Resumo: O presente artigo visa demonstrar a importância de se analisar os casos concretos a partir do âmbito social, partindo do conceito de que somente assim se atingirá a justiça real. Para tanto, serão analisados alguns aspectos do direito comparado com o fito de estabelecer quais melhorias seriam possíveis e aplicáveis em nosso país, para que o Poder Judiciário como um todo se torne mais eficaz. É importante destacar a necessidade de que os operadores do direito, em especial os magistrados, cumpram sua função social. O processo deve ser observado por eles como um meio utilizado por indivíduos da sociedade para obter a prestação jurisdicional a respeito do que entendem ser justo e não como mais um número para uma possível promoção. O distanciamento entre as partes processuais e a cultura já enraizada de endeusar os magistrados somente prejudicam os cidadãos comuns que ali estão buscando o alcance da justiça de fato e de direito. Propõe-se, portanto, a reflexão e posterior transformação de alguns valores e conceitos há muito tempo adotados por nossa sociedade, que contribuem veementemente para a falência na credibilidade do Poder Judiciário como órgão de alcance da justiça real.
Palavras-chave: Ciência social; Sociologia Jurídica; Justiça Real.
Abstract: This article intents to highlight the importance of analyzing the real cases trough the social perspective, starting from the concept that it is the only way we can achieve real justice. Therefore, some aspects of comparative law will be investigated striving to establish which improvements can be applied in our country, so that the Legal System becomes more effective. It is important to emphasize the necessity that the law operators, specially judges, accomplish their social role. The procedure must be observed by them as the way individuals from the society pursue their ambitions to achieve what they consider just and not as a number to get a promotion. The distance between the procedural parts and the culture already settled of thinking about judges as gods only harm the regular citizens that are searching for real justice. The proposal is to encourage the reflection about this subject and a future transformation of some values and concepts that have been adopted by our society a long time ago and that contribute to the failure of the credibility in our Legal System as the institute that achieves real justice.
Keywords: Social Science; Juridical Sociology; Real Justice.
Sumário: Introdução; 1. Análise Comparativa dos Sistemas Common Law e Civil Law; 2. A Influência das Revoluções Sociais na Legislação; 3. A Função Social do Direito, o Equilíbrio e a Justiça; 4. Críticas ao Sistema Judiciário em Vigor e a Necessidade de Humanização do Direito; 5. Sugestões para Melhoria do Sistema Atual; 6. Casos Concretos Exemplificativos; 7. Os Concursos Públicos e o Incentivo ao não Cumprimento da Função Social; Conclusão.
A Função Social do Direito
Introdução
O curso de direito é classificado nas universidades como parte integrante das ciências sociais ou, algumas vezes, ciências humanas. Por essa e por outras razões, o direito não pode ser compreendido e interpretado como uma ciência exata, mas sim ser aplicado adequando-se o caso concreto ao que encontra-se disposto na legislação.
Desse modo, este trabalho abordará tanto o direito comparado, a fim de demonstrar as diferenças entre países na aplicação do direito, bem como apresentará críticas e sugestões ao atual sistema judiciário que se encontra em crise.
Serão também analisados alguns exemplos de casos concretos em que os intérpretes utilizaram-se da legislação de forma inflexível, com o fito de demonstrar que esse não é a melhor forma de se atingir a justiça.
A finalidade deste trabalho é demonstrar a importância de se observar o direito e a legislação como instrumentos de alcance da justiça real nos casos concretos, através do cumprimento de sua função social. Nesse diapasão, tem o objetivo de promover a reflexão do leitor e intérprete, para se atentar a esse assunto tão importante porém tão desvalorizado pelos juristas atualmente.
1. Análise Comparativa dos Sistemas Common Law e Civil Law
Em nosso país, a lei é entendida como a manifestação concreta do direito na sociedade, devendo ser, a todo tempo, observada e respeitada. Diferentemente do sistema Common Law, o Brasil adota como regra geral a Civil Law.
Naquele sistema as regras e fundamentos jurídicos são construídos a partir dos casos concretos, isto é, da jurisprudência. Existe a legislação, mas a fundamentação das decisões judiciais baseia-se, principalmente, nos julgamentos anteriores de casos similares. Esse sistema é adotado, principalmente, pelos países de origem algo-saxônica, como a Inglaterra e os Estados Unidos.
