RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo o estudo da viabilidade de um maior alcance do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, pautado não apenas nos ditames da lei propriamente dita, mas também em princípios constitucionais balizadores do Estado Democrático de Direito. O estudo faz uma análise breve e geral acerca dos atos administrativos e suas especificidades, chegando-se no conceito dos atos discricionários, analisando-se, então, sobre o mérito administrativo e os princípios constitucionais limitadores do poder discricionário. O trabalho emprega o método hipotético - dedutivo, utilizando-se a técnica da pesquisa bibliográfica e documental, esta última, referindo-se à análise de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema. Por fim, conclui-se pela admissibilidade da amplitude do controle jurisdicional do ato discricionário diante do contexto de um Estado Democrático de Direito, visando à concretização de uma justiça material e social.
Palavras-chave: Atos Administrativos – Poder Discricionário – Controle Jurisdicional – Princípios Constitucionais – Estado Democrático de Direito.
1. INTRODUÇÃO
A Administração Pública possui como finalidade precípua o atendimento ao interesse público e o bem da coletividade e, para tanto, exerce a gestão e a prestação de serviços imprescindíveis para o fomento das necessidades sociais e a organização da máquina estatal. Os atos administrativos, ou seja, os instrumentos pelos quais a Administração Pública busca atingir seus fins, subdividem-se em duas modalidades: atos vinculados e atos discricionários.
Os atos administrativos vinculados são aqueles inteiramente definidos por lei, nos quais o Administrador não possui liberdade para emitir juízo de valor, não há análise de conveniência e oportunidade. Por sua vez, os atos administrativos discricionários são aqueles em que o Administrador possui liberdade para decidir e, através do exame da conveniência e da oportunidade, emite seu juízo de valor, mas sempre dentro dos parâmetros legais previstos para o caso.
Constata-se, então, que o exercício da atividade administrativa estatal sempre se encontra subordinado aos princípios e aos ditames legais, desenvolvendo-se em consonância ao ordenamento jurídico vigente e à moralidade administrativa.
Neste contexto, o controle dos atos executados por aquele que detém o munus publico deve ser feito de forma adequada e arrazoada, considerando sua relevância e o impacto de seus efeitos na sociedade, com o escopo de se evitar arbitrariedades, abusos e lesões a direitos subjetivos.
Sob a égide de um Estado Democrático de Direito, observado o Princípio Constitucional da Separação dos Poderes, resta imprescindível que este controle também seja realizado pelo órgão jurisdicional, em casos de violação ou ameaça de algum direito previsto, conforme prevê o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Neste particular, o tema do presente trabalho refere-se ao alcance do controle jurisdicional no ato administrativo discricionário, os limites constitucionais aplicados a este poder discricionário, considerando a liberdade concedida ao administrador para atuar segundo critérios de conveniência e oportunidade na realização do ato.
O controle judicial do poder discricionário poderá ser realizado de uma forma mais ampla, indo além de sua consonância com a lei propriamente dita, mas observando também os ditames dos princípios constitucionais que regem nosso ordenamento jurídico, atingindo, desta forma, ainda que de forma limitada, o mérito administrativo do ato discricionário. Assim, tal controle será realizado de forma a assegurar a legalidade e a legitimidade do ato discricionário, preservando-se, assim, a proteção e a efetivação do interesse da coletividade.
2. ATO ADMINISTRATIVO
2.1 CONCEITO
Diante da ausência de uma definição jurídica de ato administrativo, vários doutrinadores tratam da questão utilizando critérios e elementos próprios, o que resulta em grande divergência doutrinária no que diz respeito ao seu conceito.
A professora e autora Fernanda Marinela assim define o tema:
“(...) são atos da administração os praticados pela Administração, assim entendidos os atos praticados por órgãos do Poder Executivo e entes da Administração Indireta, que podem ser regidos pelo direito público ou pelo privado. Quando regido pelo direito público, estes atos são, ao mesmo tempo, atos administrativos e atos da administração. Entretanto, os atos administrativos também podem ser praticados fora da Administração, ficando claro que atos da administração e atos administrativos são conceitos coincidentes, mas não sobreponíveis.”[1]
Assim, depreende-se deste entendimento que o ato da administração é qualquer ato jurídico executado pela Administração Pública, no exercício da função administrativa, podendo ser regido tanto pelo Direito Público, quanto pelo Direito Privado. O ato administrativo, por sua vez, é aquele regido pelo direito público, podendo também ser realizado por entes exteriores ao Poder Executivo ou por particulares, desde que no exercício da função administrativa.
No mesmo sentido é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, página 175), no qual o “ato da Administração - tem sentido mais amplo do que a expressão ato administrativo, que abrange apenas determinada categoria de atos praticados no exercício da função administrativa”.
