RESUMO: Este artigo problematiza os principais argumentos apresentados pela doutrina autoralista e pela mídia no combate à prática de compartilhamento livre de obras intelectuais na Internet (“pirataria online”). A apresentação foi dividida de acordo com os três grupos sociais abarcados pelo Direito Autoral: o intermediador de conteúdo, o autor e o público. Numa análise que parte das premissas da Teoria dos Sistemas Sociais, observou-se a preponderância da proteção jurídica a interesses econômicos dos intermediadores de conteúdo, em detrimento dos interesses econômicos do autor e interesses relativos à Arte, à Ciência, associados à figura do autor e do público. Concluiu-se pela necessidade de reinvenção do Direito Autoral, a ser considerada também pelo aplicador do direito, de modo a torna-lo responsivo às demandas sociais no âmbito da difusão cultural.
Palavras-chave: direito autoral; crítica; downloads; pirataria online; internet.
1 INTRODUÇÃO
A crescente digitalização e o compartilhamento de conteúdo na era da Internet criou um contexto de tensão entre as práticas sociais e o Direito Autoral, ameaçando a exclusividade dos direitos de reprodução e distribuição de obras intelectuais. O enfrentamento desta questão, no Brasil, ainda foca essencialmente na necessidade de modificação da lei nacional, deixando em segundo plano a aplicação de diretrizes internacionais ratificadas pelo Brasil e a conformação constitucional da LDA/98. Estas alternativas não centralizam, no entanto, a possível força normativa do fenômeno social referido, capaz de trazer, por si, implicações jurídicas.
Neste artigo, buscar-se-á trazer à tona o contexto social relativo ao compartilhamento livre e gratuito de obras na internet, desconstruindo algumas ideias tradicionais propagadas pelos veículos comunicativos e pela doutrina autoralista. Objetiva-se, assim, elucidar possíveis novas leituras do Direito Autoral, de modo a conferir-lhe maior funcionalidade, tornando-o mais responsivo às demandas da Arte e da Ciência e menos corrompido pelas demandas da Economia.
2 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS ACERCA DO DIREITO AUTORAL E DO COMPARTILHAMENTO LIVRE DE OBRAS INTELECTUAIS NA INTERNET
É possível perceber, no direito brasileiro e internacional, uma orientação maximalista voltada a conter as novas práticas sociais relativas à transmissão de cultura em um contexto histórico marcado pelas tecnologias digitais e pela Internet. O reforço da repressão jurídica na matéria vai ao encontro de uma campanha antipirataria maior, propagandeada por grandes indústrias de conteúdo. Observa-se, no entanto, que mesmo após anos de combate em diversas frentes que ultrapassam o controle jurídico, a prática de compartilhamento livre de conteúdo no Brasil mantém-se crescente. Nesse sentido, para que o Direito Autoral não se torne disfuncional frente a uma nova realidade e novas demandas sociais, é necessário reinventá-lo. A reinvenção de uma área do Direito impõe, assim, a sua destruição simbólica, que se dá mediante o questionamento de ideias tradicionais, as quais podem ser sistematizadas em torno de três grupos sociais contemplados pelo Direito Autoral: o autor, o intermediador e o público.
2.1 O Intermediador
Um primeiro aspecto a ser desconstruído diz respeito ao interesse dos intermediadores dos bens intelectuais. A premissa sustentada por este setor no combate ao compartilhamento não autorizado de obras na internet é a de que tal prática atinge negativamente as vendas no mercado de conteúdo[1] e que pode levar ao aniquilamento da produção cultural, pois afetaria, reflexamente, os interesses dos autores, ao supostamente dificultar a sua remuneração[2].
Mizukami (2007, p. 105-108) aponta, nesse sentido, alguns estudos sobre os efeitos do fenômeno referido nas vendas da indústria fonográfica, os quais chegam a conclusões diversas[3]. Enquanto algumas pesquisas concluíram haver uma efetiva desestabilização das vendas em razão dos downloads, outras sustentaram a quase inexistência de impacto direto dos downloads no declínio de vendas constatado nos últimos anos. Outros estudos destacaram que o compartilhamento de arquivos, de um lado, prejudica os artistas mais populares e as grandes produtoras e, do outro, favorece os artistas menos populares e produtoras independentes. Um estudo feito em 2009 pela BI Norwegian School of Management apontou que aqueles que realizam downloads “ilegais” de música são também os maiores consumidores de música pelos meios legais, em número dez vezes superior ao consumo de música por quem não realiza downloads (CHENG, 2015). No mesmo sentido, outro estudo de 2009 feito no Reino Unido (SHIELDS, 2015) apontou que pessoas que realizam downloads “ilegais” de música são também as que mais gastam com música. O Centro de Tecnologia e Sociedade, da Fundação Getúlio Vargas – Direito Rio (FGV-CTS, 2011, p. 95 e ss.), também aponta a carência de pesquisas transparentes, rigorosas e imparciais sobre os efeitos da “pirataria” nas questões atinentes à propriedade intelectual[4].
