Resumo: O presente artigo trata da influência que a mídia tem nas decisões do Tribunal do Júri. O Júri é um instituto polêmico e embora tenha sofrido alterações ao longo do tempo, nunca mudou sua essência, que tem como competência julgar os crimes dolosos contra a vida, os chamados crimes de imprensa, e que geram grande repercussão em toda mídia. A atuação da mídia de forma desenfreada vem causando problema, pois o julgamento deve ocorrer de forma imparcial, onde o jurado deve formar suas ideias com base nos fatos ocorridos no delito, e de acordo com seu livre convencimento. Contudo, em alguns casos essa imparcialidade fica comprometida diante de toda cobertura extravagante que a mídia faz, que muitas vezes distorce os fatos para chamar mais atenção e vender notícia, ferindo assim a garantia e o direito do acusado. Para a sua elaboração, o presente artigo adotou como método a pesquisa bibliográfica, documental, levando em consideração a origem do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro, sua organização, os jurados e suas funções. Além dos conflitos inerentes a pressão que a mídia exerce perante o imparcial julgamento do Conselho de Sentença.
Palavras-chave: Mídia. Tribunal do Júri. Crime Dolosos Contra a Vida.
Abstract: This article deals with the influence the media has on the jury's decisions. The jury is a controversial institute and although it has undergone changes over time, never changed its essence, which has the competence to judge the deceitful crimes against the life, the so-called press crimes, and generate great impact on all media. The performance of rampant media is causing problem because the trial should take place in an impartial manner, where the jury must form his ideas based on the facts of the crime, and according to their free conviction. However, in some cases this impartiality is compromised before the whole extravagant coverage that the media does, it often distorts the facts to draw more attention and sell news, thus hurting the guarantee and the right of the accused. For its preparation, this paper adopted as a method to literature search, document, taking into account the origin of the jury in the Brazilian legal system, their organization, the jurors and their functions. In addition to the conflicts inherent pressure that the media plays before the fair trial of the Board of Judgment.
Keywords: Media. Jury court. Intentional crime against life.
Introdução
O Tribunal do Júri esteve presente em diversos momentos históricos da sociedade, sempre como forma de representar a participação popular. Muitas alterações se fizeram presentes ao longo do tempo até a sua atual estrutura, que atualmente é composta por um juiz togado, seu presidente, e vinte e cinco jurados sorteados entre os alistados, sendo sete designados a formar o Conselho de Sentença, como bem informa o art. 447 do CPP.
O julgamento perante Júri permite que a própria sociedade examine a conduta do acusado. Dessa forma, será o réu julgado pelos seus, sendo eles os responsáveis por condenar ou absolver o mesmo. É por esse motivo que há uma preocupação quanto a imparcialidade do Conselho de Sentença.
A constante evolução da mídia e o surgimento das chamadas mídias de massa, as quais exercem um controle cada vez mais forte sobre a opinião popular, dada ao seu alcance e facilidade de propagação, fez com que a divulgação e cobertura de determinados julgamentos viessem a se tornar demasiadamente expostos.
O Tribunal do Júri sofre muitas críticas por conta dessa pressão que a mídia faz ao explorar seus casos, de uma forma a gerar instabilidade e parcialidade da população que é facilmente influenciada pelas notícias especuladas. Tendo em vista quando a exploração da notícia causa clamor público e pressão nos jurados e juízes. Por isso gerou-se a dúvida de como a mídia tem influência nos casos decididos perante o Tribunal do Júri.
Para melhor compreensão, o trabalho dividir-se-á em três capítulos, primeiramente será abordado o Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro, sua organização e escolha dos jurados, estes que formam o Conselho de Sentença. Posteriormente serão abordados aspectos importantes sobre a mídia e liberdade de imprensa.
Por fim, para um melhor entendimento da análise dessa influência, far-se-á uma abordagem de casos julgados pelo Tribunal do Júri, que tiveram grande repercussão nacional e que tiveram grande cobertura pela mídia nacional.
Para a elaboração deste trabalho foram realizadas pesquisas teóricas em livros, periódicos acadêmicos e artigos disponibilizados em sites da internet.
