RESUMO: A preocupação básica deste estudo é verificar a acolhida do princípio da insignificância aos atos de improbidade administrativa. Este artigo tem como objetivo analisar a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância aos atos de improbidade administrativa praticados por agentes públicos. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como DI PIETRO (2009), AZEVEDO (2011), SANCHES (2009), Tribunais Superiores (STF e STJ), entre outros, buscando demonstrar o entendimento dos tribunais superiores quanto à aplicabilidade ou não do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa. Conclui-se que os tribunais superiores têm aplicado o princípio da insignificância nos crimes praticados contra a administração pública de maneira divergente, uns entendendo que não há improbidade insignificante e outros entendendo que a aplicação do referido princípio é um importante instrumento de política criminal, uma vez que sua aplicação restringe a tramitação de inúmeros processos criminais na esfera judiciária.
Palavras-chave: Princípio da insignificância. Improbidade Administrativa. Crimes contra a administração pública. Aplicação.
Introdução
O presente trabalho tem como tema a aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Administrativo, especialmente na seara de punições decorrente da Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.429/92).
A aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Administrativo ainda traz grandes controvérsias jurídicas.
Neste contexto, da tutela penal administrativa, há divergências no que se relaciona à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes praticados contra a administração pública inseridos na Lei nº 8.429/92, tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência.
Há correntes progressistas que afirmam ser possível a aplicação do referido princípio por analogia com o Direito Penal. Todavia, as doutrinas mais conservadoras, como a preponderante no Superior Tribunal de Justiça, afirmam que tal analogia é impossível dada à indisponibilidade do bem jurídico tutelado, qual seja, a moralidade administrativa, já que esta não admite relativizações.
A partir dos argumentos apresentados, questiona-se quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes previstos na Lei de Improbidade Administrativa. Busca-se realizar a análise dos elementos e conceitos necessários para que se faça um exame crítico dos argumentos quanto à aplicabilidade ou não do referido princípio na seara do direito administrativo.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.
O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: DI PIETRO (2009), AZEVEDO (2011), SANCHES (2009), jurisprudências dos Tribunais Superiores (STF e STJ), entre outros.
Desenvolvimento
A Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 – Lei do Colarinho Branco – e a legislação complementar dispõem sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, como fonte direta na Constituição vigente, abrangendo o enriquecimento ilícito, o prejuízo ao erário e o atentado aos princípios da Administração. Sucedem as Leis nº 3.164, de 19 de junho de 1957 e nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958. Contempla, ainda, com outras disposições legais, a evolução patrimonial dos agentes públicos.
A Constituição Federal no capítulo que trata sobre a administração pública estabelece que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas na lei, sem prejuízo da ação penal cabível (§ 4º, art. 37). Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.429/92, que define os elementos do ato de improbidade, sua modalidades, sanções cabíveis e regulamenta o respectivo processo administrativo e judicial.
Conforme a doutrina de Di Pietro,
para que o ato de improbidade administrativa acarrete a aplicação de medidas sancionatórias previstas no § 4º do artigo 37 da Constituição Federal, é exigida a presença de determinados elementos identificados na regulamentação legal, quais sejam: sujeito passivo, sujeito ativo, ato de improbidade e elemento subjetivo. (DI PIETRO, 2009, p. 826).
Di Pietro (2009, p. 833), ainda explica que “o ato de improbidade pode corresponder a um ato administrativo, a uma omissão ou a uma conduta, e é praticado no exercício de uma função pública (em sentido amplo)”.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 37, § 4º, preceitua que, “os atos de improbidade importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Para Di Pietro (2009, p. 837), a Constituição Federal, no dispositivo constitucional, ao indicar as medidas cabíveis, não se refere a elas como sanções. E, na realidade, nem todas têm essa natureza. É o caso da indisponibilidade dos bens.
Na Lei nº 8429/92, as sanções estão previstas especificadamente no art. 12, indo além da norma constitucional, ao prever outras medidas, a saber, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (para a hipótese de enriquecimento ilícito), a multa civil e a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Na esfera do Direito Penal, conforme leciona Rogério Sanches Cunha,
os crimes praticados contra a administração pública afetam, sempre a probidade administrativa, promovendo o desvirtuamento da administração pública na suas várias camadas, ferindo, dentre outros, os princípios norteadores da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência. O agente representando o Estado, contraria uma norma, buscando com sua conduta, muitas vezes, fim obscuro e imoral, demonstrando nefasta ineficiência do seu serviço. Cuida-se de forma qualificada de desvio de poder, realizando o servidor desejo pessoal ou de terceiro – interesse particular -, gerando dano ou perigo de dano para a ordem administrativa (Sanches, 2009, p. 373).
Segundo Azevedo (2011, p. 58) o princípio da insignificância relaciona-se com o fato típico (análise do desvalor da conduta e do resultado).
Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal,
“o princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material” (STF: HC 84412/SP, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004).
Na seara de punições decorrente da Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.249/92) o princípio da insignificância não vem sendo acolhido pelos Tribunais Superiores, sob a alegação de que o bem jurídico tutelado é a moralidade pública e que a mesma não é passível de graduação, não sendo possível, destarte, improbidade administrativa insignificante.