Observa-se, pois, que o compartilhamento livre de conteúdo pode tanto desmotivar quanto motivar a aquisição física ou digital da obra[5], sendo de difícil aferição o balanço exato dos efeitos negativos e positivos desta prática, em razão de um sem número de variáveis que devem ser consideradas. Ante a ausência de uniformidade nos resultados dos estudos, não há como se afirmar o decréscimo linear das vendas em razão do aumento do número de downloads. Mesmo na hipótese de que os downloads ocasionem a redução do número de vendas, daí não se constata, necessariamente, a ascensão de prejuízo (saldo negativo) para as produtoras, as quais continuam se sustentando no mercado, mesmo após cerca de 16 anos do estabelecimento da prática de compartilhamento virtual de arquivos.
Alguns estudos chamaram atenção, ainda, para a existência de uma pluralidade de interesses dentro de um mesmo grupo social: em geral, artistas muito populares demandam a coibição da prática, enquanto artistas menos populares beneficiam-se dela; da mesma forma, dentre os intermediadores de conteúdo, grandes produtoras acusam terem seus lucros afetados, enquanto às pequenas produtoras interessa a divulgação ampla das obras intelectuais.
Há, em verdade, diversas estratégias possíveis para a produção e distribuição de bens intelectuais, como mostra o panorama apresentado por Benkler (2006, p. 43), dividido em três grandes grupos: a) exclusão + mercado, destacando-se a criação para o mercado em busca de royalties e a exploração de um catálogo de títulos pelas empresas de conteúdo; b) não exclusão + mercado, destacando-se a atuação de autores que entendem a livre circulação de suas obras como um meio para outras plataformas nas quais podem obter lucro, a exemplo dos músicos que apoiam o compartilhamento livre e obtêm lucro da sua atividade artística por meio de apresentações ao vivo (lucro não relacionado à exploração dos direitos de exclusividade); c) não exclusão + fora do mercado, destacando-se a produção e distribuição por razões não comerciais, como a reputação ou amor à arte ou à ciência. Observa-se, assim, a multiplicidade de formas de distribuição de informação, a exemplo de: (i) alternativas que não dependem da exclusividade de direitos sobre a propriedade intelectual e ainda assim têm em vista o mercado, por meio de benefícios indiretos; (ii) alternativas que se colocam fora do mercado, isto é, não objetivam a venda dos produtos, não negando, contudo, contrapartidas, que podem existir sob a forma de financiamentos ou de estímulo à cooperação intelectual, a exemplo de licenças que impõem para as obras derivadas a adesão ao mesmo regime de licença da obra originária. Neste cenário, Lessig (2004, p. 9) enxerga as tecnologias digitais como um estímulo à criação intelectual:
Tecnologias digitais atreladas à Internet podem produzir um mercado enormemente mais competitivo e vibrante para criar-se e distribuir-se cultura; esse mercado poderia incluir um número muito maior e mais diversificado de criadores; esses criadores poderiam produzir e distribuir uma gama muito maior de expressões criativas; e dependendo de alguns poucos fatores importantes, esses criadores poderiam ganhar mais do que a média do que eles ganham no sistema atual.
Não se pode olvidar que, no campo informacional do cenário chamado de “nova mídia”, emergem novos atores intermediários – um conglomerado de indústrias de computação, telecomunicação e conteúdo, em “convergência digital” – com interesses econômicos que ameaçam a hegemonia dos atores tradicionais da indústria de conteúdo. Marília Moncau adverte, nesse sentido, que “(...) o amadurecimento das tecnologias digitais tem demonstrado que ela não está imune à concentração econômica e a práticas que podem reduzir a diversidade de conteúdo e opiniões em circulação, com consequências importantes para a formulação de políticas públicas de comunicação” (MIZUKAMI; REIA; VARON; 2014, p. 10)[6]. Não se trata, pois, de um embate de interesses apenas entre os três grandes grupos divididos em autores (ligados principalmente ao sistema da Arte ou da Ciência, mas também à Economia), intermediadores (ligados ao sistema da Economia) e público, pois dentro de um mesmo grupo é possível constatar interesses contrários ou favoráveis ao compartilhamento livre de conteúdo na internet.
Evidencia-se, assim, a divergência de interesses no grupo de intermediadores (produtores, editoras, nova mídia online etc.), cuja resolução não depende necessariamente das estratégias repressivas empreendidas por meio do sistema jurídico, tal como se tem buscado fazer em favor de apenas uma parcela economicamente interessada, pois diz respeito diretamente ao sistema da Economia (desenvolvimento de modelos mais competitivos no cenário da internet). Nesse sentido, o estudo “Piratería de Medios en las Economías Emergentes” (KARAGANIS, 2012), que apresenta um relatório sobre a pirataria no Brasil, aponta a insuficiência de medidas jurídicas repressivas e medidas políticas educativas, na esteira do que tem sido feito no país, sugerindo um deslocamento da análise e solução do problema para o campo econômico. O Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (2011, p. 100) subscreve tal conclusão, destacando que “um dos pontos mais importantes levantados pelo estudo Media piracy in emerging economies é o de que a pirataria é um problema econômico, que deve ser resolvido por meios econômicos”.
