Resumo: A pobreza e a miséria são duas instituições historicamente presente em quase todas as sociedades, e seus efeitos são inquestionavelmente expressivos. Neste trabalho, analisaremos se ambas podem ser aplicadas como excludente de crime em suas modalidades cabíveis, seja como excludente de ilicitude ou excludente de culpabilidade, os respectivos Estado de necessidade e Exigibilidade de conduta diversa. Esses dois institutos supramencionados de excludente de crime, segundo a doutrina de direito penal, serão apresentados em seus pontos e características pertinentes. Primeiramente, revelando nossa motivação quanto à escolha do tema, para logo em seguida, tratarmos de sua aplicação quanto à miserabilidade dos agentes, sua possibilidade e circunstâncias que a legitimam, bem como um estudo do conceito de miserabilidade e suas relações com o sistema econômico-social. Realizando uma importante interdisciplinaridade sociológica e criminológica, analisamos a possibilidade da miserabilidade como excludente de crime em dadas modalidades e circunstâncias possíveis, para uma aplicação razoável do direito e condizente com a realidade social.
Palavras chaves: Pobreza. Miséria. Estado de necessidade. Exigibilidade de conduta diversa. Direito Penal.
Abstract: Poverty and misery are two institutions historically present in almost all societies, and its effects are unquestionably significant. In this paper, we analyze if both can be applied as exclusionary of crime in their appropriate ways, either as exclusive or exclusionary of illegality of guilt, their state of need and Enforceability of different conduct. These two aforementioned institutes exclusive of crime, according the doctrine of criminal law, will be presented in their spots and relevant characteristics. First, revealing our motivation for the choice of theme, to then, treat your application as to the misery of the agents, their ability and circumstances that legitimize and a concept study of misery and their relationship to the system economic and social. Performing an important sociological and criminological interdisciplinarity, we analyze the possibility of misery as exclusionary crime in given modalities and possible circumstances for a reasonable application of the law and consistent with social reality.
Keywords: Poverty. Misery. Flagrant Necessity. Liability of diverse behavior. Doctrine of criminal law.
Sumário: Introdução. 1. Estado de Necessidade. 1.1. Conceito e natureza jurídica. 1.2. Elementos. 1.2.1. Prática de fato para salvar de perigo atual. 1.2.2. Ameaça a direito próprio ou alheio. 1.2.3. Situação não causada voluntariamente pelo sujeito. 1.2.4. Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo. 1.2.5. Inevitabilidade do comportamento lesivo e inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado. 1.2.6. Conhecimento de situação de fato justificante. 2. Exigibilidade de conduta diversa. 2.1. Conceito e natureza jurídica. 2.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. 2.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal excludente de culpabilidade. 3. Miserabilidade. 3.1. Definição e considerações preliminares. 3.2. Miserabilidade e a Constituição Federal de 1988. 3.3. Bens jurídico-penais violados pela miserabilidade. 3.4. Miserabilidade, pobreza e criminalidade. 3.5. Miserabilidade e sistema econômico. 3.5.1. A concepção marxista. 4. Estado de necessidade aplicado à miserabilidade. 4.1. Orientações doutrinárias. 4.2. Posicionamentos jurisprudenciais. 5. Inexigibilidade de conduta diversa aplicada subsidiariamente ou alternativamente à miserabilidade. 5.1. Orientações doutrinárias. 5.2. Posicionamentos jurisprudenciais. 6. Institutos correlatos. 6.1. Desemprego. 6.2. Furto famélico. 6.3. Saques. 6.4. Crimes e Contravenções penais habituais e permanentes (jogo do bicho). 6.5. crimes ou contravenções contra o patrimônio ou com finalidade econômica, com menor potencial lesivo necessário. Exemplo excepcional de Rogério Greco. 6.6. Coculpabilidade. Conclusão.
Introdução
A pobreza e a miséria são instituições históricas e impactantes na realidade social. No presente artigo, objetivamos pesquisar e analisar acerca da possibilidade de admissibilidade e aplicação da pobreza ou miséria como causa excludente de crime. A miserabilidade dos agentes poderá ser arguida para isentá-lo da conduta criminosa? Seja como excludente de ilicitude (Estado de necessidade) ou excludente de culpabilidade (Inexigibilidade de conduta diversa)? O tema é matéria polêmica, divergindo opiniões, sobretudo na jurisprudência nacional.
Para a compreensão da possibilidade ou impossibilidade da aplicação da miserabilidade como excludente de crime, abordaremos primeiramente, os institutos do Estado de necessidade e Inexigibilidade de conduta diversa, antes da sua aplicação específica no tocante à miserabilidade do agente e seus possíveis requisitos doutrinários e jurisprudenciais. A temática da pobreza e da miséria não poderia ser ignorada, assim, a trataremos sob um enfoque jurídico-constitucional, criminológico e sociológico numa devida sessão.
Dentre os nossos principais objetivos, estão o estudo, a pesquisa e análise desse tema pouco aprofundado tanto na jurisprudência como na doutrina de Direito Penal. Tratar da miserabilidade e seus efeitos na sociedade ultrapassa os estreitos limites da esfera de atuação e cognição do Direito, assim sendo, referenciaremos nos em trabalhos de renomados autores e doutrinadores à cerca do tema, bem como, alguns institutos correlatos, realizando ainda uma interdisciplinaridade sociológica e criminológica. A princípio, podemos mencionar alguns nomes como: Damásio de Jesus, Rogério Greco, Raul Zaffaroni, Newton e Walter Fernandes, Marilena Chauí, Karl Marx, dentre outros, a fim de realizarmos, uma obra de cunho abrangente e relevante valia.
O presente artigo adota o modelo de pesquisa bibliográfico, acadêmico e eletrônica. Discorreremos na 1ª sessão acerca do estado de necessidade, na 2ª sessão, sobre a Exigibilidade de conduta diversa, na 3ª sessão abordaremos a Miserabilidade, na 4ª, o Estado de necessidade aplicado à miserabilidade do agente, na 5ª sessão, à aplicação subsidiária da inexigibilidade de conduta diversa, na 6ª Sessão abordaremos alguns institutos correlatos a respeito do tema, e enfim, na sessão seguinte, a conclusão.
1. Estado de necessidade
Ao tratarmos do Estado de necessidade, devemos realizar uma breve consideração sobre o conceito analítico de crime, conforme assevera César Bitencourt, citado por Rogério Greco: “a elaboração do conceito analítico começou com Carmignani (1833), embora encontre antecedentes em Deciano (1551) e Bohemero (1732). Para Carmignani, a ação delituosa, compor-se-ia do concurso de uma força física e de uma força moral. Na força física estaria a ação executora do dano material do delito, e na força moral, situar-se-ia a culpabilidade e o dano moral do delito. Essa construção levou ao sistema bipartido do conceito clássico de crime, divididos em aspectos objetivo e subjetivo. A construção do conceito analítico do delito, no entanto, veio a completar-se com a contribuição decisiva de Belling (1906), com a introdução do elemento tipicidade. Embora inicialmente confusa e obscura definição desses elementos estruturais, que se depuraram ao longo do tempo, o conceito analítico, predominante, passou a definir o crime como a ação típica, antijurídica e culpável”. (BITENCOURT, 2000 apud GRECO 2009, p. 144).
Para a atual doutrina e jurisprudência de Direito Penal, o conceito analítico ou estratificado de crime é o que possui o caráter mais proveitoso ao direito, possibilitando o estudo e analise do crime em seus aspectos fracionados, bem como os institutos jurídicos que interessam para a determinação de crime e definição da conduta e do agente criminoso. Assim, na conceituação de Zaffaroni: “Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não está permitida em nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que atuasse de maneira diversa nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável)”. (ZAFFARONI, 1996, p. 324).
O conceito analítico de crime subdivide o crime ou delito em três elementos principais: Tipicidade (Fato Típico), Antijuridicidade ou Ilicitude (Fato Antijurídico) e Culpabilidade (Fato Culpável), sendo necessário o preenchimento desses três elementos a conduta do agente para a definição de crime. Não trataremos das definições de cada um desses elementos nem tão pouco dos institutos que os integram, apenas aos pertinentes ao Estado de necessidade e mais adiante, à Exigibilidade de conduta diversa.
1.1. Conceito e natureza jurídica
O Estado de necessidade, no conceito analítico de crime, integra um dos elementos excludentes de antijuridicidade, em conjunto com a Legítima defesa, Estrito cumprimento de dever legal e Exercício regular de um direito, conforme artigo 23 do CPB (Código Penal Brasileiro). Isto significa que nessas circunstâncias, ainda que o agente incida numa conduta prescrita em lei, definida como crime (Conduta Típica), não terá ele cometido um crime, devido à disposição legal e valorativa desses institutos.
O legislador definiu o Estado de necessidade no artigo 24 do Código Penal Brasileiro: “Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. (BRASIL, Código Penal, 2012).
