RESUMO: O presente trabalho busca apresentar algumas relações entre as demandas individuais e coletivas, notadamente quanto a institutos processuais civis da conexão, continência e litispendência. Busca mostrar as relações entre as demandas individuais e as demandas coletivas, como forma de analisar e aprimorar os estudos nas novas tendências do direito processual civil.
Palavras-Chaves: Processo Coletivo. Processo Individual. Relações.
INTRODUÇÃO
Muito embora a tutela coletiva e a tutela individual sejam perseguidas por instrumentos processuais próprios, por tratarem eventualmente de pedidos e causas de pedir semelhantes, surgem inúmeras questões sobre conexão, continência, litispendência e coisa julgada.
Esses institutos processuais tradicionais recebem novos contornos no âmbito do processo coletivo, o que justifica o seu aprofundamento.
1. CONEXÃO E CONTINÊNCIA
Inicialmente é necessário remeter-se aos conceitos de conexão e continência do direito processual civil comum. Conforme art. 102 do Código de Processo Civil, a modificação ou prorrogação da competência pode ocorrer em razão da conexão ou da continência. Assim, a conexão e continência são hipóteses de prorrogação da competência relativa, em que se reúnem duas ou mais causas em um único juízo para que sejam processadas conjuntamente.
De acordo com o art. 103 do Código de Processo Civil, ações conexas são aquelas que têm em comum o objeto e causa de pedir. Já o art. 104 do mesmo código traz a hipótese de continência, que consiste em duas ou mais ações que possuem as mesmas partes e causas de pedir.
Donizetti ressalta a relação entre a conexão e continência, em que esta é uma espécie daquela.
Na realidade, a continência nada mais é do que espécie de conexão. Por essa razão, o tratamento jurídico de ambos os fenômenos processuais é idêntico, o que explica a menção isolada do termo conexão em alguns dispositivos legais, como no caso dos arts. 106 e 301, VII, ambos do Código de Processo Civil. (DONIZETTI, 2010, p. 222).
Importante frisar que o conceito de conexão é jurídico-positivo, ou seja, cada ordenamento jurídico define as relações de semelhanças entre as ações que ensejaram em julgamento conjunto. Assim, não há um conceito universal de conexão.
No processo coletivo, a conexão, portanto, segue a mesma regra do processo individual, ou seja, a conexão se dá quando duas ou mais ações coletivas com semelhanças em seus elementos.
Além disso, a conexão, no processo coletivo, também pode ser reconhecida de oficio pelo juiz, ou alegada por qualquer das partes, e a qualquer tempo.
Outra peculiaridade do processo coletivo quanto aos institutos da conexão e da continência é a de que, no processo coletivo, deve-se analisar com maior profundidade o direito material discutido. Assim, há maior flexibilização da competência quando se trata de tutela de direitos coletivos.
Enquanto no processo individual a competência absoluta é improrrogável e imodificável, no processo coletivo pode haver a prorrogação ou modificação da competência até mesmo para causas ligadas por conexão ou continência. Ressalte-se, entretanto, que a regra é a da competência absoluta nos processos coletivos.
Donizetti destaca, portanto, as duas características mais marcantes da conexão e continência na relação entre o direito coletivo e o direito individual, quais sejam, a competência absoluta e a possibilidade de modificação ou prorrogação da competência.
O exame do instituto da conexão no processo coletivo revela duas características marcantes em relação ao processo individual: 1) a competência para as ações coletivas, não obstante fixada por critério territorial, tem natureza absoluta (podendo, por isso, ser apreciada pelo juiz de ofício); 2) a despeito do caráter absoluto, admite-se a modificação/prorrogação da competência no processo coletivo para os casos de conexão ou continência, efeito que somente é previsto no CPC para as hipóteses de competência fixada por critério relativo. (DONIZETTI, 2010, p. 226).
A grande importância de se definir a conexão e a continência entre as ações coletivas é a de que, na existência de identidade entre as demandas, o julgamento em conjunto trará maior economia e efetividade processual. Além disso, há maior harmonia entre os julgados, pois é menor a possibilidade de julgamentos contraditórios.