Com efeito, o relatório aponta diversas barreiras de acesso à cultura que justificariam, em parte, a prática da pirataria. Constatou-se, por exemplo, que os preços praticados pela indústria fonográfica e cinematográfica nos países em desenvolvimento são equivalentes, em absoluto, aos preços dos países desenvolvidos; assim, os valores relativos para o consumidor brasileiro, considerando o seu poder aquisitivo, corresponderiam a mais do que o triplo dos valores para o consumidor estadunidense. Outra barreira de acesso seria a distribuição desigual ou ineficiente de bens culturais pelo país, havendo, por exemplo, uma carência de salas de cinema, bibliotecas e livrarias em localidades menos desenvolvidas do Brasil (FGV – CTS, 2011, p. 100). O diálogo sobre as medidas econômicas, no entanto, resta bloqueado no Brasil, preso entre o que o setor público aponta como problema de modelo de negócios e o setor privado como um problema de remédios fiscais (KARAGANIS, 2012, p. 315).
Como leciona Mizukami (2007, p. 109), a guerra travada contra o compartilhamento de arquivos volta-se, muito mais, a preservar uma posição hegemônica viabilizada por um modelo específico de circulação dos bens informacionais[7] (que favorece a concentração da exploração econômica nas mãos de poucas empresas) do que a efetivamente coibir uma suposta desvalorização dos artistas, desestímulo à produção criativa e aniquilamento das mídias tradicionais de obras[8].
2.2 O Autor
Um segundo aspecto a ser elucidado diz respeito aos interesses dos autores ou, ainda, ao discurso da indústria de conteúdo e da retórica autoralista, que se lauda sobre a figura dos autores.
A primeira desconstrução a ser feita diz respeito à romantização que se faz sobre os sistemas de Droit d’Auteur (a exemplo do Brasil). Em linhas gerais, o discurso desta tradição vale-se de fundamentação jusnaturalista para colocar o autor, ao menos simbolicamente, no centro do Direito Autoral, reconhecendo-lhe, ao lado dos direitos patrimoniais, direitos morais inalienáveis e perpétuos. Entretanto, tais sistemas não diferem daqueles que seguem a tradição de Copyright, pois em ambos prevalece, na prática, a alienabilidade plena dos direitos patrimoniais[9], baseada em uma liberdade contratual irrestrita que dá espaço a um domínio de fato da parte mais forte (a indústria de conteúdo). Nos sistemas de Droit d’Auteur (mas também nos de Copyright) a figura do autor é invocada, de modo instrumental, para legitimar uma proteção que se direciona, cada vez mais, em um sentido maximalista. Dessa forma, os direitos morais funcionam principalmente como uma concessão simbólica ao autor para sustentar um determinado modelo de aproveitamento econômico que depende da produção artística.
O domínio de fato dos intermediadores industriais no âmbito da circulação informacional é sustentado pelo sistema jurídico, tanto na tradição de Droit d’Auteur quanto na de Copyright, na medida em que são protegidos aspectos que, quando vistos de modo conjunto, terminam por favorecer a indústria de conteúdo. Nesse sentido, a alienabilidade total dos direitos patrimoniais sobre a obra passa a ser um imperativo, quando aliada à liberdade contratual plena; paralelamente, as limitações aos direitos autorais para um uso lícito do público são tímidas, de modo a não atingir os interesses do titular do direito de reprodução (que não é, via de regra, o autor, em razão da liberdade contratual e alienabilidade patrimonial plena). Como aduz Mizukami (2007, p. 319-320), “em um sistema de produção industrial de conteúdo, os detentores dos meios de produção e distribuição de informação têm enorme controle sobre a atividade autoral, e exercem este controle por via contratual. Trata-se de uma questão de poder de fato, instrumentalizado contratualmente, suplantando, em última análise, todo um núcleo de direitos consagrado por lei”. A conjunção de direitos morais inalienáveis e de direitos patrimoniais completamente alienáveis acaba por criar, na tradição de Droit d’Auteur, sistemas esquizofrênicos, que geram incongruências[10]. Como observa Figueira Barbosa,
Os direitos morais permitem ao autor, por exemplo, retirar sua obra de circulação, limitando os direitos dos editores, ou seja, dos proprietários dos meios de reprodução. Mas a questão se complica quando os meios de reprodução, pertencentes ao editor, são também os meios de produção da própria obra, como é o caso das formas de expressão artísticas mais recentes – o cinema, a televisão, etc. A inadequabilidade do direito de autor, mantendo a tradição dos direitos morais no texto da lei, configura-se nos inúmeros contratos em que ‘ilegalmente’ o autor aliena seus direitos morais, sem os quais os editores não possibilitariam a reprodutibilidade da obra. (BARBOSA apud MIZUKAMI, 2007, p. 226-227)
Portanto, frente a uma estrutura macro que agrega o sistema jurídico, o sistema econômico e o sistema político, o mero reconhecimento de direitos morais, nos sistemas de Droit d’Auteur, não é suficiente para atender os interesses dos autores, vigorando também nesta tradição o mesmo modelo de exploração que favorece essencialmente os atores industriais.