Através da definição legal, concluímos que característica elementar do Estado de necessidade é o confronto de direitos ou bens jurídicos protegidos, ao qual, em dadas circunstâncias não provocadas pelo agente, estará ele legitimado para sacrificar tal bem jurídico em função de algum bem jurídico alheio ou próprio, salvando o assim de perigo atual.
Podemos mencionar como exemplo, o agente que se encontra preso num recinto fechado durante um incêndio e para escapar das chamas, salvando sua vida e sua integridade física, destrói uma das portas ou janelas do cômodo. Teria ele cometido o delito de dano ao patrimônio, tipificado no artigo 163 do Código Penal Brasileiro? A resposta é não, em virtude do Estado de necessidade que elimina a ilicitude da conduta.
O princípio da ponderação de bens é um instituto correlato à excludente de ilicitude do Estado de necessidade, consoante lição de Rogério Greco: “Quando os bens estão acondicionados nos pratos dessa balança, inicia-se a verificação da prevalência de um sobre o outro. Surge como norteador do Estado de necessidade o princípio da ponderação dos bens. Vários bens em confronto são colocados nessa balança, a exemplo da vida e do patrimônio. A partir daí, começaremos a avaliá-los, a fim de determinar a preponderância, ou mesmo a sua igualdade de tratamento, quando tiverem o mesmo valor jurídico”. (GRECO, 2009, p. 321).
O princípio da ponderação de bens é a base norteadora, pois definirá se a violação a determinado bem jurídico praticado pelo agente é realmente plausível ou justificada em dadas situações. O bem jurídico sacrificado deve ser de valor menor ou equivalente ao bem jurídico protegido.
Portanto, o Estado de necessidade aplica-se em circunstâncias de confronto entre bens jurídicos protegidos pelo direito penal, estando também presentes os elementos e requisitos contidos no supramencionado artigo 24 do Código Penal Brasileiro.
1.2. Elementos
Nas seções seguintes trataremos dos elementos legais e doutrinários de maior destaque, que caracterizam o Estado de necessidade (GRECO, 2009 e JESUS, 2010).
1.2.1. Prática de fato para salvar de perigo atual
A prática de fato para salvar de perigo atual é mencionado logo no início do artigo 24 do Código Penal Brasileiro. Apesar da expressão literal do mencionado artigo, perigo atual ou perigo presente, para corrente doutrinária, aplica-se também ao perigo iminente, pois não se pode exigir que o agente espere o perigo iminente torne-se atual, aumentando a situação de risco. (JESUS, 2010. p. 127).
Sendo assim, o agente não precisa e nem seria justo que tivesse de esperar o perigo eminente tornar-se atual para então agir em sua defesa ou de terceiros, amparado pelo Estado de necessidade.
1.2.2. Ameaça a direito próprio ou alheio
Outro elemento também expresso no texto da lei. O estado de necessidade, consoante inteligência do artigo 24 do Código Penal Brasileiro, pode ser praticado tanto em caso de ameaça a direito próprio, quanto a direito de terceiros. Segundo Damásio de Jesus (2010, p. 127), não se exige qualquer relação jurídica específica entre os sujeitos, ou seja, não é exigida relação de parentesco, amizade ou subordinação entre o agente e o terceiro necessitado.
Portanto, assim como a Legítima defesa (art. 24, CPB), o Estado de necessidade pode ser invocado para amparar não apenas direito próprio, mas também de terceiros.
1.2.3. Situação não causada voluntariamente pelo sujeito
Logicamente, não seria digno aceitar a alegação de Estado de necessidade, se o agente provocou, causou “dolosamente” a situação de risco. Mas se a causou culposamente?
A doutrina pesquisada aponta que essa excludente de ilicitude também se aplica se a situação for provocada culposamente pelo agente, pois a expressão literal do artigo de lei: “…que não provocou por sua vontade…”, a expressão vontade, se equipara a dolo, intenção. Nesse sentido, posiciona-se, dentre outros, Heleno Fragoso: “Não pode alegar o Estado de necessidade quem por sua vontade provocou o perigo. Essa fórmula refere-se exclusivamente ao dolo. Pode haver estado de necessidade se o agente causou culposamente a situação em que surge o perigo. Assim, por exemplo, se o agente provoca um incêndio por inobservância do cuidado devido, pode alegar o Estado de necessidade, se para salvar-se causa um dano a outrem inevitável”. (FRAGOSO, 1984, p. 190).
Reiterando, a situação não pode ser ocasionada pelo sujeito dolosamente, ou seja, intencionada, no entanto, a lei e a doutrina permitem que seja provocada culposamente, não descaracterizando o Estado de necessidade.
1.2.4. Inevitabilidade do comportamento lesivo e inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado
O comportamento lesivo, ou seja, a conduta de lesão a um bem jurídico em defesa de outro, deve ser de inevitável. Isso se significa que o agente não deve possuir alternativa, senão praticar a lesão, logo concluímos, conforme interpretação da prescrição legal (art. 24 CPB), que não haverá essa excludente de ilicitude se o agente poderia evitar a conduta lesiva para salvar-se do perigo.
Quanto à inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado, está relacionada ao Princípio da Razoabilidade ou da Ponderação dos bens jurídicos. Conforme assevera César Roberto Bitencourt: “O princípio da razoabilidade nos permite afirmar, com segurança, que quando o bem sacrificado for de valor superior ao preservado, será inadmissível o reconhecimento do estado de necessidade. No entanto, como já referimos, se as circunstâncias o indicarem, a inexigibilidade de outra conduta poderá excluir a culpabilidade”. (BITENCOURT, 2004, p.279-280).
Significa que em determinada circunstância, não se pode exigir que o agente aceite a lesão ou sacrifique o bem jurídico ameaçado, entretanto, o bem jurídico defendido, deve ser maior ou ao menos igual ao bem jurídico violado. Não sendo assim, o agente não incidirá nessa excludente de ilicitude, mas poderá, conforme caso concreto, excluir a sua culpabilidade, mais precisamente na análise da Exigibilidade de conduta diversa, outra excludente de crime, que será tratada mais adiante.
1.2.5. Conhecimento de situação do fato justificante
É o elemento inerente ao intencional ou moral do agente, que deve possuir potencial consciência de que está agindo em defesa de direito próprio ou de terceiro, conforme lições de Damásio de Jesus: “Não há Estado de necessidade quando o sujeito não tem conhecimento de que age para salvar um interesse próprio ou de terceiro. O fato necessário possui requisitos objetivos e subjetivos. Para a justificação de um fato típico não basta que ocorram os elementos objetivos da justificação, sendo necessário que o autor, além de conhecê-los, tenha as tendências subjetivas especiais de justificação”. (JESUS, 2010, pg. 129).
Á luz das lições desse renomado doutrinador, podemos concluir, a título de exemplo, que o agente ao cometer um aborto com a finalidade exclusiva de evitar o nascimento, se após o crime, souber que a gravidez era de risco e representava ameaça à vida da gestante, não poderá ser amparado pelo Estado de necessidade, pois não sabia da situação de risco, bem como não cometeu a conduta lesiva para resguardar a vida da gestante.
O Código Penal Brasileiro (2012, art. 24) exige esse requisito subjetivo, pois está prescrito no artigo supramencionado, que o agente deve atuar para salvar de perigo atual direito próprio ou de outrem (grifo nosso).
2. Exigibilidade de conduta diversa
A Exigibilidade de conduta diversa constitui um dos subelementos da Culpabilidade ou Fato Culpável, sendo esta (culpabilidade), o terceiro e último elemento, segundo a teoria analítica do crime, necessário para a caracterização da conduta criminosa. A Culpabilidade é integrada pelos 3 subelementos: Imputabilidade, Potencial consciência sobre a ilicitude do fato e Exigibilidade de conduta diversa.[1]
A Culpabilidade não se confunde com a culpa (oposta ao dolo), que é um instituto referente à conduta do agente, integrante da tipicidade. Nesse sentido, objetiva e precisa é a lição do jurista alemão Hans Welzel (1987 apud Greco, 2009, p. 381) “culpabilidade é a reprovabilidade da configuração de vontade. Toda culpabilidade é, segundo isso, culpabilidade de vontade. Somente aquilo a respeito do qual o homem pode algo voluntariamente, lhe pode ser reprovado como culpabilidade.”
O conceito de culpabilidade de Welzel, clássico autor de Direito Penal, enfatiza que só poderá existir a culpabilidade penal se o sujeito agir conforme sua própria vontade, ou seja, violando à lei, incidindo voluntariamente num fato típico, quando possuía liberdade, autonomia para atuar de acordo com a norma jurídica. Essa característica imprescindível desse instituto (culpabilidade), será de muita valia para analisarmos a sua relevância, pois a ausência de Culpabilidade resultará na ausência de delito, configurando-se portanto, numa excludente de crime.
2.1. Conceito e natureza jurídica
Reservamos a seção anterior para definições e esclarecimentos à cerca da Culpabilidade, cabendo agora, a análise específica da Exigibilidade de conduta diversa.
