que estão, por lei, incumbidos do dever-poder[1] de exercer a função ou atividade administrativa, consistente em realizar concreta, direta e imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado.
Dentre as funções administrativas, temos a atividade de fomento, a qual consiste na ação destinada à promoção de atividades, estabelecimentos ou riquezas que satisfaçam necessidades públicas.
Lastreada na disposição supracitada, exsurge o questionamento se o exercício de tal atividade é exclusiva do Estado ou se pode ser desenvolvida por particular.
Diante da complexidade do tema e da necessidade de enfretamento das questões que lhes são adstritas, é que o presente estudo se caracteriza como de maior relevância.
I – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SUAS FUNÇÕES OU ATIVIDADES
A Administração Pública, como objeto específico do Direito Administrativo, pode ser concebida em duplo sentido: Subjetivo, formal ou orgânico e Objetivo, material ou funcional.
No sentido subjetivo, formal ou orgânico, a Administração Pública corresponde a um conjunto de pessoas jurídicas, de órgãos públicos e de agentes públicos que formam o aparelhamento ou estrutura da Administração.
No sentido objetivo, material ou funcional, a Administração Pública corresponde ao conjunto de funções ou atividades administrativas, que são públicas, consistentes em realizar concreta, direta e imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado.
Cotejando os dois sentidos, pode-se definir a Administração Pública pode ser conceituada como um conjunto de pessoas ou entidades jurídicas, de direito público ou de direito privado, de órgãos públicos e de agentes públicos que estão, por lei, incumbidos do dever-poder de exercer a função ou atividade administrativa, consistente em realizar concreta, direta e imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado.
Definindo o caráter objetivo da função ou atividade administrativa no que tange ao seu elemento conceitual, faz-se mister advertir que esta não se resume a serviços públicos. Esta compreende, no mais das vezes, a prestação dos serviços públicos, o exercício do poder de polícia administrativa, a atividade de fomento e atividade de intervenção, as quais, de maneira sucinta, podem ser assim conceituadas:
a) Os serviços públicos consistem na atividade da Administração Pública, por seus próprios órgãos ou entidades da Administração Indireta ou por concessionários, permissionários ou autorizatários, de proporcionar utilidades ou comodidades a serem usufruídas pelos administrados como modo de satisfação de suas necessidades.
b) A polícia administrativa consiste na atividade de conter ou restringir o exercício das liberdades e o uso, gozo e disposição da propriedade, tendo por fim adequá-las aos interesses públicos e ao bem estar social da comunidade.
c) O fomento é a atividade de incentivo consistente na ação destinada à promoção de atividades, estabelecimentos ou riquezas que satisfaçam necessidades públicas.
d) Por fim, tem-se a atividade de intervenção, que compreende a atuação direta do Estado no domínio econômico, através de suas entidades empresariais, e a atuação indireta do Estado, por meio da regulamentação e da fiscalização da atividade econômica de natureza privada, para conter certos abusos ocorrentes nesse domínio, como os cartéis, os trustes e os dumping’s, que são práticas que visam a eliminação da concorrência, e, finalmente, a atuação do Estado sob a forma de monopólio de certas atividades.
Ante a sucinta conceituação, impende ressaltar que, com o crescimento das finalidades estatais, por vezes revela-se difícil identificar as funções ou atividades administrativas.
Por essa razão, a doutrina moderna[2], entende melhor a conceituação da Administração Pública, sob o ângulo funcional, de forma remanescente ou por exclusão, como o conjunto de funções ou atividades públicas que não correspondem às legislativas e jurisdicionais.
II – DA ATIVIDADE DE FOMENTO
O fomento é a atividade administrativa que busca influenciar o comportamento dos particulares mediante a oferta de benefícios e estímulos, e não através de imposições, de modo a induzi-los a desempenharem atividades tidas como necessárias ao atendimento do interesse público.
Trata-se de uma forma de intervenção indireta do Estado na ordem econômica, o que significa dizer que a atividade tida como relevante para o interesse público é desempenhada não diretamente pelo ente estatal, mas sim pelos particulares, que são estimulados a exercê-la pela oferta de benefícios.
Através do fomento o Estado não impõe o dever de observar certa conduta, mas apenas estimula sua adoção, razão pela qual tal vinculação se constitui em faculdade dos agentes econômicos que se beneficiariam com os mecanismos de fomento criados em lei.
A medida de fomento tem caráter instrumental, vez que sua finalidade precípua do benefício oferecido aos particulares tem por finalidade única induzi-los a exercer atividade que é reputada como essencial ao atendimento de uma necessidade coletiva.
