RESUMO: O artigo que se segue tem como tema a Súmula nº 443 do STJ e seus reflexos na dosimetria da pena. O objetivo do trabalho é analisar os efeitos concretos da mencionada súmula no processo de dosimetria das penas em sentenças condenatórias pelo crime de roubo circunstanciado, tendo em vista que tal ato normativo exige fundamentação concreta para que haja aumento na terceira fase da dosimetria da pena no crime de roubo circunstanciado e não apenas a indicação da quantidade de majorantes. A metodologia utilizada é a bibliográfica e jurisprudencial. A conclusão do artigo é que, embora haja a possibilidade de deslocamento de uma causa de aumento de pena para a primeira fase da dosimetria, de maneira a exasperar a pena-base em razão da análise negativa das circunstâncias judiciais, essa não é uma opção correta, pois burla os princípios legais e a melhor técnica de dosimetria da pena.
Palavras-chaves: penal; roubo; súmula; dosimetria.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo a análise da súmula nº 443 do Superior Tribunal de Justiça e seus reflexos na dosimetria da pena. A súmula nº 443 do STJ exige fundamentação concreta para que haja aumento na terceira fase da dosimetria da pena no crime de roubo circunstanciado e não apenas a indicação da quantidade de majorantes. Ocorre que, no caso de roubos circunstanciados por mais de uma causa de aumento de pena, a proibição de utilização do critério quantitativo na exasperação da pena influencia na primeira fase da dosimetria, que tem a pena-base aumentada em virtude da causa de aumento excedente. Assim, o presente artigo busca analisar a possibilidade de deslocamento de uma causa de aumento de pena para a primeira fase da dosimetria, de maneira a exasperar a pena-base em razão da análise negativa das circunstâncias judiciais. A metodologia utilizada será de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
2. O Crime de Roubo
2.1 BREVE HISTÓRICO
Historicamente, o crime de roubo foi lapidado em sua tipificação até chegar na definição atual. Isso ocorreu devido à confusão entre o crime de roubo e o crime de furto que esteve presente nos ordenamentos jurídicos antigos. Conforme Carollo (2010, p. 169) destaca, “o roubo é primo dileto do furto, tanto isso é verdade que, por longo período na história, o roubo foi tratado como furto em vários ordenamentos penais alienígenas, chegando em algumas leis a ser tipificado como furto violento.”
Durante a Idade Média, o crime de roubo teve seus aspectos patrimonial e pessoal destacados pelos ordenamentos jurídicos germânico e romano. Enquanto o direito germânico ressaltava a tipificação da violência do crime de roubo, o direito romano ressaltava a ofensa ao patrimônio da vítima.
Como ressalta Bitencourt:
“Para o direito germânico a violência empregada em sua execução era o fator preponderante do crime de roubo, ao passo que o direito romano, mais preciso, reconhecia que a maior gravidade da infração penal situava-se na existência de ofensa a duas objetividades jurídicas distintas: de um lado a patrimonial e, de outro, a ofensa à pessoa (liberdade e integridade). (BITENCOURT, 2013, v. 3, p. 97)”
No ordenamento jurídico brasileiro, o crime de roubo permaneceu sem grandes inovações nas ordenações afonsinas (1447-1521) e nas ordenações manoelinas (1521-1603). Ocorre que, as ordenações afonsinas eram apenas uma reunião de normas influenciadas pelo direito canônico. Já as ordenações manoelinas se limitam a reunir normas feudais e aplica-las às colônias portuguesas.