Acerca da Exigibilidade de conduta diversa ou Exigibilidade de obediência ao Direito, disserta César Roberto Bitencourt: “Um dos elementos mais importantes da reprovabilidade vem a ser exatamente essa possibilidade concreta que tem o autor de determinar-se conforme o sentido em favor da norma jurídica. O conteúdo da reprovabilidade, consiste em o autor dever e poder adotar uma resolução de vontade de acordo com o ordenamento jurídico e não a resolução de vontade antijurídica. O direito exige, geralmente, do sujeito imputável, isto é, daquele que pode conhecer a antijuridicidade do seu ato, que tome sua resolução de vontade conforme com esse conhecimento possível. Porém, reconhece Welzel, existem situações em que não é exigida uma conduta adequada ao Direito, ainda que se trate de sujeito imputável e que realize dita conduta com conhecimento da antijuridicidade que lhe é própria[2]. Nessas circunstâncias, ocorre o que se chama de inexigibilidade de conduta diversa ou inexigibilidade de obediência ao direito, que afasta o terceiro elemento da culpabilidade, eliminando-a, consequentemente”. (Bittencourt, 2010, pg.410).
Por meio dessas esclarecedoras lições dos renomados doutrinadores, concluímos que para a definição da conduta criminosa, deve-se apreciar se ao caso concreto, era o agente, capaz de determinar-se, ou seja, a agir conforme sua própria vontade, possuindo a alternativa de não proceder à prática do delito, só nessas circunstâncias, deve existir o crime, deve existir então o juízo de reprovabilidade da conduta, pois ainda que a conduta seja Típica e Antijurídica, não poderá ser Culpável.
Logicamente, que sendo necessário a Exigibilidade de conduta diversa para a configuração do crime, a Inexigibilidade de conduta diversa é portanto uma excludente de culpabilidade, e consequentemente uma excludente de crime. Se em dadas circunstâncias, não poderia o agente proceder de forma diversa, ainda que imputável e consciente da ilicitude do fato, não haverá crime algum, sendo sua conduta juridicamente aceitável. Embasamo-nos nas palavras de Welzel, citado por Bitencourt: “Seguindo o magistério de Welzel, uma vez configurada a imputabilidade e a possibilidade de conhecimento do injusto (Potencial consciência sobre a ilicitude do fato), fica caracterizada materialmente a culpabilidade, o que não quer dizer, no entanto, que o ordenamento jurídico-penal tenha de fazer a reprovação da culpabilidade. Em determinadas circunstâncias, poderá renunciar a dita reprovação e, por conseguinte, exculpar e absolver o agente”. (Welzel, 1964 apud Bitencourt, 2010, p. 409).
Quanto à natureza jurídica, a Exigibilidade de conduta diversa é um dos elementos que constituem a culpabilidade (GRECO,2009), conforme o conceito analítico de crime, sendo a Inexigibilidade de conduta diversa uma das excludentes de culpabilidade, resultando assim numa excludente de crime.
2.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa
O Código Penal Brasileiro, expressa algumas causas que excluem a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, dentre elas, uma das explícitas é a que trata o artigo 22 do Código Penal Brasileiro (GRECO, 2009), que trata da coação irresistível e da obediência hierárquica: “Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível, ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. (BRASIL, Código Penal, 1984).
Outro exemplo (GRECO, 2009), é a conduta tipificado no artigo 128, inciso II do Código Penal Brasileiro, o caso do aborto praticado por médico com o consentimento da gestante e de seu representante legal, em caso de gravidez resultante de estupro. Consoante o referido diploma: “Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: … Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. (BRASIL, Código Penal, 1984).
Não nos aprofundaremos em questões teóricas acerca desses institutos legais de causa de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, pois estaríamos a escapar do tema central desse artigo. Como discorreremos a seguir, não obstante existir situações previstas em lei, a inexigibilidade de conduta diversa ou inexigibilidade de conduta conforme o direito poderá ser aplicada como uma causa supralegal de excludente de culpabilidade.
2.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal excludente de culpabilidade
A Inexigibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade, e, portanto excludente de crime, em nosso ordenamento jurídico pode ser aplicado como causa supralegal de excludente de culpabilidade, conforme lição de Rogério Greco: “Causas supralegais de exclusão de culpabilidade são aquelas que, embora não estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios informadores do ordenamento jurídico… Nossa legislação penal, ao contrário da alemã, não proíbe a utilização do argumento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão de culpabilidade. Jescheck[3], com base na legislação alemã, assevera que deve ser afastada a teoria da inexigibilidade como causa supralegal, pois segundo o renomado autor, a aceitação de uma causa supralegal de exculpação por inexigibilidade implicaria, tanto concebida subjetivamente quanto objetivamente, uma debilitação da eficácia de prevenção que corresponde ao direito penal e conduziria a uma desigualdade na aplicação do direito”. E continua dizendo que, “ainda nas situações difíceis da vida, a comunidade deve poder reclamar a obediência ao direito, ainda que isso posa exigir do afetado um importante sacrifício”…A possibilidade de alegação de uma causa supralegal, em algumas situações, como deixou entrever Johannes Wessels[4], pode evitar que ocorram injustiças gritantes”. (GRECO, 2009, pg. 421).
Adotar a Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal excludente de Culpabilidade, significa que tal instituto poderá ser aplicado ou admitido em hipóteses não descritas na lei penal, a serem definidas com fulcro na apreciação do caso concreto. Compartilhamos da tese que defende a aceitação desse instituto como causa supralegal, conforme adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois como tratado em situações anteriores, sempre haverá inúmeras situações práticas e concretas, impossíveis de serem previstas pelo legislador, nas quais o sujeito, determinado e imposto por circunstâncias ameaçadoras, alheias à sua vontade, não possuirá quaisquer alternativas para preservar direito, seja próprio ou alheio, a não ser a violação da norma.
Concluímos portanto, em consonância com o posicionamento do jurista alemão Johannes Wessels, que a não aceitação da tese de Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal, conforme adotada pelo ordenamento jurídico alemão, legitima eventuais equívocos e injustiças.
3. Miserabilidade
Nesta seção discorreremos acerca da pobreza, da miserabilidade, ambas tratadas também como hipossuficiência. Analisaremos esse tema sob um enfoque social, econômico, político e jurídico, apresentando o conteúdo obtido por nossa pesquisa.
3.1. Definição e considerações preliminares
Pobreza é o estado ou qualidade de pobre, sendo pobre, aquele que não tem o necessário à vida, dinheiro ou recursos; miséria é o estado deplorável, indigência ou penúria (FERREIRA, 2010, p. 509, 593). Assim, segundo o vernáculo, a miserabilidade é a pobreza em sua forma mais intensa, extrema, que envolve a carência de bens materiais e serviços fundamentais à digna sobrevivência humana.
Conforme os dados apresentados pelo IBGE[5] (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (2011 apud G1 – Portal de notícias da Globo, 2011), o Brasil tem 16,27 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, o que representa 8,5% da população.
Com base em dados do Censo de 2010, a pedido do governo federal, o IBGE realizou nessa amostra a identificação de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza em função do programa social do governo federal intitulado “Brasil sem miséria”. De acordo com o levantamento, do índice da população brasileira que se encontra em situação de extrema pobreza, 4,8 milhões não possuem renda alguma, e 11,43 milhões possuem renda entre R$ 1 (um real) a R$ 70 (setenta reais).[6]
Ante as informações apresentadas, a pobreza e miséria no Brasil possuem dimensões trágicas, envolvendo milhões de famílias e pessoas, adultos e crianças, que vivenciam todos os dias os encargos e dificuldades de uma vida de carência alimentar, habitacional, educacional, deficiência quanto ao acesso à saúde, educação, transporte, emprego, trabalho, geração de renda, dentre outros. O alto índice de miserabilidade da população brasileira revela a necessidade de constantes debates e medidas que contribuam para atenuar essa situação.
3.2. Miserabilidade e a Constituição Federal de 1988
É oportuno para este artigo, a análise do posicionamento da Constituição Federal de 1988 no tocante à pobreza e miséria. Segue a lição de Canotilho citado por Alexandre de Moraes acerca do conceito de Constituição, no sentido jurídico da palavra: “Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competência, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas”. (CANOTILHO, 1991 apud MORAES, 2009, p. 6).
A constituição é o principal e hierarquicamente maior diploma jurídico de um Estado. Seus princípios e normas servem de arcabouço para a formação de um modelo social, político e jurídico de uma nação ou estado. Dada a pertinente relevância à Constituição Federal, então qual o seu posicionamento acerca da pobreza e miserabilidade?
A palavra pobreza é mencionada em três dispositivos importantes da CRFB/88 (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988); no inciso III do artigo 3º, no inciso X do artigo 23 e no artigo 79 da ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias), incluído pela emenda constitucional nº 31, de 2000, que instituiu o fundo de combate e erradicação pobreza, assim sendo:“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil… III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;… Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:…X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;… Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse sociais voltadas para melhoria da qualidade de vida”. (BRASIL, Constituição, 1988, p. 9, 20, 89, grifo nosso).