A prevenção é um instituto processual diretamente relacionado com a conexão e continência das causas, pois a prevenção define a competência de determinado órgão de acordo com a demanda ou recurso distribuído. Assim, de acordo com o art. 253 do Código de Processo Civil, a prevenção define o juízo para o qual serão distribuídas, por dependência, novas ações unidas à demanda anteriormente ajuizada por vínculos previstos no Código de Processo Civil.
Art. 253 do Código de Processo Civil. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:
I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
II - quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;
III - quando houver ajuizamento de ações idênticas, ao juízo prevento.
Parágrafo único. Havendo reconvenção ou intervenção de terceiro, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.
Da análise do dispositivo acima, pode-se concluir que os critérios de prevenção no processo individual se resumem à ordem cronológica de despacho ou citação no processo. O processo coletivo também utiliza o cronológico para determinar a prevenção, entretanto, é a ordem cronológica de proposição da ação coletiva.
De acordo com o art. 2º, parágrafo único, da Lei da Ação Civil Pública, e art. 5º da Lei da Ação Popular, a propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir, mesmo objeto ou, ainda, mesmas partes e mesmos fundamentos.
Da relação entre os processos coletivos e os processos individuais, tem-se que é impossível a continência ou litispendência entre ambas, pois, não há como haver as mesmas partes. Enquanto no processo coletivo, a parte é uma coletividade, no processo individual, a parte é singular ou um litisconsórcio. Assim, é possível apenas a conexão entre processo coletivo e processo individual. Houve uma tentativa confusa de normatizar tal situação no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 104 do Código de Defesa do Consumidor. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Com a confusão feita no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, os doutrinadores se dividiram em entendimentos diversos sobre a existência da conexão entre causas coletivas de diferentes espécies e causas individuais.
A doutrina minoritária, liderada por Ada Pellegrini Grinover, entende que o art. 104 do referido código diz respeito apenas às relações entre causas coletivas de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito e demandas individuais. Assim, tal artigo não seria aplicável ao caso de conexão entre causa coletiva de direito individual homogêneo e direito individual.
Já a doutrina majoritária defende que o art. 104 trata de toda e qualquer causa coletiva em conexão com qualquer causa individual.
Perceba-se, enfim, que entre as demandas coletivas tratando a respeito de qualquer espécie de direito coletivo e as ações individuais fundadas na mesma causa de pedir (situação de fato ou de direito) somente haverá conexão. (DONIZETTI, 2010, p. 235)
Da possibilidade de conexão entre causas coletivas e causas individuais surge um questionamento interessante: há obrigatoriedade de reunir as ações coletivas e as ações individuais que estejam em relação de conexão?
Levando em conta a extensão continental do Brasil e as dificuldades de locomoção que existe, há uma dificuldade prática na reunião de processos, que podem chegar a milhares em um único juízo. Assim, o legislador, já no Código de Defesa do Consumidor (arts. 103, §2º, e 104), previu a possibilidade de suspensão das ações individuais para que seus autores se beneficiassem de sentença coletiva procedente.
O pedido de suspensão do processo individual deve ocorrer no prazo de trinta dias. Entretanto, a duração do prazo na é definido por lei, o que se subtende que terá a duração do prosseguimento da ação coletiva, até seu trânsito em julgado.
É importante ressaltar que o autor da ação individual deve ser devidamente cientificado da existência do processo coletivo, para que possa pedir a suspensão de seu processo individual. Caso isso não ocorra, o autor individual não poderá ser prejudicado, conforme ensinamento de Didier.
Se o indivíduo não teve ciência da existência do processo coletivo, não pode ser prejudicado com o prosseguimento do processo individual. O indivíduo tem o direito de ser informado sobre a pendência do processo coletivo, cabendo ao réu proceder a essa informação. (DONIZETTI, 2010, p. 235)
O pedido da suspensão do processo individual deve ocorrer até a sentença. Após esta fase, somente é possível a suspensão no caso de interposição de recurso.
Entretanto, apesar da possibilidade de suspensão das ações individuais, o problema complica na hipótese de o autor da ação individual se recusar a fazê-lo. A doutrina se pergunta se seria possível a obrigatoriedade da suspensão das causas individuais.