Já o sistema da Civil Law tem como norte para a solução dos litígios da sociedade a legislação, o texto legal propriamente dito. Aqui, o que impera é a lei, e ela deve ser seguida rigorosamente pelos aplicadores e intérpretes do direito.
Não obstante o Novo Código de Processo Civil tenha como um dos objetivos a uniformização da jurisprudência, a fim de minimizar a insegurança jurídica que atualmente abala a credibilidade do nosso Poder Judiciário, ainda assim, a lei continuará sendo a principal fonte do direito, devendo ser respeitada por todos os cidadãos brasileiros.
Contudo, é nitidamente impossível ao legislador prever e dispor acerca de todos os casos e situações possíveis de ocorrerem dentro da sociedade. Esta, por ser formada por seres humanos, está sujeita à transformações constantes: de posicionamentos, de atitudes, de costumes, de culturas, entre inúmeras outras.
2. A Influência das Revoluções Sociais na Legislação
Algumas transformações sociais acontecem gradualmente, como, por exemplo, a modificação do conceito patriarcal de família, amplamente defendido no outrora vigente Código Civil de 1916. Durante longos anos a sociedade foi transformando este conceito, tendo essa mudança chegado a um marco importantíssimo com a vigência do Novo Código Civil em 2002.
Porém, ainda que a transformação tenha sido significativa com o código, de 2002 até 2015 o conceito de família já se modificou ainda mais. Atualmente, já se considera como família não somente aquelas formadas por homens e mulheres, mas também aquelas originadas de relacionamentos homoafetivos, às quais já são reconhecidos e aplicados muitos dos direitos familiares, como adoção e reconhecimento de casamento para efeitos de herança. Essa revolução do conceito de família se deu de forma extremamente célere, se comparada ao exemplo anterior.
Nesse sentido, é evidente o fato de que as leis, muito frequentemente, não conseguem acompanhar a velocidade das mudanças ocorridas na sociedade e, assim, não podem abranger ou refletir os direitos dos cidadãos por completo. Desse modo, fica muito clara a necessidade de que os operadores do direito, sejam eles juízes, desembargadores ou ministros, tenham como base não só a lei propriamente dita, mas também se utilizem da razoabilidade e dos demais princípios jurídicos para adequar uma norma jurídica ao caso concreto, ainda que não lhe sirva como uma luva.
Ademais, as decisões judiciais proferidas pelos intérpretes e aplicadores do direito jamais conseguiriam ser fundamentadas, tão somente, na legislação. Isso porque os operadores do direito não conseguem desvencilhar integralmente o texto legal e o caso concreto das suas convicções e princípios particulares.
Tratam-se, assim como as partes, de seres humanos, com virtudes, histórias, princípios e convicções próprias, dos quais não poderiam ser despidos para o julgamento do mérito processual.
Caso contrário, não seria necessário que os aplicadores do direito fossem pessoas. Se conseguíssemos aplicar a letra da lei de forma estática a todos os casos ocorridos na sociedade, poderíamos robotizar os processos judiciais, economizando bilhões aos cofres públicos.
A teoria francesa de que o juiz representaria “la bouche de la loi” (a boca da lei), ratificada por Montesquieu, já está superada em quase todo o mundo. Deve-se observar o juiz não como aplicador mecânico do que encontra-se disposto na lei, mas sim como verdadeiro intérprete, analisando o caso concreto e aplicando a legislação de modo a se atingir a verdadeira justiça.
Vale ressaltar, porém, que isso não dá ao julgador a liberalidade de julgar casos deveras similares de formas distintas, tomado por outras razões que não sejam a finalidade de alcançar a justiça. Assim, os magistrados tem a árdua função de ponderar e utilizar-se, com moderação, de seus poderes de intérprete legislativo, jamais se afastando do texto da lei.