Noutro giro, o ilustríssimo doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua obra, define o ato administrativo como:
declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.[2]
Conclui-se, então, a partir das definições transcritas que o ato administrativo consiste na manifestação da vontade unilateral do Estado ou por aquele que o represente, regido pelo Direito Público, visando à satisfação da finalidade legal para a qual se destina, pautada no interesse público.
2.2 CARACTERÍSTICAS DO ATO ADMINISTRATIVO
Os atos administrativos são dotados de certas características que os distinguem dos atos privados em geral, são prerrogativas excepcionais concedidas por lei para o alcance do interesse da coletividade. Tais atributos possuem seu fundamento de validade no Estado Democrático de Direito e justificado pelo princípio da supremacia do interesse público.
As características dos atos administrativos são: a imperatividade, a presunção de legitimidade e a autoexecutoriedade.
A imperatividade ou coercibilidade consiste na possibilidade dos referidos atos serem impostos aos seus destinatários de forma unilateral independentemente da concordância de terceiros, ou seja, impõe coercibilidade para seu cumprimento ou execução. O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho elucida que:
Imperatividade, ou coercibilidade, significa que os atos administrativos são cogentes, obrigando a todos quantos se encontrem em seu círculo de incidência (ainda que o objetivo a ser por ele alcançado contrarie interesses privados), na verdade, o único alvo da Administração Pública é o interesse público.[3]
O ato administrativo goza de presunção de legitimidade, ou seja, presume-se que o ato foi editado e se encontra em conformidade com a lei, uma vez emanado de agente integrante da estrutura do Estado. Tal presunção é relativa (iuris tantum), cabendo provas comprovando sua ilegalidade, entretanto, um efeito deste atributo é a inversão do ônus da prova, assim, a prova da ilegitimidade do ato compete a quem a alegar.
A presunção de legitimidade decorre do princípio da legalidade que regem os atos da Administração Pública, que só está autorizada a fazer o que se encontra previsto em lei.
A autoexecutoriedade é uma característica decorrente da presunção de legitimidade do ato administrativo, que, tão logo editado, poderá ser imediatamente executado materialmente para a satisfação de sua finalidade, independentemente da intervenção do judiciário.
O controle jurisdicional poderá ser realizado em momento posterior, sem que isto inviabilize a realização direta do ato pela Administração Pública, que poderá agir de ofício. Nesta esteira, José dos Santos Carvalho Filho acrescenta que:
a autoexecutoriedade tem como fundamento jurídico a necessidade de salvaguardar com rapidez e eficiência o interesse público, o que não ocorreria se a cada momento tivesse que submeter suas decisões ao crivo do Judiciário. Além do mais, nada justificaria tal submissão, uma vez que assim como o Judiciário tem a seu cargo uma das funções estatais – a função jurisdicional -, a Administração também tem a incumbência de exercer função estatal – a função administrativa.[4]
Cumpre ressaltar que se a autoexecutoriedade resultar em lesão ou ameaça de lesão a algum direito do administrado, o ofendido poderá buscar a interrupção ou o impedimento do início da execução deste ato administrativo na própria Administração ou através do Poder Judiciário.
2.3 ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO
Não existe uma uniformização na doutrina acerca da terminologia do tema deste tópico, deste modo, observando-se o entendimento majoritário, optou-se pelo termo “elemento”, o mais utilizado pelos autores brasileiros.
A maior parte da doutrina brasileira, baseando-se no artigo 2°, da Lei de Ação Popular (Lei n° 4.717/65), estabeleceram elementos básicos dos atos administrativos: sujeito competente, forma prescrita em lei, motivo, objeto e finalidade pública.
No tocante ao sujeito, constata-se que é aquele que realiza o ato administrativo e exerce uma função pública, de forma temporária ou permanente, com ou sem remuneração. Além do exercício da função pública, ao sujeito, devem ser aferidas a capacidade jurídica e a competência legal.
A capacidade jurídica para ser titular de direitos e obrigações. Entende-se por competência o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixados pelo direito positivo, representando a esfera de atuação do agente, compreendendo as atribuições previstas em lei ou na Constituição Federal que autorizam os agentes públicos a exercerem legitimamente sua atividade.
Salienta-se que o exercício da competência é obrigatório, irrenunciável, imodificável, imprescritível, improrrogável e não admite transação, contudo, pode ser objeto de delegação e avocação, excepcionalmente e com a devida justificativa.