O empecilho para a obrigatoriedade de suspensão dos processos individuais quando da existência de ação coletiva em conexão, seria a violação do princípio do acesso à justiça, contraditoriamente, um dos corolários do processo coletivo. Tal violação se dá porque a obrigatoriedade de espera pelos autores individuais das ações individuais por um provimento na ação coletiva poderia demorar e acabar por lesar os direitos dos interessados.
Embora se assegure o ajuizamento da demanda individual, retira-se do indivíduo a garantia constitucional de ter um provimento jurisdicional célere sob a justificativa de que seu direito material poderá ou não ser reconhecido em um processo coletivo no qual não haverá, necessariamente, adequada atuação do substituto processual. E, ao final, caso efetivamente se verifique a atuação deficiente do substituto e a improcedência do pedido formulado na via coletiva, de nada terá adiantado a espera desde a propositura da demanda, cabendo ao indivíduo percorrer toda a marcha processual até o trânsito em julgado da decisão final. (DONIZETTI, 2010, p. 239)
Donizetti destaca duas medidas cabíveis nesta situação, que seria, primeiramente, a concessão de medidas de urgência para que as partes não se prejudicassem e a fixação de um prazo máximo para a suspensão.
O mínimo que se poderia fazer para mitigar esses gravames, em prol da reconhecida necessidade de viabilizar a atividade judiciária em face da atomização do litígios, seria: a) autorizar o juízo perante o qual foi ajuizada a demanda individual a conceder medidas de urgência – apesar de que a despeito da existência do direito alegado, nem sempre estarão preenchidos os requisitos exigidos para a concessão de tutela antecipada; b) fixar prazo máximo para a suspensão, sob pena de total engessamento da tutela individual em prol de uma tutela coletiva que pode vir a ser excessivamente morosa. (DONIZETTI, 2010, p. 239-240)
Ressalte-se, entretanto, que há efetiva possibilidade de julgamentos contraditórios entre ação coletiva e ação individual de acordo com o ordenamento jurídico atual. O art. 104 do Código de Defesa do Consumidor não afasta essa possibilidade quando a suspensão do processo individual não for requerida por seu autor.
2. LITISPENDÊNCIA
Litispendência é um instituto processual que pode ser conceituado como a existência simultânea de dois ou mais processos referentes à mesma ação, sem que qualquer uma delas tenha decisão de mérito com trânsito em julgado. As ações em litispendência podem ser processadas tanto em órgão jurisdicionais diversos, quanto no mesmo órgão jurisdicional.
O artigo 301, §3º, do Código de Processo Civil dispõe que litispendência ocorre quando se repete a ação que está e curso. Por repetição de ação deve-se entender identidade dos elementos da ação, que são as partes, a causa de pedir e o pedido.
Conforme Mattos (2007, p.194):
A configuração da litispendência como impedimento à formação válida da segunda relação processual exige a perfeita identidade das duas ações em curso, que, na verdade, representam uma só ação. Em outras palavras, deve estar presente a tripla identidade dos elementos identificadores da ação, quais sejam: partes, causa de pedir e pedido.
De acordo com os institutos processuais civis, a litispendência é consequência da citação válida, assim como a prevenção do juízo (art. 219 do Código de Processo Civil).
Conforme art. 267 do Código de Processo Civil, a litispendência promove a extinção do processo sem resolução do mérito. Entende-se por litispendência, neste caso, a dupla litispendência, que seria a repetição do processo com os mesmos elementos.
Nas demandas coletivas, a litispendência entre as ações coletivas não é prevista nos microssistemas de processo coletivo. Assim, conforme princípio da aplicação residual do Código de Processo Civil, aplicam-se as regras do processo individual aos processos coletivos e ações coletivas. Quanto a litispendências entre ações coletivas e ações individuais, há previsão no Código de Defesa do Consumidor.
Neste ponto, portanto, surge outro conflito entre as ações coletivas e as ações individuais, qual seja a de que a ação coletiva não induz litispendência para a ação individual. Tal fato é justificado pelas diferenças estruturais entre as ações. Enquanto na ação coletiva há a tutela de direitos coletivos lato sensu, na ação individual, há a tutela de direitos individuais.