As ordenações filipinas (1603-1830), por sua vez, inovaram no ordenamento jurídico brasileiro e o crime de roubo ganhou maior delineamento. Conforme as ordenações filipinas, o crime de roubo era tipificado como “dos que tomão alguma coisa por força”. Confira-se a descrição do crime de roubo das ordenações filipinas:
“Título LXI – Dos que tomão alguma coisa por força. Pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, não tome cousa alguma per força e contra vontade daquelle, que a tiver em seu poder. E tomando-a per força, se a coisa assi tomada valer mais de mil reis, morra por isso morte natural. E se valer mil reis, ou dahi para baixo, haverá as penas, que houvera, se a furtada, segundo for a valia dela. O que tudo haverá lugar, posto que alegue, que offerecia o preço da cousa ao possuidor, ou que deixou o dito preço: porque, como for contra sua vontade, queremos que haja as ditas penas. Porém, se forem mantimentos, e o que os tomar for Cavalleiro, ou pessoa semelhante, ou dahi para cima, na haverá a pena desta Ordenação, mas as penas, que dissemos no segundo Livro, titulo 50: Que os Senhores de terras, nem outras pessoas não tomem, etc. E a pessoa, que for provado, que em caminho, ou no campo, ou em qualquer lugar fora da povoação tomou per força, ou contra vontade a outra pessoa cousa, que valha mais de cem reais, morra de morte natural. E sendo de valia de cem reais par abaixo, seja acoutado e degradado para sempre para o Brazil.”[1]
As ordenações filipinas vigoraram no Brasil até a criação do primeiro código penal, chamado de Código Criminal do Império, em 1830. O Código Criminal do Império de 1830 é caracterizado como o primeiro que trouxe em seu bojo o princípio da legalidade. Nele, o crime de roubo era tipificado juntamente com os crimes contra a pessoa devido à confusão doutrinária quanto ao crime de latrocínio. Assim, os crimes contra a vida e contra o patrimônio foram tipificados no mesmo título. Conforme art. 269 do Código Criminal do Império de 1830, o crime de roubo era definido como “roubar, isto é, furtar fazendo violência à pessoa, ou às cousas. Pena – galés por um a oito anos”.
Conforme entendimento de Carollo (2010, p. 171), houve uma involução no conceito de roubo das ordenações filipinas para o Código Criminal do Império de 1830, pois nesta ultima, houve equiparação entre violência à pessoa e à coisa.
Em 1890 houve a promulgação de um novo Código Penal. No artigo 356 do novo códex, o crime de roubo era tipificado como “subtrair, para si ou para outrem, cousa alheia móvel, fazendo violência à pessoa ou empregando força contra cousa: pena – de prizao cellular por dous a oito annos”. O Código Penal de 1890 inovou ao definir violência à pessoa (violência física e grave ameaça) e violência à coisa nos artigos subsequentes ao destacado acima.
Apesar de grande parte da doutrina[2] entender que o crime de roubo é um furto qualificado pelo emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, o Código Penal de 1940 trouxe a definição de tais crimes em artigos distintos. Tal técnica legislativa teve fundamento nos Códigos alemão e italiano e foi defendido pelo renomado jurista Nelson Hungria (1980, v. 6, p. 54).
Bitencourt (2012, v. 3, p. 98) ressalta que a inovação do Código Penal de 1940, nesta matéria, foi o afastamento definitivo da violência contra a coisa do crime de roubo para o crime de furto e o acréscimo da grave ameaça à pessoa no tipo do crime de roubo.
2.2 CONCEITOS
O crime de roubo está tipificado no artigo 157 do Código Penal vigente e tem como descrição “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa”.
Da tipificação legal entende-se que o crime de roubo é um crime complexo, pois atinge diferentes bens jurídicos penalmente tutelados, quais sejam, o patrimônio, a integridade física e a liberdade individual.
O sujeito ativo do crime de roubo pode ser qualquer pessoa, razão pela qual tal crime é caracterizado como crime comum. Já o sujeito passivo pode ser o proprietário da coisa, o mero detentor ou um terceiro que sofra violência. Destaque-se que pode haver dois sujeitos passivos, sendo um em relação à coisa e outro em relação à violência.
Conforme tipificação legal, a subtração do crime de roubo caracteriza-se pela violência física, grave ameaça ou qualquer outro meio de redução da resistência.
A violência física utilizada para caracterizar o crime de roubo é o crime equivalente às lesões corporais ou ao delito de vias de fato. Enfim, violência física é o emprego de força contra a integridade física da vítima. Conforme Bitencourt (2013, v. 3, p. 100), “o termo ‘violência’, empregado no texto legal, significa a força física, material, a vis corporalis, com a finalidade de vencer a resistência da vítima”.