Acerca do tema, colaciona-se trecho da obra do doutrinador Dirley da Cunha Júnior:
para a expedição do ato administrativo é necessário um agente público competente. Isto é, não basta a presença da Administração Pública, precisando haver também um agente público que detenha competência jurídica para tanto.[5]
A forma é o meio pelo qual o ato administrativo se exterioriza, devendo estar em conformidade com a disposição legal, sendo em regra por escrito, admitindo-se de outra maneira quando a lei assim autorizar.
A inexistência da forma resulta na inexistência do ato e a sua inobservância leva à nulidade do ato, não cabendo convalidação.
O ato administrativo está sujeito ao princípio da solenidade, exigindo-se formalidades específicas, procedimento administrativo prévio e motivação (correlação lógica entre os elementos do ato e a previsão legal, em regra obrigatória, e deve ser realizada antes ou durante a prática do ato).
Para a validação do ato administrativo não basta a existência da manifestação da vontade, é preciso que ela seja realizada conforme as exigências definidas pela lei, que são denominadas formalidades específicas do ato, cuja ausência gera vício de legalidade, com sua consequente invalidação.
O processo administrativo prévio é condição de forma, pois irá legitimar e fundamentar a prática do ato administrativo. Este processo deve estar de acordo com o modelo constitucional, assegurando o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88).
A necessidade da motivação é o entendimento que prevalece na doutrina atual. O Administrador é o titular de um poder que é do povo, e, atuando na condição de mero representante, deve fundamentar todos os seus atos obrigatoriamente.
Noutro giro, o motivo são as razões de fato e de direito que justificam a edição do ato. Para que este motivo seja legal, não comprometendo a validade do ato administrativo, ele deve ser cumprir alguns requisitos: ser verdadeiro, estar compatível com a previsão legal e compatível com o resultado do ato.
O motivo deve ser materialmente verdadeiro, compatível com a realidade fática apresentada pelo administrador, sob pena de levar à ilegalidade do ato. O motivo ainda deve ser compatível com a previsão legal, existindo correspondência entre o motivo que embasou o ato com aquele previsto em lei. O motivo também tem que ser compatível com o resultado do ato, ou seja, exige-se a correspondência entre o motivo existente e declarado no momento da realização do ato e o resultado prático desse ato, que consiste na soma do objeto com a finalidade do ato.
Consigna-se que há a distinção entre o motivo e a motivação. O motivo, como já demonstrado, são as circunstâncias fáticas e o fundamento jurídico que justificam a prática do ato administrativo, enquanto a motivação consiste na demonstração de que o motivo declarado está de acordo com o disposto em lei. Conforme aduz Diogenes Gasparini (2003, p. 63), “tampouco confundem-se o motivo e a motivação do ato administrativo. O motivo (...) é a situação fática ou legal, objetiva, real, empírica, que levou o agente à prática do ato. A motivação é a enunciação, descrição ou explicitação do motivo”.
A teoria dos motivos determinantes preceitua que o administrador encontra-se vinculado aos motivos declarados ao tempo da edição do ato, sujeitando-se à demonstração de sua ocorrência, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a nulidade do ato administrativo.
O administrador pode praticar o ato administrativo, sem declarar o motivo, nas hipóteses em que este não for exigido (ex.: exoneração ad nutum), contudo, caso declará-lo, fica vinculado às razões de fato e de direito que o levaram à prática do ato. Caso o motivo seja falso, incompatível com a lei ou incompatível com o resultado do ato, não se aplica a teoria dos motivos determinantes. Tal teoria apenas vincula o administrador ao motivo declarado se este motivo estiver de acordo com a previsão legal.
Nesta esteira são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:
A aplicação mais importante desse princípio incide sobre os discricionários, exatamente aqueles em que se permite ao agente maior liberdade de aferição da conduta. Mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada. Se o interessado comprovar que inexiste a realidade fática mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele irremediavelmente inquinado de vício de legalidade.[6]
O objeto consiste no resultado prático do ato. Alguns doutrinadores entendem como sendo o conteúdo do ato administrativo. O objeto deve ser lícito, material e juridicamente possível e determinado.
Por fim, a finalidade do ato administrativo é aquilo que se pretende alcançar com a execução daquele ato, sempre voltada para o interesse público, o bem jurídico que vise à proteção.
O agente público executa o ato administrativo sempre buscando o atendimento dos interesses da coletividade e o bem comum, caso pratique ato incompatível com este fim, caracteriza-se o desvio da finalidade.
O desvio de finalidade nada mais é do que um vício ideológico, subjetivo, um defeito na vontade. O vício do ato praticado com desvio de finalidade compromete a finalidade e, geralmente, também o motivo do ato administrativo.
