RESUMO: O presente artigo tem por fim o estudo acerca dos aspectos jurídicos incidentes na efetivação da reposição de valores pagos aos servidores públicos federais, pela Administração Pública, fora dos parâmetros normativos permissivos, com ênfase na relativização da sua obrigatoriedade, mediante explanação acerca da natureza do erro da Administração e da repercussão da presença do elemento subjetivo na conduta do servidor.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Reposição ao Erário. Arcabouço Normativo. Conceituação. Obrigatoriedade. Exceções.
INTRODUÇÃO
Do complexo de relações existentes entre a Administração Pública e os agentes públicos exsurgem uma gama de obrigações sinalagmáticas.
Dentre este amplo feixe obrigacional, tem-se, quiçá a mais importante obrigação, a remuneração dos agentes públicos, cuja efetivação demanda o exame de rígidos critérios constitucionais, legais e infralegais.
Entretanto, no escrutínio decorrente do controle de despesas, a Administração Pública pode se deparar com o pagamento de valores indevidos a servidores, circunstância esta que faz surgir à obrigação de reposição ao erário.
Contudo, tal obrigatoriedade pode ser relativizada, mediante a presença de elementos anímicos/subjetivos (boa-fé e má-fé), observáveis na conduta do servidor, e objetivos (erro de fato e erro de direito), decorrentes do agir da Administração Pública.
Diante da complexidade do tema e da necessidade de enfretamento das questões que lhes são adstritas, é que o presente estudo se caracteriza como de maior relevância.
I – DO ARCABOUÇO NORMATIVO
Os descontos legais, tido por gênero, tendo em vista o modo como delimitada a legislação, no âmbito federal, encontra-se disciplinada pelas normas insculpidas nos artigos 46 e 47 da Lei nº 8.112/90, in verbis:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 1º O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 2º Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
As disposições normativas supratranscritas determinam a forma pela qual as reposições/indenização devem ser descontadas da remuneração do servidor[1], contudo, não determinam quando, ou seja, em quais hipóteses haverá a necessidade de reposição ou indenização.
Para auxílio quanto à definição do suporte fático idôneo para ensejar a reposição ao erário, necessário se faz o manejo de instituto adstrito ao direito civil, qual seja, o pagamento indevido.
Nesses termos, dispõe o artigo 876 do Código Civil:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Por sua vez, no que tange à conformação do suporte basilar para incidência na norma cogente atinente à obrigação de indenizar, constante do artigo 46 da Lei nº 8.112/90, tem-se que este se consubstancia na provocação de dano e, consequente, dever de reparação.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Isso posto, insta salientar que a diferenciação da natureza do desconto somente ocorrerá a partir da análise casuística, a qual definirá qual das hipóteses se trata: reposição ou indenização.
Malgrado a tendência da jurisprudência em agrupar ambas espécies no gênero “ressarcimento ao erário”, na verdade, o que se observa, mormente pela própria etimologia do termo “ressarcir[2]”, é que o ressarcimento se constitui como sinônimo de indenização, cujas hipóteses, pelo lastro fático respectivo, se distinguem, explicitamente, daquelas que alicerçam à reposição ao erário, que pressupõem o pagamento/recebimento indevido.
II – DA REPOSIÇÃO AO ERÁRIO: DA OBRIGATORIEDADE E DA RELATIVIZAÇÃO DA SUA EFETIVAÇÃO
Consoante exposto no item anterior, a caracterização do suporte fático da pretensão de reposição deriva do instituto do pagamento indevido, prescrito no artigo 876 do Código Civil.
Nesses termos, imperioso afirmar que, quando do percebimento indevido de valores, imprescindível se faz à sua devolução ao erário.
Em exame objetivo, essa é a regra de conduta adotada pela legislação pátria. O percebimento indevido de valores tem por consequência lógica a sua devolução ao erário público.
Entretanto, tal obrigatoriedade pode ser relativizada, mediante a presença de elementos anímicos/subjetivos (boa-fé e má-fé), observáveis na conduta do servidor, e objetivos (erro de fato e erro de direito), decorrentes do agir da Administração Pública.
A consolidação de tal posicionamento pode ser aferida nos dizeres tanto da Súmula nº 34 da Advocacia-Geral da União quanto da Súmula nº 249 do Tribunal de Contas da União, in verbis:
SÚMULA Nº 34, da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
SÚMULA Nº 249, do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
As súmulas reconhecem que nos casos de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública, conceitos estes base do erro de direito[3], a repetição de valores se demonstra indevida, desde que, o estado anímico daquele servidor que perceba o referido montante esteja alicerçado na boa-fé.
