RESUMO: A Administração Pública deve se pautar pelos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência; além de outros, implicitamente abordados pela doutrina. Em relação à Licitação, o poder público deve atender aos princípios que a norteiam, de modo a garantir, de forma lícita, a proposta mais vantajosa em suas aquisições e contratos. Como ocorre em outras áreas da administração pública, os procedimentos licitatórios também são utilizados para se obter vantagens financeiras de forma ilícita. Para garantir a segurança do patrimônio público e o cumprimento dos princípios administrativos, os órgãos de controle atuam no combate à criminalidade de ordem econômica e financeira e buscam constatar, por meio da análise de documentos, a ocorrência de eventuais irregularidades. Dentre elas, as mais recorrentes são o superfaturamento na contratação de produtos e serviços e a ausência de documentação legal nos procedimentos. Este artigo demonstra os estudos nesta área, de modo a subsidiar os órgãos fiscalizadores, afim de apurar o prejuízo ao erário e sua devolução aos cofres públicos.
Palavras-chave: Licitação; Irregularidades; Improbidade. Ministério Público.
A Licitação Pública existe em virtude da exigência prevista no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988. No âmbito da União, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal os processos de contratação de obras, serviços, publicidade, compras, alienações e locações estão normatizados pela Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993 implantada pelo Governo Federal. Dentre as modalidades estabelecidas por essa lei para disciplinar esses processos no setor público estão a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão. Todas estas modalidades operam pelo princípio de que deve ser contratado pelo Estado aquele que oferecer a proposta mais vantajosa. Por isso, em regra, todas as compras e contratações devem ser precedidas do processo licitatório, que tem por precípua finalidade a escolha da melhor proposta para a Administração.
Há muito tempo a Administração Pública recebe severas críticas relacionadas à burocracia e ineficiência na prestação dos serviços. Críticas que atingem também o processo como são realizadas as licitações tradicionais, previstas no Estatuto das Licitações Públicas, Lei nº 8.666/93. Por isso o Legislador resolveu inovar em busca da tão sonhada eficiência no serviço público.
Na busca da qualidade, produtividade e melhores resultados a Administração Pública buscou criar novos mecanismos para os procedimentos administrativos. Nesse contexto, surgiu a Lei nº 10.520/02 que instituiu a nova modalidade de licitação denominada Pregão.
Ocorre que, assim como em muitas atividades exercidas pelo Poder Público, os procedimentos licitatórios sofrem com a quantidade de inconsistências e irregularidades, praticadas por agentes públicos e eventuais fornecedores. Em muitas ocasiões, tais inconsistências ocorrem pela falta de capacitação e ou erros formais que prejudicam o objetivo dos procedimentos licitatórios. Por outro lado, muitos certames tornam-se viciados de ilegalidade e ilegitimidade em razão de má-fé dos agentes em conluio com contratados, no sentido de obter proveito financeiro para si e para outros, por meio de contratações que atropelam os limites da moralidade, razoabilidade e eficiência.
Neste contexto, insere-se a missão precípua dos órgãos fiscalizadores, como Ministério Público Estadual, que é a de garantir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Especificamente em relação ao tema a ser tratado neste trabalho, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se propõe, dentre outras, a defesa do patrimônio público, servindo-se do auxílio de órgãos internos para dar suporte técnico quanto a perícias, laudos, estudos e pareceres, nas diversas áreas do conhecimento.
Este trabalho demonstra as recorrentes irregularidades legais e de foro administrativo nos procedimentos de Pregão realizados por municípios mineiros, constatadas pelas análises realizadas por órgãos técnicos do Ministério Público de Minas Gerais.
Segundo apreciações, os princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes.
Conforme expressamente previsto pela Constituição Federal de 1988, a observância dos princípios administrativos postulados (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) será obrigatória para a fundamentação de todos os atos da Administração Pública. Assim sendo cabe aos administradores conhecer os princípios inerente a excelência administrativa para que suas funções sejam executadas sem falhas ou desvios dos objetivos traçados pelo interesse público.