2.4 CLASSIFICAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO QUANTO À LIBERDADE DE AÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para fins do presente estudo, apenas faremos referência à classificação dos atos administrativos no tocante ao grau de liberdade de atuação da Administração Pública, especificando acerca da atividade administrativa vinculada e da atividade administrativa discricionária.
O Professor Matheus Vianna de Carvalho assevera que:
O Poder Público concretiza suas funções por meio de atos administrativos limitados pela lei, já que a Administração está vinculada ao princípio da legalidade estrita, por disposição constitucional, impedindo a prática de abusos pelos administradores públicos. Diante da subsunção à lei e aos princípios, na prática de funções públicas, verifica-se a nítida divisão entre atos administrativos, de acordo com o grau de liberdade concedido pelas normas jurídicas – atos administrativos vinculados e atos administrativos discricionários.[7]
2.4.1 Atos Administrativos Vinculados
Os atos administrativos vinculados são aqueles em que o Administrador realiza sem qualquer margem de liberdade de atuação, devendo agir com total conformidade ao determinado pela lei, que predefine todos os aspectos do ato. Uma vez preenchidos os requisitos legais o administrador está obrigado a praticar o ato administrativo.
Acerca do tema, Juarez Freitas aduz que:
preconiza na doutrina pátria, com pequenas variações, que o ato administrativo vinculado é aquele em que o agente público, no âmbito da Administração direta ou indireta, não goza de qualquer liberdade, estando jungido a cumprir os comandos legais.[8]
Nos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:
Atos vinculados, como o próprio adjetivo demonstra, são aqueles que o agente pratica reproduzindo os elementos que a lei previamente estabelece. Ao agente, nesses casos, não é dada liberdade de apreciação da conduta, porque se limita, na verdade, a repassar para o ato o comando estatuído na lei. Isso indica que nesse tipo de ato não há qualquer subjetivismo ou valoração, mas apenas a averiguação de conformidade entre o ato e a lei.[9]
Registre-se que no ato administrativo vinculado todos os seus elementos, quais sejam, sujeito competente, forma, motivo, objeto e finalidade, encontram-se integralmente disciplinados por lei.
2.4.2 Atos Administrativos Discricionários
Os atos administrativos discricionários são aqueles em que a lei permite uma margem de liberdade de atuação para o Administrador, nos estritos limites legais determinados. A lei autoriza ao agente público decidir pautado no exame de conveniência e oportunidade, através das opções já prescritas na legislação, com a finalidade de melhor atender ao interesse público.
A professora Fernanda Marinella define o ato discricionário como:
aqueles em que a lei prevê mais de um comportamento possível a ser adotado pelo administrador em um caso concreto. Contudo, há margem de liberdade para que ele possa atuar com base em um juízo de conveniência e oportunidade, porém, sempre dentro dos limites da lei.[10]
O agente público, caso atue fora destes limites impostos pela lei, configurar-se-á a arbitrariedade e o abuso de poder em sua conduta, resultando, consequentemente, na invalidação do ato administrativo.
Por fim, o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo, ao discorrer sobre a distinção entre o ato vinculado e o ato discricionário, esclarece que:
Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma. Atos ‘discricionários’, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não dispõe de liberdade. A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa a realizar.[11]
No ato discricionário, a lei concede um certo grau de subjetivismo para o agente público escolher, dentro das opções previstas na legislação pertinente, a melhor alternativa para se alcançar a finalidade daquele ato.
Nestes tipos de atos, o motivo e o objeto são elementos discricionários, pois a competência (prevista em lei), a finalidade (sempre é razão de interesse público) e a forma (deve ser aquela definida em lei) serão, em regra, sempre vinculadas, não podendo o administrador fazer juízo de oportunidade e conveniência acerca de tais elementos.
Trata-se de mérito administrativo esta liberdade de atuação em relação ao motivo e ao objeto no ato discricionário.
3. MÉRITO ADMINISTRATIVO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
O mérito administrativo é a ponderação de interesses acerca do exame da conveniência e oportunidade na prática do ato administrativo, com vistas a atingir os fins legais propostos. O mérito administrativo situa-se no motivo e no objeto que são os elementos discricionários do ato. Como assevera Matheus Vianna:
O mérito do ato administrativo, portanto, é a liberdade conferida pela norma jurídica de o administrador público poder realizar uma ponderação de interesses, um juízo subjetivo de valor a respeito da situação fática, verificando a melhor forma de proceder para o atendimento do interesse público. Nesse modo de atuar, o agente leva em consideração regras para uma boa administração, bem como parâmetros fixados pela lei e pelos princípios. Será avaliado se o momento é adequado, ou seja, se é oportuno para a prática do ato, sendo, por conseguinte, útil ao atendimento do interesse público e da finalidade específica do ato.[12]
O mérito administrativo possui duas dimensões: a oportunidade (valoração administrativa) e a conveniência (escolha administrativa). Tais dimensões configuram os limites à discricionariedade do ato administrativo.
