RESUMO: O presente trabalho discorre sobre a possibilidade de responsabiliza civilmente um genitor por abandono afetivo – teoria do desamor – bem como a identificação de sua natureza, o que reflete na possibilidade ou não de prescrição. Esse estudo traz entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema, abordando a justificativa de diversas vertentes.
PALAVRAS-CHAVE: RESPONSABILIDADE, AFETIVIDADE, PRINCÍPIOS, ABANDONO, PRESCRIÇÃO.
1. INTRODUÇÃO
A necessidade de viver em comunidade é inerente ao homem, sendo necessária relação interpessoal ao seu autodesenvolvimento. Ao longo do tempo a família sofreu diversas transformações decorrentes da própria mudança social, nesse ínterim aparece a figura de casamento, o qual se tem, indubitavelmente, como mola propulsora de sua existência a religião, com fim de declarar formalmente a união entre o homem e mulher com caráter de exclusividade. Desde então, o direito de família tem tentado acompanhar a evolução da sociedade gerando a necessidade de regulação das relações entre os indivíduos.
Dentre as inovações relativas ao Direito de Família tem-se o estudo da possibilidade de responsabilização civil decorrente de abandono afetivo, objeto desse trabalho, tendo em vista que, atualmente, o quadro da família brasileira, deixa de se importar apenas com caráter biológico e se volta mais ao caráter afetivo.
Nesse sentido, pretende-se nesse trabalho identificar a possibilidade de se indenizar o filho que fora abandonado afetivamente por seu genitor(a), mesmo que este tenha cumprido com as obrigações geradas pelo poder familiar. Assim, esse estudo aborda posicionamentos jurisprudencial e doutrinário sobre o tema.
No primeiro tópico faz-se análise sobre a importância da família e convivência familiar e o poder dela decorrentes, necessários ao desenvolvimento do menor, bem como as hipóteses de perda do poder familiar.
Em segundo momento são expostos a principiologia pertinente a temática, destacando o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da solidariedade e o da afetividade.
No terceiro tópico adentra ao assunto objeto desse estudo, expõe-se sobre a teoria do desamor e a possibilidade de indenização ao filho pela omissão do genitor (a), nesse sentido, são expostos os entendimentos da jurisprudência e da doutrina quanto ao tema.
Por último analisa-se a possibilidade de prescrição nesses casos a haja vista a discussão sobre sua natureza se tem caráter de Direito da Personalidade ou natureza de reparação, pois a partir dessa identificação se encontra a possibilidade de prescrição ou não.
2. FAMILIA E CONVIVÊNCIA FAMILIAR
É inimaginável uma sociedade sem família, sendo que esta é inerente ao homem, pois já nasce inserido nesse tipo de instituição. Sem ela não é possível nenhum tipo de organização social ou jurídica, haja vista que dela emana a estrutura do homem.
Seu papel fundamental pode ser considerado o de preparar o infante para o convívio social, acompanhando seu desenvolvimento, o auxiliando as responsabilidades que terá, nessa perspectiva CHAVES consigna que
No âmbito familiar, vão se suceder os fatos elementares da vida do ser humano, desde o nascimento até a morte. No entanto, além de atividade de cunho natura, biológico, psicológico, filosófico..., também é a família o terreno fecundo para fenômenos culturais, tais como as escolhas profissionais e afetivas, além da vivência dos problemas e sucessos. Nota-se, assim, que é nesta ambientação primária que o homem se distingue dos demais animais, pela susceptibilidade de escolha e de seus caminhos e orientações, formando grupos onde desenvolverá sua personalidade, na busca da felicidade (2012, p. 38)
Diante de sua tamanha importância, nos dias atuais, a família tem tomado moldes diferentes baseados em critérios afetivos que vinculam os componentes, independentemente dos laços sanguíneos e tipo de família, uma vez que não se conhece, tal instituição, apenas aquela constituída pelo casamento ou, simplesmente, entre homem e mulher. Ela é responsável pelo pleno e harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança, que deve crescer em ambiente de felicidade, amor e compreensão, como reconhece a convenção internacional dos direitos da criança.
Nesse sentido, como instituição exige-se dela determinadas condutas adotadas entre os componentes, como se extrai dos deveres recíprocos entre os cônjuges ou companheiros, bem como responsabilidades decorrentes do poder familiar.