Ressalta-se ainda que, de acordo com as inúmeras doutrinas existentes acerca das definições da Administração Pública e seus princípios, é de se reconhecer que, além dos princípios expressos impostos compulsoriamente por lei, existem os princípios reconhecidos, que assessoram igualmente a execução dos atos administrativos.
Em se tratando dos princípios expressos, temos o principio da legalidade que prevê a submissão do administrador público a lei e as exigências da coletividade, em toda sua atividade funcional. Segundo Meirelles (2014, p. 89) a administração legítima é aquela “que se reveste de legalidade e probidade administrativas, no sentido de que tanto atende as exigências da lei como se conforma com os preceitos da instituição pública.”.
No que diz respeito ao princípio da impessoalidade, Di Pietro coloca que este permite uma gama de interpretações, pois ao contrário dos demais, a impessoalidade não tem sido objeto de estudo dos doutrinadores brasileiros. Ela ainda afirma que “exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração.” (Di Pietro, 2012, p. 67). Por isso, a professora nos ensina que:
No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. No segundo sentido, significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal (Di Pietro, 2012, p. 67).
Já o princípio da moralidade, constitui hoje, segundo Meirelles (2014, p. 90), “pressuposto para a validade de todo ato da Administração Pública.” Carvalho Filho afirma que a moralidade:
Impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de convivência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto (Filho, 2010, p. 23).
Assim, conclui-se que, o princípio da moralidade exige do agente público uma atuação que esteja embasada não só no cumprimento rigoroso das normas estabelecidas, mas também nos valores por elas consagrados.
O princípio da publicidade permite uma interpretação ambígua, pois este tem como essência tornar público todo ato administrativo, no sentido de que tais atos sejam publicados oficialmente para conhecimento dos administrados. Entretanto, este princípio também esta relacionado à transparência das atividades da Administração Pública.
A eficiência é apontada como princípio, para Di Pietro (2012), sob dois aspectos, conforme cita:
O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público (Di Pietro, 2012, p. 83).
Quanto aos princípios implícitos, existem divergências entre doutrinas quanto à nomenclatura destes. Para esta citação adotaremos a lição de Carvalho Filho (2010, p. 34), que sugere como princípios implícitos: o Princípio da razoabilidade, que prega a idéia de adequação e necessidade, fazendo com que todo ato público seja realizado pelos meios adequados à consecução do fim almejado e que sua utilização seja realmente necessária; o Princípio da Proporcionalidade, que propõem o equilíbrio entre os meios utilizados pelo administrador público e os fins que ele pretende alcançar, eximindo-se a idéia de desproporcionalidade por abuso do poder público; o Princípio da Supremacia do Interesse Público, que garante que todo o ato público esteja voltado para beneficio da coletividade; o Princípio da Autotutela, onde a Administração tem o dever de cometendo um erro ela mesma revê-lo para restaurar a situação de regularidade; o Princípio da Indisponibilidade, que enfatiza que os bens e interesses públicos não pertencem a Administração, a esta cabe-lhes apenas geri-los e conservá-los; o Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, que assegura a continuidade dos serviços para que a coletividade não sofra prejuízos em função de eventual realce do interesse particular dos servidores; o Princípio da Segurança Jurídica, que defende em resumo que o cidadão não seja surpreendido ou agravado por mudanças inesperadas de comportamento da Administração, sem o mínimo de respeito às situações formadas e consolidadas no passado e o Princípio da Precaução, do qual decorre a obrigação que a Administração tem de adotar medidas preventivas para se evitar o efetivo acontecimento de riscos eminentes.
Conforme ministrado por Meirelles (2010, p. 31) “além da submissão aos princípios gerais do regime jurídico-administrativo, toda licitação esta sujeita a determinados princípios irrelegáveis no seu procedimento.”.
Os princípios próprios a licitação são listados por Meirelles (2010, p. 32), resumidamente nas seguintes prescrições: procedimento formal, publicidades de seus atos, igualdade entre os licitantes, sigilo na apresentação das propostas, vinculação ao edital ou convite, julgamento objetivo, adjudicação compulsória ao vencedor e probidade administrativa.
