RESUMO: O presente artigo tem como objetivo verificar se o Código Brasileiro Tutela e permite a Cirurgia de Transmutação sexual do Transexual, bem como surgimento e a regulamentação no que tange a opção sexual e a aceitação tanto na Constituição quanto para o Direito Civil.
Palavras-chave: Transexual. Transmutação. Tutela.
Sumário: Introdução. Características dos direitos da personalidade. O Direito da personalidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Conclusão.
I INTRODUÇÃO
Nos últimos anos o direito brasileiro tem encontrado novos desafios em relação aos avanços tecnológicos e a medicina. Nestes termos, a cirurgia de transmutação de sexo tem sido elemento de grande importância tanto para a área da saúde quanto para o Direito, tendo em vista que o direito da personalidade também é considerado direitos fundamentais.
Para analisar a cirurgia de transmutação sexual do transexual no Ordenamento Jurídico brasileiro é preciso partir da ideia de que a pessoa está intimamente ligada à personalidade. Nesse sentido toda pessoa (física ou jurídica) é dotada de personalidade e possui capacidade. A relação jurídica entre pessoa e personalidade passa então, a ser denominada de direitos da personalidade. Direito este que conforme Maria Helena Diniz é:
O direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra, etc. É o direito subjetivo, convém repetir, de exigir um comportamento negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial. (DINIZ, 2008, p. 120)
Os direitos da personalidade têm um fundamento histórico, e passaram por uma grande evolução ao longo dos anos. Começaram, portanto, na Antiguidade, em Roma, que punia ofensas físicas e morais à pessoa através do actio injuriarum e depois foram citados de forma implícita na Magna Carta de 1215. Mas somente a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é que tratou de maneira contundente a defesa dos direitos individuais e a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão.
Após a II Guerra Mundial e diante das atrocidades cometidas durante esse período, surgiu a necessidade de um documento que resgatasse a noção dos direitos fundamentais da pessoa humana. Foi nesse cenário que a ONU em 1948, proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que embora muito “bonita” no papel, não possuía legitimidade. Para tanto era necessário que os países incluíssem em suas constituições os artigos da Declaração. Foi o caso do Brasil, que na Constituição de 1988 e no novo Código Civil, defende a preservação da dignidade humana.
II CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade, assim como tantos outros, possuem características básicas. Desse modo, eles são: absolutos – contêm um dever geral de abstenção; extrapatrimoniais – são insuscetíveis de aferição econômica; intransmissíveis – não podem ser transferidos a esfera jurídica de outro; irrenunciáveis – não podem ultrapassar a esfera jurídica de seu titular; impenhoráveis e imprescritíveis – não se extinguem nem pelo uso, nem pela inércia em defendê-los; necessários e inexpropriáveis – não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver; vitalícios – terminam, em regra, com o óbito de seu titular; e por fim os direitos da personalidade são também ilimitados já que é quase impossível enumerar a sua quantidade. Há ainda quem doutrine que esses direitos são indisponíveis – insuscetíveis de disposição, salvo exceção, principalmente ao direito de imagem.
O direito à integridade física compreende a proteção jurídica à vida, ao próprio corpo vivo ou morto, seja na sua totalidade ou em relação aos tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização, ou ainda ao direito de alguém submeter-se ou não a exame e tratamento médico.
Em relação aos atos de disposição do próprio corpo, faremos uma análise sobre a adequação de sexo do transexual, que ainda não se tornaram pacíficas no campo jurisprudencial, legislativo e ético brasileiro. O sexo há alguns anos tem deixado de ser uma característica humana imutável, tendo-se levado em consideração, diversas variáveis, como por exemplo, componentes psicológicos.
Para Maria Helena Diniz “o transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência a automutilação ou autoextermínio” (DINIZ, 2008). Dessa forma, pode-se concluir que o transexual é um indivíduo que se identifica psíquica e socialmente com o sexo oposto ao que lhe fora imputado na Certidão Nascimento. Assim, segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com o corpo de homem e no feminino o contrário (VIEIRA, 1999, p. 94).
III OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Questões das mais discutidas e em voga no direito privado são aquelas que envolvem a possibilidade de mudança de registro do nome do transexual. Sem dúvidas que o debate deve ocorrer não só tendo como parâmetro o novo Código Civil Brasileiro, mas com vistas à Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, merecem aplicação os princípios do Direito Civil Constitucional: a valorização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), a solidariedade social (art. 3º, I, da CF/88) e a isonomia ou igualdade "lato sensu" (art. 5º, "caput", da CF/88). Entende-se que sem esses três princípios não há como compreender atualmente o direito civil e o direito privado.
O ordenamento jurídico brasileiro, direcionado à defesa dos direitos da personalidade, encontra-se orientado pelos fundamentos constitucionais, que tem o respeito à dignidade humana como primeiro plano entre os seus fundamentos. A intimidade, vida privada, honra e imagem têm maior relevância, sendo que, é “assegurado a indenização pelo dano material ou moral decorrente de uma violação” (art. 5°, X CF).
Os direitos da personalidade destinam-se a resguardar a dignidade humana. Ocorrendo lesão ou ameaça contra qualquer direito da personalidade, o titular é investido de legitimatio – legitimação ativa – para obter a medida cautelar ou punitiva contra o terceiro. E, se lhe advier prejuízo, serão devidas perdas e danos, a serem avaliadas com obediência aos critérios genéricos destinados à sua estimativa, independentemente de não ser dotado de patrimonialidade o direito lesado ou ameaçado.
A violação do direito da personalidade que causa dano à pessoa acarreta, pois, a responsabilidade civil extracontratual do agente, decorrente da prática de ato ilícito. O direito subjetivo à sua reparação é interpretado de acordo com os ditames constitucionais, pois a responsabilidade pela violação do direito de personalidade não permanece exclusivamente no nível civil. Não obstante o respeito devido aos seres humanos, os transexuais têm encontrado dificuldades em obter o respeito aos direitos previstos na Constituição, direitos estes, que devem ser resguardados por todos.
A Resolução nº 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina autoriza a realização da cirurgia, prevendo regras de procedimento para a sua realização. Consoante a isto, o art. 13 do Código Civil dispõe as seguintes informações “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial".
A parte mais liberal permitiria a mudança do sexo masculino para o feminino, já que muitas vezes a pessoa tem os ditos choques psicológicos graves, havendo a necessidade de alteração, para evitar que a mesma, por exemplo, suicide. Por diversas vezes surgirá um laudo médico apontando tal situação do transexual, o que se enquadra na "exigência médica" mencionada na primeira parte do dispositivo. Entretanto, a segunda parte do comando legal, mais conservadora, veda a disposição do próprio corpo se tal fato contrariar os "bons costumes’", conceito legal indeterminado, a ser preenchido pelo magistrado, dentro do sistema de "cláusulas gerais" adotado pela codificação.
No que diz respeito à opção sexual, a polêmica e a discriminação são maiores que em outros temas, principalmente se a pessoa no gozo de seus direitos fundamentais, sejam eles da personalidade ou de outro gênero, vai de encontro a tudo o que a sociedade tem como ético aos seus olhos.
Como fruto do desenvolvimento tecnológico, a questão da mudança de sexo está cada vez mais viva e controversa, tanto na doutrina quanto nos tribunais. A grande problemática que afeta o tema é o fato de que para a obtenção de um resultado, fruto da liberdade e da vontade de um indivíduo, é necessário que se viole, em parte, direitos da personalidade até então indisponíveis, ou relativamente disponíveis sobre outros aspectos.
O progresso científico e tecnológico (biologia, genética etc.) e o desenvolvimento dos instrumentos de comunicação e a difusão de informações suscitam problemas novos e diversos para os aspectos essenciais e constitutivos da personalidade jurídica (integridade física, moral e intelectual), exigindo respostas jurídicas adequadas à proteção da pessoa humana por parte do Direito.