Por este olhar o Código Civil prevê rol de deveres de ambos os cônjuges, como fidelidade recíproca, vida em comum no mesmo domicílio, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e considerações mútuos (Artigo 1.566), além de assumirem conjuntamente os encargos familiares (Artigo 1.565) gerados pela igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges (Artigo 1.511 CC).
Em decorrência da igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, baseado na igualdade de todos garantida constitucionalmente no Artigo 5°, I, é que não há mais que se falar em pátrio poder, como pregado pelo Direito Romano, mas poder familiar.
O poder familiar conforme STOLZE e PAMPLONA é considerado um “plexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais, em razão e nos limites da autoridade parental que exercem em face dos seus filhos, enquanto menores e incapazes” (2011, p. 586). Assim, esse poder representa uma autoridade conferida aos pais, não mais apenas ao varão, para que a exerçam sobre a criança enquanto menores. O artigo 1.634 do CC prevê algumas condutas decorrentes desse poder.
Da análise desse artigo pode-se identificar que, nos dias atuais, o poder familiar é a soma do exercício dos poderes entre os pais cujo interesse é voltado aos filhos e família, não ao interesse dos pais.
Nesse sentido, com advento da Constituição Federal de 1988 a devida proteção ao menor não cabe apenas aos pais, mas também à sociedade e Estado, como preceitua o Artigo 227 da Constituição Federal, como produto disso o poder familiar torna-se imprescritível, inalienável e indisponível, ainda que, com fim do vínculo conjugal, os pais não mais queiram, devem exercer tal papel, ainda que compulsoriamente.
Os excessos do exercício desse poder pode implicar em diversas sanções, sendo a perda do poder familiar medida excepcional e subsidiária, sendo aplicada somente quando outras medidas ou suspensão não forem suficientes para proteger, da melhor forma, a criança e adolescente e apenas por ato judicial. O Artigo 1.638 prevê as hipóteses da destituição:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
Ante ao exposto é possível identificar o papel importante da família para a pessoa em desenvolvimento, bem como a importância dos laços de afetividade entre os componentes.
3. PRINCIPIOLOGIA PERTINENTE À TEMÁTICA
3.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Como princípio norteador do direito brasileiro, consagrado logo no Artigo 1°, III, da Constituição de 1988 pela sua tamanha importância, a dignidade da pessoa humana tem se tornado de suma importância no ordenamento jurídico e social, devendo ser encarado como fundamento de proteção ao ser humano e recebido nas relações familiares como pilar aos demais direitos e princípios.
Partindo da proposta alternativa, de Immanuel Kant, para a questão dos direitos e deveres do homem, pode-se considerar que cada indivíduo é um ser racional, merecedor de dignidade e respeito (SANDEL, 2014, p. 136). Desta feita, o imperativo categórico de Kant ensina os primeiros passos para se entender o princípio em tela: “haja de forma a tratar a humanidade, seja na sua pessoa seja na pessoa de outrem, nunca como um simples meio, mas sempre ao mesmo tempo como um fim” (SANDEL, 2014, p. 154).
O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana exige que se trate o homem como objetivo de qualquer ação, visando seu respeito e importância como ser racional, não coisa.
A dignidade da pessoa humana, além de elemento essencial aos direitos fundamentais é também um direito conferido ao homem, proteção dada aos seus direitos, visando atribuir sua importância perante a vida e sociedade, bem como ser alvo de direitos e valores constitucionalmente protegidos.
Esse princípio está ligado ao direito de família através de laços que buscam promover igualdade entre as instituições familiares, representada no repúdio ao tratamento diferenciado as várias formas de filiação ou tipos de família, maior relevância ao afeto, união, respeito, amor a fim de proteger a unidade familiar e sua dignidade, colocando a família como provedora de direitos ao lado do Estado e sociedade dentre os quais se destaca os da criança e adolescente.
Sob a ótica desse princípio, no tocante ao direito de família, tem-se a pessoa como alvo de proteção estatal, abrindo o leque que reconhece diversos núcleos familiares, não se restringindo somente a união de homem e mulher, como assevera GAGLIANO E FILHO:
“Sob o fluxo do princípio da dignidade humana, epicentro normativo do sistema de direitos e garantias fundamentais, podemos afirmar que a Constituição Federal consagrou um sistema aberto de família para admitir, ainda que não expressos, outros núcleos ou arranjos familiares para além daqueles constitucionalmente fixados, a exemplo da união homoafetiva” (2011, p. 77).