O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seu artigo 104, que as ações coletivas referentes a direitos e interesses difusos e direitos coletivos não induzem litispendência para as ações individuais. Entretanto, os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes, previstos no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida a suspensão destas ações individuais no prazo de 30 dias, contados a partir da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Assim, o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor trata de dois pontos muito importantes na relação entre as ações individuais e as ações coletivas. Primeiramente, não há litispendência entre as ações individuais e as ações coletivas. Desta maneira, ações individuais e ações coletivas com o mesmo objeto podem ser processadas simultaneamente e separadamente, sem problemas. Ressalte-se que, apesar da grande importância da norma apontada, o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à inexistência de litispendência entre ações coletivas e ações individuais é repetitiva, tendo em vista o artigo 301 do Código de Processo Civil que prevê que para que haja litispendência é necessária tripla identidade dos elementos das ações. Ora, não há tripla identidade de elementos das ações entre ações coletivas e ações individuais porque as partes são diferentes: nas ações individuais, o legitimado é o próprio titular do direito, já nas ações coletivas, os legitimados são substitutos processuais. Assim, considerando o disposto no artigo 303 do Código de Processo Civil, tem-se que o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor repetiu dispositivo de inexistência de litispendência entre as ações individuais e as ações coletivas.
Outro ponto relevante do artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor é que, no caso de legitimado propor ação individual e, posteriormente, ação coletiva ser proposta por outro legitimado, o primeiro legitimado pode ser beneficiado pela extensão da coisa julgada na ação coletiva. Para, entretanto, que o primeiro legitimado possa ser beneficiado da extensão da coisa julgada na ação coletiva, este deve requerer a suspensão da ação individual no prazo de 30 dias, contados a partir da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva, como já mencionado.
Conforme Mattos defende, a possibilidade de extensão da coisa julgada nas ações coletiva é instrumento que evita a sobrecarga do Poder Judiciário com grandes demandas repetitivas de ações individuais homogêneas.
O legislador, imbuído do propósito de evitar o congestionamento do Poder Judiciário com várias ações relativas a direitos individuais homogêneos, nas quais são discutidas idênticas controvérsias fáticas ou jurídicas, não obstante já ter sido ajuizada a ação coletiva pertinente, com sérios prejuízos à economia processual, à racionalidade da máquina judiciária e à uniformidade dos julgados, prevê a faculdade de o autor individual requerer a suspensão da sua demanda até o desfecho da ação coletiva para que possa beneficiar-se da sentença de procedência proferida na última. (MATTOS, 2007, p. 197)
Tendo em vista que, para que haja litispendência entre ações coletivas é necessária identidade total dos três elementos da ação, quais sejam a causa de pedir, as partes e o objeto, é necessária a discussão sobre a possibilidade de litispendência entre ações coletivas.
A litispendência, também no processo coletivo, constitui pressuposto processual negativo que provoca a extinção do processo sem resolução do mérito.
As ações coletivas, entretanto, possuem natureza diversa das ações individuais, pois nas ações coletivas a legitimação é extraordinária ao passo que nas ações individuais a legitimação é ordinária. Tal característica influencia nas possibilidades de litispendência, pois como a legitimação extraordinária não é realizada pelo titular do direito em questão, diferentes legitimados extraordinários podem propor ações coletivas diversas com o mesmo direito a ser defendido. Ressalte-se, ainda, que existe a possibilidade dessas ações coletivas diversas serem instauradas em diferentes órgãos jurisdicionais do Brasil, país de extensões continentais.
Neste ponto, entretanto, há discordância entre os doutrinadores de direitos. Parte da doutrina entende que ocorrendo litispendência entre ações coletivas, a segunda ação coletiva proposta e demais, caso haja mais de duas ações coletivas em litispendência, deve ser extinta sem julgado de mérito. Outra parte da doutrina entende que ocorrendo litispendência entre ações coletivas idênticas propostas por substitutos processuais diferentes (legitimados extraordinários diferentes), a segunda ação proposta não deve ser extinta, mas reunida à primeira ação proposta.
Mattos afirma que a solução mais adequada é a extinção dos processos formados posteriormente ao ajuizamento da ação principal, com a possibilidade de remessa de cópias ou peças dos processos extintos no propósito de instruir o processo constituído inicialmente. O doutrinador afirma, ainda, que os autores dos processos extintos poderiam ingressar na ação coletiva principal como litisconsorte, conforme artigo 5º, §2º, da Lei nº 7.347/85. Mattos defende que o processamento de ações coletivas que defendem o mesmo direito, porém com legitimados extraordinários diversos ofende os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas.
