RESUMO: Interpretação do art. 7º da Lei nº 10.520/02, no tipo específico de “não apresentar documentos para o certam, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Palavras chave: Pregão. Penalidades. Licitantes.
INTRODUÇÃO
A escolha do pregão como modalidade de licitação destina-se à aquisição de bens e serviços comuns. A natureza “comum” não é atributo congênito do bem ou serviço, tampouco se confunde com aquele objeto portador de características técnicas complexas. O conceito de bens e serviços comuns leva em consideração, especialmente, a sua disponibilidade no mercado e a padronização do bem ou serviço. Ou seja, são comuns os bens e serviços que possuam padrões de desempenho e de qualidade objetivamente definidos no edital, com base em especificações usuais no mercado.
O pregão é hoje amplamente utilizado na Administração Pública Federal e está disciplinado pela Lei nº 10.520/02, a qual vem normatizar a fase preparatória e externa dessa modalidade de licitação. Destaca-se que a própria Lei do Pregão dispõe em seu artigo 9º que as normas da Lei nº 8.666/93 serão aplicadas apenas em caráter subsidiário, ou seja, aplicam-se as disposições da lei geral de licitações quando a legislação do pregão for omissa.
Tomando por base essa linha de interpretação, o agente público deve observar, no caso concreto, se a Lei do Pregão regula determinada matéria antes de buscar a solução na lei geral de licitações. Em caso positivo, entende-se que não poderá ser aplicada a Lei nº 8.666/93, tendo em vista a vedação imposta pelo art. 9º da Lei nº 10.520/02, bem como em virtude de a Lei do Pregão se tratar de lei especial em face da Lei nº 8.666/93 (lei geral de licitações).
INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º DA LEI Nº 10.520/02
Dito isto, no que tange à aplicação de sanções administrativas em face de infrações cometidas por algum licitante no momento da realização do pregão, o agente público deve se ater as disposições contidas na legislação de regência do Pregão. Logo, a Lei nº 10.520/02 traz em seu artigo 7º as condutas vedadas aos licitantes e às sanções aplicáveis no caso do cometimento de tais infrações, com o seguinte texto:
Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
Tendo em vista a redação do art. 7º da Lei nº 10.520/02, trazendo previsão expressa a acerca das penalidades aplicáveis no caso do cometimento das infrações elencadas no mesmo dispositivo, entende-se pela impossibilidade da aplicação das sanções contidas na Lei nº 8.666/93 para as infrações cometidas na fase externa do pregão, isto é, em momento anterior à celebração da contratação, diante da existência de legislação especifica em vigor.
Fazendo essa diferenciação, a partir da legislação acima mencionada, aplicam-se penalidades de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e descredenciamento no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais ao licitante que: não retirar a nota de empenho, ou não assinar o termo de contrato, quando convocado dentro do prazo de validade da proposta; apresentar documentação falsa; deixar de entregar os documentos exigidos no certame; ensejar o retardamento da execução do objeto; não mantiver a proposta; cometer fraude fiscal; comportar-se de modo inidôneo
Veja também que é aconselhável que o Edital de licitação regule expressamente as infrações passíveis de aplicação de penalidades, bem como as respectivas sanções, sendo utilizadas apenas as disposições da lei do Pregão acima transcritas, isto de acordo com o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório.
Isso porque o Edital é o principal instrumento da licitação que vincula a Administração ao que nele se prescreve, devendo ser produzido levando-se em consideração as diferenças entre as sanções aplicáveis aos licitantes e a empresa contratada. Registre-se que a Administração Pública Federal já vem diferenciando as condutas e sanções dos licitantes e contratados nas minutas de Editais de Licitação e Contrato lançados.
Assim, verifica-se que o legislador da Lei do Pregão limitou as sanções aplicáveis aos casos elencados no art. 7º da Lei nº 10.520/02 ao: impedimento de licitar e contratar com o ente que aplicar a penalidade, por até 5 anos; descredenciamento do SICAF; e aplicação de multa.
Vê-se que tais sanções possuem um rigor elevado, não sendo opção do legislador inserir sanções mais brandas, levando-se a concluir que o objetivo é evitar que práticas escusas de algum licitante venham a retardar o andamento regular de uma licitação na modalidade Pregão.
DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º DA LEI Nº 10.520/02, NO TIPO ESPECÍFICO DE “NÃO APRESENTAR DOCUMENTOS PARA O CERTAME”.
Analisando a conduta “deixar de apresentar documentação exigida para o certame”, a infração prevista comporta exame jurídico bastante peculiar. Deve tomar-se cautela para evitar que toda e qualquer hipótese de ausência documental propicie sancionamento, o que produziria resultado muito além do pretendido pelo legislador.
Convém colacionar, abaixo, o magistério de Marçal Justen Filho sobre o tema, especialmente sobre a necessidade de se identificar o elemento material e subjetivo do tipo:
Elemento Material
A fórmula legal deve ser interpretada adequadamente, sob pena de torna-se inútil. A pura e simples ausência de entrega de documentos é irrelevante e juridicamente neutra. Assim, se o sujeito comparece à licitação, credencia-se e pretende apresentar apenas o envelope com sua proposta, esquecendo-se daquele contendo dos documentos, não estará configurado o ilícito ora examinado. A Administração excluirá desde logo o sujeito do certame.