Considerando que é no âmbito familiar que a criança e adolescente se desenvolvem urge a necessidade de proteger sua dignidade, princípio inerente a todos independentemente de qualquer critério de diferenciação, principalmente por conta da fragilidade que se reveste, pois necessita de ajuda, tendo em vista não possuir a plena capacidade para praticar determinados atos necessários a sua subsistência. Por isso, nasce a obrigação de todos proteger sua dignidade – artigo 15 do ECA – representada no reconhecimento da paternidade, igualdade entre os filhos, seja qual for sua origem, proteção à convivência familiar, dentre outros.
Por sua vulnerabilidade a criança e adolescente necessita de proteção familiar para zelar por sua incolumidade física, psíquica e afetiva, sendo dever não só dos familiares como também do Estado e toda sociedade respeitar e resguardar sua dignidade e demais direitos, como reza o Artigo 227 da Constituição da República e Artigos 15 e 18 do Estatuo da criança e do adolescente.
Desta forma, a afronta ao princípio do princípio da dignidade humana, no âmbito familiar, refletida na abstenção da afetividade, compreendida como suposta obrigação inerente ao exercício do poder familiar, pode ensejar em prejuízo ao desenvolvimento saudável e digno da criança e/ou adolescente e, por consequência, implicar responsabilização do desertor emocional, impingindo-o compensação por dano moral.
3.2. Principio da Solidariedade Familiar
Corroborando com o princípio da dignidade da pessoa humana já exposto, a Magna Carta consagrou no artigo 3°, I, a solidariedade compreendida como deveres de cada indivíduo com os demais na construção de sua dignidade, transmitindo um olhar fraternal entre as pessoas. Afinal são os laços de afetividade, fraternidade e solidariedade que envolvem o direito de família.
Quanto à esfera familiar “esse princípio não apenas traduz efetividade necessária que une os membros da família, mas, especialmente, concretiza uma especial forma de responsabilidade social aplicada à relação” (GAGLIANO e FILHO, 2011, p. 93).
Ao incidir sobre a família, a solidariedade impõe deveres a ela visando corresponsabilidade entre os integrantes, tendo em vista que dela emana os deveres conjugais, poder familiar e solidariedade parental, dos quais se espera cuidar, formar, desenvolver e educar os futuros cidadãos, conforme o Artigo 229 da Constituição Federal.
Ademais, sua aplicação direta é claramente identificada no Código Civil, especificamente no que concerne ao dever de prestar alimentos não só aos filhos como também a parentes, cônjuge ou companheiro (artigo 1694 CC), podendo, até mesmo, ser transmitido aos herdeiros no limite de sua herança, consoante Artigo 1.700 CC; adoção (Artigo 1.618); a obrigação dos cônjuges de concorrer para o sustento da família na proporção de seus bens ou rendimentos, independentemente do regime (Artigo 1.568 CC), dentre outros.
A solidariedade afetiva nada mais é do que o cuidado mútuo, identificado na obrigação dos deveres de lealdade, respeito, assistência, poder dos cônjuges, corresponsabilidades, afeto, zelo, independentemente da espécie de família ou origem do filho.
3.3. Princípio da Afetividade
É indubitável a necessidade de uma convivência saudável com pais para o desenvolvimento da personalidade dos filhos, o que não se esgota com a manutenção de aspectos materiais, como alimentos, educação formal e guarda, mas inclui, também, convivência e afeto, pois atualmente, a família não é formada apenas por vínculos sanguíneo, mas também por afetividade e carinho.
Ademais, toda criança e adolescente tem direito fundamental à convivência familiar, guarnecido constitucionalmente, sendo-lhe elemento constitutivo a afetividade. Pelo prisma de tal princípio, é imposto aos pais e responsáveis a obrigação de fornecer ao menor o afeto, uma vez que lhe cabe a responsabilidade por sua formação a fim de ser inserido de forma saudável na sociedade.