A própria legislação federal, qual seja, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, corrobora tal entendimento no momento em que prescreve ser vedada a aplicação retroativa de novo paradigma interpretativo, senão veja-se da dicção do inciso XIII, do seu inciso 2º:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
(...)
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Outrossim, no que tange a não devolução e valores recebidos de boa-fé por erro da administração pública é a seguinte a orientação do STJ no RESP 645.165/CE rel. Ministra Laurita Vaz: “Consoante recente posicionamento desta Corte Superior de Justiça, é incabível o desconto de diferenças recebidas indevidamente pelo servidor, em decorrência de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública, quando constatada boa-fé do beneficiado.” (RESP 645.165/CE DJ 28/03/2005).
Agora, perscrutando do outro lado do espelho, em se tratando de erro de direito da Administração conjugado com a má-fé do servidor, a repetição será sempre devida, sem qualquer escusa, tendo em vista a explícita afronta, mediante prática de conduta torpe, ao princípio da confiança, o qual deve reger a Administração Pública em seu sentido subjetivo, formal ou orgânico, por se consubstanciar, exatamente, no conjunto de agentes públicos que formam a própria estrutura da Administração.
A indução, influência ou interferência apta a ensejar a perpetração de conduta errônea da Administração para concessão de vantagem indevida viola, fortemente, princípios jurídicos também incidentes na disciplina da atuação administrativa, quais sejam, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa e o princípio da própria torpeza, razão pela qual outra solução não seria possível senão a desconstituição da relação jurídico-administrativa com a consequente reposição ao erário do montante indevidamente percebido.
Nesse sentido é a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR APOSENTADO DO TRF/2ª REGIÃO. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO LEGAL DA APOSENTADORIA COM INCLUSÃO DE PARCELA DE GRATIFICAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DE GABINETE. LEI 9.421/96. REESTRUTURAÇÃO DAS CARREIRAS DO JUDICIÁRIO. TRANSFORMAÇÃO AUTOMÁTICA DAS PRCELAS DA GRG EM OPÇÃO FC-05. DECISÃO PLENÁRIA DO TCU. PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO PARA DISCUTIR A VALIDADE DO ATO DO TCU QUE EXCLUI PARCELA "OPÇÃO" DERIVADA DAS VANTAGENS DE QUINTOS OU DÉCIMOS. ILEGALIDADE DA ACUMULAÇÃO DA GRG COM QUINTOS INCORPORADOS DA MESMA GRG. ART. 54 DA LEI 9784/99. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO DOS EFEITOS DO ATO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DEVIDA. I - O art. 54 da Lei 9784/99 apenas se refere a “atos anuláveis”, os quais, para os adeptos da prestigiada teoria dualista (JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO e Outros) seriam aqueles atos que, embora defeituosos, afiguram-se passíveis de convalidação. Entretanto, “a regra geral deve ser a da nulidade, considerando-se assim graves os vícios que inquinam o ato, e somente por exceção pode dar-se a convalidação de ato viciado, tido como anulável. Sem dúvida é o interesse público que rege os atos administrativos, e tais interesses são indisponíveis como regra” (cf. José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2005, p. 129). II - Os atos que contêm vícios de legalidade - e que são a grande maioria dos atos inválidos - não são anuláveis, mas “nulos”, ou seja, não somente podem, como devem a qualquer tempo ser invalidados pela Administração, com apoio em seu poder de autotutela. O fundamento dessa iniciativa reside no princípio da legalidade (art. 37, caput, CF), o qual restaria inobservado pelo administrador que, diante de um ato administrativo viciado, deixasse de declarar a constatada anomalia através de sua invalidação. III - Haverá prescrição para a Fazenda Pública com relação aos efeitos já produzidos por atos ilegais e, portanto, inválidos. Para estes, a prescrição se consumará no prazo em que ocorre a prescrição judicial em favor da Fazenda Nacional, ou seja, no prazo de cinco anos, como estabelece o Decreto n.º 20.910/32. IV - Somente se pode considerar desnecessária a reposição ao erário dos valores indevidamente pagos ao servidor a contar dos cinco anos anteriores ao ato administrativo que determinou a revisão dos respectivos proventos, mas sem prejuízo do direito da Administração se ressarcir dos pagamentos a maior efetuados daí em diante e, bem assim, os futuros, ainda não efetuados, regularizando a situação do servidor, de modo prospectivo, uma vez que repugna ao Direito a cristalização de uma ilegalidade pelo só fato de haver transcorrido significativo lapso temporal até a sua efetiva constatação. Em outras palavras: descabe a aplicação da teoria do fato consumado para a finalidade de se perpetuarem ilegalidades que atentem contra o erário e, portanto, contra toda a coletividade. V - A certeza de que o pagamento a maior de parcelas de benefício ao servidor aposentado decorreu de culpa exclusiva da Administração não se mostra suficiente para afastar a necessidade de devolução ao erário das quantias recebidas de boa-fé pela parte beneficiária, fazendo-se necessária, para tanto, a presença cumulativa de outros requisitos igualmente relevantes, a saber: a ausência, por parte do beneficiário, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada, a existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada e, finalmente, a interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. VI - Tratando-se de hipótese em que recebidos valores a maior pelo servidor durante o processamento de seu recurso administrativo quando já havia sido decidida por acórdão da 1ª Câmara do TCU a ilegalidade da acumulação da Gratificação de Representação de Gabinete - GRG - com quintos incorporados da mesma GRG, e tendo sido determinada a devolução de tais verbas pelo Tribunal de Contas da União, não há que se falar em justo motivo para o pagamento a maior, nem, tampouco, para o não ressarcimento ao erário. VII - Apelação provida. Sentença reformada.