A dimensão da oportunidade no mérito administrativo se relaciona com o motivo do ato, na qual a valoração é orientada pelos princípios da realidade e da razoabilidade. No que tange ao princípio da realidade, verifica-se que o motivo do ato deve existir no plano físico e jurídico, bem como ser suficiente para a prática do ato. Quanto ao princípio da razoabilidade, o motivo deve ser adequado, compatível, buscando a coerência com a causa e o efeito do ato, e proporcional em relação fins que busca e os meios que emprega.
A dimensão da conveniência no mérito administrativo se relaciona com o objeto do ato, na qual a sua escolha também é regida pelos princípios da realidade e da razoabilidade. No que diz respeito à realidade, o objeto do ato deve ser possível juridicamente e materialmente, no tocante à razoabilidade, objeto do ato deve ser suficiente para alcançar o interesse público buscado pela norma de regência, em aceitável grau de eficiência.
Caso o administrador ultrapasse os limites legais prescritos, o ato administrativo é inoportuno e inconveniente e a sua discricionariedade inválida, cabendo ao Poder Judiciário fiscalizar tais requisitos, sem que isto signifique a substituição do mérito administrativo. Este é o entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Não se trata de substituir, voltamos a esclarecer, a escolha da Administração pela escolha do Judiciário; a este Poder não cabe fazer opções administrativas (mérito), mas, sem dúvida, ele tem o dever de não permitir que elas se façam com violação da lei, ainda que indireta. Tampouco se trata de exigir uma única solução ótima possível, do juiz, como também já examinamos, mas de zelar que a solução adotada não seja tão grosseiramente ineficiente que signifique o desprezo do dever de boa administração[13]
Existe o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o Poder Judiciário não poderia realizar o controle do mérito administrativo, considerando a liberdade que foi concedida ao agente público de escolher, dentre as opções previstas na lei pertinente, baseado em critérios de oportunidade e conveniência, a melhor solução para se alcançar a finalidade do ato praticado. Contudo, em conformidade a um sentido amplo do princípio da legalidade, cabe ao Judiciário verificar qualquer infringência à lei ou aos princípios constitucionais, mesmo que de forma indireta, buscando sempre, em um contexto de Estado Democrático de Direito, o zelo por uma maior efetividade e eficiência da satisfação das necessidades da sociedade.
4. ADMISSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DO CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
O tema central do presente estudo é a possibilidade da realização de um controle jurisdicional mais denso do ato discricionário, mas sem substituir o mérito administrativo.
A inafastabilidade do controle jurisdicional é princípio constitucional previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, que afirma: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”.
O controle jurisdicional dos atos administrativos nada mais é do que a verificação da compatibilidade entre a execução do ato e a previsão legal pertinente, consubstanciando o Princípio da Legalidade que rege a Administração Pública (artigo 37, caput, da Constituição Federal). É a submissão da função administrativa à lei em sentido amplo, ou seja, atos normativos, legislação ordinária, normas constitucionais e princípios jurídicos.
No caso dos atos administrativos discricionários, em que a lei concede uma margem de liberalidade na atuação do administrador, há entendimentos de que não há a possibilidade deste controle ser realizado na seara do mérito administrativo. Todavia, em um contexto fático de arbitrariedades, ilegalidades e desvios da finalidade precípua da Administração Pública, qual seja, o interesse público, somando-se à necessidade de se pautar nas balizas de um Estado Democrático de Direito, constata-se a necessidade de uma maior atuação do Poder Judiciário sobre esta discricionariedade administrativa.
Tal atuação não viola o Princípio da Separação dos Poderes, uma vez que a independência dos três poderes não é irrestrita e o controle judicial dos atos administrativos não interfere nas atribuições próprias do Poder Executivo, apenas propicia o equilíbrio e o bom funcionamento do Estado, evitando-se o abuso e o cometimento de arbitrariedades naquela esfera. É a configuração do sistema de freios e contrapesos proclamado no Estado Democrático de Direito, que viabiliza o Judiciário avaliar atos administrativos discricionários.
O controle pelo judiciário dos atos discricionários visa à verificação da correspondência dos motivos com a situação fática concreta e do resultado do ato à finalidade a que estava direcionado, sob pena deste ato ser invalidado, diante de sua ilegalidade.