A ilicitude aperfeiçoa-se através de conduta de outra ordem, consistente na “ocultação” da ausência do documento necessário. O problema reside na apresentação de envelope que, pretensa e aparentemente continha os documentos exigidos. O sujeito exibe “o documento” e participa do certame, resultado que foi propiciado por meio de envelope lacrado. A segunda é a ausência, dentro dele, dos documentos exigidos.
(...). O mesmo se diga quando a oferta verbal do interessado for classificada em segundo lugar, mas o vencedor cumprir todos os requisitos e vier a ser contratado. A questão reside, então, em que a ausência do documento é revelada após o desenvolvimento de toda a atividade licitatória, acarretando problemas, prejuízos e dificuldades para o curso da atividade administrativa do Estado.
Como se vê, é fundamental não apenas a conduta objetiva do sujeito (ausência de exibição de documento que supostamente estaria contido no envelope), eis que a ilicitude depende da concretização de um prejuízo para a Administração. Se a ausência do documento não vier a ser apurada e, por decorrência, nenhum problema produzir-se relativamente ao certame, o particular não poderá ser punido. Mais precisamente, até poderá configurar-se alguma outra infração, mas não aquela ora examinada. Bem por isso, a documentação a que se refere o dispositivo é somente aquela pertinente à habilitação. Se o sujeito omitir documento referente à proposta e tal for evidenciado já na primeira etapa, a única consequência será a desclassificação. É que a ausência de documento não acarretará maior perturbação à ordem do certame.
Elemento subjetivo
Basta a ausência do documento para caracterizar a infração? As considerações acima expostas, a propósito da teoria da ação finalista, são o fundamento para uma resposta negativa. A configuração da infração pressupõe um elemento subjetivo do qual a atuação externa é mera decorrência.
Deverá averiguar-se a culpabilidade do sujeito e a dimensão da infração ao dever de diligência. Deverá reputar-se como ausente o elemento subjetivo quando o erro escusável ou as circunstâncias evidenciarem que o sujeito atuara com a cautela normal a todo empresário.
Não é necessário, no entanto, um elemento similar ao dolo. Não há necessidade de que o sujeito tenha consciência acerca da ausência do documento e que esse resultado tenha sido antevistos com precisão e livremente por ele desejado. Basta uma situação equivalente à culpa, correspondente à negligência. Quem participa do pregão deve adotar todas as cautelas para inserir no envelope de documento tudo o que é necessário e exigível. Podem adotar-se, aqui, as considerações acima realizadas. Insiste-se na ideia de que a alteração da ordem procedimental das fases acarreta a ampliação do dever de diligencia dos licitantes. Nas licitações da Lei nº 8.666, o licitante sabe que a ausência de documentos acarretará prejuízos apenas para si próprio: haverá a sua inabilitação. Mas, no pregão, a revelação da ausência de documentos ocorre depois de desenvolvidas todas as atividades competitivas e acarreta inutilização dos esforços da Administração Pública e dos demais licitantes. Portanto, não é possível argumentar que a inabilitação do licitante já será punição suficiente, eis que os efeitos da conduta defeituosa produzirão malefícios que ultrapassam a esfera de interesses do infrator.
(grifamos)
De acordo com a exposição do ilustre jurista, verifica-se que a conduta tela deve ser alvo de uma análise mais profunda do agente público antes da aplicação da sanção. A simples falta de apresentação da documentação quando solicitado pela Administração não deve, por si só, ser fator suficiente para a aplicação da sanção de impedimento de licitar e o descredenciamento do SICAF. A pura e simples ausência de entrega de documentos é irrelevante.
A Administração deve avaliar se, de fato, a conduta do licitante resultou em efetivo prejuízo para a Administração, para o bom andamento do certame ou, ainda, para a efetivação da contratação com outra empresa. Caso a licitante não tenha entregue a sua documentação quando solicitada, sem incorrer em nenhum prejuízo, não deve haver a penalização dessa empresa. A simples desclassificação do certame acaba por ter um efeito sancionador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, a interpretação literal da norma não constitui o método mais adequado para aplicar a redação do art. 7º da Lei nº 10.520/02 (na conduta: “deixar de entregar ou apresentar documentação exigida para o certame”), pois acabaria por punir, de maneira desproporcional, muitos licitantes que falhassem no ato de encaminhar a documentação solicitada pela licitante, tão apenas por uma falha exclusiva em seu proceder, sem o intuito de agir maliciosamente para tentar se beneficiar na sessão do pregão em que participou ou prejudicar o bom andamento do certame ou eventual licitante.
Diante da gravidade das sanções a serem aplicadas aos licitantes, conforme exposto acima, a configuração da infração pressupõe um elemento subjetivo do qual a atuação externa é mera decorrência.
Logo, o agente público deve interpretar a conduta do art. 7º da Lei nº 10.520/02 (“deixar de entregar ou apresentar documentação exigida para o certame”) com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, analisando ainda o elemento subjetivo da conduta e verificando, a luz do caso concreto, se a omissão da licitante, ao não encaminhar a documentação solicitada, traz benefícios escusos para si, acarreta prejuízo ao certame ou à efetivação da contratação com outra empresa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
JUSTEN Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Dialética, 2014
Advogado da União - AGU desde DEZ/2010, formado em Direito, em 2007, na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINS, Viktor Sá Leitão de Meira. Interpretação do art. 7º da Lei nº 10.520/02 (Lei do pregão) no tocante à aplicação de penalidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45707/interpretacao-do-art-7o-da-lei-no-10-520-02-lei-do-pregao-no-tocante-a-aplicacao-de-penalidades. Acesso em: 23 dez 2024.
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