3. A Função Social do Direito, o Equilíbrio e a Justiça
O ideal é que exista um equilíbrio entre suas convicções pessoais, das quais não poderia se afastar, e a aplicação do que a legislação dispõe, pois somente assim a função social do direito e, também, da prestação jurisdicional, estariam satisfeitas. Não por acaso o símbolo que nos vem à lembrança quando discorremos acerca do direito e da justiça é uma balança.
A impossibilidade de se desvencilhar o ser humano juiz do cargo público a que ele se presta é, justamente, a concretização de sua função social. Particularmente, entendo que a beleza do direito está em sua aplicação e interpretação por seres humanos, os quais conhecem as mazelas e os anseios dos outros seres humanos que compõe a lide processual. Assim, e somente assim, reitero que será possível atingir um patamar mais próximo ao conceito de justiça, que é o objetivo do direito em si.
Portanto, não se mostra razoável tratar o direito como ciência exata, posto que assim estaria se distanciando de sua própria essência e finalidade social. Não só a propriedade tem que cumprir sua função social, mas o direito, de forma ainda mais abrangente, também o tem.
Destarte, a função social do direito pode ser ramificada em inúmeros âmbitos, sendo a função social de seus operadores somente um deles. Em termos de interpretação da legislação e do direito, não se pode dar mais ênfase à função legal do que ao objetivo social a que ela se presta.
O direito deve servir à sociedade, e não o contrário. A sociedade, por sua vez, nada mais é do que um sistema de interações humanas culturalmente padronizadas.
4. Críticas ao Sistema Judiciário em Vigor e a Necessidade de Humanização do Direito
Percebe-se, claramente, a vinculação do conceito de sociedade com o de ser humano, não podendo ser analisados de forma distinta. Portanto, a ciência social ou a função social de qualquer coisa nada mais é do que aquela relacionada aos seres humanos que dela fazem parte.
Por que, então, alguns intérpretes insistem em atuar como robôs, aplicando a legislação de forma seca e distante, muitas vezes, sem sequer analisar as especificidades de cada caso concreto?
Conformam-se em agir como máquinas, inatingíveis e superiores à aquelas situações e partes, negando-se a considerar que por trás daquele reiterado “polo ativo” e “polo passivo” existem seres, humanos, perseguindo os seus direitos em situações que merecem ser analisadas e individualizadas de acordo com suas particularidades.
O judiciário, é sabido por todos, encontra-se exageradamente abarrotado, enquanto o número de servidores e juízes não é, de fato, suficiente para suprir a demanda. Porém, a solução deste problema não é que os julgadores se transformem em máquinas decisórias em massa, distanciando-se das partes e do processo como um todo, buscando sempre a maior produtividade, independente do conteúdo de suas decisões.
Inclusive, mostra-se um completo absurdo que a produtividade, a qual é medida pelo número de andamentos, despachos, decisões e sentenças processuais, seja um requisito para a promoção dos julgadores, independentemente de estarem corretas, serem moralmente aceitas, lógicas ou não.
Tendo como objetivo final o alcance da justiça efetiva para as partes, o direito e o Poder Judiciário não podem ser tratados como negócio ou empresa, onde só se pensa em produtividade e promoções dela recorrentes.
Essa previsão incentiva os julgadores a se colocarem em um patamar ainda mais distante das partes, acima de tudo e de todos, a ponto de não se importar com o teor ou conteúdo de uma decisão. Chega-se ao ponto de um julgador proferir uma decisão de qualquer forma e, ainda, esbravejar aos quatro ventos que, se estiver errada, “o tribunal tá aí pra isso” [sic]. Isso aconteceu de verdade e, infelizmente, tive o desprazer de ouvir esse disparate pessoalmente.
Destarte, a aproximação dos julgadores com as partes e com o processo em si mostra-se extremamente necessária, inclusive como forma de minimizar a quantidade de recursos interpostos aos tribunais superiores. A lembrança do âmbito social do direito como ciência deve estar presente, sempre, quando da atuação dos intérpretes e operadores da legislação, além de ser necessária uma adequação dessa consciência às normas e regulamentos já existentes.
As partes vão em juízo não em busca de uma decisão ou sentença, mas em busca de uma providência jurisdicional para concretizar um direito que entendem ter. Não querem o técnico, a aplicação pura e simples do que a lei já determinou, mas sim que o julgador entenda seu caso, aprecie-o de forma individual com seus motivos e razões próprias e, ao final, seja alcançada a justiça.