Sobre a questão, o autor Celso Antônio Bandeira de Mello pondera:
É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo.[14]
Ao realizar uma análise mais aprofundada do ato administrativo, o Judiciário não estará eliminando a discricionariedade do administrador, apenas estará verificando, orientado por princípios jurídicos, se a sua atuação não ultrapassou os limites objetivos de significação da norma estabelecida.
Os princípios constitucionais, assumindo uma maior relevância no quadro atual, conferem uma maior segurança jurídica aos destinatários da atividade administrativa.
O agente público, ao ponderar interesses e valores, a partir do exame de critérios de conveniência e oportunidade, busca alcançar a finalidade a que se destina o ato, contudo, caso esta ponderação seja realizada de forma a não atender ao interesse público, pautado no princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, a parte interessada poderá buscar o Judiciário para solucionar a questão.
No mesmo sentido, colaciona-se trecho da obra da autora Germana de Oliveira Moraes:
A constitucionalização desses princípios da Administração Pública e dos princípios gerais do Direito gerou para o Poder Judiciário, a possibilidade de verificar além da conformidade dos atos administrativos com a lei, ao exercer o controle de seus aspectos vinculados, à luz do princípio da legalidade, também aspectos não vinculados desses atos, em decorrência dos demais princípios constitucionais da Administração Pública, da publicidade, da impessoalidade e de moralidade, do princípio constitucional a igualdade e dos princípios gerais da razoabilidade e da proporcionalidade.[15]
Em que pese ser, atualmente, o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência a inviabilidade da apreciação do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, há o fortalecimento do posicionamento de que é possível sim a realização desta análise, ampliando-se o controle jurisdicional do ato discricionário, pautado em princípios explícitos e implícitos do sistema jurídico brasileiro e desde que o mérito administrativo não seja substituído, visando uma maior proteção jurídica aos administrados.
Decerto, a vedada inquirição quanto à oportunidade e à conveniência não se confunde com o necessário exame da finalidade (invariavelmente vinculante), porém se avizinham a ponto de se dever afirmar, na busca de uma imprescindível delimitação técnica das fronteiras conceituais, que o controle haverá de ser o de ‘administrador negativo’, em analogia com o de ‘legislador negativo’, exercido no controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Porque, se é certo que o Judiciário não pode dizer substitutiva e positivamente, como o julgador deveria ter julgado ou positivamente agido, deve emitir juízo principiológico e finalístico de como não deveria ter julgado ou agido, ao emitir juízos guiados por aquela discrição sempre vinculada aos princípios superiores da Administração Pública.[16]
Assim, o controle do Poder Judiciário do mérito administrativo poderá ser realizado de forma limitada, somente no que tange à adequação ao ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, com seus princípios norteadores.
Segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente.[17]
Assim como os entendimentos doutrinários, a jurisprudência dos tribunais superiores paulatinamente vem admitindo a possibilidade de um controle jurisdicional mais amplo da atividade discricionária do administrador.
Existem julgados no Superior Tribunal de Justiça acerca da questão:
(...) 2. Hoje em dia, parte da doutrina e da jurisprudência já admite que o Poder Judiciário possa controlar o mérito do ato administrativo (conveniência e oportunidade) sempre que, no uso da discricionariedade admitida legalmente, a Administração Pública agir contrariamente ao princípio da razoabilidade. Lições doutrinárias. 3. Isso se dá porque, ao extrapolar os limites da razoabilidade, a Administração acaba violando a própria legalidade, que, por sua vez, deve pautar a atuação do Poder Público, segundo ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput).[18]
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.(...) 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade(...).[19]
E ainda mais recentes:
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade. 2. "Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido" (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).
3. No caso em apreço, se o ato administrativo de avaliação de desempenho confeccionado apresenta incongruência entre parâmetros e critérios estabelecidos e seus motivos determinantes, a atuação jurisdicional acaba por não invadir a seara do mérito administrativo, porquanto limita-se a extirpar ato eivado de ilegalidade. 4. A ilegalidade ou inconstitucionalidade dos atos administrativos podem e devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que a discricionariedade transfigure-se em arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade. 5. "Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição.) 6. O acolhimento da tese da recorrente, de ausência de ato ilícito, de dano e de nexo causal, demandaria reexame do acervo fático-probatórios dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. Agravo regimental improvido. [20]
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSE PARTICULAR. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. MANIFESTA ILEGALIDADE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA.