O procedimento formal significa tão somente que a licitação estará vinculada as orientações legais que regem todos os atos e fases licitatórias. Meirelles (2010, p. 32), afirma ainda que a licitação deverá obedecer “ao regulamento, as instruções complementares e ao edital” instrumentos que pautam o procedimento licitatório.
A publicidade dos atos da licitação esta prescrita no §3º do artigo 3º da Lei n º 8.666 de 1993, onde diz que a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 37, inciso XXI e a Lei nº 8.666 de 1993, no art. 3º, § 1º, prevêem o princípio da igualdade entre os licitantes, quando dispõem sobre a impossibilidade de realização de qualquer procedimento licitatório em caráter discriminatório entre seus participantes ou com cláusulas convocatórias que impeçam ou afastem eventuais proponentes qualificados. Entretanto, a Administração Pública não esta impedida de estabelecer requisitos mínimos para participação desde que necessários à garantia da execução do contrato, à segurança e perfeição da obra ou do serviço, a regularidade do fornecimento ou ao atendimento de qualquer outro interesse público, conforme disposto nos artigos 27 a 33 da lei acima referenciada.
Conseguinte ao princípio da igualdade entre os licitantes, temos o princípio do sigilo na apresentação das propostas, que garante o caráter competitivo do processo licitatório, assim como a integridade do julgamento. O art. 3º, §3º, da lei que rege a licitação, prescreve que o conteúdo das propostas não seja público nem acessível ao público até o momento previsto para sua abertura.
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório é a orientação expressa assegurada no art. 41 da Lei nº 8.666 de 1993, de que a Administração não descumpra as normas e condições do edital, ao qual se acha rigorosamente vinculada.
O julgamento objetivo, segundo Di Pietro (2012, p. 361) “é decorrência do princípio da legalidade, está assente seu significado: o julgamento das propostas há de ser feito de acordo com os critérios fixados no edital.”
A adjudicação compulsória é o princípio que estabelece a impossibilidade da Administração de atribuir o objeto da licitação a qualquer licitante que não seja o vencedor, salvo a desistência do mesmo ou a comprovação de justo motivo.
Em se tratando da probidade administrativa Meirelles (2010, p. 55) coloca que “este é o dever de todo administrador público, mas a lei inclui dentre os princípios específicos da licitação.” Explica também que este é uma advertência às autoridades que a promovem ou a julgam.
A Lei nº 8.666 de 1993, estabelece cinco modalidades de licitação, sendo elas: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.
Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. Segundo Meirelles (2010, p. 102) esta modalidade é “própria para contratos de grande valor, em que se admite a participação de quaisquer interessados, registrados ou não, que satisfaçam as condições do edital, convocados com antecedência mínima de 45 ou 30 dias.”
A tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento, observada a necessária qualificação. Meirelles (2010, p. 123) afirma que esta modalidade visa contratos de valor estimado imediatamente inferior ao estabelecido para a concorrência, deve ser realizada entre interessados cadastrados e observando-se a necessária qualificação.
O convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 03 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.
De acordo com a Lei nº 8.666 de 1993, o concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.
A quinta modalidade estabelecida é o leilão, modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis, prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.
Contudo, segundo Carvalho Filho (2010, p. 327), nem sempre as modalidades amparadas pela Lei nº 8.666 de 1993, conseguiram dar a celebridade desejável à atividade administrativa, pois devido ao alto nível burocrático envolvido na realização de um procedimento licitatório, houve a necessidade de se elaborar um novo mecanismo que diminuísse a morosidade atribuída às modalidades já existentes.
Em 16 de julho de 1997 surgiu a Lei nº 9.472, que organizou os serviços de telecomunicações. A redação dada por esta Lei propunha a intenção de promover uma radical mudança na forma de prestação dos serviços de telecomunicações. Este foi o fato que precipitou o surgimento do pregão como modalidade licitatória reconhecida pelo nosso direito.