A CRFB/88 assume um posicionamento de combate e repulsa à pobreza, reconhecendo-a como um fato nocivo, prejudicial ao bem viver do ser humano e da sociedade, adotando inclusive a erradicação da pobreza (o que por analogia inclui também a miséria) como um de seus objetivos fundamentais. Compete-nos mencionar também os artigos 5º e 6º dos respectivos Capítulos I: Dos direitos e deveres individuais e coletivos, e II: Dos direitos sociais, ambos do Título II que trata dos direitos e garantias fundamentais: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:… Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.[7] (BRASIL, Constituição, 1988, p. 9,13, grifo nosso)
Os direitos mencionados nos artigos 5º e 6º estão inseridos pela constituição num título denominado: DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, logo tratam-se de direitos básicos, essenciais e necessários à digna sobrevivência humana; são eles: a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
Ao pesquisarmos o conceito de pobreza e miséria, encontramos a definição de pobre como aquele que não possui o necessário, o fundamental à vida, conforme expresso na seção anterior. Sendo os direitos mencionados no parágrafo anterior como direitos e garantias fundamentais, à luz da Constituição brasileira, podemos deduzir que a pessoa não provida de algum ou alguns desses direitos, estará inserida numa circunstância de pobreza ou miserabilidade, conforme menor ou maior, respectivamente, a intensidade da carência.
3.3. Bens jurídico-penais violados pela miserabilidade
A finalidade do direito penal é proteger os bens mais importantes, mais relevantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, assim constituem-se o bens jurídico-penais (GRECO, 2009). Os bens jurídicos constantes nos artigos 5º e 6º da CRFB/88 são exemplos de bens jurídicos penais que estão dentre os principais bens jurídicos protegidos, incluídos no rol dos direitos e garantias fundamentais da CRFB/88.
Quais são os bens jurídicos violados pela pobreza e miséria? Para respondermos essa questão, preliminarmente pesquisaremos acerca dos efeitos ou consequências da pobreza, tanto no indivíduo quanto na organização social. Segundo o sítio eletrônico WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre[8]: “Muitas das consequências da pobreza são também causas da mesma criando o ciclo da pobreza. Algumas delas são: fome, baixa esperança de vida, doenças, falta de oportunidades de emprego, carência de água potável e de saneamento, maiores riscos de instabilidade política e violência, emigração, existência de discriminação social contra grupos vulneráveis, existência de pessoas sem-abrigo e depressão”. (WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre, 2012, grifo nosso).
Os efeitos da miserabilidade tanto nos indivíduos, nas famílias quanto na sociedade são significativamente lesivos. A miserabilidade atinge direta ou indiretamente direitos fundamentais do ser humano, incluindo os bens jurídico-penais de maior valia, a exemplo da vida, integridade ou incolumidade física e psicológica, saúde, segurança, honra, liberdade, paz pública, assistência familiar, patrimônio (a pobreza e miséria obstam a sua aquisição), igualdade, dentre outros.
3.4. Miserabilidade, pobreza e criminalidade
Na obra Criminologia Integrada[9], no capítulo que trata dos fatores sociais da criminalidade, Valter e Newton Fernandes abordam o tema da pobreza e miséria, ambas em subcapítulos distintos. Acerca da pobreza lecionam: “Na Itália, Marro[10] acentuava, após pesquisa sobre determinada população, que a maioria dos criminosos não possuindo qualquer propriedade, é evidente que há uma relação estreita entre a pobreza e o crime… Há entre os criminosos, salienta Sutherland[11], a crença de que seus casos teriam sido mais bem estudados se eles não fossem pobres. Aliás, essa ressalva é invocada por muitos advogados quando na defesa de seus clientes perante a Justiça… De enfatizar, por ser a expressão da verdade, que os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semianalfabetos e pobres quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são párias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por todos aqueles que possuem bens de certos modos ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um status econômico superior”. (FERNANDES, Valter e FERNANDES, Newton. 2010, p. 341, grifo nosso).
À luz das lições citadas, a pobreza surge como fator motivador da criminalidade não apenas pelas carências de recursos e direitos fundamentais ao qual submetem os indivíduos, ameaçando constantemente à sua sobrevivência, integridade e saúde; mas também pelo ódio e discriminação que causam aos atingidos, em razão da nítida e expressiva desigualdade social presente mais intensamente nos países subdesenvolvidos. No tocante precisamente à miséria, seguem suas considerações: “A miséria é a pobreza elevada ao paroxismo. É o estado daqueles que tem muito pouco ou não tem mais nada. A estes falecem, mais ainda que os pobres, todas aquelas condições mínimas de sobrevivência com um resquício de dignidade. Essa miséria debilita centenas de milhões de pessoas em todo mundo, tornando-as, como pobres (de que são o quase superlativo social porque o superlativo social absoluto, o estado de carência total, é a condição de mendicidade), presas fáceis da senda do crime… No Brasil, por exemplo, a miséria e a fome delas decorrentes matam mais de 300 mil pessoas anualmente, entre adultos e crianças… Conjugados, esses fatores refletem duramente no agravamento das diferenças entre as classes sociais desses países, alentando largamente o processo de elitização pecuniária de uns poucos e levando a subproletarização a grande maioria cujas dolorosas vicissitudes diluem-se como lágrimas na tempestade de abastança das enxutas e insensíveis minorias… Não há como negar, entretanto, que a situação da miséria representa mais que considerável ingrediente no poder de decisão do indivíduo que tende para o comportamento criminoso”. (FERNANDES, Valter e FERNANDES, Newton. 2010, p. 344).
É digno de consideração o estreito elo entre a criminalidade, a pobreza e a miséria apontado pelos criminologistas. O agente determinado por severa e indigna circunstância possui grandes probabilidades de incidir à prática de crime, sobretudo aos crimes contra o patrimônio ou com finalidades econômicas, como única forma de alcançar um padrão digno de sobrevivência ou apenas subsistir.
3.5. Miserabilidade e sistema econômico
Ao tratar do sistema econômico como um dos principais fatores da criminalidade, Valter e Newton Fernandes citando os autores Bataglia, Lafargue, Bebel e Beguim[12], aduzem: “Bataglia, Lafargue e Bebel apontaram também os efeitos nefastos da má distribuição de riquezas, como vício econômico da sociedade capitalista que, assegurando privilégios a alguns, condena muitos outros à miséria, à fome, à revolta, à violência e ao crime. Do mesmo parecer é Beguim, que dizia que 60 % ou mais dos crimes têm origem econômica”. (BATAGLIA, LAFARGUE, BEBEL e BEGUIM apud FERNANDES, Valter e FERNANDES, Newton. 2010, p. 107).
Com argumentos consubstanciados, os citados criminologistas enumeram o sistema econômico como uma das principais causas de diversos fatores sociais, dentre eles, a pobreza, a miséria e considerável parcela da criminalidade. A análise da instituição do sistema econômico, incluindo o modo capitalista de produção, contribui para uma maior compreensão da realidade social.
3.5.1. A concepção marxista
Karl Marx destacou-se como um dos mais relevantes teóricos das ciências humanas, seus trabalhos correlacionam-se com diversas disciplinas. Nesse artigo, vamos abordá-lo apenas nos pontos que consideramos oportunos ao nosso tema. Sobre a importância do marxismo, aduz Marilena Chauí: “O marxismo permitiu compreender que os fatos humanos são instituições sociais e históricas produzidas não pelo espírito ou pela vontade livre dos indivíduos, mas pelas condições objetivas nas quais a ação e o pensamento humano devem realizar-se. Levou a compreender que os fatos humanos mais originários e primários são as relações do homem com a natureza na luta pela sobrevivência e que tais relações são as de trabalho, dando origem as primeiras instituições sociais… Assim, as primeiras instituições sociais são econômicas. Para mantê-las, o grupo social dominante cria ideias e sentimentos, valores e símbolos aceitos por todos e que justificam ou legitimam as instituições assim criadas. Também para conservá-las, o grupo social cria instituições de poder que a sustentam (pela força, pelas armas ou pela lei) as relações sociais e as ideias, valores, símbolos produzidos… Enfim, o marxismo trouxe como grande contribuição à sociologia, à ciência política e à história a interpretação dos fenômenos humanos como expressão e resultado de contradições sociais, de lutas e conflitos sociopolíticos determinados pelas relações econômicas baseada na exploração do trabalho da maioria por uma minoria de uma sociedade”. (CHAUÍ, 2001, p. 275).
Com base nessas lições, concluímos que o sistema econômico, como condição objetiva de existência humana, constitui o principal sistema ou organização da sociedade, sendo que a partir dele, se desenvolve as demais relações políticas, culturais e ideológicas da sociedade, determinando a forma de viver dos indivíduos, não apenas de trabalhar ou produzir, mas também de pensar e interpretar a própria realidade, tanto individual quanto social. Consoante as palavras do próprio teórico em coautoria com Friedrich Engels: “A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com a sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto a maneira que produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção”. (MARX e ENGELS, 2002, p. 11).