A jurisprudência desempenhou um papel muito importante na consolidação da afetividade no sistema jurídico brasileiro, vez que, em diversos casos concretos, reconheceu a afetividade:
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. “ADOÇÃO À BRASILEIRA”.CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA.TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROCEDÊNCIA.DECISÃO REFORMADA. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada “adoção à brasileira” (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa apelante, apagando-lhe todo histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes a irregular “adoção à brasileira”, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício próprio do apelado. (TJ/PR Apelação Cível 108.417-9, 2ª Vara de Família, Curitiba. Apelante G.S / Apelado A.F.S / Relator: Desembargador Acássio Cambi, julgado em 12.12.2001)
Nota-se que a decisão proferida no caso exposto ocorreu em 2001, ou seja, com base no Código Civil de 1916, fato que claramente se observa o judiciário reconhecendo o vínculo paterno-filial pela afetividade, mesmo sob o manto de uma legislação com visão tradicional, a qual ainda debruçada no caráter biológico, e advindo de uma adoção informal, adoção à brasileira.
O julgado supracitado foi à mola propulsora para as demais, servindo para solidificar o reconhecimento da afetividade no direito brasileiro, atualmente a afetividade e dignidade da pessoa humana tem servido de base para diversas decisões, as quais reconhecem vínculos parentais por meio da relação socioafetiva.
Outro fato interessante, que demonstra claramente a presença da afetividade como determinante do Estado de filiação, é o relacionado ao reconhecimento de filiação voluntária, quando por determinado momento, quando do afã da convivência com a genitora do menor, o varão registra a criança e/ou adolescente, porém quando a relação finda o pai afetivo ingressa com negatória de paternidade, visando anular o registro, sendo, analisando o caso concreto, o reconhecimento paterno-filial irrevogável, salvo por erro comprovado, como se depreende de um recente entendimento do STJ:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO AUTOR. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DE QUALQUER VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ATO IRREVOGÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o 'pai registral' foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (Ministra Nancy Andrighi). (TJSC, Ap. Cív. n. 2010.044998-0, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 06/02/2012). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 20110704580 SC 2011.070458-0 (Acórdão), Relator: Artur Jenichen Filho, Data de Julgamento: 09/09/2013, Câmara Especial Regional de Chapecó Julgado);
Quem, sabendo não ser o pais biológico, registra como seu filho de companheira durante a vigência da união estável, estabelece uma filiação socioafetiva, que produz os mesmos efeitos qual a adoção, ato irrevogável (TJ/RS, Ac.4°Grupo de câm.Cívs.,EI599.277.365,rel.Desa.Maria Berenice Dias. J.21.10.99).
Nesse sentido identifica-se a valorização da afetividade no âmbito familiar na jurisprudência brasileira, a qual encontra respaldo em princípios constitucionais.
4. ABANDONO AFETIVO OU TEORIA DO DESAMOR: POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA RESPECTIVA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
A questão do abandono afetivo na filiação põe discussão acerca da possibilidade de responsabilização civil do genitor, em razão de sua conduta omissiva decorrente da não afetividade, e a capacidade de ensejar dano ao filho menor.
Inicialmente cabe ressaltar que a responsabilidade civil não ocorre de forma desenfreada, cabe a análise de cada caso concreto a existência dos elementos ensejadores, quais seja, conduta ilícita, dano, nexo causal, e culpa (para alguns doutrinadores), debruçando-se, apenas, nesse trabalho, sobre os dois primeiros.
Quanto ao primeiro, tem seu conceito no Artigo 186 do CC, ocorre quando há ação ou omissão voluntária (dolo), negligencia ou imprudência (culpa) que viole direito de alguém ou lhe cause danos ainda que seja somente moral.
Ademais, quem comente o ato ilícito fica obrigado a reparar os danos decorrentes dele (Artigo 927 CC), seja material – perdas e danos (Artigo 944 e 402 do CC) consistentes nos prejuízos concretos e efetivos (Artigo 403 CC) - ou meramente moral. quanto a esse não há padrão de conceito que se possa identificá-lo, porém é possível entendê-lo através da doutrina, pelo qual, nessas entrelinhas, debruça-se sobre o que aduz Gonçalves,
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome(...) o que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação(2014, p. 387).