Grave ameaça, por sua vez, é o fundado receio de mal iminente e grave produzido pelo sujeito ativo no sujeito passivo do roubo. Conforme Bitencourt (2013, v. 3, p. 101), a grave ameaça seria a violência moral ou vis compulsiva.
Quanto ao terceiro meio de se executar o crime de roubo – qualquer outro meio de redução da resistência –, configura-se como uma modalidade genérica de se executar o crime. Assim, realizado um suposto crime de roubo em que não se caracteriza a violência física ou moral, há que se aferir se não houve redução da resistência. Uma hipótese de redução da resistência é a utilização de medicamentos para fazer a vítima dormir.
Destaque-se, ainda, que os objetos do crime de roubo são o ser humano e a coisa alheia móvel.
2.3 Espécies de Roubo
O Código Penal distingue o roubo próprio do roubo impróprio, de acordo com o momento em que a violência ocorre.
O roubo próprio é conceituado no caput do artigo 157 do Código Penal, segundo o qual “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. Assim, o roubo próprio se dá quando a violência é meio de se satisfazer a subtração da coisa, ou seja, a violência é empregada antes ou durante a subtração da coisa.
Já o roubo impróprio está indicado no §1º do mesmo artigo. Segundo a norma, “na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro”. Assim, roubo impróprio é aquele em que o autor do crime pratica a violência ou grave ameaça com a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou deter o objeto do crime.
2.4 Causas de aumento de pena
O crime de roubo apresenta cinco majorantes ou causas de aumento de pena §2º do artigo 157 do Código Penal. São elas: roubo em que a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; roubo com concurso de duas ou mais pessoas; roubo em que a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; roubo em que a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; e, roubo em que o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
Em favor da boa técnica terminológica, importante ressaltar que as situações apresentadas no §2º do artigo 157 do Código Penal são causas de aumento de pena ou majorantes e não qualificadoras. Conforme destacado por Bitencourt, as causas de aumento de pena ou majorantes são situações que modificam o crime apenas na terceira fase da dosimetria da pena ao contrário das qualificadoras, que estabelecem patamares diversos para crimes em outras situações. Confira-se:
“As qualificadores constituem verdadeiros tipos penais – derivados –, com novos limites, mínimo e máximo, enquanto as majorantes, como simples causas modificadoras da pena, somente estabelecem sua variação, mantendo os mesmos limites, mínimo e máximo. Ademais, as majorantes funcionam como modificadoras somente na terceira fase do cálculo da pena, ao contrário das qualificadoras, que fixam novos limites, mais elevados, dentro dos quais será estabelecida a pena-base (BITENCOURT, 2013, v. 3, p. 110).”
As causas de aumento de pena do §2º do artigo 157 do Código Penal, portanto, fundamentam-se no maior temor da vítima na situação em que se executa o roubo. Assim, nestas situações há um aumento da pena na terceira fase da dosimetria da pena.
Ressalte-se que, no caso de eventual presença de duas ou mais causas de aumento de pena, o Código Penal prevê no §2º do artigo 157 que a pena seja majorada de um terço à metade.
3. Aplicação da Pena
A aplicação da pena, nos moldes utilizados atualmente, surgiu com o Código Penal Francês de 1810. Este código paradigma foi pioneiro em estabelecer limites mínimos e máximos para cada crime tipificado. Tal maneira de aplicar a pena valorizou a figura do julgador e o princípio do livre convencimento motivado.
Bitencourt (2012, v. 1, p. 752) destaca que a aplicação da pena é um dos aspectos da individualização da pena. Assim, a individualização da pena tem três aspectos. São eles: individualização legislativa (o legislador determina os limites mínimos e máximos em abstrato), individualização judicial (o juiz da sentença define a pena de acordo com os limites mínimos e máximos) e individualização executória (pena executada).
A efetiva aplicação da pena ou individualização judicial da pena segue critérios lógicos estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para que se entenda, entretanto, faz-se necessário a distinção entre as elementares e as circunstâncias judiciais e legais.