Nesses termos, os homens não agem e nem vivem de forma livre e consciente, na verdade estão severamente determinados, controlados pelo sistema econômico, ou seja, pelas condições materiais de produção e seus efeitos. Os trabalhadores (a classe majoritária) na organização capitalista de produção é submetida a um processo de exploração de trabalho e eliminação de mão de obra para o sustento dos privilégios de uma minoria economicamente dominante, mas também dominante no plano político, estatal e ideológico. Resultam assim, problemas crônicos na sociedade, como desigualdade, desemprego e miséria. Seguem as oportunas palavras de Marilena Chauí: “As lutas entre comerciantes e nobres, o desenvolvimento dos burgos, do artesanato e da atividade comercial conduzem a mudança que conhecemos: a propriedade privada capitalista. Essa nova forma de propriedade possui características inéditas e é uma verdadeira revolução econômica, porque realiza a separação integral entre proprietários dos meios de produção e forças produtivas, isto é, entre as condições e os instrumentos do trabalho e o próprio trabalho. Os proprietários privados possuem meios, condições e instrumentos do trabalho, possuem o controle da distribuição e do consumo de produtos. No outro polo social, encontram-se os trabalhadores como massa de assalariados inteiramente expropriada dos meios de produção, possuindo apenas a força do trabalho, colocada à disposição dos proprietários dos meios de produção, no mercado de compra e venda de mão de obra”. (CHAUÍ, 2001, p. 415).
Não obstante criticas à concepção marxista, muitas vezes questionáveis, a vertente sociológica desenvolvida por Marx e Engels é de relevante importância para compreensão da estruturação da sociedade e do nexo de causalidade entre inúmeras instituições sociais: Estado, política, cultura, ideologia, desigualdade social, desemprego, pobreza, miséria com o sistema econômico, este como a estrutura dominante e suprema da sociedade, com base no qual todas as demais relações sociais se desenvolvem.
Por fim, em consonância com os renomados filósofos, concluímos que o sistema econômico, especificamente a ordem capitalista vigente, é incontestavelmente uma força social expressiva, tendo relação de causa direta com a miserabilidade que submete milhares de pessoas e famílias a situações degradantes de sobrevivência, nessa perspectiva, inserindo-as como vítimas de uma injusta ordem social.
4. Estado de necessidade aplicado à miserabilidade
Analisada as características e requisitos do Estado de necessidade, da Inexigibilidade de conduta diversa, da pobreza e miserabilidade, apresentaremos agora os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicação do Estado de necessidade à miserabilidade do(s) agente(s).
4.1. Orientações doutrinárias
A doutrina Penal costuma tratar da pobreza ou miserabilidade do agente, utilizando a denominação de “dificuldades econômicas”, não referindo-se precisamente à miserabilidade. Dentre os doutrinadores atuais, Rogério Greco é o que melhor trata da questão, consoante sua precisa apreciação: “Suponhamos que alguém, desempregado, depois de procurar exaustivamente por um trabalho honesto, chegue em casa e constate que na despensa não existem mais alimentos que possam sustentar a sua família. Suplica por doações, mas não as consegue. Ao ver seus filhos e sua mulher implorando por um alimento qualquer, o agente se desespera, vai até um supermercado mais próximo e subtrai um saco de feijão. Aqui, temos dois bens em confronto: de um lado, a sobrevivência (vida) do agente e de sua família; do outro, o patrimônio do supermercado, também protegido pelo ordenamento jurídico. Nesse confronto, é razoável que a vida prevaleça sobre o patrimônio, podendo o agente, no caso em tela, erigir a mencionada causa de justificação”. (GRECO, 2009, p. 336).
Ante o exposto, o renomado autor conclui que a miserabilidade pode preencher todos os requisitos para que a conduta do agente esteja amparada pela excludente de ilicitude do Estado de necessidade, onde será necessário o sacrifício de algum bem jurídico, em geral o patrimônio, para a defesa de um bem jurídico de maior relevância (vida, honra, etc) que é atingido pela pobreza ou miséria, sendo assim respeitados os princípios da ponderação e razoabilidade pertinentes ao instituto do Estado de necessidade.
4.2. Posicionamentos jurisprudenciais
Segundo Damásio de Jesus (2010, p. 129) o posicionamento majoritário da jurisprudência é pelo não aproveitamento da alegação de “dificuldades econômicas”; aproveita: EJTFR[13], 68:25; não aproveita: RT, 518:377 e 488:380; JTACrimSP[14], 20: 220, 36: 282 e 65:393, RJDTACrimSP[15], 6:80.
Greco cita uma fundamentação de decisão do extinto TACrim-SP (Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo) que, na concepção do autor, revela o senso comum dos magistrados acerca da delicada questão: “A miserabilidade do agente do furto não constitui causa excludente da criminalidade, caso contrário, ter-se-ia uma legião de miseráveis praticando furto impunemente, com grave repercussão na ordem pública” (JUTACrim.-SP 94/209. Relator Juiz Hélio de Freitas apud GRECO, 2009, p. 336, grifo nosso). Pesquisamos decisões de Tribunais mais atualizadas, seguem as ementas: “Dificuldades financeiras e desemprego não configuram estado de necessidade, principalmente tratando-se de roubo. Só há estado de necessidade existindo a atualidade de perigo, inevitabilidade e inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado” (Des. Amaral e Silva). […] (AC n. 2008.021589-4, de Santa Cecília, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. de 27/05/08, grifo nosso).
Decisões de tribunais referentes ao furto famélico e furto qualificado, ao qual é levantada a tese dos institutos em questão: “Necessidade. Furto famélico. Inaplicabilidade. Para o reconhecimento do furto”… (70035012897 RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Data de Julgamento: 17/11/2010, Oitava Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/12/2010, grifo nosso). “Furto qualificado consumado – Autoria e materialidade delitiva provada – Estado de necessidade inaplicável. Suficientes as provas a demonstrar a materialidade e autoria delitiva do furto, cabível o decreto condenatório, não possuindo força para inquinar o decisum a mera ilação de dificuldades financeiras”. (15801720098260595 SP 0001580-17.2009.8.26.0595, Relator: Willian Campos, Data de Julgamento: 25/10/2011, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 28/10/2011, grifo nosso).
A primeira ementa refere-se ao crime de estelionato, ao qual é arguida a tese de estado de necessidade e a segunda ao furto tentado: “Estelionato – Autoria e materialidade delitiva provada. Estado de necessidade inaplicável. Suficientes as provas a demonstrar a materialidade e autoria delitiva do estelionato, cabível o decreto condenatório, não possuindo força para inquinar o decisum a mera ilação de dificuldades financeiras. Estelionato – Princípio da insignificância – Não cabimento. O princípio da insignificância não é aplicável aos crimes cujas circunstâncias não evidenciam a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento ou a inexpressividade da lesão jurídica provocada”… (143170520078260019 SP 0014317-05.2007.8.26.0019, Relator: Willian Campos, Data de Julgamento: 27/09/2011, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 30/09/2011, grifo nosso). “Apelação. Furto tentado. Réu absolvido. Recurso Ministerial. Hipótese de condenação não caracterizada hipótese de incidência do Princípio da Insignificância ou de Furto famélico. Apelo Provido”. (123801320108260032 SP 0012380-13.2010.8.26.0032, Relator: Nuevo Campos, Data de Julgamento: 10/11/2011, 10ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 10/11/2011, grifo nosso)
Abaixo, ementa de uma decisão de caráter minoritária constante na obra de Rogério Greco, admitindo o estado de necessidade em razão miserabilidade na prática da contravenção conhecida como jogo do bicho: “Estado de necessidade. Balanceados os interesses contrastantes entre a ordem social e as dificuldades financeiras do agente, reconhece-se o seu estado jurídico de necessidade, se pratica a contravenção do jogo do bicho para sobreviver”. (ACM 312.953 – Rel. Edmeu Carmesini apud GRECO, 2009, p. 337).
Nossa pesquisa constatou, no tocante as decisões majoritárias dos Tribunais e respectivos magistrados, posicionamento contrário à admissibilidade da miserabilidade e principalmente das dificuldades econômicas pessoais como fato justificante da aplicação do instituto do Estado de necessidade. Encontramos a aplicabilidade, com maior frequência, nas decisões referentes à modalidade de crime definido como furto famélico (a ser tratado em seção posterior).
5. Inexigibilidade de conduta diversa aplicada subsidiariamente ou alternativamente à miserabilidade
Não sendo possível a aplicação do Estado de necessidade como excludente de ilicitude quanto à miserabilidade do agente, abordaremos a possibilidade de aplicação do instituto da Inexigibilidade de conduta diversa subsidiariamente, excluindo assim a culpabilidade e consequentemente o crime.
5.1. Orientações doutrinárias
Damásio de Jesus ao pesquisar a jurisprudência, nos casos de furtos e saques, assim define: “A defesa nos casos de furto e saques, só apresenta relevância quando demonstrados os seguintes requisitos: 1º) que o fato tenha sido praticado para saciar a fome ou satisfazer necessidade vital; 2º) que tenha se apresentado como único e derradeiro recurso e 3º) que o objeto material subtraído tenha sido coisa capaz de diretamente contornar a emergência”. (TARS[16], Acrim 2888.035.686, JTARS[17], 67:73 apud JESUS, 2010, p. 130).