Discorrendo sobre o tema, Pablo Stolze manifesta sobre o assunto salientando que:
Talvez seja a hora, realmente, de mudar a concepção a respeito do assunto, pondo preconceitos de lado. O princípio constitucional da Dignidade da Pessoa humana não autoriza ao juiz, e a sociedade em geral desprezarem o enfrentamento de situações como a transexualidade e a homossexualidade. (GANGLIANO, p.208, 2012)
Nesse sentido, Maria Berenice Dias, observa que, os Psicanalistas norte-americanos estimam que a cirurgia tem por objetivo a correção do sexo como forma de buscar a felicidade a um invertido condenado pela anatomia. Pois, Segundo Edvaldo Souza Couto o que caracteriza a transexualidade é a rejeição do sexo original e o consequente estado de insatisfação. A cirurgia apenas corrige esse “defeito” de alguém ter nascido em corpo contrário a sua personalidade.
Diante disso, não podemos interpretar a cirurgia de mudança de sexo como uma transgressão do direito à integridade física, sem antes conceber a violação iminente do direito à integridade psíquica que tal interpretação acarreta. No complexo tricotômico (corpo, mente, espírito) é necessário que os três elementos fundamentais estejam em plenitude, para que se alcance a eficácia do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Sob essa ótica, veremos que ao se diagnosticar a neurodiscordância de gênero, tem-se como única forma de tratamento dessa disfunção a operação de mudança de sexo, assim, a operação torna-se não só necessária à inclusão social do transexual e resgate de sua cidadania, como também, lícita, sob os termos do art. 13 caput do Código Civil: “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.
O art. 194 da Constituição Federal de 1988 desponta como uma perspectiva que assegura ao transexual o direito positivo do Estado de realizar, gratuitamente, a cirurgia. “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Outra conquista dos transexuais foi o direito de usar o nome social, de acordo com a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, a proposta é um avanço no desenvolvimento de políticas públicas para o grupo LGBT. “Com essa medida aprovada, vamos assegurar às pessoas que são transexuais e transgêneros a possibilidade de trocar de nome, de usarem seu nome social, o nome que respeita sua identidade de gênero”. É um passo importante para o país.
Nesse sentido a jurisprudência do Rio Grande do Sul tem decidido em favor das cirurgias e a troca dos prenomes aos transexuais, sob os argumentos dos princípios da Bioética- de beneficência, autonomia e justiça. A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, a falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social, que exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana – cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino pelo qual é socialmente reconhecido.
A jurisprudência defende ainda que vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73.
CONCLUSÃO
Pode-se perceber que a maioria dos Doutrinadores do Direito Civil Brasileiro e parte da jurisprudência consideram que a cirurgia do transexual não violaria os bons costumes dispostos no art. 13 do CC, uma vez que a intervenção médica é ditada por superiores razões, inclusive de ordem psicológica.
A matéria em discussão permite, também, o emprego do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Tal dispositivo orienta que o juiz, ao aplicar a lei, deve atender às exigências do bem comum, sendo este, segundo entendimento doutrinário, não apenas o bem da comunidade, mas também o do próprio indivíduo, na medida em que não há bem comum se a sentença afronta a dignidade humana de um dos indivíduos do grupo. Dessa forma, se um indivíduo escolheu determinada identidade sexual, deve tê-la respeitada e não pode ser impedido de exercê-la, de forma plena, em todas as esferas sociais, sob pena de ser afrontado o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
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Graduanda pela Universidade Estadual de Montes Claros- Unimontes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Ágata Christ Nunes. O Direito Civil brasileiro e sua tutela frente à cirurgia de transmutação sexual do transexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45198/o-direito-civil-brasileiro-e-sua-tutela-frente-a-cirurgia-de-transmutacao-sexual-do-transexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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