Para alguns doutrinadores o pregão é um avanço no intuito das licitações. Segundo França (apud Vasconcelos, 2013, p. 80) “a principal intenção desta nova modalidade é dinamizar, agilizar e desburocratizar o processo de aquisição de bens e serviços comuns pela Administração Pública”.
Em atendimento aos reclamos acerca da complexidade que envolvia os processos licitatórios, foi promulgado em 4 de Maio de 2000 a Medida Provisória nº 2.026, que estabelecia a modalidade pregão de uso exclusivo da União. Esta Medida Provisória foi futuramente convertida na Lei nº 10.520 de 2002, que prevê a regulamentação da modalidade pregão e as normas gerais de tal categoria para todas as esferas governamentais.
A estrutura procedimental do pregão possui algumas características próprias da modalidade, como a inversão das fases de habilitação e julgamento, a possibilidade da renovação dos lances até chegar-se à proposta mais vantajosa, as formas de execução presencial ou eletrônica e a possibilidade de ampla participação, onde todos podem participar até mesmo sem serem cadastrados.
Diferente das outras categorias de licitação, em que as modalidades são estabelecidas em razão do valor do objeto licitado, o pregão se destina apenas a aquisição de bens e serviços comuns. Legalmente consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
A Lei nº 9.784 de 1999, estabelece em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso IV, uma das regulamentações compulsoriamente aplicada aos processos administrativos, quando dispõe que a atuação da Administração em seus processos deve ser embasada em padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.
O artigo 10 da Lei nº 8.429 de 1992, constitui ato de improbidade administrativa aquele “que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta lei.”
A Lei de Improbidade Administrativa em seu artigo 14, prevê que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente, a fim de que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. A representação poderá ser feita tanto à autoridade administrativa, como também, diretamente ao órgão do Ministério Público. A rejeição da representação pela autoridade administrativa, felizmente, não impede a instauração do procedimento ex officio ou a representação ao Ministério Público.
Ressalta-se que o Ministério Público possui autonomia para investigar independente da autoridade administrativa. Segundo a Constituição Federal, artigo 127 “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Em casos onde, após investigações, fique comprovada a improbidade administrativa, poderá ocorrer a instauração de um inquérito civil por parte da autoridade administrativa, se esta julgar necessário, ou pelo Ministério Público, no intuito de se aplicar as medidas corretivas necessárias e a penalidade mais adequada à situação.
A partir de análises acerca da manifestação de possíveis irregularidades, ora cometidas pelas administrações públicas municipais compreendidas no estado de Minas Gerais, constatou-se através do estudo de processos licitatórios, que algumas irregularidades a princípio apresentam-se recorrentemente.
Em se tratando das irregularidades mais frequentes apuradas nos procedimentos, pode-se apontar como mais corriqueira o superfaturamento, caracterizado pelo descumprimento à principal função da licitação, de se escolher a proposta mais vantajosa para a Administração. Foi possível verificar em diversos certames, por meio de pesquisas de preços, que os valores contratados apresentaram-se acima dos valores praticados pelo mercado.
Como demais irregularidades observadas citam-se: a falta de documentação que comprove a efetiva execução de fornecimento ou da prestação de serviços, comprovantes genéricos que inviabilizam uma averiguação idônea e fidedigna, produtos codificados de maneira errônea, documentação de habilitação das empresas que por lei é exigida, mas que não foram apresentadas, dentre outras.
A natureza da irregularidade ocorrida irá determinar se esta é passível de causar danos ao erário ou não. Ambos os casos podem ocorrer, sendo que em caso de efetivo dano, este deverá ser ressarcido pelo responsável (eis) pelas irregularidades.
Para aquisição de materiais de laboratório, estudos dos órgãos técnicos do Ministério Público de Minas Gerais apontam irregularidades em procedimentos na modalidade Pregão Presencial, com participação de apenas um licitante, sendo o valor contratado significativamente superior ao estimado.
Sendo analisada a documentação comprobatória (Notas Fiscais) de aquisição dos materiais de laboratório, verificou-se que os preços praticados foram inferiores àqueles apresentados em cotação prévia apresentada pela empresa, demonstrando que houve redução dos valores durante o procedimento.