Consoante citação, Damásio define três requisitos para a aplicação da Inexigibilidade de conduta diversa nos casos de dificuldades econômicas ou miserabilidade apenas nos delitos de furto e saque: 1. Que o fato tenha sido praticado para saciar a fome ou satisfazer necessidade vital, 2. Que tenha se apresentado como único e derradeiro recurso e 3. Que o objeto material subtraído tenha sido coisa capaz de diretamente contornar a emergência (grifo nosso).
Assim, nesses moldes, o primeiro requisito estabelece que o fato deve ser meio para a satisfação de necessidades vital, ou seja, fundamental a digna sobrevivência, assim como alimentos, água, moradia, roupas, afastando-se qualquer possibilidade na prática de furtos e saques de bens supérfluos. O segundo requisito exige que o agente não possua outra opção, ou seja, não tenho conseguido a satisfação de sua necessidade pedindo ou requerendo auxílio a terceiros, por exemplo. O terceiro requisito exige que o objeto possa satisfazer diretamente a necessidade, o que tornaria impossível a aplicação da excludente de inexigibilidade de conduta diversa nos casos de furtos e saque de dinheiro, consoante o posicionamento do autor e da jurisprudência que o embasou.
5.2. Posicionamentos jurisprudenciais
Realizando nossa pesquisa, destacamos as ementas das seguintes decisões: “Apelação Criminal. Furto. Materialidade e autoria. Comprovadas. Furto famélico. Estado de necessidade. Não caracterizada. Excludente de culpabilidade. Não configurada. Furto privilegiado. Redução da Pena. Justiça gratuita. Competência do juízo da execução. Consoante entendimento jurisprudencial desta corte, O Furto famélico é admitido quando o agente pratica o delito em estado de necessidade extrema com o propósito de saciar sua fome, quando dele não se podia exigir conduta diversa. Afasta-se a alegada causa excludente de culpabilidade consistente na Inexigibilidade de conduta diversa, quando o agente poderia atuar conforme o ordenamento jurídico, o que torna incabível a absolvição”… (314936820108070003 DF 0031493-68.2010.807.0003, relator: Souza e Ávila, data de julgamento: 12/04/2012, 2ª turma criminal, data de publicação: 17/04/2012, dj-e pág. 256, grifo nosso).
Nas duas ementas seguintes, são arguidas as teses de Inexigibilidade de conduta diversa ao delito de roubo e no estelionato, respectivamente: “Roubo simples. Condenação. Pleito absolutório calcado na inexigibilidade de conduta diversa. Impossibilidade de acolhimento. Materialidade e autoria do fato incontroversas. Réu confesso seguramente reconhecido pela vítima e testemunha presencial. Dificuldades financeiras que não justificam conduta criminosa.[…]. Não configuração de maus antecedentes. Penas reduzidas para o piso mínimo. Confissão espontânea. Reconhecimento. Necessidade, sem reflexo nas penas. Incidência da Súmula 231, do STJ. Regime prisional semiaberto que se justifica pelo histórico criminal do réu. Recurso parcialmente provido”. (754654720088260224 SP 0075465-47.2008.8.26.0224, Relator: Luís Carlos de Souza Lourenço, Data de Julgamento: 17/03/2011, 5ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 21/03/2011, grifo nosso). “Penal. Processo penal. Estelionato. Princípio da insignificância. Estado de necessidade. Inexigibilidade de conduta diversa.. 1 [..]. 2. A simples alegação de haver praticado o delito em face do estado de necessidade não se mostra suficiente para fundamentar pedido de absolvição, se nos autos não há provas dessa afirmação. 3. Não restando demonstrados os fatos que justificariam a situação de inexigibilidade de conduta diversa, impossível a absolvição da acusada por esse fundamento. 4. Nega-se provimento ao recurso”. (77045320098070010 DF 0007704-53.2009.807.0010, relator: Alfeu Machado, data de julgamento: 10/02/2011, 2ª Turma criminal, data de publicação: 14/02/2011, dj-e pág. 170, grifo nosso).
A ementa seguinte aborda o posicionamento acerca do tema referente ao polêmico delito de tráfico de drogas: “Acórdão ementa: Apelação criminal. Tráfico de drogas e associação para o tráfico. Absolvição. Impossibilidade. Depoimento de policiais. Validade. Redução da pena requerida pela segunda recorrente no sentido de reconhecimento da delação premiada. Inviabilidade – artigo 33, 4º, da lei antidrogas. Redução. Impossibilidade. Inexigibilidade de conduta diversa – dificuldades financeiras. Não configuração. Recurso conhecido e improvido. 334º. [..] 4. Não há que se falar em inexigibilidade de conduta diversa em relação ao crime praticado pela segunda recorrente pois o fato de alguém passar por dificuldades financeiras não o habilita a se tornar um criminoso. Lei de tóxicos 5. recursos conhecidos e improvidos”. (TJES, classe: apelação criminal, 26110004053, relator: José Luiz Barreto Vivas – relator substituto: Ewerton Schwab Pinto Júnior, órgão julgador: segunda câmara criminal. data de julgamento: 07/03/2012, data da publicação no diário: 16/03/2012). (26110004053 es 26110004053, relator: José Luiz Barreto Vivas, data de Julgamento: 07/03/2012, Segunda Câmara Criminal, data de publicação: 16/03/2012, grifo nosso).
A apreciação crítica de Rogério Greco acerca da postura dos tribunais e magistrados quanto ao tema é oportuno, conforme suas palavras: “Contudo, parece-nos que os nossos tribunais ainda não se convenceram do estado de miséria e fome por que passa a população mais carente e, ignorando esse quadro conhecido por todos nós, talvez querendo manter a ordem pública à custa da população mais fraca e desprezada pelos políticos de ocasião, vêm proferindo decisões conflitantes …”. (GRECO, 2009, p. 337).
É notável a resistência dos tribunais e seus magistrados quanto à admissibilidade da miserabilidade como uma circunstância justificante da exclusão da ilicitude (Estado de necessidade) ou exclusão de culpabilidade (Inexigibilidade de conduta diversa) do agente. Divergente da doutrina, a jurisprudência majoritária, geralmente não aceita a tese defensiva de Estado de necessidade e Inexigibilidade de conduta diversa referente à miserabilidade do agente, fundamentando que a pobreza e miséria não justificam condutas criminosas ou que não houve provas suficientes nos autos do estado de miséria, da extrema necessidade do réu.
Constam entendimentos contrários em decisões minoritárias, aceitando alguma das duas teses excludentes de crime e absolutórias, com maior presença nos casos do “furto famélico”, sendo mais comum, a absolvição com base no Princípio da Insignificância ou Crime de Bagatela.
6. Institutos correlatos
Selecionamos alguns institutos relevantes e pertinentes, que nos aprofundarão no desenvolvimento do tema.
6.1. Desemprego
Nesse artigo abordamos a questão da miserabilidade como possível fato excludente de ilicitude (Estado de necessidade) ou de culpabilidade (Inexigibilidade de conduta diversa) resultando assim na descriminalização de sua conduta e, processualmente falando, na absolvição sumária do agente que atua sob tal circunstância. Mas quanto ao desemprego? A alegação de desemprego poderia também ser aproveitada? Weber Batista citado por Greco reponde a essa questão: “exige a doutrina, para a configuração do estado de necessidade, a impossibilidade de evitar por outro modo o perigo. Por isso, como se tem decidido, não o caracteriza o simples desemprego [..] e, com maior razão, o fato do agente perceber parco salário [..]. Lógico concluir, portanto, [..] que não pode alegar o estado de necessidade o agente que sofre as agruras comuns a toda classe trabalhadora do país e que, além de estar empregado – o que não acontece a todos – não faz prova de que passa por situação de especial dificuldade” (Batista apud Greco, 2010 p. 38).
O desemprego não se confunde com miserabilidade, apesar de ambos, conforme pesquisado e analisado, serem instituições vinculadas, com o desemprego podendo ser fator que precede a pobreza e miséria. Mesmo desempregado o agente pode possuir outras fontes pessoais de renda como prestações alimentícias, aluguéis de imóveis ou economias pessoais, garantindo ao menos sua sobrevivência e satisfação das necessidades vitais, o que tornaria desnecessária a sua conduta, não sendo cabível portanto, consoante posicionamento doutrinário em destaque, nem a excludente de ilicitude (Estado de necessidade) nem a de culpabilidade (Inexigibilidade de conduta diversa) para a simples alegação de desemprego.
