Resumo: O Código de Defesa do Consumidor é a legislação protetiva da parte vulnerável na relação consumerista, qual seja, o consumidor. Por isso, ele prevê, em rol exemplificativo, diversos princípios e direitos básicos ao consumidor para que possam materialmente se igualar ao fornecedor, detentor de maiores conhecimentos de ordem jurídica, técnica, operacional e informacional. Assim, por se tratar de norma de ordem pública, em regra, as normas consumeristas devem ser aplicadas de ofício pelo Juiz, com o fim, repita-se, de efetivar a igualdade material nas relações consumeristas.
Palavras-chave: vulnerabilidade do consumidor; princípios no código de defesa do consumidor; direitos básicos do consumidor.
1. Princípios gerais do CDC
Os princípios gerais estão previstos no art. 4º do CDC.
Os objetivos da política nacional de consumo são: i) o atendimento das necessidades dos consumidores; ii) respeito à sua dignidade, saúde e segurança; iii) proteção dos interesses econômicos; iv) melhoria da sua qualidade de vida; v) transparência e harmonia das relações de consumo.
Todos esses objetivos serão materializados pelos princípios que serão estudados a seguir.
1.1. Princípio da vulnerabilidade do consumidor
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Por esse princípio reconhece-se que na relação de consumo há sempre uma parte mais fraca, vulnerável. Essa parte necessita de proteção especial para que haja o reequilíbrio das relações de consumo (é um dos objetivos do CDC).
A vulnerabilidade pode ser identificada em alguns aspectos (tipos):
i) técnica (o consumidor não tem conhecimento técnico do produto que está sendo colocado no mercado de consumo);
ii) jurídica ou científica (é o desconhecimento das matérias jurídicas, como o contrato de consumo, por exemplo, ou de qualquer outro ramo da ciência, como a contabilidade);
iii) socioeconômica ou fática (economicamente o consumidor pode ser a parte mais fraca);
Cláudia Lima Marques fala, ainda, em um quarto tipo:
iv) informacional (o consumidor é a parte mais fraca, pois o fornecedor detém o monopólio da informação). Fabrício Bolzan entende que esse tipo está dentro da vulnerabilidade científica.
Vulnerabilidade possui o mesmo significado que hipossuficiência? Os dois conceitos envolvem a fragilidade do consumidor, porém são institutos diferentes. Vulnerabilidade é um conceito material, portanto, presumido. Presume-se que o consumidor é a parte mais fraca da relação jurídica de consumo. Já a hipossuficiência é um fenômeno de direito processual, que precisa ser comprovado no caso concreto. O consumidor é sempre vulnerável, mas a hipossuficiência deve ser comprovada no caso concreto, ou seja, nem todo consumidor é hipossuficiente, conforme art. 6º, VIII, do CDC.
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
O consumidor, portanto, é sempre a parte vulnerável da relação de consumo, mas nem sempre será hipossuficiente.
É por isso que quando o STJ diz que algumas empresas e profissionais serão considerados consumidores desde que comprovada sua vulnerabilidade, o tribunal está sendo atécnico, pois a vulnerabilidade (do consumidor) é presumida. O correto seria falar em comprovação da hipossuficiência.
1.2. Princípio da defesa do consumidor pelo Estado
Previsto no art. 4º, II, do CDC:
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta [Procons];
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas [IDEC];
c) pela presença do Estado no mercado de consumo [produção e fornecimento de medicamentos];
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho [INMETRO].
A intervenção estatal é necessária para buscar o reequilíbrio das relações de consumo que são, por essência, desiguais.
O Estado irá fazer a defesa do consumidor:
i) por iniciativa direta, como, por exemplo, com a instituição de Procons;
ii) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, como o IDEC;
iii) pela presença do Estado no mercado de consumo, como por exemplo, produzindo e fornecendo medicamentos;
iv) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. É exemplo o INMETRO, que foi a primeira agência reguladora instituída no Brasil;
O art. 5º do CDC dispõe sobre os instrumentos disponíveis para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo:
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;
V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.
1.3. Princípio da harmonização
Este princípio tem previsão no art. 4º, III, do CDC:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
A base da harmonização é a boa-fé e o equilíbrio na relação entre consumidores e fornecedores. Trata-se da boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva preocupa-se com aspectos internos do sujeito de direito, ao passo que na boa-fé objetiva analisam-se aspectos externos da relação, ou seja, regras de condutas representadas pelos deveres anexos, laterais ou secundários.
Assim, para saber se houve boa-fé na relação de consumo devem ser analisados os seguintes deveres: de informação, de cooperação e de proteção.
A relação jurídica de consumo, como visto, é uma relação desigual porque de um lado há o fornecedor – detentor do monopólio dos meios de produção – e de outro o consumidor – que é a parte vulnerável. O CDC, então, impõe deveres ao fornecedor e confere direitos ao consumidor, buscando reequilibrar essa relação. O art. 47, por exemplo, estabelece que as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
A boa-fé objetiva é exigida de ambas as partes. Ex.: uma das características da oferta é a vinculação, porém, não pode o consumidor exigir a venda de uma televisão que custa 5 mil reais anunciada, por erro, por 50 reais. Trata-se evidentemente de uma hipótese de erro. Não pode, todavia, o fornecedor errar dessa forma uma vez por semana, sob pena de ferir a boa-fé.
1.4. Princípio da educação e informação
Previsto no art. 4º, IV do CDC:
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
Trata-se de políticas públicas voltadas para educação e informação do consumidor. Por esse princípio exige-se também que o consumidor tenha acesso à educação, desde seus níveis básicos.
Outro exemplo é a exigência da disponibilização do CDC em todos os estabelecimentos comerciais para eventual consulta pelo consumidor.
1.5. Princípio da qualidade e segurança
Previsto no art. 4º, V e VII, do CDC:
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
É possível que o fornecedor coloque produtos nocivos no mercado de consumo, desde que observados os regramentos previstos no art. 8º, 9º e 10 do CDC, conforme será adiante estudado. Será necessário o fornecimento de informações sobre esses produtos para que o consumidor não seja prejudicado.
1.6. Princípio do combate ao abuso
Previsto no art. 4º, VI, do CDC:
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
É o caso, por exemplo, de um posto de gasolina chamado “13R”. O logotipo se assemelhava muito com a marca de postos “BR”. Era uma maneira de utilização indevida de outra marca, que inclusive enganava o consumidor.
1.7. Princípio da responsabilidade solidária
Previsto no art. 7º, parágrafo único e 25, §1º, ambos do CDC:
Art. 7°. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Art. 25. § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
A responsabilidade solidária está prevista no art. 18 do CDC:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
O art. 12 do CDC especifica todos os fornecedores que serão responsáveis. Trata-se, também, de responsabilidade solidária, pois se mais de um deles contribuiu para o dano, será aplicado o princípio da responsabilidade solidária.
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Referência bibliográfica:
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BOURGOIGNIE, Thierry. A política de proteção do consumidor: desafios à frente. Revista de Direito do Consumidor. n. 41. Revista dos Tribunais: jan – mar. 2002.
CRUZ, Carolina Dias Tavares Guerreiro. Contratos internacionais de consumo: lei aplicável. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004.
Oficial de Justiça Avaliador, Pós - graduado lato sensu em Direito Notarial e Registral, professor e palestrante.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Caio Souza Pitta. Princípios e direitos básicos no Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45291/principios-e-direitos-basicos-no-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 23 dez 2024.
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