1. O Tribunal Do Júri no Ordenamento Jurídico Brasileiro
No ordenamento jurídico brasileiro, o Tribunal do Júri foi criado mediante Lei em 18 de julho de 1822, com a intenção de julgar os crimes populares, ou seja, os crimes de imprensa. O Júri sofreu algumas transformações, como na Constituição de 1824 onde passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos e até teve sua competência ampliada para julgar causas cíveis. Alguns anos depois a Constituição Democrática de 1946 que restabeleceu a soberania do Júri, prevendo-o entre os direitos e garantias constitucionais. (CAPEZ, 2012, p. 649).
Elencado no núcleo pétreo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Instituição do Júri Popular está prevista no artigo 5º, XXXVIII, que traz seus princípios básicos nas alíneas a, b, c, d, os quais são: a plenitude da defesa, o sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. O Júri tem como intuito ampliar as garantias daqueles que irão ser julgados, conforme explica Fernando Capez:
Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares (CAPEZ, 2012, p. 649).
O Tribunal do Júri tem sua legislação no Código de Processo Penal Brasileiro. É composto por um juiz de direito, que é seu presidente, e de 25 jurados. Em cada sessão, dentre os 25 (vinte e cinco) jurados, são sorteados 07 (sete), para formar o conselho de sentença. É a única instituição que permite ao cidadão brasileiro tomar parte nos assuntos de um dos Poderes da República, o Judiciário, sendo, por isso, considerado um direito humano fundamental.
1.1 Princípios do Tribunal do Júri
A plenitude de defesa, atribuída à instituição do Júri, traz aparente redundância do direito constitucional à ampla defesa (art. 5°, LV, da CF). Todavia, são dois preceitos diferentes. A plenitude de defesa implica no exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Fernando Capez esclarece:
A plenitude da defesa significa o exercício da defesa em um grau ainda maior que a ampla defesa, compreendendo dois aspectos: o primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, pelo profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal, entre outros. O juiz deve fiscalizar esta defesa, pois, se entender ineficiente a atuação do defensor, até dissolver o Conselho de Sentença, e declarar o réu indefeso. O segundo aspecto é o exercício da autodefesa, por parte do réu, consistente no direito de apresentar sua tese pessoal no momento do interrogatório, relatando ao juiz a versão que entender mais conveniente e benéfica para sua defesa (CAPEZ, 2012, p. 649).
O sigilo nas votações visa resguardar a liberdade de convicção e opinião dos jurados, para uma justa e livre decisão, sem constrangimentos decorrentes da publicidade da votação. A ele não se aplica o disposto no artigo 93, IX, da CF, trata-se de uma exceção a regra. A forma sigilosa ou secreta da votação decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos Jurados no ato decisivo do julgamento.
A soberania dos veredictos significa a impossibilidade do tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo mérito. Trata-se de princípio relativo, pois, no caso da apelação das decisões do Júri pelo mérito, o Tribunal pode anular o julgamento, e determinar a realização de um novo Júri, se entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos. A soberania do Júri é um princípio relativo porque não pode obstar o princípio informador do processo penal, qual seja, a busca da verdade real (CAPEZ, 2012, p. 650).
Finalizando os princípios constitucionais do Júri, encontramos a sua competência para os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Tais crimes estão previstos no início da Parte Especial do Código Penal: homicídio simples, privilegiado ou qualificado (art. 121 §§ 1° e 2°); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122); infanticídio (art. 123); e aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).
1.2.Organização do Júri e Jurados
O Tribunal do Júri é um órgão colegiado heterogêneo e temporário, constituído por um juiz togado, que o preside, e de vinte e cinco pessoas escolhidas por sorteio.
Anualmente, cabe ao juiz-presidente do Tribunal do Júri organizar a lista geral dos jurados, onde constará a indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e será divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri (CPP, art. 426, caput). A lista pode ser alterada até 10 de novembro, data de sua publicação definitiva (CPP, art. 426, § 1º), de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente.