Obviamente, o objetivo deste artigo não é defender a análise pormenorizada individual de todo e qualquer caso que chega ao judiciário, posto que isso aumentaria em muito o tempo de tramitação do processo, que já ultrapassa o razoável. Porém, medidas podem ser tomadas para aproximar o julgador das partes processuais e, também, para promover a celeridade do processo.
5. Sugestões para Melhoria do Sistema Atual
A solução não seria somente aumentar o contingente administrativo forense e o número de varas por comarca ou região. É necessário que exista uma mobilização de todo o judiciário, a fim de reformar esse pensamento separatista, discriminatório e antiquado existente em nosso meio.
Além de modificar o atual plano de carreira do judiciário, extinguindo por completo o requisito de produtividade como determinante para a promoção dos julgadores, estes deveriam ser obrigados a frequentar cursos de atualização e reciclagem, pelo menos, duas vezes por ano. Esses eventos teriam a finalidade de otimizar o serviço público jurisdicional que é prestado pelos ocupantes deste cargo.
Da mesma forma, deveriam os assessores e assistentes dos julgadores ter critérios mais rigorosos para exercer essa função que é, muitas vezes, tão importante quanto a do próprio julgador, apesar de comumente desvalorizada. Assim como os juízes, deveriam participar avidamente de cursos e especializações para prestar o serviço de forma cada vez melhor.
Deve-se ter mente que esse tipo de conduta coercitiva humaniza os julgadores e torna-os mais próximos dos demais operadores do direito, afinal, se todos temos que estar sempre estudando e buscando trabalhar da melhor forma, por que com eles seria diferente?
Assim, cria-se uma consciência de que os julgadores e seus assessores são pessoas comuns, trabalhando, prestando serviços públicos à sociedade e buscando crescer em suas carreiras. E, infelizmente, muitas vezes essa consciência precisa ser criada neles próprios. Desse modo, a sociedade tende a desconstruir a imagem do julgador no altar, de que estes encontram-se no topo da “cadeia jurídica”, hierarquicamente superiores aos demais e inatingíveis.
Ademais, a atuação dos julgadores de forma mecanizada acaba por influenciar, também, no aumento do número de demandas judiciais, na massificação das ações judiciais. Isso porque uma parte, sabendo que o julgador atua dessa forma e agindo de má-fé, pode buscar as providencias judiciais para atingir seus objetivos torpes, ainda que estes não sejam justos de fato. E, muitas vezes, conseguem, devido à falta de atenção específica de alguns julgadores com especificidades dos casos concretos.
6. Casos Concretos Exemplificativos
Um exemplo desse apego exagerado ao texto da lei é o caso de um credor que busca em juízo a satisfação de seu crédito. Por sorte, encontra um único bem de propriedade do devedor, livre e desimpedido, totalmente apto a responder pela dívida. Porém, o magistrado nega-se a deferir a prestação jurisdicional, que no caso seria a penhora desse bem, sob a alegação de que o bem tem valor superior à dívida, fundamentando no princípio da menor onerosidade ao devedor (artigo 620, CPC).
Assim, atendo-se ao referido princípio e de forma totalmente injusta, o intérprete deixa de observar os direitos do credor, que não pode satisfazer sua dívida de outra forma. Nessa situação, obviamente, o julgador não está fazendo justiça, ainda que esteja fundamentando suas decisões em dispositivo específico da legislação.
Outro exemplo é um julgador que obriga uma senhora idosa a restituir os benefícios da pensão por morte do marido que recebeu a mais, totalmente sem conhecimento do equívoco e de boa-fé, por erro exclusivo da empresa responsável pelo repasse dos valores. Vale ressaltar que o erro perdurou por mais de dez anos, criando na senhora a expectativa de que aqueles valores que recebia eram, de fato, corretos.