Contudo, as cotações de preços realizadas com as demais empresas do ramo contribuíram para a formação de preços médios de mercado, apresentados na lista de preços de referência. Como somente uma empresa participou do certame, os preços por ela firmados ao final ainda apresentaram-se acima dos valores de referência.
Neste sentido, a comparação dos valores de referência com aqueles contratados junto à empresa vencedora permitiu a apuração das diferenças nos valores unitários dos produtos, caracterizando, portanto, o superfaturamento.
Pregões Presenciais, cujo objeto é a compra de peças e acessórios originais para a frota de veículos automotores e máquinas dos municípios demonstram irregularidades, conforme a seguir:
a) Amostra de vários códigos de peças não identificados nos sistemas da empresa pesquisada e que muitos itens referiam-se a peças de automóveis leves e não de veículos pesados (ônibus e caminhões), como especificado nas notas de autorização;
b) Códigos não localizados na cotação de várias peças presentes nas notas fiscais;
c) Pesquisas demonstraram que alguns itens enviados para cotação eram obsoletos, ou seja, as peças não eram mais fabricadas e comercializadas há bastante tempo.
d) Após confronto de preços, verificou-se que lotes referentes a veículos pesados apresentaram preços superiores aos preços de tabela das montadoras, considerando os descontos informados na Ata de Registro de Preços.
Os principais apontamentos realizados em procedimentos licitatórios deste tipo de serviços são:
a) Quanto à habilitação jurídica, consta em procedimentos apenas os documentos relativos à cédula de identidade e comprovante de inscrição no CPF do sócio responsável pela empresa, contrariando o princípio da vinculação ao edital;
b) Quanto à regularidade fiscal, a prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ não atende a item específico do edital;
c) O departamento de contabilidade dos municípios informa, mediante parecer, que há dotação orçamentária para proceder à contratação. Entretanto, é importante ressaltar que o saldo disponível deve ser suficiente também no momento do empenhamento da despesa, para que não sejam necessários créditos suplementares, comprometendo outras dotações;
d) Conforme informações apuradas, municípios possuem em seu quadro de pessoal 02 (dois) profissionais da área jurídica (um advogado efetivo e um procurador do município), que a princípio, teriam condições de realizar o trabalho para o qual a empresa foi contratada. Deve-se lembrar que se os serviços contratados não forem singulares e não necessitarem notória especialização, devem fazer parte das atividades rotineiras da administração, podendo ser realizadas pelo corpo técnico-jurídico da própria prefeitura.
A legislação pertinente, qual seja a Lei nº 8.666/93 em seu art. 23, inciso II, alínea “a”; determina que os contratos de compras e serviços (exceto obras e serviços de engenharia) com valores de até R$ 80.000,00 estão submetidos à modalidade Convite. Há casos verificados em que os valores contratados por uma secretaria municipal encontram-se abaixo desse limite. Entretanto, não são dispostos elementos que comprovem que os serviços de prevenção e manutenção de veículos contratados por outras secretarias municipais, somados àqueles, não ultrapassariam o limite da modalidade Convite, o que, caso ocorra, caracteriza fracionamento da despesa, conduta vedada pela Lei nº 8.666/93, que consiste em dividir a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa, ou para efetuar contratação direta.
Outras inconsistências constatadas referem-se à habilitação jurídica e regularidade fiscal, quais sejam:
- Não apresentação do estatuto da empresa vencedora, bem como os demais documentos das outras empresas participantes do certame;
- Não apresentação da cópia do Certificado de Regularidade do FGTS com a razão social da empresa vencedora do certame;
- Falta de documentos relativos à regularidade fiscal das empresas participantes.
Ressalte-se que a idoneidade financeira para licitar com o poder público demanda outros elementos para que seja verificada, como, por exemplo, o balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social e a certidão negativa de falência ou concordata ou de execução patrimonial (consoante o art. 31 da Lei nº 8.666/93), os quais erroneamente não são exigidos pelos editais de licitação e por isso não apresentados.