Os jurados sorteados serão convocados por correio ou qualquer outro meio hábil depois do sorteio dos vinte e cinco jurados que tiverem de servir na sessão (CPP, art. 434, caput). O sorteio far-se-á a portas abertas, pelo juiz presidente, a quem caberá tirar as cédulas (CPP, art. 433, caput).
Deste modo Fernando Capez explica os requisitos para ser jurado:
Para ser jurado, é preciso ser brasileiro, nato ou naturalizado, maior de 18 anos, notória idoneidade, alfabetizado e no perfeito gozo dos direitos políticos, residente na comarca, e, em regra, que não sofra de deficiências em qualquer dos sentidos ou das faculdades mentais (CAPEZ, 2012, p. 651).
O serviço do Júri é obrigatório, de modo que a recusa injustificada em servir-lhe constituirá crime de desobediência, no entanto a escusa de consciência, por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, sujeita o autor da recusa ao cumprimento de prestação alternativa a qual vier a ser prevista em lei, e, no caso da recusa também se estender a esta prestação, haverá a perda dos direitos políticos, de acordo com o disposto nos artigos 5°, VIII e 15, IV, da Constituição Federal.
A função dos jurados é uma das mais importantes, pois é a ele quem cabe decidir sobre a liberdade de outra pessoa. Considerada serviço público relevante (CPP, art. 439), além de essencial para a formação do devido processo legal daqueles que são acusados da prática de crimes dolosos contra a vida, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal.
Desta forma nas palavras de Aquino e Nalini: participar efetivamente do Tribunal do Júri é considerado serviço público relevante, exprimindo conceito de uma atividade útil e benfazeja em relação à sociedade (AQUINO; NALINI, 2009, p. 348).
O jurado, por ser juiz, sob o aspecto moral deve ter idoneidade, atributo do “homem de bem”. Deve ser probo, íntegro e imparcial, para garantir a realização de uma justiça adequada (AQUINO; NALINI, 2009, p. 348).
O exercício efetivo da função de jurado é compreendido quando ele comparece ao dia da sessão, ainda que não seja sorteado para compor o Conselho de Sentença. Referido exercício traz alguns privilégios, tais como: presunção de idoneidade, prisão especial por crime comum, até o julgamento definitivo, preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas, preferência no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como a preferência nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (CPP, art. 440).
Dentre os vinte e cinco jurados sorteados serão escolhidos sete, estes que formarão o Conselho de Sentença que irão julgar com base nos quesitos, que correspondem ao conjunto de perguntas destinadas à coleta da decisão sobre os fatos classificados pela decisão de pronúncia e sobre as teses impetradas pela defesa técnica.
O primeiro resquício de imprensa no Brasil se deu com a chegada da corte portuguesa em 1808, com a Imprensa Régia. A partir de 10 de setembro de 1808, passa a sair a Gazeta do Rio de Janeiro, na Impressão Régia então recém-instalada no território do Novo Mundo, com a chegada da Corte Portuguesa (MARTINS, 2008, p.30).
Entende-se que imprensa é a generalidade dos meios de comunicação de massa, ou seja, revista, jornal impresso, rádio, televisão, internet, no trabalho de jornalismo. Em nosso tempo, a palavra imprensa deixou de representar, apenas, revistas e jornais escritos, como era até as primeiras décadas do século XX, para ganhar um conceito macro e abranger, também, os meios eletrônicos. Já como Mídia, entendemos o conjunto das diferentes empresas de comunicação: emissoras de rádio e televisão, portais de internet, cinema, revistas e jornais impressos em seus diferentes ramos, como jornalismo, entretenimento, publicidade.
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º sobre os direitos e garantias fundamentais, e dentre eles está a liberdade de expressão, descrito no inciso IX. A liberdade de imprensa no Brasil se refere ao direito de informação, ou seja, inclui direito de todos de informar, comunicar ou declarar opinião, como, também, o direito de ser informado, sendo todos, consequência do direito da liberdade de manifestação do pensamento. E quando este é usado pela imprensa, surge a Liberdade de Imprensa
Portanto, a liberdade de imprensa é um valor de hierarquia constitucional, que não pode ser conspurcado com restrições como a censura prévia. Mas não pode ser esquecido que, ao lado ou em posição da liberdade de imprensa, existem outros valores de igual nobreza constitucional que são intimidade, a imagem, a honra, o devido processo legal e a presunção de inocência (TUCCI, 1999, p. 114).