Não obstante a latente ilegalidade do pedido de restituição desses valores, seja em razão de sua natureza alimentícia, por ser a única fonte de renda da senhora, seja em razão dos institutos da boa-fé – supressio e venire contra factum proprium – que não estão sendo observados, o julgador não se atentou a essas particularidades e pautou sua decisão na vedação ao enriquecimento sem causa, imputando à senhora a devolução dos valores à empresa.
Desse modo, condenou a senhora de idade, cuja única renda é uma pensão em valor inferior a dois salários mínimos, a restituir cerca de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) que lhe foram pagos por erro exclusivo da empresa que repassou os valores. Essa restituição deverá ser retirada mensalmente no percentual de 20% (vinte por cento) do seu benefício, antes do pagamento.
Essa decisão, assim como a anteriormente citada neste trabalho, ainda que fundamentada em dispositivos legais (Artigos 876 e 884 do Código Civil), mostra-se totalmente injusta, não tendo o julgador atendido à sua função social como operador do direito e servidor público que é.
Os advogados e as partes processuais, infelizmente, se deparam e são obrigados a lidar com situações como essas todos os dias.
7. Os Concursos Públicos e o Incentivo ao não Cumprimento da Função Social
Além de todos os problemas já mencionados, cabe ressaltar, também, que os concursos públicos para o recrutamento dos juízes mostram-se totalmente contrários ao conceito de socialização do direito e da justiça. Isso porque, cada vez mais em busca dos benefícios como salário e vitaliciedade oferecidos no cargo, os indivíduos veem-se tentados a ingressar no mundo jurídico, ainda que não tenham a menor vocação para a função.
Vale destacar a notícia recentemente veiculada em todo o país de um juiz do Estado de Goiás que pediu exoneração do cargo para buscar "sua profissão ideal", posto que não se identificou com a carreira da magistratura. Não obstante a atitude deste magistrado ser admirável, não se pode ter a ilusão de que outros juízes agirão da mesma forma, tendo em vista os grandes benefícios dos quais estariam abrindo mão.
Contudo, o importante é a reflexão que deve ser feita sobre esta notícia que tanto repercutiu no país. Caso este juiz não tivesse renunciado ao cargo, ainda que ele claramente não estivesse contente ou disposto a exercer sua função de julgador de forma primorosa, ele permaneceria exercendo este trabalho que é tão importante para a sociedade, de forma totalmente infeliz.
Isso teria um reflexo negativo nas decisões por ele tomadas, por mais ético que ele fosse. Isso porque ele, como ser humano que é, não conseguiria desvincular totalmente a sua frustração com aquele trabalho das decisões tomadas na sua atuação como servidor público. Assim, pode-se concluir que ele não poderia ser um excelente julgador.
Vale questionar então, quantos não são os julgadores que ingressam nesta árdua e complexa carreira visando apenas os benefícios, ainda que não tenham vocação para exercer tal função? Não serão estes indivíduos infelizes profissionalmente, ainda que financeiramente estáveis, podendo influenciar de forma negativa e profunda a vida dos cidadãos que buscam a justiça através do poder judiciário? É um questionamento contundente em relação ao atual sistema de recrutamento dos intérpretes e aplicadores da lei.
Juntamente com a atratividade dos benefícios, surgiram facilidades para aqueles que estudam para esse tipo de concurso. Atualmente no mercado existem profissionais que ensinam as pessoas a passarem em concursos desse nível, chamados “coaches”, do termo em inglês que significa “técnicos”.
Estrategicamente aproveitando a oportunidade do mercado, esses técnicos – geralmente indivíduos que já passaram em grandes concursos – ensinam seus “pupilos” a como estudar de forma eficiente para obter êxito nos certames. As regras consistem, basicamente, em técnicas de memorização e leitura, tendo em vista que as bancas de grandes concursos cobram praticamente só o texto da lei nas primeiras fases.
Contudo, conforme já fora analisado neste trabalho, o texto da lei isolado não atinge a finalidade do direito, que é a obtenção de justiça. Dessa forma, o recrutamento de novos julgadores e aplicadores do direito corrobora de forma explícita com a mecanização da justiça, afastando-os de sua função social.
Os concursos públicos para cargos de alto nível elegem profissionais, muitas vezes, despreparados, ainda que tenham memorizado fielmente todos os artigos dos códigos brasileiros. Carecem de experiência de vida, experiência profissional, conexão social com as partes e o processo.