(AC 200651010140591, Desembargador Federal ALEXANDRE LIBONATI DE ABREU, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::17/12/2014.)
Impende salientar que, no intuito de uma melhor racionalização da ratio normativa, os termos expostos na premissa de exceção contida nas Súmulas nº 34, da AGU, e nº 249, do Tribunal de Contas da União, não se aplica aos casos de erro de fato[4], mas sim somente às hipóteses de erro de direito, não havendo, portanto, que se perquirir acerca da presença do elemento anímico.
Isso posto, pode-se afirmar que o único óbice legal à pretensão estatal de restituição dos valores pagos indevidamente, nessa toada, reside nos artigos 53 e 54 da Lei nº 9.784/99, os quais disciplinam a prerrogativa da Administração Pública de anular seus próprios atos, bem como a decadência desse direito.
Assim dispõem os referidos os artigos 53 e 54 da Lei nº 9.784/99:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Assim do cotejo entre as disposições contidas na Lei nº 9.784/99 e a consolidação exposta nas Súmulas nº 34, da AGU, e nº 249, do Tribunal de Contas da União, tendo norte interpretativo à preservação da segurança jurídica, tem-se que:
a) Erro de Fato da Administração Pública e percebimento de boa-fé. Cabimento da restituição. Para tanto, a Administração Pública deve, dentro do prazo de cinco anos a contar da data do primeiro pagamento indevido, promover qualquer medida que importe impugnação à validade do ato, tendo em vista que, após o decurso do prazo decadencial, a inércia administrativa atinge o exercício do direito de invalidade/anular o próprio ato, salvo comprovada má-fé;
b) Erro de Fato da Administração Pública e percebimento de má-fé. Cabimento da restituição. A diferença da primeira hipótese cinge-se a não incidência da decadência, vez que, conforme ressalva constante do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, a pretensão de reposição pode ser exercitada a qualquer tempo.
Nesse sentido, segue o entendimento da jurisprudência, consubstanciado no acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. PROVENTOS ERRONEAMENTE PAGOS PELA ADMINISTRAÇÃO. LEI Nº 9.030/95. DESCONTO DOS VALORES PERCEBIDOS A MAIOR. POSSIBILIDADE. ART. 46 DA LEI Nº 8.112/90. APELAÇÃO E REMESSA PROVIDAS.
1. Após constatar a ocorrência de erro, já que o impetrante havia sido aposentado na vigência da Lei nº 9.030/95, que determinava a aplicação do percentual de 25% sobre o valor total do cargo em comissão, acrescida da remuneração do cargo efetivo e/ou emprego permanente, procedeu o impetrado à restituição ao erário das diferenças pagas a maior, mediante descontos mensais em folha de pagamento, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.112/90.
2. Havendo equívoco, mesmo que por culpa exclusiva da Administração, deve o ato ser anulado, nascendo nesse momento a obrigação de restituição aos cofres públicos da importância indevidamente percebida, pois os efeitos da invalidação retroagem à data da sua edição.
3. "A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial." (STF - Súmula 473).
4. "Deve agir, a Administração, sempre, consubstanciada no Princípio da Legalidade. Assim, constatada a irregularidade e a ilegitimidade de um ato praticado, deverá invalidá-lo. O que fundamenta o ato invalidador é portanto o dever de obediência à legalidade, o que implica a obrigação de restabelecê-la quando violada; é o chamado poder-dever da Administração." (STJ, ROMS 12.935/PR, Rel. Min. Edson Vidigal).