Ademais, deve-se perceber que o compartilhamento livre de obras intelectuais na internet não atinge os direitos morais (como o de integridade e paternidade), que representam o único reconhecimento diferencial ao autor na tradição de Droit d’Auteur, mas sim o direito de reprodução, que em tudo é igual ao da tradição de Copyright. Com isso se quer dizer que a invocação da tradição francesa e dos direitos morais para a coibição ao compartilhamento livre de obras na internet não socorre a indústria de conteúdo, pois tal prática atinge os direitos patrimoniais, no mais das vezes totalmente alienados a este setor, tal qual na tradição de Copyright, atingindo os autores apenas de modo reflexo e inexpressivo, no repasse de baixos percentuais da venda.
Ultrapassado o discurso da indústria como porta-voz do interesse do autor, que seria supostamente violado pelo compartilhamento livre de conteúdo na internet, é necessário saber o que pensa o autor mesmo a respeito do seu interesse frente à questão. Não é possível, obviamente, apresentarmos uma opinião padronizada do autor – há, sim, autores com opiniões diversas, alguns defendendo a reprodução livre e outros reproduzindo o discurso da indústria. É possível, no entanto, traçar um padrão, consoante a pesquisa empreendida por Mizukami (2007, p. 243 e ss.): os artistas consagrados e que mantêm uma forte relação com a indústria[11] costumam a ser contra a reprodução livre, enquanto artistas mais jovens, os quais cresceram na era da reprodução digital, e artistas menos populares, em regra, mas não exclusivamente, costumam ser a favor da difusão livre.
Importa, aqui, mencionar entendimentos dissonantes ao do discurso tradicional, que combate o compartilhamento livre de conteúdo sob o argumento de que os artistas seriam prejudicados em sua remuneração, o que geraria um desestímulo à produção cultural. Na área da música, são inúmeros os artistas[12] que defendem abertamente o compartilhamento livre de suas obras – tanto os que produzem seus discos de modo independente quanto aqueles que contrataram com gravadoras[13]. Os discursos dos autores enfatizam, em regra, a inexpressividade do repasse dos ganhos econômicos pelas produtoras, de um lado, e, de outro, o intuito de que a arte ou conhecimento seja livremente apreciado e a contribuição ao processo cultural.
Para ficarmos em um plano local, veja-se a posição do compositor e instrumentista alagoano Hermeto Pascoal que decidiu, em 2009, disponibilizar online e gratuitamente a sua vasta obra musical, desafiando, pois, a regra geral de que são os mais jovens que apoiam o compartilhamento livre. O artista publicou em seu site uma declaração em formato lúdico (escrita à mão, pintada e com desenhos do próprio Hermeto) autorizando os músicos do Brasil e do mundo a regravarem as suas obras. Nas palavras do músico,
Se as gravadoras não levam meu trabalho para as rádios, se ele não toca em nenhum lugar, para que eu faço música? Não tive e nem vou ter nenhum retorno financeiro por minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua sendo tocar. Por isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero mais é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E, pra mim, quem reclama da pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as notas [de dinheiro]. São as notas musicais. (PASCOAL; RODRIGUES; PEDUZZI, 2015)
E ainda,
Quem quiser piratear os meus discos, pode ficar à vontade. (...) Mesmo o meu trabalho em gravadoras, o povo tem mais é que piratear tudo. Isso não é revolução. O que queremos é mostrar essa música universal. (...) Crescei e multiplicai-vos (PASCOAL; YODA, 2015)
No campo do cinema, destacamos o posicionamento de Jean-Luc Godard, um dos principais expoentes da Nouvelle Vague. Para o cineasta, o Copyright não é viável, pois “não há nada como a propriedade intelectual” (PFANNER, 2015). Godard fez questão, ainda, de manifestar o seu apoio e enviar contribuição financeira ao fotógrafo francês James Climent[14], condenado a pagar uma multa de 20 mil euros às associações de gestão de direitos do autor Sacem e SDRM por baixar ilegalmente cerca de 13788 músicas na internet (HERVAUD, 2015). Em famosa entrevista concedida à revista Les Inrocks, o cineasta francês manifestou a sua oposição à lei francesa HADOPI (MORSA, 2015), a qual é considerada uma das legislações mais restritivas do mundo em matéria autoral.