Os aprovados nestes concursos, frequentemente, saíram diretamente da faculdade para os livros, cada vez mais jovens, isolando-se de tudo e todos para se dedicar às infindáveis horas de estudo diário. Assim, perdem o contato com a sociedade e, tornam-se, por isso, menos sensíveis e humanos.
Além disso, depois que obtém sucesso nos certames, os julgadores tornam-se inatingíveis e supremos, não sendo-lhes imposto que se atualizem, estudem, prestem um bom serviço público tanto de julgamento quanto de atendimento ao público, que também faz parte de sua função.
Após a aprovação, os juízes passam a ter liberdade de fazer, praticamente, o que bem entendem em suas varas, contribuindo ainda mais para o seu distanciamento das partes. Da mesma forma, deixam de se preocupar com o conteúdo ou com a finalidade da prestação jurisdicional buscada pelas partese atentam-se, somente, ao rebuscamento do texto, à formalidade linguística que, por vezes, é tanta, que nem se compreende o que quis o magistrado dizer.
Ainda, importante ressaltar que a dificuldade técnica para ingressar neste tipo de cargo torna alguns candidatos, quando bem sucedidos nos certames, arrogantes, acreditando que estão acima dos demais seres humanos e, inclusive, das próprias partes processuais. Não obstante, o processo seletivo não se preocupa em investigar a personalidade dos candidatos, suas condutas morais, suas ambições profissionais e sua vocação de fato.
Vale destacar que o exame psicotécnico, fase obrigatória nos concursos para magistratura, não se mostra eficiente para fazer essa análise e seleção. Existem pessoas, inclusive, que ministram aulas e vendem instruções de como ser bem sucedido nessa fase dos certames.
Assim, ainda que o candidato não tenha em sua personalidade os requisitos necessários para passar neste exame, ele aprende e decora como deve se comportar e acaba por ser bem sucedido. Infelizmente, este é mais um exemplo do famoso "jeitinho brasileiro" de solucionar qualquer imposição legal que obste o seu caminho.
Conclusão
Portanto, não por acaso, assim como no Poder Judiciário de modo geral, nos referidos certames a tecnicidade se sobrepõe à finalidade social que será desempenhada pela função que será exercida.
Desse modo, o Brasil empossa cada vez mais juízes exageradamente técnicos e legalistas, distantes das partes processuais e dos advogados, que estão completamente preparados para as situações idênticas às imaginadas pelo legislador. Contudo, quando existem particularidades, por vezes não conseguem ponderá-las e aplicar com equilíbrio não só o texto legal, mas a intenção do legislador de modo a atingir a tão sonhada justiça.
Em razão disso, em nosso Poder Judiciário, frequentemente nos deparamos com verdadeiras aberrações jurídicas como as decisões totalmente injustas já mencionadas neste trabalho. Todas essas considerações somente corroboram ainda mais com a atual situação de falência e descredibilidade deste órgão essencial à manutenção da democracia.
Infelizmente, este é o quadro da justiça do nosso país e a tendência é piorar cada vez mais caso não seja modificada a forma como os intérpretes e julgadores são recrutados, bem como a fiscalização de suas atribuições e obrigações após assumirem um cargo de tamanha importância.
É necessário conscientizar, também, os cidadãos, especialmente aqueles relacionados ao meio jurídico, da importância do cumprimento da função social do direito e das leis, não só pelos juízes, como por advogados, partes, servidores, e todos os demais.
Dessa forma, estaremos transformando, também, a cultura já enraizada em nossa sociedade de supervalorização dos magistrados, contribuindo, assim, com o equilíbrio e aproximação das partes processuais em geral (juízes, partes, advogados e servidores). Somente assim poder-se-á chegar mais próximo do verdadeiro conceito de justiça, ainda tão utópico atualmente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIERSANTI, Fernanda Lima França. A Função Social do Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45364/a-funcao-social-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MATEUS DANTAS DE CARVALHO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Marco Aurelio Nascimento Amado
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: RODRIGO KSZAN FRANCISCO
Precisa estar logado para fazer comentários.