Interessante trazer à baila que referido entendimento foi adotado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 892.818-RS,
considerando que, quando o fato já foi tachado de ímprobo (juízo de improbidade da conduta), seria impossível o juiz deixar de aplicar as sanções da LIA, na fase denominada pelo eminente relator do acórdão, Ministro Herman Benjamim, de “juízo de dosimetria das sanções. Ou o fato é ímprobo, aplicando-se com proporcionalidade e razoabilidade as sanções, ou não é, constituindo irregularidade administrativa. Não há meio-termo. Assim, resta inócua a aplicação do princípio da insignificância na seara ímproba, já que, se a conduta for considerada insignificante, será mera irregularidade administrativa. Noutros termos, não há improbidade insignificante, mas sim irregularidade insignificante (que não constitui improbidade).
Segundo o entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cometidos contra a administração pública, pois, nesses casos, a norma penal busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas a moral administrativa, o que torna inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. (STJ, HC 167.515/SP, 5ª T., j. 16/11/2010).
De outro norte, verifica-se uma forte inclinação do Supremo Tribunal Federal em afastar a aplicabilidade do princípio da insignificância para os crimes praticados contra a administração pública, mas mesmo assim, há entendimentos em julgados em sentido contrário.
Nos crimes contra a administração pública, por óbvio que a conduta delituosa possui uma gravidade e grau de reprovação bem superior à subtração de bens particulares. No entanto, deve-se atentar que, nem por isso, impede a aplicação do princípio da insignificância.
Não é qualquer conduta que ofende veementemente a moralidade pública, mas sim aquela expressiva.
Como considerar ímprobo um agente punível, por exemplo, a de punir-se penalmente o servidor que leva para sua casa lápis ou caneta da repartição pública. Ofende o princípio da legalidade e da moralidade? Sim, ofende. Mas é apto a desencadear uma ação civil por improbidade administrativa? Pensamos que não, já que o agente público, diante do reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta e da inexpressividade da lesão jurídica, poderia ser penalizado de maneira mais coerente e proporcional em outra área, como a administrativa (por exemplo, recebendo uma advertência). Diferentemente seria a conduta de um chefe de setor que disponibiliza para terceiros dados sigilosos da administração pública. Ou de um administrador público que incrementa substancialmente seu patrimônio ao longo dos anos, enriquecendo-se ilicitamente, ou, ainda, de um agente público que nitidamente favoreça determinadas pessoas em certames licitatórios. Nesses casos, as condutas assumem gravidade suficiente para desencadear ação civil pública por improbidade administrativa.
É importante destacar que não necessariamente poderíamos deixar de tachar como ímprobo condutas de pequena expressão econômica. Ser de pequena expressão econômica não significa que não atenta contra a moralidade pública. Por exemplo, servidor que detém senha de sistema de pagamentos de uma secretaria da fazenda. Caso esse servidor, reiteradamente, todos os meses, desviasse R$30,00 e, ao final de 12 meses, fosse descoberto, mesmo com o baixo valor apurado (R$360,00 ao final do período), ele deveria ser tachado de ímprobo, já que é gravíssimo e atenta contra a moralidade pública um servidor desviar todos os meses dinheiro para sua conta particular. A boa fé objetiva (lealdade e confiança) foi ferida de morte.
Enfim, entende-se que o ato, para ser grave, deve ser imoral e molestar de forma veemente a moralidade pública. Um proceder de leveza extrema, não pode ser tachado de ímprobo, devendo ser considerado mera irregularidade administrativa. Nesse caso, o agente sofre as sanções disciplinares, não havendo sentido movimentar o Judiciário – aplicação dos princípios da economia processual, razoabilidade e proporcionalidade.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a aplicação do princípio da insignificância na seara das punições decorrentes da Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.429/92), tem sido interpretada de maneira divergente pelos Tribunais Superiores.
Constata-se que nos inúmeros julgados dos Tribunais Superiores existem muitas decisões manifestando-se pela inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a administração pública, sob os argumentos de que o bem protegido não é somente o patrimônio público, mas há que se valorar, também a moralidade administrativa; observância do princípio da indisponibilidade do interesse público, já que tal princípio faz com que a conduta dos agentes públicos esteja delineada exclusivamente na lei, distanciando, assim de todo tipo de relativização.
Nesse ínterim, cabe ao aplicador do direito verificar se a conduta do agente público ofende veementemente o princípio constitucional da administração pública, qual seja a moralidade pública para que se possa aplicar o princípio da insignificância, uma vez que acolhido o supracitado princípio, a tipicidade material penal estará automaticamente afastada e o crime deixará de se configurar o que poderá gerar a sensação de impunidade nos administrados.
AZEVEDO, Marcelo André. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >. Acesso em: 22/08/2012.
CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal – Parte Especial. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
SUPERIOR, Tribunal de Justiça, disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29/07/2012.
SUPREMO, Tribunal Federal, disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 01/08/2012.
Analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais, pós graduada em Saúde Pública, pelo Senac-MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIOVANNA BRANDãO DE ARAúJO, . A aplicação do princípio da insignificância aos atos de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 set 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45214/a-aplicacao-do-principio-da-insignificancia-aos-atos-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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