Um terceiro ponto ainda quanto ao interesse dos autores diz respeito à desconstrução da figura do Autor, no sentido romântico construído a partir da Modernidade com base na doutrina jusnaturalista e nos ideais do iluminismo. Esse movimento, classificado por Compagnon (2000) como “pós-estruturalismo” ou “desconstrução”, passa a compor o cenário da teoria literária dos anos 70, tendo como principais referências um artigo de Michel Foucault (1969), intitulado “Qu’est-ce qu’un auteur?” (“O que é um autor?”) e um artigo de Roland Barthes (1968), intitulado “La mort de l’auteur” (“A morte do autor”). A abordagem breve dessas ideias se faz necessária, porquanto a figura jurídica do autor, colocada, em tese, no centro da proteção dos sistemas de Droit d’Auteur, parte de uma concepção estética da autoria.
Segundo Compagnon (2000), estes teóricos opunham-se à literatura entendida na relação com o seu autor ou como expressão do seu autor, conforme a abordagem da crítica literária tradicional (eram comuns as teses intituladas “X, o autor e a obra”), que buscava desnudar a vida do autor para melhor entender a sua obra. Como observa o professor, “o século XX começou pelas transgressões na literatura (e portanto na noção de autor) pelos vanguardistas, e terminou com a dissolução dos limites da literatura (e portanto na noção de autor) pela pós-modernidade” (COMPAGNON, 2000, pt. 1, tradução nossa). Em um cenário no qual a mídia digital tem substituído paulatinamente a mídia física como suporte para a circulação artística e informacional, Compagnon (2000, pt. 1) coloca a seguinte questão: qual acepção podemos ainda dar a uma noção crítica como a de autor quando ela encontra-se confrontada pela variedade e diversidade de experiências e práticas culturais? Nesse sentido, as ideias apresentadas a seguir iriam compor a literatura de vanguarda, que decretou o desaparecimento do autor, a compreensão da obra escrita pelo neutro (COMPAGNON, 2000, pt. 1).
Para o escritor, semiólogo, crítico literário e filósofo francês Roland Barthes, a figura romântica do Autor como alguém que cria pelo dom da sua imaginação passa a ser substituída pela figura do Scriptor, o qual promove, em verdade, um novo arranjo artístico fundado em convenções textuais e culturais pré-existentes. Barthes nos diz que, como instituição, “(...) o autor está morto: sua pessoa civil, passional, biográfica, desapareceu; ele não exerce mais sobre a sua obra a formidável paternidade cuja história literária, o ensino, a opinião se encarregaram de estabelecer e renovar a narrativa” (BARTHES, 1973, tradução nossa)[15].
De modo semelhante, em paráfrase a Beckett (não mencionando de modo intencional), Foucault afirma: “qu'importe qui parle (...) quelqu'un a dit qu'importe qui parle”, proclamando, assim, o anonimato da expressão literária contemporânea. Foucault questiona o mito da unidade da criação, falando em “grandes textos coletivos” e “discursos transindividuais”, em oposição às “unidades habituais do livro, da obra e do autor” (COMPAGNON, 2000, deuxième leçon).
A noção de lugar do autor é, pois, uma das mais controvertidas nos estudos literários e, sob o ponto de vista histórico, é possível dizer os fenômenos sociais recentes confirmaram as ideias de Barthes e Foucault[16] (COMPAGNON, 2000, pt. 1). Os questionamentos apresentados, derivados do próprio sistema da Arte, devem ser considerados pelo Direito Autoral – porquanto este se volta, em parte, à regulação do sistema artístico – no sentido de flexibilização da noção jusnaturalista do autor (especialmente em sua vertente propriedade-personalidade) que sustenta a doutrina autoralista em seu projeto de maximização de direitos autorais. Já é possível observar no meio artístico, como pontuado acima, um discurso em favor de direitos autorais mais flexíveis, que se voltem essencialmente à integridade artística e que dê mais espaço aos modos alternativos de difusão informacional, integrados à prática de livre compartilhamento na internet (MIZUKAMI, 2007, p. 348).
2.3 O Público
Por último, cumpre apenas mencionar o terceiro setor de interesse social que compõe o ambiente dos direitos autorais, a saber, o público, em geral, porquanto mesmo os artistas e os intermediadores da propriedade intelectual integram tal grupo. Algumas alternativas digitais da indústria de conteúdo, talvez em razão do acesso prático a uma vasta biblioteca de conteúdo a baixos custos, têm conseguido angariar o público, tal como o Netflix, na área cinematográfica, e o Spotify, na música. Ainda nesses casos, no entanto, os valores auferidos pelos intermediadores de conteúdo são questionados frente ao baixo valor revertido aos autores (LELLO, 2015). Entre tal alternativa e a distribuição voluntária e gratuita de conteúdo, alguns artistas, especialmente músicos, terminam por preferir esta última opção.
Atente-se, ainda, para o fato de que, da mesma forma que a indústria de conteúdo, nos sistemas de Droit d’Auteur, ampara-se na figura do autor, vale-se também do interesse público na tradição de Copyright (que se refere constantemente ao utilitarismo) para a defesa das garantias que terminam por sustentar um modelo específico de exploração dos bens informacionais. Nesta tradição, especialmente forte Estados Unidos, “(...) sob a égide de uma propalada ‘livre circulação de ideias’ (...) [visa-se] a garantir, em primeiro lugar, a livre utilização e exploração comercial das obras, não pelo público em geral, mas pelos editores, produtores e outros proprietors (...)” (FRAGOSO, 2012, p. 209).