O processamento conjunto de ações repetidas não acarreta qualquer vantagem para a eficiente prestação jurisdicional. Ao contrário, atenta contra os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, pois duplica o dispêndio de atividade processual, energias, dinheiro e tempo e retarda a entrega da tutela jurisdicional quando ela é prioritária. (MATTOS, 2007, p. 199)
Eduardo Arruda Alvim entende que, como o doutrinador Arruda Alvim, a litispendência de ações coletivas ocorre quando a defesa do mesmo direito, mesmo que por legitimados diferentes.
Resta saber se é possível afirmar a existência de litispendência entre duas ações coletivas. Ao que nos parece, no que estamos ancorados em opinião de juristas de peso, como a do professor Arruda Alvim, a despeito de os legitimados não serem precisamente os mesmos, mas tendo em vista a idêntica função que exercem no processo, levando o mesmo conflito de interesses ao juízo e com fundamento na mesma causa de pedir, haverão de ser considerados, juridicamente, como a mesma parte. Daí se falar, à luz dessas considerações, em litispendência entre duas ações coletivas, desde que se esteja em defesa do mesmo direito. (ALVIM, 2007, p. 188)
O doutrinador Pedro Dinamarco (2001, p. 112) defende que no caso de ações coletivas que defendam o mesmo direito por legitimados extraordinários diferentes, devem-se reunir os processos. Segundo o autor, deve-se impedir que a defesa dos interesses e direitos em questão seja exercida por um legitimado extraordinário específico apenas por ter sido ele o primeiro a propor a ação coletiva.
Didier, defensor da ideia de reunião das causas para processamento simultâneo, acredita que a parte autora de um dos processos seria co-legitimada para intervir no outro processo como assistente litisconsorcial. O autor defende ainda que tal solução não violaria o principio da economia processual.
Donizetti, por sua vez, entende que a reunião de processos em litispendência seria uma ofensa ao princípio da economia processual e da razoável duração do processo.
Se o escopo principal do processo coletivo é de servir à solução molecularizada, eficaz e célere do conflito metaindividual, não se pode admitir a convivência de dois processos coletivos idênticos. A solução mais adequada, assim, é a extinção dos processos ulteriores, compatibilizando-se as citadas garantias constitucionais dos legitimados com a possibilidade de intervenção, como litisconsortes, no processo pendente (art. 5º, §2º, da Lei da Ação Civil Pública). (DONIZETTI, 2010, p. 248)
Outros conflitos entre as ações coletivas e as ações individuais que envolvem os institutos da litispendência, conexão e continência, é o direito à autoexclusão da jurisdição coletiva e a comunicação da existência de processos repetitivos ou que possam originar uma ação coletiva.
Quanto à possibilidade de autoexclusão da jurisdição coletiva, a consequência de uma parte renunciar ao seu direito seria a de sua exclusão na produção dos efeitos na situação jurídica.
No ordenamento jurídico brasileiro não há essa possibilidade, entretanto, se uma parte não quiser participar da produção dos efeitos, ela simplesmente não executa ou liquida sua pretensão individual. Há, ainda, a possibilidade desta parte ajuizar ação individual e, tomando conhecimento da ação coletiva, prosseguir com sua ação individual.
No Brasil, pelo menos por agora, para que o indivíduo se exclua da jurisdição coletiva, é preciso que, proposta sua ação individual e devidamente cientificado da existência de um processo coletivo, decida pelo prosseguimento do processo individual. Esse é o modo de abdicar expressamente da jurisdição coletiva no direito brasileiro, ato que não implica, repita-se, renúncia ao direito discutido. (DIDIER, 2011, p. 189)
Por fim, outra relação entre as demandas coletivas e as demandas individuais é a comunicação ao Ministério Público da existência de processos repetitivos ou outros fatores que deem origem a ações coletivas. Conforme art. 7º da Lei da Ação Civil Pública, os juízes e tribunais devem remeter peças ao Ministério Público para providências cabíveis nestes casos.
