1. INTRODUÇÃO.
O presente artigo, longe de tentar esgotar o tema, busca traçar distinções entre os crimes de contrabando e descaminho, indicando ainda contornos jurisprudenciais dos referidos tipos penais.
2. DESENVOLVIMENTO.
Inicialmente, os crimes de contrabando e descaminho possuíam previsão expressa e conjunta no artigo 334 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940), nos seguintes termos:
“Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.” (...)
Nesse passar, a primeira parte do tipo penal, qual seja, “importar ou exportar mercadoria proibida” referia-se ao do crime de contrabando.
O crime de descaminho, por sua vez, estava previsto na segunda parte do dispositivo, nas condutas de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.”
Ambos os tipos penais possuíam a mesma pena e são crimes praticados por particular contra a Administração em geral, com impactos negativos na economia e sociedade, dos quais podemos citar a concorrência desleal para com o setor produtivo nacional, sujeito ao controle de qualidade e ao pagamento tributos, ocasionando via reflexa o desequilíbrio em diversos setores da economia, o desemprego e a diminuição da arrecadação tributária.
Não nos olvidemos ainda da possibilidade de lesão à saúde pública nacional pelo consumo de mercadoria produzida sem controle sanitário, acondicionadas e importadas de maneira irregular e, em alguns casos, contendo substâncias químicas proibidas no Brasil.
Como dito acima, embora com propensão de lesão à Administração em geral, e com previsão de aplicação da mesma pena, os tipos penais em comento não se confundem exigindo condutas distintas:
A diferença entre contrabando e descaminho reside em que no primeiro a mercadoria é proibida; no segundo, sua entrada ou saída é permitida, porém o sujeito frauda o pagamento do tributo devido.” (JESUS, Damásio, Direito Penal: parte especial, 4. v., 12 ed., Saraiva: 2002, pp. 237- 238).
O Supremo tribunal Federal, por meio do Ministro Gilmar Mendes, na análise de habeas corpus impetrado em favor de os pacientes que foram condenados pela prática do delito de contrabando, haja vista terem sido surpreendidos em posse de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da regular documentação, assim se manifestou:
No ponto, cumpre destacar as diferenças entre os tipos objetivos do contrabando e do descaminho. Enquanto o contrabando corresponde à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, o descaminho corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, todavia elidido, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo da mercadoria.” (HC 110.964/SC, Relator: GILMAR MENDES, 07/02/2012, STF).
As distinções entre os institutos não encerram por aí.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal havia se fixado pelo entendimento da aplicabilidade do “princípio da insignificância” como excludente da tipicidade para os crimes de descaminho quando o valor do tributo suprimido não ultrapassasse o valor de R$ 10.000,00 previsto no artigo 20 da Lei 10.522/02. Entretanto, segundo o STF, tal entendimento não é aplicável ao crime de Contrabando, eis que não se trata de supressão de tributos, confira-se:
Traçadas essas premissas, cabe aqui uma indagação: Levando-se em conta a jurisprudência firmada pelo STF no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), poder-se-ia aplicá-lo também aos casos a envolver o delito de contrabando? Entendo que não. Explico. (...)
Nesse diapasão, ressalto que, no delito de contrabando, o objeto material sobre o qual recai a conduta criminosa é a mercadoria proibida (proibição absoluta ou relativa). Em outras palavras, o objetivo precípuo dessa tipificação legal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei. (...)
Assim, não se cuida, tão somente, de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. (HC 110.964/SC, Relator: GILMAR MENDES, 07/02/2012, STF).