1. Embora, em regra, não seja cabível ao Poder Judiciário examinar o mérito do ato administrativo discricionário - classificação na qual se enquadra o ato que aprecia pedido de licença de servidor para tratar de interesse particular -, não se pode excluir do magistrado a faculdade de análise dos motivos e da finalidade do ato, sempre que verificado abuso por parte do administrador. 2. Diante de manifesta ilegalidade, não há falar em invasão do Poder Judiciário na esfera Administrativa, pois é de sua alçada o controle de qualquer ato abusivo, não se podendo admitir a permanência de comportamentos administrativos ilegais sob o pretexto de estarem acobertados pela discricionariedade administrativa. 3. No caso dos autos, os motivos elencados pela Administração na recusa de licença ao professor universitário para tratar de interesse pessoal eram inidôneos, pois se apoiaram em elementos inverossímeis, sendo ausente, ademais, eventual prejuízo ao interesse público. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.[21]
(...) 2. O ato administrativo discricionário está sujeito a controle judicial, sobretudo no que se refere à presença de motivação, respeitados os limites da discricionariedade conferida à Administração. 3. Pedido de licença indeferido tendo como motivação a demanda de profissionais da área de comunicação nos órgãos da Administração Direta e Indireta, não se podendo confundir motivação sucinta com ausência de fundamentação. 4. Exigindo o rito da ação mandamental prova pré-constituída do direito alegado, não é possível desconstituir a premissa utilizada pela Administração para o indeferimento da licença requerida pelo impetrante. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.[22]
A preocupação com a má utilização da discricionariedade concedida ao agente público cresce a cada dia, diante da possibilidade de dissimulação de um ato inválido camuflada pelo exercício de uma liberalidade concedida pela lei. Esta violação, por ser de difícil descoberta, poderá produzir efeitos nefastos para a sociedade.
Neste sentido, e ainda analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, colaciona-se trecho do voto esclarecedor da Ministra Eliana Calmon, no Recurso Especial n° 429.570/GO:
“No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei. A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário. A partir da última década do Século XX, o Brasil, com grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em retirar do Legislador a supremacia de super poder, ao dar nova interpretação ao princípio da legalidade. Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento. A tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de "Cavalo de Tróia" pelo alemão Huber, transcrito em "Direito Administrativo em Evolução", de Odete Medauar. Dentro desse novo paradigma, não se pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade, não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total do administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se, porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas também o político e a opinião pública”. [23]
Noutro giro, o Supremo Tribunal Federal também possui posicionamentos neste sentido:
(...) 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.[24]
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Administrativo. Curso de formação. Polícia Federal. Escolha de vagas, para fins de lotação de novos servidores. 3. Preterição dos melhores colocados. Direito de opção preferencial por vagas abertas a candidatos de turmas subsequentes. 4. Discricionariedade a excepcionar o princípio da isonomia. Ausência de motivação. Possibilidade de controle pelo Judiciário. 5. Ofensa reflexa à Constituição Federal. Exigência de interpretação de normas editalícias. Súmula 454. 6. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.[25]
No referido julgado, o Ministro Relator Gilmar Mendes asseverou que:
Nesse sentido, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que compete ao Judiciário controlar o exercício da discricionariedade, quando houver excesso de poder ou desvio de finalidade. Cito o seguinte julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRESSUPOSTO ESPECIFICO DE RECORRIBILIDADE. A parte sequiosa de ver o recurso extraordinário admitido e conhecido deve atentar não só para a observância aos pressupostos gerais de recorribilidade como também para um dos específicos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o artigo 6., paragrafo único, da Constituição de 1969 acórdão em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respaldá-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível (Discricionariedade e Controle judicial).”(RE 131661, rel. min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, DJ 17.11.1995, grifei).
Por todo o exposto, constata-se que a doutrina e a jurisprudência encontram-se caminhando no sentido do reconhecimento de um controle realizado pelo Poder Judiciário mais profundo do ato administrativo discricionário, considerando que a aludida discricionariedade só é efetiva quando expressamente atribuída, pela norma jurídica válida, ao administrador, que atuará dentro da margem concedida pela lei.
A amplitude deste controle judicial encontra-se respaldo nos princípios jurídicos implícitos ou explícitos da sistemática jurídica brasileira, empreendidos à luz de um Estado Democrático de Direito, para a efetivação dos interesses e anseios sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema abordado nesta pesquisa possui grande relevância no contexto atual, considerando que nos encontramos sob a égide de um Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é a efetivação de uma justiça material.
Diante de um triste quadro em que abusos de poder e desvios da finalidade do interesse público praticados por aqueles que detêm o munus publico tornam-se constantes no cotidiano da sociedade brasileira, um controle mais rígido e detido dos atos emanados pela Administração Pública é medida imprescindível para assegurar a garantia da prestação e da satisfação efetivas das necessidades coletivas.
A admissibilidade de um controle jurisdicional mais profundo do ato administrativo discricionário inviabiliza que a Administração Pública pratique arbitrariedades sob o pretexto do exercício de seu poder discricionário.