Elementares do tipo penal são os componentes essenciais do tipo penal. Já a circunstância é acidental, ou seja, não é obrigatória no tipo penal. Entretanto, tem a função de agravar ou diminuir a pena (CAPEZ, 2012, v. 1, p. 480). As circunstâncias são classificadas em circunstâncias judiciais e circunstâncias legais.
3.1 Circunstâncias judiciais
As circunstâncias judiciais na são determinadas em lei. Entretanto, o artigo 59 do Código Penal define critérios para modular a pena. Assim, conforme tal dispositivo legal, “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”.
Destaque-se, portanto, que o rol do artigo 59 do Código Penal é apenas critérios para se modular a pena e não as efetivas circunstâncias judiciais.
3.2 Circunstâncias legais
As circunstancias legais, também chamadas de agravantes e atenuantes genéricas, são aquelas elencadas pela lei penal e de observância obrigatória pelo julgado. As agravantes são indicadas no artigo 61 e 62 do Código Penal. As atenuantes, por sua vez, são indicadas nos artigos 65 e 66 do Código Penal.
Capez também elenca como circunstâncias legais as causas de aumento de pena e de diminuição de pena (CAPEZ, 2012, v. 1, p. 481).
3.3 Dosimetria
Quanto ao critério de aplicação da pena, o Código Penal utilizou do sistema trifásico. Conforme tal sistema, o juiz fixa, em primeiro lugar, a pena de acordo com as circunstancias judiciais. Em seguida, o juiz aplica as circunstâncias agravantes e atenuantes. Por fim, o juiz aplica as causas de aumento de pena ou de diminuição de pena.
4. A Súmula nº 443 do STJ
A Súmula nº 443 do Superior Tribunal de Justiça foi criada com o intuito de pacificar o entendimento dos tribunais nos casos de eventual pluralidade de causas de aumento de pena ou majorantes no crime de roubo. Conforme a Súmula nº 443 do STJ, “o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.
Anteriormente à edição da súmula, havia dois entendimentos divergentes quando aos casos de pluralidade de causas de aumento de pena. O primeiro entendimento era o de que o aumento em virtude da pluralidade de causas de aumento de pena devia variar de um terço a metade de acordo com a quantidade de majorantes. O segundo entendimento era o de que o aumento pela pluralidade de causas de aumento de pena varia de acordo com a qualidade das majorantes e não somente pela quantidade delas.
Partidário do primeiro entendimento, Greco (2012, v. 3, p. 86) afirma que o aumento da pena com base no número de causas de aumento de pena não torna a majoração subjetiva. Além disso, o doutrinador entende que haveria melhor fiscalização quanto aos parâmetros de aumento quanto às majorantes do crime de roubo.
Nucci (2003, p. 515), por sua vez, é partidário do segundo entendimento. Conforme o doutrinador, o fundamento para exasperação na terceira fase da dosimetria da pena não é a quantidade de causas de aumento de pena, mas a gravidade dos meios empregados. Dessa forma, Nucci defende o critério qualitativo na exasperação da pena base em decorrência da pluralidade de majorantes.
Devido à edição da Súmula nº 443 do STJ, em 28/4/2010 e publicada no Diário Oficial de Justiça em 13/5/2010, o entendimento foi pacificado. Finalmente, o aumento em virtude da pluralidade de causas de aumento de pena no crime de roubo varia entre um terço e metade, sendo que para que o aumento alcance patamar superior ao mínimo, deve haver uma fundamentação lógica e qualitativa sobre cada uma das causas de aumento de pena.
Em julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a Defesa apelou de sentença condenatória pela redução para o patamar mínimo da fração referente às causas de aumento de pena do inciso I, II e V do §2º do artigo 157 do Código Penal. Em decisão fundamentada na Súmula nº 443 do STJ, a 1º Turma Criminal do egrégio Tribunal se manifestou pela redução da fração em virtude da inexistência de fundamentação qualitativa. Segue trecho do voto do relator Desembargador Mario Machado:
“Na terceira fase da dosimetria, o Juiz sentenciante aumentou a pena em 5/12 (cinco doze avos) pela presença das causas de aumento de pena relativas ao concurso de pessoas, porte de arma de fogo e restrição da liberdade das vítimas. A jurisprudência pátria vem-se posicionando no sentido de que o simples número de causas de aumento, não é suficiente para majorar a sanção acima do patamar mínimo de 1/3 (um terço). Para tanto é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas, sob pena de se ferir o princípio constitucional de individualização da pena estampado no art. 5º, inciso XLIV, da Carta Magna.