A função da imprensa é esclarecer os cidadãos, mostrando-lhes a verdade dos fatos, porém a necessidade que a imprensa tem de que a informação chegue com velocidade nas mãos dos cidadãos, coloca em cheque a verdade com o que esta realmente aconteceu. A expressão máxima do livre pensar é poder propagar, por quaisquer meios, opiniões, ideias e pensamentos. A liberdade de expressão é consequência da liberdade de pensamento, é a exteriorização desta (VIEIRA, 2003. p. 24).
O que deve-se destacar é que a impressa, e não só ela, tem o direito à liberdade de expressão, que indiscutivelmente, consiste num direito fundamental e de especial relevância para o regime democrático. A prática de um crime e sua apuração são assuntos inerentes ao interesse público, fazendo como quem a sociedade tenha interesse nas informações repassadas pela mídia.
A publicidade pelos meios de comunicação como um todo reflete de duas formas, positivamente ou negativamente. Positivamente, pois a mídia muitas vezes pode ser vista como um fator que vem ajudando a diminuir a criminalidade, uma vez que se encarrega por noticiar casos que afligem a sociedade e que se não fosse pela pressão da midiática, não se tomaria nenhuma providencia a fim de apurar os fatos. Porém o excesso de informação e até mesmo a falta de conhecimento, acaba por distorcer os acontecimentos, e até mesmo noticiando fatos que não condizem com a verdade.
E essa veiculação de notícias distorcidas traz graves consequências ao processo, pois a sociedade passa deixa de ver a justiça como ela realmente é, e passa a ver a justiça da maneira como a mídia retrata.
3. A Influência da Mídia nas Decisões do Tribunal do Júri
A Mídia e o Poder Judiciário relacionam-se de variadas maneiras. Se o Poder Judiciário influencia a Mídia de alguma forma, a influência da Mídia sobre o Poder Judiciário é muito maior. A imprensa como meio de veiculação da mídia, ao exercer a atividade de divulgação de determinadas notícias tem, nos últimos anos, apresentado diversificadas matérias que se encontram diretamente relacionadas a crimes julgados pelo Tribunal do Júri.
Oliveira explica que essa ligação entre o Tribunal do Júri e a mídia ocorre, porque há:
[...] um forte apelo junto à opinião pública. Mães de vítimas que pranteiam durante a sessão de julgamento; advogados que anunciam novos fatos bombásticos, capazes até de mudar o curso do processo; grupos organizados que mobilizam protestos, com faixas, cartazes e alto-falantes, defronte ao prédio do fórum, e exigindo a condenação ou – o que é menos corrente – a absolvição do réu. Tudo isso é notícia, a matéria-prima da imprensa (Oliveira 2000, p. 41).
Na atual sociedade contemporânea a mídia aproveita ao máximo uma notícia até que surja uma com a mesma relevância da anterior que se destacou. São vários os exemplos de casos que tiveram grandes repercussões na mídia e que ficaram sendo notícias principais por semanas, meses e muitos destes ouvimos notícias até hoje, como por exemplo o caso de Isabella Nardoni, refere-se à morte da menina que foi arremessada do sexto andar de um edifício em São Paulo.
Durante os períodos referidos, a população brasileira esqueceu-se de uma infinidade de problemas que arruínam o país e dedicaram-se a viver o lamentável episódio, através de reportagens sensacionalistas, de exploração da miséria a que o ser humano é capaz e que sem sombras de dúvidas afrontaram diretamente à privacidade de dois indivíduos, Alexandre Nardoni (pai de Isabella) e Ana Carolina Jatobá (madrasta de Isabella), os quais inicialmente sequer haviam sido formalmente acusados. (ALVES FERREIRA E SOUZA, 2012, p. 377).