Nesse sentido, levando em consideração os deveres jurídicos dos pais com os filhos, o princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade é que o STJ entendeu a possibilidade de responsabilidade civil por dano moral, em análise ao caso concreto, por abandono afetivo de genitor que por sua omissão gerou dano à filha menor:
AFETIVIDADE, AMOR, MÁGOA, TEORIA DA RESPONSABILIDADE, RELAÇÕES INTRAFAMILIARES, INTERPRETAÇÃO TÉCNICA E SISTEMÁTICA DO DIREITO, DEVER DE ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA, PERSONALIDADE DO INFANTE, HIGIDEZ PSICOLÓGICA, NECESSARIUM VITAE. É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois, nos casos em que os pais se omitem do dever de dirigir a criação e educação dos filhos, a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade dos filhos, ofertando-lhes, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois o sofrimento causado à filha caracteriza o dano in re ipsa, traduzindo-se em causa eficiente à compensação. (VOTO VISTA) (MIN. SIDNEI BENETI) É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, ocorrendo, inclusive, tratamento discriminatório em comparação com outros filhos, pois a existência do vínculo de natureza familiar, como o parentesco, não constitui causa de exclusão da indenização do sofrimento moral ante a injusta ação ou omissão. É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, exteriorizando-se o abandono em atos concretos como aquisição de propriedades, por simulação, em nome de outros filhos, falta de carinho, afeto, amor, apoio moral, falta de auxílio em despesas médicas, escolares, vestuário e reconhecimento da paternidade apenas na esfera judicial, após longa resistência do genitor, pois está caracterizada a omissão efetiva do pai. (VOTO VISTA) (MIN. PAULO DE TARSO SANSEVERINO) É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai se omitiu do seu dever de cuidado para com sua filha, tendo resistido ao reconhecimento voluntário da paternidade, negado voluntariamente amparo material, deixado de prestar o imprescindível suporte moral, afetivo e psicológico e alienado fraudulentamente seus bens aos demais filhos, em preterição da mencionada filha, pois o genitor descumpriu totalmente seu dever de cuidado e infringiu flagrantemente as mais simples obrigações para com sua filha, ensejando tal situação o excepcional reconhecimento da ocorrência de ato ilícito no âmbito familiar, não configurando eventual abuso por parte de filhos que, insatisfeitos com episódios específicos de sua criação, pleiteiam indenização por danos supostamente sofridos. (REsp 1159242 / SP RECURSO ESPECIAL 2009/0193701-9, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA, 24/04/2012).
Paralelo ao entendimento jurisprudencial acima esposado, é curial salientar que há doutrinadores que da mesma forma enxergam a possibilidade de responsabilização decorrente do abandono afetivo, como preconiza STOLZE e PAMPLONA:
Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor (2011, p. 737).
Por essa visão, cuidado, amor e demais sentimentos e ações produzidos pela afetividade não devem ser tratados como acessórios mas elevado a categoria de obrigação legal, uma vez que são essenciais ao desenvolvimento do menor, o que se discute, não é o amor, pois esse é uma faculdade, e, sim, a imposição do dever de cuidar.
Diferentemente de tal posicionamento, há julgados e doutrinadores que entendem não ser possível a indenização por dano moral decorrente do desamor, uma vez que não se pode exigir juridicamente amor de ninguém. Não se pode quantificar um sentimento, nem mesmo punir alguém pela não afetividade, pois o desamor não constitui ato ilícito para que enseje reparação.
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. A reparação de danos que tem por fundamento a omissão afetiva, no âmbito do direito de família, é sabidamente de interpretação restritiva, pois que, visando a traduzir o afeto humano em valor monetário, é marcada por enorme subjetividade, e não se configura pelo simples fato de os pais não terem reconhecido, de pronto, o filho. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70060154150, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 02/07/2014)
(TJ-RS - AC: 70060154150 RS , Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 02/07/2014, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/07/2014).
Cristiano Chaves entende que a negativa de afeto entre o genitor e seu filho não implica indenização, uma vez que
Faltando afeto entre pai e filho (e demais parentes), poder-se-ia imaginar, a depender do caso, a decorrência de outros afetos jurídicos, como a destituição do poder familiar ou a imposição da obrigação alimentícia, mas não a obrigação de reparar um pretenso dano moral. Enfim, em hipóteses de negativa de afeto, os remédios postos à disposição pelo próprio direito das famílias deverão ser ministrados para a solução do problema. Até porque a indenização pecuniária nesse caso não resolveria o problema central da controvérsia que seria obrigar o pai a dedicar amor ao seu filho – e, muito pelo contrário, por certo, agravaria a situação (2012, p. 164).