Não é de hoje que se tem a contestação da ideia de propriedade intelectual. Em que pese a fundamentação jusnaturalista (em sua vertente propriedade-trabalho ou propriedade-personalidade) que sustenta o vínculo indissociável do autor e a sua obra, tal conceito se deveu a uma construção específica emergente de um dado contexto social. A noção de propriedade intelectual não é, pois, intuitiva, como resta bem ilustrado pelo comentário de Cavalcanti sobre o dispositivo da Constituição de 1891:
Proprietário de uma idea?! dono de um pensamento ?! [...] o mundo das idéas é uma communhão, e accumula o que lhe hão legado, a titulo gratuito, as cogitações dos doutos, dos sábios, dos genios de muitas e muitas gerações. D’esse repositorio commum e inesgotavel, desse patrimonio intellectual da humanidade tiram seos elementos fornecedores as novas concepções no domínio das sciencias, das lettras, das artes. Os modernos têm assim a collaboração, gratuita, desinteressada, franca, dos antigos pensadores; e, o que é mais, sem ella bem pouco fariam, além de tacteios, ensaios e tentames. (CAVALCANTI apud MIZUKAMI, 2007, p. 242)
Da mesma forma, para Le Chapelier (apud MIZUKAMI, 2007, p. 269-279), “uma vez publicada a obra, (...) o trabalho era entregue ao público: o princípio ordenador das normas de direito autoral não era a propriedade autoral, mas sim o domínio público, ao qual aquela era exceção e não regra. (...) uma obra publicada é, essencialmente, propriedade pública e não propriedade do autor”. Observa-se, assim, que a proteção tradicional da propriedade intelectual, voltada especialmente para os direitos de reprodução, sempre foi questionada no plano teórico e, no plano dos fatos, sempre ocorreu o empréstimo dos bens intelectuais – as tecnologias digitais e a internet apenas reforçaram tais questões, amplificando as práticas sociais que vão de encontro à proteção absoluta dos direitos autorais. Nas palavras de Mizukami (2007, p.16), “a facilidade da reprodução e distribuição global de materiais protegidos por normas de direitos autorais em meio digital reforçou antigas e tradicionais normas sociais de troca cultural informal, de modo que o que antes ocorria apenas entre vizinhos e conhecidos passou a ocorrer em escala mundial”.
Para Compagnon (2000, pt. 11, tradução nossa), do ponto de vista institucional, “(...) a tensão atual é evidente. O autor, o direito de autor são desafiados pelas novas tecnologias e pela cultura digital. Mas ao mesmo tempo, resultado paradoxal dessas contestações, jamais fomos tão sensíveis (...)”. A solução intentada por Mizukami (2007, p. 301), no sentido de remunerar o artista, garantir o retorno do capital investido pelos produtores, e promover o amplo acesso à cultura, volta-se à canalização destes múltiplos interesses sociais na interpretação da LDA/98 à luz da Constituição, no sentido de “(...) contrastar esses discursos ao discurso da Constituição, para não incorrer em vícios interpretativos”.
Importa perceber, ao final, que há, hoje, em decorrência dos imperativos de flexibilidade de negócios e de práticas sociais, uma nova estrutura social substitutiva do modelo industrial, designada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells como “sociedade em rede”, cujo funcionamento depende da tecnologia digital[17]. Em decorrência desta nova morfologia social, que centraliza a informação e o conhecimento, observa-se a mudança dos hábitos de circulação de bens intelectuais, os quais compõem o interesse social do público sobre o mercado informacional. Fala-se, pois, em uma nova demanda social sobre a circulação de informações e de cultura, a qual se ampliou de modo notório com o advento da internet, no final do século XX.
3 CONCLUSÃO
Ao longo da exposição, foi possível perceber a existência de interesses sociais diversos (autor, intermediador e público) sobre as obras intelectuais, os quais se relacionam principalmente ao campo da Economia, da Arte e da Ciência. O Direito Autoral, tal como se mostra historicamente e até hoje, no Brasil e no mundo, tem funcionado em acordo com os ditames da Economia, deixando em um segundo plano as demandas da Arte e da Ciência. Mesmo a Economia, no entanto, apresenta demandas diversas àquelas que guiam o Direito Autoral, como se nota a partir dos interesses econômicos de pequenas produtoras de conteúdo e do autor, pouco contemplados diante do poder de fato assegurado às grandes indústrias de conteúdo, em parte, por essa área do direito.
Evidencia-se, assim, que a guerra travada contra o compartilhamento de arquivos na Internet volta-se, muito mais, a preservar uma posição hegemônica viabilizada por um modelo específico de circulação dos bens informacionais (que favorece a concentração da exploração econômica nas mãos de poucas empresas) do que a efetivamente coibir uma suposta desvalorização dos autores, desestímulo à produção criativa e aniquilamento das mídias tradicionais de obras, uma vez que os interesses econômicos desse grupo social são infimamente alcançados pelo modelo atual de proteção das obras intelectuais. É possível concluir, portanto, que a ideia de que a ausência de coibição do fenômeno de compartilhamento livre de obras intelectuais na internet implicará a supressão total dos interesses de editores e autores é questionável.