6.2. Furto famélico
Segundo Aurélio Ferreira[18] (2010, p. 339), o vocábulo famélico significa faminto. Por interpretação, o furto famélico é o furto praticado por pessoa faminta ou em razão de pessoa faminta, para saciar a fome própria, de sua família ou até de terceiros, quando submetido à miserabilidade, evitando doenças ou até a morte por inanição, ou seja, por falta de absorção de nutrientes necessários à sobrevivência. Rogério Greco disserta sobre a questão: “Em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto, a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. Podemos concluir que o furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro lado, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária à sua subsistência […] No entanto, como em todo raciocínio que diz respeito ao estado de necessidade, ambos os bens em confronto são juridicamente protegidos, o agente deve subtrair patrimônio alheio (alimento) que cause menos prejuízo uma vez que, havendo alternativa de subtração, deve optar por aquele menos lesivo à vítima, pois caso contrário, não poderá beneficiar-se com a causa de justificação em estudo”. (GRECO, 2010, p. 38).
O furto famélico preenche os requisitos caracterizadores da excludente de ilicitude penal do estado de necessidade. Mas ao pesquisarmos e analisarmos os entendimentos jurisprudenciais no capítulo anterior, concluímos que na prática há muitas exigências quanto à prova da miserabilidade do agente ou da aceitação dos magistrados da miséria, ou até mesmo da fome, como fator que pode tornar a conduta criminosa a única alternativa capaz de contornar a situação de emergência. Não foi fácil, mas encontramos uma decisão favorável a alegação de furto famélico, eis a ementa: “Apelação. Furto tentado. Réu absolvido. Recurso ministerial. Hipótese de condenação não caracterizada hipótese de incidência do Princípio da insignificância ou de Furto famélico. Apelo provido. (123801320108260032 SP 0012380-13.2010.8.26.0032, Relator: Nuevo Campos, Data de Julgamento: 10/11/2011, 10ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 10/11/2011).
Observamos em nossa pesquisa que a maioria das alegações de furto famélico pelos advogados, pleiteando a absolvição pelo Estado de necessidade ou Inexigibilidade de conduta diversa, é rechaçada pelos tribunais e julgada improcedente, fundamentado inúmeras vezes na insuficiência de provas.
6.3. Saques
Saquear é o ato de despojar com violência, roubar, furtar (FERREIRA, 2010, p. 685). Difere do furto famélico, pois o objeto do delito não é necessariamente alimentos e a motivação do agente pode não ser a satisfação da fome. Damásio de Jesus se pronuncia acerca da questão, com embasamento jurisprudencial: “Não basta, pois, que haja uma necessidade de alimentos, medicamentos, terras para plantar, empregos, etc. Urge que a conduta, em face da iminência de lesão em destruição de um bem (vida, p. ex.), seja necessária (inexigibilidade de comportamento diverso) e realizada em situação grave e atual (RJDTACrimSP[19], 24:162), exigindo-se prova cabal e não mera alegação (JTACrimSP[20], 82:206 e 86:425; RT[21], 574:370)[..] Nos dias atuais, de crise financeira, exige menor rigorismo na apreciação (RT, 576:380)”. (JESUS, 2010, p. 130 e 155).
Com fulcro na jurisprudência supracitada constante na obra de Damásio de Jesus, podemos extrair alguns requisitos para a exclusão do crime e isenção do agente em caso de prática de saques motivadas pela condição de miséria, são eles: 1. Necessidade vital (alimentos, medicamentos, terras, emprego, etc.), 2. Iminência de lesão em destruição de um bem (vida por exemplo), 3. Conduta necessária (inexigibilidade de conduta diversa), 4. Conduta realizada em situação grave e atual, 5. Prova cabal desses requisitos, com menor rigorismo na apreciação em tempos de crise (grifo nosso).
6.4. Crimes e contravenções habituais e permanentes (jogo do bicho)
Conforme palavras de Damásio de Jesus (2010, p. 32) crime permanente é aquele em que o momento consumativo se alonga no tempo sob a dependência da vontade do sujeito ativo, e Rogério Greco (2010, p. 110) define crimes habituais, como os delitos em virtude do qual se exige do agente um comportamento reiterado, uma prática repetitiva, necessário à sua configuração. Como exemplo de crimes permanentes, temos o sequestro e o cárcere privado, e como exemplos de crimes habituais podemos citar o curandeirismo e o exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica.
A exploração e prática do jogo do bicho são classificadas como uma Contravenção Penal de caráter habitual, amoldada no artigo 50 da LEP (Lei de contravenções Penais) referente à prática de jogos de azar. Greco ilustra a real circunstância de muitos envolvidos nessa questão: “Situação que acontece de forma constante, ainda, é a prática do jogo do bicho. Normalmente, os apontadores são pessoas de meia idade, que já não são aceitas no mercado trabalho e que somente encontram na prática contravencional um meio de sustentar a si e a sua família. Após baterem de porta em porta à procura de emprego, acabem por desembocar na contravenção, que os aceitam sem restrições […]”. (GRECO, 2009, p. 336).
Damásio de Jesus (2010, p. 130) afirma que o entendimento jurisprudencial majoritário não admite a aplicação do Estado de necessidade nos crimes permanentes e habituais, por faltar-lhe os requisitos da condição de atualidade do perigo e inevitabilidade do mal. O referido doutrinador cita um entendimento contrário dos tribunais, aproveitando a excludente do estado de necessidade nos casos de crime de exercício ilegal de arte dentária (RT, 547: 366).
Há entendimentos de aceitação do Estado de necessidade referente à contravenção penal de exploração do jogo do bicho, conforme fundamentação: “Estado de necessidade. Balanceados os interesses contrastantes entre a ordem social e as dificuldades financeiras do agente, reconhece-se o seu estado jurídico de necessidade, se pratica a contravenção do jogo do bicho para sobreviver”. (ACM 312.953 – Rel. Edmeu Carmesini, apud GRECO, 2009, p. 337).
A doutrina e jurisprudência majoritária posicionam-se pela impossibilidade da aplicação do Estado de necessidade aos crimes permanentes e habituais, devido ao fato de que nessa modalidade de crime, o agente ao saciar sua necessidade, ainda que vital, por não haver nessa circunstância de crime a condição de atualidade do perigo e inevitabilidade do mal. Como já tratamos ao abordar os requisitos do estado de necessidade, para determinada corrente doutrinária, o perigo não precisa ser atual, mas sim eminente, ou seja, estar prestes a acontecer, e a inevitabilidade do mal pode existir conforme a análise do caso concreto, assim sustenta Rogério Greco em sua abordagem acerca do tema.
Tomemos por exemplo o caso ilustrativo supracitado de Rogério Greco, que infelizmente se repete todos os dias com milhares de brasileiros. Depois de tempos à procura de emprego e sem consegui-lo, pedindo e mendigando sem obter auxílio significativo, o agente certifica-se pela sua vivência e experiência de que tal prática delituosa ou contravencional é sua única fonte de conseguir o mínimo recurso necessário ao seu digno sustento e de sua família, nessas circunstâncias, deve-se exigir que após conseguir os rendimentos do primeiro mês praticando o delito habitual, ele abandone-o? Sendo que os rendimentos do crime representam quantia apenas suficiente para sua sobrevivência? A questão é pouco debatida pela doutrina e jurisprudência.
Consoante posicionamento doutrinário, comprovado o liame entre a miserabilidade e falta de alternativas à pessoa com a sua conduta delituosa, é plenamente plausível o aproveitamento do Estado de necessidade, e quando não possível por critérios técnicos, deve-se admitir subsidiariamente a Inexigibilidade de conduta diversa também nos crimes habituais e permanentes.
6.5. Crimes ou contravenções com ou sem finalidades econômicas com o menor potencial lesivo necessário. Exemplo especial de Rogério Greco
Pelo conteúdo de nossa pesquisa de doutrina e jurisprudência, os crimes com finalidade econômica, incluindo os crimes contra o patrimônio, podem ser objeto de aplicabilidade do Estado de necessidade e Inexigibilidade de conduta diversa referente à miserabilidade. O eventual excesso na conduta deve ser punível, exigindo-se que o sujeito atue no sentido de praticar a menor lesão possível com o objetivo de saciar sua necessidade de sobrevivência resultante do estado de miséria.
O latrocínio, por exemplo, está no rol dos crimes contra o patrimônio, mas, com base na doutrina e jurisprudência, não se pode admitir em hipótese alguma, que o agente cometa um latrocínio para livra-se da miséria. No entanto, as excludentes de crime quanto à miserabilidade do agente podem ser aplicadas não apenas nas práticas de delitos ou contravenções com finalidades econômicas, conforme excepcional exemplo de Rogério Greco: “Suponhamos que, durante uma ronda policial, um casal de mendigos, cuja morada é embaixo de um viaduto, seja surpreendido no momento em que praticava relação sexual. Ali, embora seja um local público, é o único lugar onde esse casal conseguiu se estabelecer, em face da inexistência de oportunidades de trabalho, ou mesmo de programas destinados a retirar as pessoas miseráveis da rua a fim de colocá-las em local habitável e decente. Poderíamos assim, atribuir a esse casal a prática do delito de ato obsceno, tipificado pelo art. 233 do Código Penal? Entendemos que não, pois que foi própria sociedade que o marginalizou e o obrigou a criar um mundo próprio, uma sociedade paralela, sem as regras ditadas por essa sociedade formal, legalista e opressora. Não poderíamos, portanto, no exemplo fornecido concluir que o casal atuou culpavelmente, quando a responsabilidade na verdade, seria da sociedade que os obrigou a isso”. (GRECO, 2009, p. 426).
