RESUMO: O presente trabalho abordará a discussão existente na doutrina acerca do delito de estupro de vulnerável praticado contra menor de 14 anos, tipificado no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, que prevê como crime a conjunção carnal ou o ato libidinoso praticado com pessoa menor de 14 anos. A questão abordada será se a presunção de vulnerabilidade prevista neste delito é relativa ou absoluta, ou seja, se todos os menores de 14 anos não possuem discernimento para a prática do ato sexual ou se a vulnerabilidade deve ser analisada no caso concreto.
PALAVRAS-CHAVES: Estupro de Vulnerável. Presunção de Vunerabilidade. Menor de 14 anos. Ato sexual. Análise do caso em concreto.
1 INTRODUÇÃO
O tema a ser tratado traz diversas discussões doutrinárias e jurisprudências e várias indagações como: qual o conceito de vulnerabilidade previsto no Artigo 217-A do Código Penal do Brasil? A presunção vulnerabilidade do estupro de praticado contra menor de 14 anos é absoluta ou relativa? Todos os estupros praticados contra menor de 14 anos devem ser considerados como delito ou depende de uma análise concreta da criança ou adolescente para verificar se ela realmente não possui discernimento para a prática do ato sexual? Quais foram as trazidas pela Lei 12.015/09 ao Código Penal Brasileiro no que diz respeito aos Crimes Sexuais Contra Vulnerável?
Considera-se que a realização do trabalho é bastante oportuna e de suma importância, por se tratar de um tema atual, já que houve uma mudança no Código Penal trazida pela Lei 12.015 sancionada em 2009, que tipificou o crime de estupro de vulnerável do menor de 14 anos, descrevendo-o como conjunção carnal ou ato libidinoso praticado com menor de 14 anos, o que trouxe uma discussão doutrinária sobre a definição dessa vulnerabilidade, em outras palavras, se presunção dessa vulnerabilidade é absoluta ou especifica.
Ademais, o delito a ser tratado neste trabalho tem sido muito frequente e envolve direitos de crianças e adolescente, o que torna a análise sobre o tema relevante.
2 CONCEITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
A lei 12.015, de 07 de agosto 2009 acrescentou, ao Código Penal, o art. 217-A que contém o tipo penal do delito de crime sexual contra vulnerável, assim definido:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência
Dessa nova norma é necessário definir o conceito de vulnerável. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define vulnerável como aquele que se encontra “do lado fraco de um assunto ou de uma questão; ou do ponto pela qual alguém pode ser atacado ou ferido. Aplicando este conceito no Art. 217-A do Código Penal, vulnerável é a pessoa menor de 14 anos e aquela que, por enfermidade ou deficiência mental, não possui o necessário discernimento para a pratica do ato, ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
A vulnerabilidade está compreendida nas imposições de “discernimento para a prática de ato libidinoso” e “possibilidade de resistir”, portanto, vulnerável é aquela pessoa que não tem discernimento ou não pode resistir, isto é, quem não pode ter vontade livre. Aquele que não possui discernimento é quem não tem capacidade de entendimento, não podendo escolher entre fazer ou não. E quem, mesmo tendo capacidade de entendimento, não pode, por qualquer razão, resistir, não tem liberdade de agir. Por isso está na situação de vulnerabilidade.
Assim, a pessoa que possui total capacidade de entendimento, e, portanto sabe discernir entre praticar ou não o ato libidinoso, e não esteja impedido de resistir, não precisa da proteção penal do Artigo 217-A do Código Penal.
A tipificação do estupro de vulnerável tem o intuito de proteger tanto a liberdade quando a dignidade sexual, portanto o interesse protegido pela norma penal recai sobre a liberdade sexual do vulnerável.
Nesse tipo resguarda-se o desenvolvimento sexual daquele tido como vulnerável, justificando que o estupro de vulnerável, por atingir a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, que é considerado presumidamente incapaz de consentir paro o ato, como também seu desenvolvimento sexual.
4 ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS
Os elementos objetivos do tipo são “Ter (conseguir, alcançar) conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina) ou praticar (realizar, executar) outro ato libidinoso (qualquer ação relativa à obtenção de prazer sexual) com menor de 14 anos”.
Conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher; ato libidinoso compreende-se, nesse conceito, outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais, por exemplo, a cópula oral, anal.
Uma parte da doutrina entende que estupro de vulnerável se tratar de tipo misto cumulativo, punindo-se num único artigo condutas distintas, a de ter conjunção carnal e a de praticar ato libidinoso com menor de 14 anos, ou outra pessoa vulnerável. Porem, outra parte da doutrina reconhece a existência de tipos mistos alternativos nos crimes de estupro e de estupro de vulnerável e, assim, segundo essa orientação, a prática de uma ou de ambas as condutas típicas, ainda que de forma reiterada no mesmo contexto fático, configura sempre crime único.