Tais percepções abrem o horizonte do Direito (via legislativa ou judicial) para outras formas de conciliar os diversos interesses sociais no campo dos direitos autorais. A proposta deste estudo não é, pois, a desconsideração de interesses socioeconômicos, mas a responsividade do sistema jurídico a outras irritações sociais, para além da Economia, e o bloqueio de eventuais corrupções sistêmicas aferidas na relação Economia-Política-Direito-Arte-Ciência. Tais circunstâncias, observáveis no ambiente social que circunda o Direito Autoral, devem ser consideradas pelo aplicador do Direito em razão do imperativo da responsividade às demandas sociais.
Vimos, nesse sentido, que há uma multiplicidade de estratégias de difusão de conteúdo, desconstruindo-se as ideias difundidas a respeito da suposta necessidade de um modelo unívoco de aproveitamento das obras. A ascensão da nova mídia e a perda de força do modelo industrial tradicionalmente hegemônico de difusão de conteúdo revelam um conflito de natureza econômica, cuja resolução não depende necessariamente das estratégias repressivas empreendidas por meio do sistema jurídico, tal como se tem buscado fazer em favor do modelo tradicional, pois se trata de preocupação afeta ao sistema da Economia, que se propõe, por exemplo, ao desenvolvimento de modelos mais competitivos difusão cultural no cenário da internet e à desobstrução de barreiras econômicas ao acesso à cultura.
A partir da percepção da ineficácia das estratégias repressivas e da reinvenção dos mecanismos de compartilhamento de obras intelectuais, conclui-se pela força do referido hábito, o que indica a necessidade de adequação do Direito Autoral às novas demandas sociais. Assim, em um cenário em que há um verdadeiro costume nacional de difusão livre de obras intelectuais na internet, que não dá sinais de regredir diante de estratégias repressivas, uma possível forma de sustentação do Direito enquanto sistema, no campo autoral, seria garantir as condições de igualdade necessárias para que todas estas alternativas econômicas e não econômicas, sintetizadas por Benkler (v. supra), fossem potencialmente possíveis de destacarem-se, auxiliando reflexamente na manutenção da autopoiese dos sistemas dos quais derivam os bens intelectuais aqui estudados (Arte e Ciência). Essa seria uma estratégia de regulamentação para que o sistema jurídico, no que toca às normas de direito autoral, garantisse a própria existência em meio ao conflito social apontado, que irrita diversos sistemas e reclama respostas em todos eles.
4 REFERÊNCIAS
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HERVAUD, Alexandre. “Jean-Luc Godard soutient un pirate”. Libération, 13 de setembro de 2010. Disponível em: http://ecrans.liberation.fr/ecrans/2010/09/13/jean-luc-godard-soutient-un-pirate_948808?page=article. Acesso em: 18 mai. 2015.
KARAGANIS, Joe (ed.) Piratería de Medios en las Economías Emergentes. Social Science Research Council: Estados Unidos, 2012.
LELLO, Michael. “Spotify and music streaming: the system is broken, musicians and industry insiders say”. HNGN, 1o de dezembro de 2014. Disponível em: http://www.hngn.com/articles/50910/20141201/spotify-and-music-streaming-the-system-is-broken-musicians-and-industry-insiders-say.htm. Acesso em: 15 mai. 2015.
LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a criação cultural e controlar a criatividade. Creative Commons, 2004. Disponível em: https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/educacao/docs/10d.pdf. Acesso em: 26 mai. 2015.
MIZUKAMI, Pedro Nicoletti. Função social da propriedade intelectual: compartilhamento de arquivos e direitos autorais na CF/88. Dissertação de mestrado – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP), 2007.
______ ; REIA, Jhessica; VARON, Joana. Mapeamento da mídia digital no Brasil. FGV Direito Rio: Rio de Janeiro, 2014.
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______; YODA, Carlos Gustavo. “‘Deus disse: ‘Crescei e multiplicai-vos’; pirateiem meus discos’, clama Hermeto Pascoal”. Carta Maior, 25 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/%27Deus-disse-%27Crescei-e-multiplicai-vos%27-pirateiem-meus-discos%27-clama-Hermeto-Pascoal/12/9071 Acesso em: 18 mai. 2015.
PFANNER, Eric. “Film director comes to the defense of a convicted internet pirate”. New York Times, 21 de setembro de 2010. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/09/22/technology/22iht-godard.html?_r=0. Acesso em: 18 mai. 2015.
SHIELDS, Rachel. “Illegal downloaders ‘spend the most on music’, says poll”. The independent, 1o de novembro de 2009. Disponível em: http://www.independent.co.uk/news/uk/crime/illegal-downloaders-spend-the-most-on-music-says-poll-1812776.html. Acesso em: 15 mai. 2015.