Considerando o acima exposto, a jurisprudência, bem como o posicionamento doutrinário majoritário, atualmente, debruçam-se no sentido de não haver possibilidade de se aplicar responsabilização pelo abandono afetivo, tendo em vista que não se configura ato ilícito, principal motivo caracterizador da indenização por dano moral, bem como, não se pode exigir afeto de outrem, principalmente por emprego da força jurídica, nem quantificá-lo ou punir genitor (a) por não amar. No entanto, esse entendimento não é consolidado, existem posicionamentos contrários, os quais constatam a possibilidade de indenizar, levando em consideração que o cuidado é um fator muito importante no desenvolvimento do infante, assim, deve ser levado ao patamar de relevância, pelo impacto psicológicos que podem acometer o futuro adulto.
5.1. PRESCRIÇÃO
No caso de abandono afetivo, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de ter natureza de reparação civil, logo, sujeito à prescrição, que consiste em 3 anos, consoante Artigo 206, V, do Código Civil, contado de quando se atingiu a maioridade, tendo em vista que não corre a prescrição enquanto houver sujeição ao Poder Familiar (Artigo 197, II, c/c 1.630 ambos do CC), como se observa na recente decisão
PROCESSUAL CIVIL. ABANDONO AFETIVO. DANO MORAL E MATERIAL. PRESCRIÇÃO. 1. Prescreve em 3 anos a ação de indenização por abandono afetivo, contados a partir da maioridade. Inteligência do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. 2. A reparação por danos morais e materiais decorrentes do abandono afetivo possui caráter econômico, motivo pelo qual não pode ser admitida como imprescritível. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF - APC: 20140710162878 DF 0015915-14.2014.8.07.0007, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 24/09/2014, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/10/2014 . Pág.: 199).
No mesmo liame e o STJ decidiu sobre o tema, posto no Informativo 502:
O prazo prescricional das ações de indenização por abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao pátrio poder (poder familiar). No caso, os fatos narrados pelo autor ocorreram ainda na vigência do CC/1916, assim como a sua maioridade e a prescrição da pretensão de ressarcimento por abandono afetivo. Nesse contexto, mesmo tendo ocorrido o reconhecimento da paternidade na vigência do CC/2002, apesar de ser um ato de efeitos ex tunc, este não gera efeitos em relação a pretensões já prescritas. Precedentes citados: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, e AgRg no Ag 1. 247.622-SP, DJe de 16/8/2010. REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/8/2012.
É de se ver, portanto, que a possibilidade de pretensão prescreve em três anos, tendo em vista ser considerado natureza de reparação civil, não Direito da Personalidade, se o fosse seria imprescritível, sujeito a prescrição apenas com previsão legal.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa do exposto, apesar da controvérsia presente na doutrina e jurisprudência, que ainda não firmaram um entendimento solidificado sobre a responsabilização civil do abandono afetivo, não se pode elevar a categoria de obrigação o afeto, já que se insere no âmbito da individualidade de quem o oferta e violá-la também acarreta em prejuízo de igual jaez do sofrido pela criança e/ou adolescente supostamente abandonado.
Sob a vertente jurisprudencial para a responsabilização por abandono afetivo leva-se em conta o caso concreto, haja vista que o fato de não reconhecer , de pronto, o filho, não pode ser elemento suficiente para caracterizar o dever de indenizar.
Já no âmbito doutrinário, embora exista doutrinadores que debrucem-se para a responsabilização, o entendimento majoritário é de descabimento, tendo em vista que não se pode exigir afeto de ninguém, nem mesmo punir por este motivo.
Do exposto, em consonância com o entendimento majoritário, o abandono afetivo, não deve servir como justificativa para exigir indenização pecuniária do genitor, embora a ausência do mesmo implique em graves consequências para o filho abandonado afetivamente. Para se compreender o cabimento da responsabilidade em comento, deve-se levar em consideração o caso concreto.
REFERÊNCIAS
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. - 4ª Ed. Vol.6. Salvador: JusPODIVM, 2012.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil- Direito de Família: A família em perspectiva Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.
SUASSUNA, Ariano. Auto da compadecida.-34 ed. Rio de janeiro: Agir, 1999.
SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa. – 13ª Ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. - 9 ed. - São Paulo: Saraiva, 2014.
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http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120946081/apelacao-apl-40664020128260022-sp-0004066-4020128260022. Acesso em 08 de novembro de 2014.
Bacharelanda em direito na Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Barbara Silva dos. Responsabilidade civil decorrente de abandono afetivo - Teoria do desamor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45264/responsabilidade-civil-decorrente-de-abandono-afetivo-teoria-do-desamor. Acesso em: 23 dez 2024.
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