Entendimento que foi sumulado em recente enunciado de nº 443 do Superior Tribunal de Justiça: ‘O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação de número de majorantes’.
Ressalta-se, portanto, que o aumento acima do mínimo legal reserva-se para situações especiais de criminalidade mais violenta, como, por exemplo, quando empregadas várias armas ou armamento de grosso calibre, número excessivo de agentes, o lapso temporal expressivo em que a vítima ficou em poder dos agentes.
No caso, embora haja a ocorrência de três causas de aumento, na ausência de fundamentação idônea no decreto condenatório, necessária a fixação do percentual mínimo legal previsto, razão pela qual mantenho o aumento em 1/3 (um terço), e a pena definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mais 13 (treze) dias-multas, no valor unitário mínimo legal. Apelação Criminal 2006011088874-0 (0042704-49.2006.8.07.0001 - Res.65 - CNJ) DF, publicada no DJE em 16/10/2012.”
Ocorre que, diversos julgadores começaram a utilizar outra maneira de utilizar a pluralidade de majorantes para agravar a pena fixada ao réu. De acordo com tal técnica, apenas uma das causas de aumento de pena do §2º do artigo 157 do Código Penal é utilizada na terceira fase da dosimetria da pena, enquanto que as demais causas de aumento de pena são utilizadas para agravar a pena-base na primeira fase da dosimetria da pena.
Bitencourt discorre sobre a técnica apresentada acima:
“Havendo a incidência de mais de uma causa de aumento, três correntes disputam a preferência dos especialistas: a) deve-se proceder somente a um aumento, fundamentado numa das causas existentes – se houver mais de uma majorante, as demais podem ser consideradas como agravantes ou, não havendo previsão legal, como simples circunstâncias judiciais (art. 59), valorável na fixação da pena-base; b) o aumento, quando variável (v.g., um sexto a dois terços, ou um terço até metade), deve ser proporcional ao número de causas incidentais – assim, configurando-se somente uma majorante, o aumento pode limitar-se ao mínimo; incidindo, contudo, mais de uma, a elevação deve ser maior, podendo atingir inclusive o máximo da majoração permitida, v.g., até metade, dois terços, etc.; c) a existência de mais de uma causa de aumento não significa, por si só, a elevação da pena na mesma proporção – o julgado, exercendo seu poder discricionário, pode optar por um único aumento, por o que deve ser considerado é a gravidade do meio empregado ou do modus operandi, e não o número de incisos do §2º que se posse configurar (BITENCOURT, 2013, v. 3, p. 117).”
Considerando-se que a segunda técnica apresentada por Bitencourt não mais pode ser utilizada pelos julgadores em virtude da Súmula nº 443 do STJ, a não ser que apresente fundamentação qualitativa, a primeira técnica apresentada pelo doutrinador está ganhando maior destaque nos julgados atuais.
Confira-se sentença condenatória em que a pena-base foi exasperada em virtude de uma causa de aumento de pena, enquanto que a segunda causa de aumento de pena foi utilizada na terceira fase da dosimetria.
“Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia para condenar H. H. D. S. N., devidamente qualificado nos autos, nas penas do art. 157, § 2°, incisos I e II do Código Penal.
Atenta às diretrizes dos artigos 59 e 68 do CPB, passo à individualização da pena:
Observa-se que: a) a culpabilidade do acusado vem demonstrada por meio de regular índice de reprovabilidade; b) é primário (fl. 21); c) sua conduta social não foi devidamente investigada; d) também não há elementos para aferir sua personalidade; e) os motivos para a prática do crime são injustificáveis e reprováveis, portanto, inerentes ao crime em comento; f) as circunstâncias foram às comuns do tipo. Tendo em vista o fato de o roubo ter sido duplamente circunstanciado, pelo emprego de arma de fogo e pelo concurso de agentes, registro que uma das circunstâncias (emprego de arma) será utilizada para majorar a pena-base enquanto a segunda circunstância (concurso de agentes) só será utilizada na terceira fase da dosimetria; g) as consequências foram, praticamente, as de rotina para delitos desta espécie; h) o comportamento da vítima, em nada contribuiu para a prática delitiva.