Outro exemplo de julgamento onde a influência da mídia foi extremamente abusiva foi o caso de Mércia Nakashima, a advogada de 28 anos que desapareceu no dia 23 de maio do ano de 2010, e que só foi encontrada em 10 de junho, quando seu carro foi localizado em uma represa no interior de São Paulo. O julgamento aconteceu três anos depois onde o ex-namorado da vítima Mizael Bispo, ex-policial militar e advogado de 40 anos negou no tribunal do júri que tenha matado a ex-namorada, porém foi condenado a 20 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado. (Fonte: G1 São Paulo).
Esse caso de Mércia Nakashima, foi o primeiro Júri Popular a ser transmitido ao vivo pela TV, rádio e internet no Brasil, segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo. O que gerou uma onda de comoção e pessoas clamando por justiça antes mesmo do trânsito em julgado da sentença.
Não existem, assim, no espetáculo criado pela mídia, dúvidas acerca do delito, vez que estas são transformadas em certeza. O possível autor do fato se coloca na condição de culpado e julgado pela opinião pública que impõe sobre o mesmo a devida condenação. Vê-se, deste modo, que a imprensa condena o suposto autor do delito antes mesmo que este tenha direito à defesa, constituindo-se o princípio da presunção de inocência, assim, possivelmente, o princípio mais violado nesse cenário pela mídia.
Isso se dá, pois as relações entre imprensa e o Poder Judiciário nunca deixaram de ser conturbadas, e na geografia do júri a questão adquire maior relevo, dada a emotividade em que ordinariamente são envolvidos os julgamentos em plenário (OLIVEIRA, 2000, p. 40-41).
Na atualidade se evidencia não somente um crescente interesse dos cidadãos em conhecerem o desenvolvimento do processo penal, sendo também um grande despregue informativo e de opinião sobre o particular, o que, há estabelecido um real fluxo entre o processo e a opinião pública, sendo seu canal natural a imprensa. Prates e Tavares elucidam sobre a influência da mídia:
Alguns setores da mídia vistos como supostamente “justiceiros”, antes de qualquer diligência necessária publicam o nome de possíveis suspeitos atribuindo-lhes o condão de “acusados” ou mesmo “réus”, sem que estes estejam respondendo ainda sequer a um processo. Carnelluti já descrevia o que significava para uma pessoa responder um processo, tendo ou não culpa por um fato: “Para saber se é preciso punir, pune-se com o processo”. O cidadão nestas circunstâncias, mesmo que teoricamente acobertado constitucionalmente pelo princípio da presunção de inocência, se vê em realidade apontado como “culpado” pelos meios de comunicação de massa, sofrendo enorme exposição e o encargo de poder enfrentar um Conselho de Sentença maculado por um “jornalismo investigativo” nem sempre ético e harmonizado com a realidade dos fatos ditos “apurados” (PRATES E TAVARES, 2008.p.34).
O direito de informar, leva à possibilidade de noticiar fatos, que devem ser narrados da maneira imparcial. A notícia deve corresponder aos fatos, de forma correta e verdadeira, sem a intenção de confundir o receptor da mensagem, ou ainda, sem a intenção de formar nesse receptor uma opinião errônea de determinado fato.
Ana Lúcia Menezes Vieira ressalta:
[...] que a informação constitui-se uma necessidade social: A informação, como aspecto da liberdade de expressão, da comunicação social, é hoje uma necessidade primordial do homem que vive em sociedade. Devido à crescente complexidade social, as pessoas não só para se orientarem e estabelecerem contato permanente umas com as outras, mas, também, para participarem, precisam de conhecimentos e idéias sobre o que acontece ao seu redor. Os fatos repercutem em suas vidas, nas opiniões da comunidade, e o conhecimento deles serve para que possam atuar eficazmente nos ambientes de trabalho, familiar e social, cumprindo seus papéis de cidadãos (VIEIRA, 2003, p. 30 e 31).