Esse exemplo, ao qual o casal sacrifica o pudor público em virtude de seu direito à vida íntima, nos esclarece que a miserabilidade ao qual o sistema político-econômico submete milhões de pessoas, pode violar inúmeras necessidades e direitos das mais diversas ordens, impossíveis de serem estabelecidos num rol taxativo, e além disso, que a miserabilidade pode ser fator impositivo e determinante para prática de delitos que não tenham apenas por motivação o interesse econômico.
6.6. Coculpabilidade
A teoria da coculpabilidade foi apresentada pelos doutrinadores Raúl Zaffaroni e José Pierangeli, conforme lecionam: “Todo sujeito age numa circunstância dada e com âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que possuem um menor âmbito de autodeterminação, condicionados desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma coculpabilidade, com a qual a própria sociedade deve arcar”. (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – Parte geral, p. 610-611).
Rogério Greco também se pronuncia acerca desse instituto e seus consequentes efeitos: “A teoria da coculpabilidade ingressa no mundo do Direito penal para apontar e evidenciar a parcela de culpa de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus supostos cidadãos. Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem um teto para se abrigar, morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os qualificou para que pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso de bebida alcoólica para fugir á realidade que lhes é impingida. Quando tais pessoas praticam crime, devemos apurar e dividir essa responsabilidade com a sociedade”. (GRECO, 2009, p. 425).
E conclui com as seguintes palavras: “Mas, na prática, como podemos levar a efeito essa divisão de responsabilidade entre a sociedade e aquele que, em virtude de sua situação de exclusão social, praticou determinada infração penal? Não podemos, obviamente, pedir a cada membro do corpo social que cumpra um pouco da pena a ser aplicada. Assim, teremos, na verdade, duas opções: a primeira, dependendo da exclusão social que se encontre a pessoa que, em tese, praticou um fato definido como crime, será a sua absolvição; a segunda, a aplicação do art. 66 do Código Penal”. (GRECO, 2009, p. 426).
O mencionado artigo 66 do código Penal supracitado por Greco, refere-se a uma atenuante supralegal, ou seja, casos não previstos em lei em que a pena pode ser reduzida, conforme a análise e apreciação do caso concreto. Conforme redação do artigo 66 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, Código Penal, p. 520): “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstâncias relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”
A coculpabilidade serve de base para as questões que envolvem delitos e contravenções praticadas sobre a influência da miserabilidade do agente, reconhecendo a culpa concorrente da sociedade e não apenas da pessoa. Difere-se da concepção marxista, pois esta define a sociedade, em suas relações econômicas (sistema de produção), como a principal causa da miserabilidade, que submete pessoas à situação de extremo desamparo, não havendo, em dadas circunstâncias, outra forma de contorná-la e alcançar uma digna sobrevivência, senão através do crime.
Conforme conclui Rogério Greco, pela análise da coculpabilidade, sendo grave a situação de exclusão e miserabilidade, o agente poderá ser absolvido, quando não tão grave ou suportável, deverá ser beneficiado pela atenuante do art. 66 do Código Penal Brasileiro.
Conclusão
Não há previsão legal da miserabilidade como causa excludente de crime nem como fato expressamente prescrito de atenuação da pena. Analisamos a pobreza e a miserabilidade, e concluímos que o estado de miséria caracteriza uma situação extrema, com efeitos e danos de toda ordem, tanto ao indivíduo vitimado por tal circunstância quanto à sociedade como um todo. Circunstância tal, que viola e oprime severamente a pessoa humana, impedindo seu acesso aos direitos fundamentais constitucionais, que são os bens jurídicos de maior relevância, os quais, são protegidos pelo Direito Penal.
Newton Fernandez e Valter Fernandes apontam a pobreza e a miserabilidade como um dos principais fatores sociais da criminalidade. Apreciando a concepção marxista através de obras do próprio autor e de Marilena Chauí, constatamos que o sistema político-econômico possui vinculação direta com a pobreza e a miséria.
Na doutrina de Direito Penal encontramos maior conteúdo nas obras de Rogério Greco e Damásio de Jesus, ambos admitem a possibilidade da aplicação, ao menos da Inexigibilidade de conduta diversa, quando do comprovado estado de miserabilidade do agente e em determinadas circunstâncias e requisitos.
Conforme nossa pesquisa jurisprudencial, as decisões majoritárias convergem para a não aceitação da situação de miserabilidade como excludente de crime, com exceção para alguns casos de “furto famélico” onde se admite a aplicação da excludente de ilicitude do Estado de necessidade. Em muitas decisões não se admite a alegação do furto famélico com fundamento em insuficiências de provas quanto a miserabilidade do agente. Encontramos na obra de Rogério Greco, decisões mais transigentes, admitindo o Estado de necessidade e Inexigibilidade de conduta diversa inclusive em delitos e contravenções habituais, aos quais o agente faz do delito sua fonte pessoal e familiar de subsistência.
Nosso entendimento é pela possibilidade da aplicação e admissão das excludentes de crime (Estado de necessidade e Inexigibilidade de conduta diversa) quando legítima a situação de miserabilidade vivenciada pelo sujeito e a prática de crime ou contravenção tornou-se a única alternativa capaz de satisfazer necessidades fundamentais. Ao pesquisar e estudar esses conceitos, inclusive os institutos correlatos, a exemplo do furto famélico e da coculpabilidade de Zaffaroni, concluímos pela “razoabilidade” da aplicação dessas excludentes de crimes quanto à miserabilidade do agente. A inevitabilidade da conduta lesiva ou inexigibilidade de comportamento diverso em razão da miserabilidade do agente poderá ser provada por todos os meios admitidos em direito, dentre eles, a inspeção judicial das condições vitais e habitacionais do agente e sua família.
A tese jurisprudencial de que não é possível aplicar as excludentes de crime em caso de miserabilidade porque legitimará os milhões de miseráveis à prática de crimes abalando a ordem social, consolida uma concepção preconceituosa que ignora a situação de miserabilidade como uma circunstância extrema, violadora dos direitos fundamentais, restringindo a pessoa de direitos essenciais, sem os quais não se pode nem aos menos subsistir. Esse posicionamento, assim como apreciado por Rogério Greco, demonstra um caráter preconceituoso e antidemocrático, pois revela uma designação de manutenção da ordem econômico-social à custa dos mais oprimidos.
Enfim, compreendemos a polêmica, controvérsia e problemática acerca do tema. A possibilidade de aplicação do Estado de necessidade ou da Inexigibilidade de conduta diversa na hipótese de miserabilidade do autor do crime ou contravenção, carece de melhor debate e aprofundamento tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência de Direito Penal.
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[1] GRECO, Rogério. Curso de direito penal – Parte geral. 11 ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2009. p.144.
[2] Welzel, Hans. El Nuevo sistema. 1964, p. 121 apud Bitencourt, César. Tratado de Direito penal. Parte geral 2010, p. 410.
[3] JESCHECK, Hans-Henrich. Tratado de derecho penal, v. I, p. 688.
[4] WESSELS, Johannes. Derecho penal – Parte General, v. I, p. 126-127.
[5] G1-PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO. Brasil tem 16,27 milhões de pessoas em extrema pobreza, diz governo. São Paulo, 03 de mai. de 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/05/brasil-tem-1627-milhões-de-pessoas-em-situação-de-extrema-pobreza.html >. Acesso em 09 de jul. 2012, 17:28:25.
[6] Idem.
[7] Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64 de 2010
[8] WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Pobreza. Consequências da pobreza. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pobreza>. Acesso em 10 de jul. de 2012, 18:43:10.
[9] FERNANDES, Valter e FERNANDES, Newton. Criminologia Integrada. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[10] Na supramencionada obra de Valter e Newton Fernandes não foram encontradas quaisquer referências a este autor, não constando sequer nas referências bibliográficas.
[11] Idem
[12] Valter e Newton Fernandes não apresentam quaisquer referências das obras citadas desses autores.
[13] Ementário de jurisprudência do Tribunal Regional Federal (1ª Região).
[14] Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
[15] Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
[16] Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul
[17] Julgados dos Tribunais de Alçada do Rio Grande do Sul
[18] FERREIRA, Aurélio. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. Ed. Curitiba: Positivo, 2010.
[19] Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
[20] Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
[21] Revista dos Tribunais.
Bacharel em Direito. Advogado. Pós-graduado e Especialista em Direito Público. Atuante nas áreas de Direito Administrativo, Direito Civil e do Consumidor, e Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Leandro Pinheiro Aragão dos. Estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa aplicada à miserabilidade do(s) agente(s). Miserabilidade como excludente de crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 set 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45187/estado-de-necessidade-ou-inexigibilidade-de-conduta-diversa-aplicada-a-miserabilidade-do-s-agente-s-miserabilidade-como-excludente-de-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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