Sendo assim, após a detida análise de suas circunstâncias judiciais, as quais não lhes são de todo favoráveis, fixo-lhe a pena-base um pouco acima do mínimo legal para a imputação, ou seja, em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão.
Diante do comando do art. 68 do Código Penal, verificam-se a ausência de agravantes e a presença da atenuante da menoridade relativa, pois à época do fato o agente contava com menos de 21 (vinte e um) anos de idade. Desse modo, diminuo a reprimenda em 3 (três) meses, fixando-a, por ora, em 4 (quatro) anos de reclusão.
Reconheço a existência da causa de aumento de pena prevista no inc. II, § 2º, do art. 157 do Código Penal (considerando que a outra circunstância foi utilizada para majorar a pena-base), razão pela qual aumento a reprimenda em 1/3 (um terço), fixando-a, DEFINITIVA E CONCRETA, em 05 (CINCO) ANOS E 04 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.”
Ocorre que, embora a utilização de uma das causas de aumento de pena como critério de exasperação da pena-base esteja se tornando comum nos modernos julgados, a prática configura burla a Súmula nº 443 do STJ. Tendo em vista que a Súmula nº 443 do STJ foi editada com a finalidade de não se agravar a pena na terceira fase da dosimetria da pena sem fundamentação qualitativa – e tão apenas o critério quantitativo – é incabível que a causa de aumento de pena sobressalente em casos de roubos com pluralidade de majorantes seja utilizada como circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria e seja utilizada para agravar a pena definitiva.
Assim, a boa técnica jurídica, com respeito ao princípio do direito penal, aos conceitos dos institutos jurídicos e aos critérios de dosimetria da pena, não permite que uma causa de aumento de pena seja utilizada como circunstância judicial.
Conclusão
O trabalho analisou o crime de roubo, as formas de aplicação da pena e a Súmula nº 443 do Superior Tribunal de Justiça. No primeiro item, foram apresentadas as características básicas do crime de roubo e suas elementares e causas de aumento de pena. No segundo item, a aplicação da pena foi destrinchada, bem como a diferença entre circunstâncias judiciais e legais. Por fim, no terceiro item, foi apresentada a polêmica utilização de uma causa de aumento de pena para exasperar a pena-base na primeira fase da dosimetria.
Conforme apresentado, a Súmula nº 443 do STJ foi editada como solução para a equivocada aplicação de fração superior ao mínimo legal com fundamento na quantidade de causas de aumento de pena do crime de roubo majorado.
Entretanto, após edição da súmula, os julgadores passaram a deslocar uma das causas de aumento de pena para a primeira fase da pena, de maneira a negativar as circunstâncias judiciais.
O presente trabalho concluiu que o deslocamento de uma causa de aumento de pena para a primeira fase da dosimetria, de maneira a exasperar a pena-base em razão da análise negativa das circunstâncias judiciais apresenta-se como burla à mencionada súmula e não representa a boa técnica do direito penal e processual penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 1. Editora Saraiva, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 3. Editora Saraiva, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1. Editora Saraiva, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 2. Editora Saraiva, 2012.
CAROLLO, João Carlos. Os Crimes de Furto, Roubo e o Latrocínio. Editora Lumen Iuris, 2010.
GRECO, Roberto. Curso de Direito Penal. Volume 3. Editora Impetus, 2012.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Editora Forense, 1980.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais, 2003.
[1] Em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm, acessado em 02/12/2015.
[2] Luiz Regis Prado, Nelson Hungria, Cezar Roberto Bitencourt entre outros.
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Processo Civil pelo Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Esdras Silva. Súmula nº 443 do STJ e seus reflexos na dosimetria da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45634/sumula-no-443-do-stj-e-seus-reflexos-na-dosimetria-da-pena. Acesso em: 23 dez 2024.
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