Ajudando a compreender os elementos objetivos da norma debatida, Júlio Fabbrini Mirabete afirma:
[...] entendemos tratar-se de tipo misto cumulativo, punindo-se num único artigo condutas distintas, a de ter conjunção carnal e a de praticar ato libidinoso com menor de 14 anos, ou outra pessoa vulnerável [...] Inclina-se, porem, boa parte da doutrina reconhecer a existência de tipos mistos alternativos nos crimes de estupro (art. 213) e de estupro de vulnerável (art. 217-A) e, assim, segundo essa orientação, a prática de uma ou de ambas as condutas típicas, ainda que de forma reiterada no mesmo contexto fático, configura sempre crime único. (Mirabete, 2010, p.412).
A respeito do elemento subjetivo do tipo, a maior parte da doutrina entende que busca saciar a lascívia configura este elemento. Neste delito, o dolo é a vontade de ter conjunção carnal ou de praticar ato libidinoso com menor de 14 anos ou pessoa vulnerável, sendo necessária a consciência dessa condição de vulnerabilidade do sujeito passivo. O dolo eventual abrange a duvida do agente quanto à idade ou à enfermidade ou doença mental da vitima. O erro exclui o dolo, podendo configurar outro crime, como o de estupro tipificado no artigo 213 do Código Penal.
De acordo com a letra da lei a figura delitiva denominada estupro de vulnerável considera o menor de 14 anos, em qualquer hipótese, incapaz de consentir validamente para a prática do ato sexual, em outras palavras, considera que a presunção dessa vulnerabilidade é absoluta.
No entanto, a doutrina majoritária e a jurisprudência pátria vêm admitindo a flexibilização o rigor desta lei, considerando a possibilidade de relativização da vulnerabilidade, assim define Júlio Fabbrini Mirabete:
Não se caracteriza o crime, quando a menor se mostra experiente em matéria sexual; já havia mantido relações sexuais com outros indivíduos; é despudorada e sem moral; é corrompida; apresenta péssimo comportamento. (MIRABETE, 1997, p. 498).
O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais completaram.
Dessa forma, a presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos poderia ser afastada diante da prova inequívoca de que a vítima de estupro possui experiência da prática sexual e apresenta comportamento incompatível com a regra de proteção jurídica pré-constituída.
A pouca idade da vítima não seria motivo suficiente para configurar o delito de estupro de vulnerável, já que deveria ser provado no caso concreto que a criança ou adolescente não possui a capacidade de discernimento para decidir se quer ou não praticar o ato sexual.
Assim, a inexistência de violência real ou grave ameaça poderiam eliminar a tipicidade da conduta de manter a relação sexual ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos.
Segundo Caroline Barbosa Guimarães (2011, p.44),
A presunção relativa, também conhecida como juris tantum, é aquela que admite produção de prova em contrário. Quando existia a presunção de violência, havia grande controvérsia sobre sua natureza, surgindo nessa época quatro teorias que se destacavam, senão vejamos: teoria absoluta, teoria relativa, teoria mista e a teoria constitucionalista. Para os defensores da teoria absoluta, a presunção era absoluta, não se admitia prova em contrario, estaria o crime configurado sempre que a o sujeito ativo fosse menor de 14 anos. A teoria relativa defendia a produção de provas, e excluía a presunção de violência, sempre que a menor de 14 anos já fosse experiente em assunto sexual e demonstrar ser promíscua. A teoria mista, por sua vez, adotava a presunção absoluta para os menores de 12 anos, ou seja, quando o ato sexual fosse praticado com criança, mas, se tratando de adolescente, em casos excepcionais, entendia pela relativização. Por sua vez, a teoria constitucionalista afirmava que o Direito. (Guimarães, 2011, p. 44).
Portanto, para a doutrina majoritária, não é juridicamente defensável continuar preconizando a ideia da presunção absoluta em fatos como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da conduta do acusado.
6 – CONCLUSÃO
A possibilidade de relativização da vulnerabilidade sexual do menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do CP, gera uma grande polêmica, repartindo o entendimento doutrinário e a jurisprudência acerca de seu caráter absoluto.
Para parte da doutrina e da jurisprudência, o artigo 217-A do CP é absoluto, e abrem exceção apenas em casos de erro de tipo comprovado. No entanto, outra parte da doutrina que defende a relativização da vulnerabilidade, haja vista que o direito deve se adaptar às mudanças da sociedade.
BITENCOURT, Cezar Roberto. O Conceito de Vulnerabilidade e a Violência Implícita. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jun-19/cezar-bitencourt-conceito-vulnerabilidade-violencia-implicita>. Acesso em: 18 out. 2013.
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Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTINI, Isabele Lopes. Relativização da vulnerabilidade no estupro de vulnerável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45701/relativizacao-da-vulnerabilidade-no-estupro-de-vulneravel. Acesso em: 23 dez 2024.
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