Fato comum verificado nos documentos comprobatórios (NFs) das aquisições de peças e componentes é a incompatibilidade de códigos de peças constantes nas notas fiscais e os constantes nas tabelas das montadoras.
Nesse sentido, há que se comprovar que tais produtos foram devidamente recebidos observando-se, assim, o estágio da liquidação da despesa em atendimento aos artigos 62 e 63 da Lei nº 4.320/64, a seguir transcritos:
Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Portanto, trata-se a liquidação de requisito básico que antecede e legitima o pagamento da despesa. É por seu intermédio que, mediante atos de verificação e conferência, se comprova que o credor cumpriu todas as obrigações constantes do empenho, desde a entrada do material ou a prestação do serviço (a entrega do material ou a prestação do serviço deverá estar suportada por nota fiscal - ou documento equivalente - emitida pelo credor, devendo o servidor competente nela apor o atestado de seu recebimento em condições satisfatórias).
Não se manifestando o estágio da liquidação da despesa e caso o agente responsável não comprove, utilizando-se de outros meios de provas, a efetiva entrega do material ou prestação do serviço, é de se concluir pela indevida utilização de recursos públicos, impondo-se o seu ressarcimento ao erário.
Este trabalho objetiva avaliar e demonstrar as irregularidades detectadas nos procedimentos licitatórios realizados por Pregão, que ensejam improbidade administrativa e conseqüente dano ao erário, dentro dos critérios de análise dos órgãos técnicos do Ministério Público de Minas Gerais.
Desta forma, foram analisados diversos procedimentos licitatórios e com base nos pareceres emitidos pelo órgão técnico, demonstrou-se como os certames – ainda que encobertos formalmente por toda legalidade exigida – possuem diversas deficiências, atos de má-fé e imoralidades que culminam com o ato de improbidade e o prejuízo aos cofres públicos.
Pode-se perceber, pelas análises expostas, que a maior foco do Ministério Público é detectar e apurar eventuais prejuízos decorrentes do superfaturamento nas aquisições, fato que comumente ocorre nas administrações municipais, estaduais e também nos certames promovidos pelo governo federal.
Fato é que o trabalho dos Ministérios Públicos é de suma importância para garantir o cumprimento da Lei de Licitações à risca, inspecionando e fiscalizando as administrações públicas municipais e estaduais, no sentido de apurar os danos decorrentes de atos que ferem os princípios licitatórios, neste particular.
Nesta seara, este trabalho demonstrou que os municípios pesquisados, ao utilizarem modalidade relativamente nova – o Pregão – procurando dar celeridade às aquisições, acabam por não se atentarem aos detalhes dos preceitos que a Lei nº 8.666/93 determina também para a “nova” modalidade. As novidades do Pregão quanto ao julgamento das propostas não exime o administrador público da observância dos princípios que regem as licitações.
Em decorrência da não observância dos preceitos legais, as irregularidades detectadas como: o superfaturamento, a falta de documentação de habilitação e a aquisição de produtos sem identificação com o que foi proposto no certame; foram recorrentes nesta análise. Em muitos casos, o dano causado pode se apresentar muito maior do que o realmente apurado, uma vez que os trabalhos periciais se basearam em amostragens de itens e valores.
Portanto, tais fatos concorrem para a caracterização de atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário e atentam contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 10, inciso V e art. 11, inciso I da Lei nº 8.429/92[1], sendo obrigatório o seu ressarcimento.
Por derradeiro, deve-se frisar que a Administração Pública em nosso país necessita mais do que leis e princípios, carece de moralidade, boa-fé e respeito com a coisa pública.
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MEIRELLES, Hely Lopes, et al. Direito Administrativo Brasileiro. 40ª edição. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
MONTEIRO, Vera. Licitação na modalidade de Pregão. 2ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
[1] Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
[...]
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
Contador, Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Pós-graduado em Administração Pública, Gestão Pública e Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Bruno Sales. Irregularidades recorrentes em procedimentos licitatórios na modalidade pregão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45220/irregularidades-recorrentes-em-procedimentos-licitatorios-na-modalidade-pregao. Acesso em: 23 dez 2024.
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