Ademais o crime de Descaminho possui como condição o prévio lançamento do tributo suprimido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. CRIME MATERIAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o raciocínio adotado pelo Supremo Tribunal Federal relativamente aos crimes previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90, consagrando a necessidade de prévia constituição do crédito tributário para a instauração da ação penal, deve ser aplicado, também, para a tipificação do crime de descaminho. Precedentes. 2. Embora o crime de descaminho encontre-se, topograficamente, na parte destinada pelo legislador penal aos crimes praticados contra a Administração Pública, predomina o entendimento no sentido de que o bem jurídico imediato que a norma inserta no art. 334 do Código Penal procura proteger é o erário público, diretamente atingido pela evasão de renda resultante de operações clandestinas ou fraudulentas. 3. O descaminho caracteriza-se como crime material, tendo em vista que o próprio dispositivo penal exige a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento do imposto devido. Assim, não ocorrendo a supressão no todo ou em parte do tributo devido pela entrada ou saída da mercadoria pelas fronteiras nacionais, fica descaracterizado o delito. 4. Na espécie, confirmou-se a ausência de constituição definitiva do crédito tributário, uma vez que ainda não foram apreciados os recursos administrativos apresentados pela defesa dos recorrentes. Dessa forma, não é possível a instauração de inquérito policial ou a tramitação de ação penal enquanto não realizada a mencionada condição objetiva de punibilidade. 5. Recurso ordinário que se dá provimento a fim de extinguir a Ação Penal n.º 5001641-71.2010.404.7005, da Segunda Vara Federal da Subseção Judiciária de Cascavel, Seção Judiciária do Paraná. (RHC 31368 / PR, Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma, 08/05/2012).
Como a supressão do tributo não é o elemento do tipo contrabando, mas sim o ingresso da mercadoria proibida, tal entendimento também não é aplicável.
De forma a melhor evidenciar a distinção entre os tipos penais, a Lei 13.008 de 26.06.2014 promoveu alteração do artigo 334 e introduziu o artigo 334-A, nos seguintes termos:
Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
(...)
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
(...)
Percebe-se que ao contrário do crime de descaminho, para o qual a pena de 1 a 4 anos foi mantida, a pena do crime de contrabando foi majorada para 2 a 5 anos impedindo a aplicação da suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, destinada tão somente aos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano.
Assim, enquanto para o crime de Descaminho é possível a suspensão condicional do processo, haverá maior rigor na punição daqueles que cometem o crime de Contrabando importando ou exportando mercadoria proibida.
Por fim, como bem observa Marcelo Ludolf[1]:
Outra alteração bem vinda, que reforça o descompasso histórico da redação anterior, é a inserção dos termos “marítimo” e “fluvial” no § 3º do referido artigo 334, uma vez que as formas de transportar as mercadorias foram aprimoradas e essas previsões não se encontravam contempladas na redação anterior, que era restrita à conduta delituosa praticada em transporte aéreo, o que ensejava inúmeras discussões doutrinarias e jurisprudenciais, notadamente porque o Direito Penal é rígido pelo princípio da tipicidade cerrada.
3. CONCLUSÃO.
Diante do exposto, é possível concluir que, embora atentem contra a Administração em geral e tenham sido tratados historicamente no mesmo artigo e com a mesma pena, os crimes de contrabando e descaminho possuem distinção profunda, impedindo o mesmo tratamento jurisprudencial e legal, culminando com a alteração do artigo 334 e seu desmembramento com a inclusão do artigo 334-A no Código Penal, pela Lei 13.008/14.
4. REFERÊNCIAS.
1. http://www.stf.jus.br
2.. http://www.stj.jus.br
3. http://www.planalto.gov.br
4. http://www.conjur.com.br
[1] A alteração do art. 334 do Código Penal advinda da lei 13.008/14 - Combate ao contrabando e fortalecimento da economia formal, (http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI203961,41046-A+alteracao+do+art+334+do+Codigo+Penal+advinda+da+lei+1300814+Combate), Acesso em 17 de setembro de 2015.
ADVOGADO DA UNIÃO, PÓS GRADUANDO EM DIREITO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO. EX-ANALISTA DE GESTÃO PÚBLICA, ESPECIALIDADE EM DIREITO, PELA SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO DO ESTADO DO CEARÁ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Amaury Reis Fernandes. Distinções entre os crimes de contrabando e descaminho, alterações introduzidas pela Lei 13.008 de 26.06.2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45286/distincoes-entre-os-crimes-de-contrabando-e-descaminho-alteracoes-introduzidas-pela-lei-13-008-de-26-06-2014. Acesso em: 23 dez 2024.
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