III – DA VIABILIDADE JURÍDICA DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FOMENTO POR PARTICULAR
Nos dizeres de Luis Jordana de Pozas[3], a atividade de fomento perpetrada pelo Estado pode ser conceituada como:
“a ação da administração encaminhada a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas desenvolvidas pelos particulares e que satisfaçam necessidades públicas ou se estimam de utilidade geral, sem usar da coação e nem criar serviços públicos.”. (destaque nosso)
Nos termos acima expostos afere-se que a atividade de fomento caracteriza-se por não decorrer da coação, ou seja, sua implementação pelo Estado não decorre do manejo do “poder extroverso”, que, segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello[4], configura como aquele:
“(...) que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações”.
Consoante disposição contida no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado[5], especificamente, em seu item 5.1, as atividades exclusivas do Estado são aqueles serviços que somente o Estado pode realizar, posto que demandam a utilização do “poder extroverso do Estado”, ou seja, a categorização das atividades como exclusivas não decorrem de característica ínsita do serviço em si, mas sim da necessidade, para sua implementação, de provimentos que, ultrapassando a esfera jurídica do emitente, interferem na esfera jurídica dos administrados, constituindo-os unilateralmente em obrigações.
Em suma, são atividades exclusivas do Estado aquelas que derivam do poder de coerção do Poder Público, não podendo ser por prestadas por outros, tendo em vista que apenas o Estado se constitui na única organização que, de forma legítima, detém o poder de constituir unilateralmente obrigações em relação a terceiros.
Isso posto, embasado na conceituação do que seja atividade de fomento, pode-se afirmar que esta, em regra, por prescindir de qualquer ato de constituição unilateral de obrigações em relação a terceiros, não dependendo sua implementação do exercício do poder supremacia do Estado, afasta-se da caracterização de atividade exclusiva deste, podendo, por conseguinte, ser prestada por outras organização públicas não-estatais e privadas.
A referida conclusão encontra eco, mutatis mutandis, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual, no julgamento acerca da delegação do exercício do poder de polícia (atividade administrativa), categorizou como atividade exclusiva do Estado apenas aquelas frações componentes (legislação e sanção) que decorrem do diretamente do exercício do poder de coerção do Poder Público, deixando em aberto a possibilidade do exercício pelo particular das demais frações que prescindem para sua efetivação do exercício do “poder extroverso”, in verbis:
“ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista). 3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. 4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção). 5. Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. 6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação.” (RESP 200600252881, MAURO CAMPBELL MARQUES - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/12/2009 RIP VOL.:00059 PG:00267 RT VOL.:00894 PG:00147 ..DTPB:.) (destaque nosso)
Diante do exposto, resta claro a inexistência de óbice jurídico ao desenvolvimento da atividade de fomento por ente diverso do Estado, tendo em vista não ser esta atividade exclusiva deste.
IV - CONCLUSÃO
Conforme exposto, as atividades exclusivas do Estado são aquelas que demandam o exercício, pelo Estado, do seu poder de império.
Uma vez, restando exposto que a implementação da atividade de fomento prescinde de qualquer ato de constituição unilateral de obrigações em relação a terceiros, não dependendo sua efetivação do exercício do poder supremacia do Estado, tem-se esta afastada da caracterização de atividade exclusiva deste, podendo, por conseguinte, ser prestada por outras organização públicas não-estatais e privadas.
Não obstante a possibilidade normativa, ou melhor a ausência de óbice jurídico ao exercício da atividade de fomento fora âmbito da Administração Pública, tal cenário é de difícil visualização prática, posto que, o sistema econômico no qual o Brasil está inserido, lastreado no individualismo, se demonstra como elemento impeditivo quase que instransponível.
IV – REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da Republica Federativa Brasileira de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de agosto de 2013.
______. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 21 de agosto de 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal – Comentários à Lei nº 9.784, de 29.1.1999. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
______. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
HELLY, Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
RIO DE JANEIRO, Lei Estadual nº 5.427, de 01 de abril de 2009. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/e9589b9aabd9cac8032564fe0065abb4/ef664a70abc57d3f8325758b006d6733?OpenDocument. Acesso em 22 de agosto de 2013.
POZAS, Jordana de. Ensayo de una Teoria del Fomento en el Derecho Administrativo. Disponível em:< http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/2/ REP_048_040.pdf>. Acesso em: 03/09/2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ª. Edição, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 383.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. rev. atual. amp., São Paulo, 2004, p. 69.
[2] CUNHA Jr. Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 3 ed. rev. ampl. Salvador: Juspodium, 2004.
[3] POZAS, Jordana de. Ensayo de una Teoria del Fomento en el Derecho Administrativo. Disponível em:< http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/2/ REP_048_040.pdf>. Acesso em: 20/08/2013.
[4] Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ª. Edição, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 383.
[5] O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995. Em seguida foi submetido ao Presidente da República, que o aprovou na forma ora publicada.
Advogado da União. Membro integrante da Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Laércio Vieira. Da viabilidade jurídica do exercício da atividade de fomento por particular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45172/da-viabilidade-juridica-do-exercicio-da-atividade-de-fomento-por-particular. Acesso em: 23 dez 2024.
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