Assim, a comunicação de tais situações não é faculdade dos juízes, mas passam a ser um dever, conforme Didier ensina:
Note que a lei brasileira confere ao magistrado um poder-dever de conteúdo bem aberto, notadamente porque impõe a comunicação de fatos que possam dar ensejo à propositura de qualquer ação coletiva. (DIDIER, 2011, p. 194)
Ressalte-se, entretanto, que não há conversão de uma ação individual em uma ação coletiva, mas tão somente a comunicação ao órgão competente.
Sendo assim, as relações entre as demandas coletivas e as demandas individuais são complexas e serão ajustadas ao longo do tempo, com a concretização de seu uso, com as modificações legislativas e com o aprimoramento doutrinário sobre o tema.
3. COISA JULGADA
No Código de Processo Civil, o instituto da coisa julgada está disposto no artigo 472 e prevê que a coisa julgada atinge apenas quem tenha sido parte no processo, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Assim, a imutabilidade do que tenha sido decidido atinge apenas quem foi parte no julgamento. Tal instituto, também chamado de coisa julgada inter partes demonstra o caráter individualista do Código de Processo Civil.
Eduardo Arruda Alvim sobre o caráter individualista do Código de Processo Civil escreve:
É um sistema nitidamente idealizado para que cada um vá a juízo perseguir seus próprios interesses. Essa é a regra geral do Código de Processo Civil. Cada qual vai a juízo, se quiser, cuidar de seus próprios interesses, e, por isso mesmo, o que for decidido atinge apenas aquele que moveu a ação, não prejudicando, e tampouco beneficiando terceiros. (ALVIM, 2007, p. 175)
Já quando se trata de ações coletivas, o instituto da coisa julgada se adapta e aquilo que é exceção no Código de Processo Civil passa a ser a regra: a coisa julgada atinge quem não tenha atuado no processo. Esta é a chamada coisa julgada secundum eventum litis, que norteia todas as ações coletivas. A coisa julgada secundum eventum litis tem origem nas class actions americanas e está presente no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.
O inciso I do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que a coisa julgada terá efeitos erga omnes nas hipóteses de ações que versem sobre direito e interesses difusos. Entretanto, se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, o legitimado poderá propor nova ação com idêntico fundamento e novas provas. Assim, pode-se dizer que no caso de direitos e interesses difusos os efeitos da coisa julgada será erga omnes, por atingir a todos indistintamente, mas o alcance subjetivo da coisa julgada dependerá do resultado da demanda.
Na primeira hipótese, portanto, se a demanda for julgada procedente, a coisa julgada atingirá a todos e não haverá qualquer hipótese de a mesma ação coletiva ser proposta novamente.
Na segunda hipótese, de a demanda ser julgada improcedente por falta de provas, não haverá coisa julgada e a ação poderá ser proposta novamente caso nova prova seja produzida.
Neste caso, é pacífico o entendimento da doutrina de que nova prova não é prova surgida posteriormente ao término da ação coletiva, mas tão apenas uma prova existente ou preexistente ao tempo da propositura da ação coletiva, mas que é novidade para o processo. Conforme Arruda Alvim, só é possível cogitar da insuficiência de provas quando tudo indicar que existam outros elementos probatórios.
Quanto à segunda hipótese, também é pacífico na doutrina o entendimento de que são legitimados para propor novamente a ação coletiva os mesmos legitimados da primeira ação coletiva julgada improcedente por insuficiência de provas. Conforme Ada Pellegrini Grinover e Barbosa Moreira, o legislador teria explicitado a negativa de propositura da ação coletiva pelos mesmos legitimados da primeira ação se assim o quisesse. Portanto, é possível que a nova ação coletiva seja proposta por quaisquer dos legitimados, até mesmo pelo mesmo legitimado que promoveu a primeira ação coletiva.