Os atos dos administradores devem estar pautados não só em normas-regras, mas também devem estar em consonância com os princípios constitucionais, como o da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade. Tal necessidade reflete no mérito administrativo do ato discricionário, não objetivando modificar o juízo de conveniência e oportunidade do Administrador Público, mas sim verificar se este foi realizado em conformidade com ordenamento jurídico vigente como um todo, conferindo-lhe legitimidade.
A apreciação do mérito administrativo deve ser realizada de forma limitada e à luz dos princípios norteadores do Direito Pátrio, pois até mesmo os atos administrativos discricionários possuem seus limites previamente previstos no sistema normativo, como decorrência dos princípios adotados pela Constituição Federal brasileira, como o Princípio da Legalidade, balizador da atividade da Administração Pública.
O Princípio da Legalidade, em seu sentido amplo, consiste em um pressuposto para um Estado de Direito, garantindo uma maior segurança jurídica aos seus administrados, coibindo atos arbitrários de seus representantes e atentatórios aos anseios e necessidades da sociedade em geral.
Nesta nova conjuntura, em que os princípios constitucionais são de extrema importância para a concretização de um ideal de justiça social, o controle jurisdicional dos atos discricionários é um instrumento utilizado para inviabilizar a prática de ilegalidades pelos agentes públicos.
A questão vem sendo amplamente debatida por doutrinadores e pela jurisprudência, diante de sua relevância e necessidade.
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[1] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 1a. ed. vol I. Salvador: Jus Podium, 2005. Página 165-166.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2002. Página 341.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22ª ed., rev. e ampl. e atual. até 10/07/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, página 116.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22ª ed., rev. e ampl. e atual. até 10/07/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, página 117.
[5] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: JusPodium, 2004. Página 97.
[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22ª ed., rev. e ampl. e atual. até 10/07/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, página 112-113.
[7] CARVALHO, Matheus Vianna. O Controle dos Atos Administrativos Discricionários pelo Poder Judiciário: Análise do Mérito Administrativo de acordo com os Princípios Constitucionais Atinentes. Disponível em: http://migre.me/o4okq. Acesso em 03 de janeiro de 2015.
[8] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, página 132.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22ª ed., rev. e ampl. e atual. até 10/07/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, página 125.
[10] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 1a. ed. vol I. Salvador: Jus PODIUM, 2005, página 170.
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2002. Página 380.
[12] CARVALHO, Matheus Vianna. O Controle dos Atos Administrativos Discricionários pelo Poder Judiciário: Análise do Mérito Administrativo de acordo com os Princípios Constitucionais Atinentes. Disponível em: <http://migre.me/o4okq>. Acesso em 03 de janeiro de 2015.
[13] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limitese Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 77.
[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2002. Páginas 833 a 834.
[15] MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. Página 112.
[16] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. Páginas 142-143.
[17] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. Página 204.
[18] STJ, REsp 778648 / PE, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 06/11/2008, Data da Publicação: DJe 01/12/2008.
[19] STJ, REsp 429570 / GO, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 11/11/2003, Data da Publicação: DJ 22/03/2004.
[20] STJ, AgRg no REsp 1.280.729/RJ, Relator: Ministro Humberto Martins, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data de Julgamento 10/04/2012, Data de Publicação: DJe de 19/4/2012.
[21] STJ, AgRg no REsp 1.087.443/SC, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Órgão Julgador: Quinta Turma, Data do Julgamento: 4/6/2013, Data da Publicação: DJe 11/6/2013.
[22] STJ, Recurso em Mandado de Segurança n° 40769/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data de Julgamento: 17/12/2013, Data Publicação: DJe 7/02/2014.
[23] STJ, REsp 429570 / GO, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 11/11/2003, Data da Publicação: DJ 22/03/2004, p. 277.
[24] STF, RMS 24699 / DF, Relator: Ministro Eros Grau, Órgão Julgador: Primeira Turma, Data do Julgamento: 30/11/2004, Data da Publicação: DJ 01-07-2005.
[25] STF, ARE 740670AgR, Relator: Ministro Gilmar Mendes, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data de Julgamento: 07/10/2014, Data de Publicação: DJ 21/10/2014.
Graduada pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora pública, mais especificamente, Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, exerço minhas funções na 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Belo Horizonte - I Tribunal do Júri da Comarca.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Rafaella Souza. A admissibilidade da ampliação do controle jurisdicional do ato administrativo discricionário no âmbito do Estado Democrático de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45314/a-admissibilidade-da-ampliacao-do-controle-jurisdicional-do-ato-administrativo-discricionario-no-ambito-do-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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