5. "Ainda que a servidora tenha recebido a respectiva verba de boa-fé, ou seja, não tenha dado causa ao erro no pagamento da vantagem, a Administração tem o poder-dever de revisar seus atos e anulá-los quando eivados de vícios." (STJ, RMS 14373/SC, Quinta Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 04/11/2002.)
6. Apelação e remessa oficial providas.
(AMS 00021473420004010000, JUIZ FEDERAL ANTONIO CLAUDIO MACEDO DA SILVA (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:14/09/2006 PAGINA:21.)
Desse modo, mesmo havendo boa-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente, a Administração Pública, tem o dever-poder de anular o ato e, consequentemente, exija a restituição do montante ao erário público, em se tratando de erro de fato ou erro material, tendo em vista que tal hipótese se encontra excluída do campo de incidência das Súmulas nº 34, da AGU, e nº 249, do Tribunal de Contas da União.
Por fim, impende trazer à baila que, inclusive, um dos próprios precedentes[5] apresentados como lastro da Súmula nº 34/08 da AGU vincula à necessidade de reposição ao erário em caso da ocorrência de mero erro de fato ou material, independente da aferição da presença do elemento anímico para sua efetivação.
IV - CONCLUSÃO
Diante do quanto exposto, tem-se como premissa basilar, quando do percebimento indevido de valores, a necessidade de reposição do erário público, sob pena da conformação do locupletamento ilícito.
Em exame objetivo, essa é a regra de conduta adotada pela legislação pátria.
O percebimento indevido de valores tem por consequência lógica a sua devolução ao erário público.
Contudo, por sua vez, tal relação cartesiana pode ser relativizada diante da presença variáveis consubstanciadas nos elementos subjetivos (boa-fé e má-fé), observáveis na conduta do servidor, e objetivos (erro de fato e erro de direito), decorrentes do agir da Administração Pública.
No tocante ao erro de direito, a presença do elemento anímico possui grande relevância, pois, a boa-fé tem por condão afastar a obrigatoriedade da reposição.
Por sua vez, quanto a influência do aspecto subjetivo no erro de fato, tem-se que este, ao contrário do erro de direito, possui o condão de, tão somente, alargar o prazo anulatório dos atos administrativos, ex vi disposição contida no § 1º do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, nunca relativizando, por conseguinte, a obrigatoriedade de reposição do montante indevidamente percebido.
IV – REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da Republica Federativa Brasileira de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de agosto de 2013.
DINAMARCO, Cândido R. Impenhorabilidade de Vencimentos e Descontos Feitos pela Administração. In: RT 543/16. 1981.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1985. v. II.
DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Regime Jurídico Único.3ª ed., Brasília Jurídica, 1996.
______. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
[1] Assinale-se que, tendo em vista o disposto nos arts. 46, 47 e 121 a 126 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, fora editada, pela Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Orientação Normativa nº 5, de 21 de fevereiro de 2013, a qual estabelece os procedimentos a serem adotados, pelos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal – SIPEC, para a reposição de valores ao Erário.
[2] Ressarcir = reparar o mal ou a perda feita ou ocasionada a. Indenizar. Satisfazer. Dicionário Priberam. Link: http://www.priberam.pt/DLPO/ressarcir. Acessado em: 04 de setembro de 2015.
[3] Diante da doutrina e jurisprudência incidente, pode-se entender por erro de direito a errônea ou inadequada interpretação da lei, circunstância esta que sugere que, em dado momento, o intérprete conformou seu comportamento em um juízo de certeza (equivocado), ainda que temporário.
[4] Erro de Fato é aquele que incide sobre circunstâncias de fato do ato. Pode dizer respeito às qualidades do objeto, da pessoa ou de qualquer outro elemento da relação jurídica, tal como quantidade, localização, idade, indicação do sexo, qualidade, cálculo de valores, etc.
[5] Precedentes: Superior Tribunal de Justiça: Resp. nº 643.709/PR e AgRg no REsp nº 711.995, Rel. Min. Felix Fisher; REsp. nº 488.905/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; AgRg no REsp nº 679.479/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima (Quinta Turma); RMS nº 18.121/RS, Rel. Min. Paulo Medina; REsp nº 725.118/RJ e AgRg no REsp nº 597.827/PR, Rel. Min. Paulo Gallotti; REsp nº 651.081/RJ, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa (Sexta Turma); MS nº 10.740/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido (Terceira Seção).
Advogado da União. Membro integrante da Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Laércio Vieira. Dos aspectos jurídicos da relativização da obrigação de reposição ao erário público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45202/dos-aspectos-juridicos-da-relativizacao-da-obrigacao-de-reposicao-ao-erario-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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