Na terceira hipótese, de a demanda ser julgada improcedente por fato diverso da insuficiência de provas, haverá coisa julgada e a mesma ação coletiva não poderá ser proposta novamente. Entretanto, ações individuais versando sobre o mesmo objeto poderão ser propostas, conforme artigo 103, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, que diz que os efeitos da coisa julgada não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
Sendo a ação julgada improcedente (desde que não por falta de provas), isso impede apenas que nova ação coletiva versando a mesma matéria seja intentada. Obsta-se, portanto, apenas o agir dos co-legitimados do art. 82 (a legitimação desse artigo é concorrente e disjuntiva). Todavia, tal improcedência (da ação coletiva) não obsta a que os indivíduos afetados, isoladamente, pleiteiem o que foi negado em sede da ação coletiva. Na verdade, cada um dos afetados formulará, em seu próprio benefício, pedido distinto daquele antes formulado na ação coletiva (versando a sua situação específica), calcados, porém, na mesma causa petendi remota. (ALVIM, 2007, p.180)
Quanto ao inciso II do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que a coisa julgada terá efeitos ultra partes no caso de direitos coletivos, isto é, os efeitos da sentença transcendem ou exorbitam os que são partes processuais e legitimados e atingem aqueles que constituem o grupo, a categoria ou a classe. Assim, os efeitos da coisa julgada serão limitados ao grupo, categoria ou classe, com exclusão daqueles que foram partes no processo.
No caso do inciso II do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, caso a ação coletiva seja julgada improcedente, não cabe propositura de nova ação coletiva, mesmo que presentes novas provas, conforme artigo 103, §1º, do Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, é possível a propositura de ações individuais no caso de julgamento improcedente da ação coletiva que tenha como objeto direito coletivo, tanto na insuficiência de provas ou não, conforme artigo 103, §1º, do Código de Defesa do Consumidor.
Enfim, quando aos efeitos da coisa julgada nas ações que envolvam direitos e interesses individuais homogêneos, é importante ressaltar que tais direitos podem ser pleiteados e usufruídos individualmente, o que modifica substancialmente o tratamento da coisa julgada.
No caso de direitos e interesses individuais homogêneos, somente é possível a possibilidade de a sentença fazer coisa julgada, se esta for julgada procedente. Assim, no caso de julgamento de sentença improcedente ou extinção da ação por insuficiência de provas, não ocorrerá os efeitos da coisa julgada. Da mesma maneira, no caso de julgamento de sentença improcedente ou extinção da ação por insuficiência de provas, não haverá relação com a possibilidade de nova propositura da mesma ação.
Ressalte-se, ainda, que no caso de improcedência da ação, seja por julgamento de sentença improcedente ou por extinção da ação por insuficiência de provas, qualquer legitimado, mesmo que não habilitado como litisconsorte na ação original, poderá propor nova ação individual com o mesmo pedido.
Entretanto, no caso de improcedência da ação coletiva, seja por julgamento de sentença improcedente ou por extinção da ação por insuficiência de provas, os legitimados que estavam em litisconsórcio na ação original não poderão propor nova ação coletiva com o mesmo pedido, mas tão somente ação individual, conforme §2º do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, os legitimados em litisconsórcio na ação coletiva referente a direitos e interesses individuais homogêneos são afetados pela coisa julgada nas ações coletivas.
Os efeitos da coisa julgada em ações coletivas referentes a direitos e interesses individuais homogêneos, que tenha sido julgado procedente, serão extensíveis aos legitimados que não estavam em litisconsórcio. Este efeito extensível é cabível em virtude das características especiais das ações coletivas, aproveitadas pelas ações referentes a direitos e interesses individuais homogêneos. O efeito da coisa julgada é extensível, neste caso, desde que o interessado ingresse em juízo e demonstre que se enquadra no julgamento procedente e genérico da ação coletiva.
Este efeito é chamado por Arruda Alvim de processo de enquadramento da situação individual na situação genericamente definida na sentença.
CONCLUSÂO
Apesar de tutelarem direitos de natureza diversa, observa-se que os sistemas de tutela individual e de tutela coletiva não são estanques, sendo várias as formas de relacionamento entre os processos individuais e coletivos.
A melhor forma de tutela dos direitos é a conjunção através dos variados sistemas processuais, de modo que o desenvolvimento da tutela coletiva não irá prejudicar a tutela individual. Ao contrário, o sistema judicial se fortalece, na medida em que consegue dar tratamento especial a cada tipo de direito, evitando, diante do desenvolvimento do processo coletivo, inúmeras ações individuais, o que, sem dúvida, leva a uma melhoria qualitativa da função jurisdicional.
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Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Processo Civil pelo Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Esdras Silva. Relações entre o processo coletivo e o processo individual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45688/relacoes-entre-o-processo-coletivo-e-o-processo-individual. Acesso em: 23 dez 2024.
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