A Constituição Federal determina em seu artigo 5°, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Refere-se ao princípio da presunção da inocência do indivíduo até que se comprove o inverso, mas ignorando a própria Constituição os meios de comunicação, em alguns casos, condenam o réu antes mesmo de seu julgamento. O suspeito muitas vezes é julgado pela opinião divulgada pela mídia.
Portanto em decorrência da imensa influência que a mídia exerce sobre a sociedade, a liberdade de imprensa deve se amoldar a transmissão da notícia imparcial para não ferir os direitos fundamentais da presunção de inocência e da dignidade humana.
Existem algumas possíveis soluções para a resolução desse problema entre a mídia e o Júri, as quais são: suspensão do processo enquanto durar a campanha de imprensa; proibição de a mídia mencionar o julgamento, em determinadas fases; desaforamento do julgamento para outra comarca (art. 427 e 428 do Código de Processo Penal); determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito, para evitar sua exposição aos meios de comunicação (artigo 201, parágrafo 6º, do Código de Processo Penal) ou, ainda; anulá-lo quando se constatar que a pressão publicitária possa ter deformado a construção do juízo condenatório.
As decisões proferidas pelo Conselho de Sentença devem ser aquelas conclusivas a respeito das provas e das palavras da promotoria e da defesa apresentadas no momento do julgamento, e não procederem das impressões manipuladoras causadas pela mídia, pois seu papel não é julgar, mas sim noticiar, ou seja, apresentar os fatos de maneira completa e verdadeira, sem o objetivo de punir o suspeito, mas sim de transmitir ao público a realidade dos fatos.
Conclusão
Ao construir o trabalho foi constatado a perseverante presença da influência da mídia sobre os casos de repercussão nacional, interferindo nos jurados e consequentemente no julgamento, tendo em vista que estes jurados são pessoas comuns que veem e leem as notícias igual a todos. A população se interessa por notícias relacionadas a crimes, e violência, a mídia sabe que esse tipo de matéria traz grande retorno financeiro, então explora ao máximo esses acontecimentos, onde notícias sensacionalistas e manipuladoras são exibidas, distorcendo os fatos e atropelando o princípio da dignidade humana.
É essencial que não seja vinculada nos jurados nenhum tipo de influência, pois pode ser irreparável o erro quando o júri adentra o tribunal com seu juízo de valor já formado. Tendo o réu recebido sua condenação antes mesmo de iniciados os trabalhos do julgamento.
As notícias veiculadas pela imprensa, chegam para a sociedade como se fossem a única verdade, assim as pessoas esperam uma condenação que seja rigorosa, fazendo o réu sofrer emocionalmente e fisicamente. Nesse sentido quando um ato criminoso chega ao conhecimento da sociedade, o réu tem um desrespeito total a sua dignidade, tendo sua privacidade invadida e sua condenação decretada precocemente.
Constatou-se, que a garantia constitucional da liberdade de imprensa não pode ser maior que as garantias individuais, e que ambas precisam ser respeitadas de forma a possibilitar o efetivo cumprimento da justiça. Um direito não é maior que o outro, e o que temos nesses casos é a colisão de dois direitos fundamentais, de um lado a liberdade de imprensa e de outro a presunção de inocência.
Sobretudo, restaram algumas possíveis soluções para que juntos, a mídia e o Júri possam encontrar um equilíbrio, pois a finalidade não é causar desconforto entre jornalistas e juristas. As possíveis soluções seriam, suspender o processo enquanto a campanha da imprensa durar, restringir a mídia em divulgar determinadas fases do julgamento, ou se necessário a determinação do juiz em determinar segredo de justiça na tentativa de preservar o réu.
Por fim, tendo em vista que não se teve intenção em desmerecer ou desprestigiar a esta instituição, e sim declarar sua importância como garantia fundamental, fica evidente que o maior beneficiário da união da mídia e do Júri, será essencialmente a sociedade como um todo.
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Graduanda em Direito pela Faculdade Estácio de Macapá/Campus SEAMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ivana da Silva. A influência da mídia nas decisões do tribunal do júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45723/a-influencia-da-midia-nas-decisoes-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 22 dez 2024.
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