[1] A título de exemplo, veja-se o posicionamento do representante da gravadora EMI, que afirmou que “There is one thing we are not going away, and it is the consumption of music increases, while revenue declines. It can not be explained in any way other than that the illegal downloading is over the legal sale of music” (CHENG, 2015). Também a British Phonographic Industry (BPI) credita aos downloads “ilegais” a redução de receita da indústria fonográfica em milhões de libras (SHIELDS, 2015).
[2] Conforme a linha maximalista de direitos autorais, a “pirataria” seria, ademais, “(...)fonte de desemprego, alimentaria o crime organizado, esvaziaria os cofres públicos em razão de tributos não arrecadados, atuaria como incentivo negativo para a criação de novas obras intelectuais, prejudicaria os comerciantes brasileiros, afastaria investimentos estrangeiros, e faria o Brasil ter uma má imagem internacional, como um paraíso de ilegalidade que não confere à propriedade intelectual o prestígio que ela merece” (CTS, 2011, p. 95).
[3] Ressalva-se, contudo, que os estudos referidos não abarcam o impacto do fenômeno para outros tipos de obras intelectuais (ex: livros e filmes), as quais seguem lógica diversa da lógica do âmbito musical.
[4] “Todas as pressuposições a respeito dos malefícios da pirataria dependem, em grande grau, de sustentação empírica. Essa sustentação empírica, infelizmente, tem se provado frágil, infundada (quando não simplesmente inexistente), e tendenciosa. Basta identificar quem encomenda as pesquisas, o que é demandado do Estado, e o quanto isso reflete o interesse público diretamente, ao invés de refleti-lo apenas indireta e teoricamente, por meio do atendimento de interesses privados” (CTS, 2011, p. 96). Para um estudo mais detalhado sobre pirataria, v. “Piratería de Medios en las Economías Emergentes” (KARAGANIS, 2012).
[5] Algumas pesquisas demonstram que o usuário que adquire conteúdo digital de modo livre e gratuito também paga por música digital (CHENG, 2015). Gregory Butler, um veterano da indústria musical, entende, no entanto, que os usuários que fazem download estão mais suscetíveis a pagarem pela mídia física, pois entendem haver ali um valor agregado de tecnologia e de trabalho envolvendo uma vasta mão-de-obra, do que pela mídia digital, a qual extingue os custos de distribuição (LELLO, 2015).
[6] Destaca-se, ademais, que “o Brasil se tornou muito dependente de tecnologias e plataformas estrangeiras no ambiente digital. Facebook, Google, Apple e Amazon são os responsáveis por vários serviços fundamentais à distribuição de conteúdo, hospedagem, redes sociais e mecanismos de busca, e acabam definindo gradualmente o consumo de mídia no país. Além da vulnerabilidade econômica, a privacidade é também um problema (...) ” (MIZUKAMI; REIA; VARON, 2014, p. 164).
[7] No mesmo sentido, Lessig (2004, p. 9): “Esse protecionismo não visa proteger os artistas. Na verdade, esse é um protecionismo que visa proteger certas formas de negócio. As corporações ameaçadas pelo potencial da Internet em mudar a forma como tanto a cultura comercial quanto a não comercial é feita e compartilhada se uniram para induzir os legisladores a usarem a lei para as protegerem”.
[8] Sobre os prejuízos causados pela pirataria, veja-se o que a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos aduz em seu site (ABDR, 2015): “Tudo isto se traduz em pouca atratividade para gerar e publicar conteúdos, o que acabará resultando numa possível interrupção do processo de disseminação do conhecimento acadêmico em língua portuguesa”.
[9] Como aduz Fragoso (2012, p. 191), “seja em um sistema ou outro, não há limitações para a exploração patrimonial das obras, uma vez autorizada por seus autores (...), não sendo este ou aquele sistema jurídico-autoral que faz a diferença”. No mesmo sentido, Mizukami (2007, p. 271) sustenta que “a realidade dos negócios jurídicos habituais entre autor e editor, entretanto, torna os direitos morais uma mera concessão simbólica à figura do autor, cínica por um lado, e útil munição retórica para maximização de direitos, por outro”.
[10] No exemplo trazido por Mizukami (2007, p. 319): “Na Lei de Direitos Autorais brasileira, um bom exemplo é o direito sobre a criação de obras derivadas. O art. 24, dispõe em seu inciso IV que é direito moral do autor “o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra”. O inciso V do mesmo artigo, a seu turno, dispõe que é direito moral do autor “o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada”. Tanto um como outro incidem no caso de traduções e outras obras derivadas: podem muito bem ser ofensivos à reputação do autor uma tradução ou arranjo musical malfeitos. Ocorre que o art. 29, inserido no capítulo III da Lei (“Dos direitos patrimoniais do autor e de sua duração”), preceitua em seu inciso IV, como direito patrimonial, “a tradução para qualquer idioma”. O inciso III do mesmo artigo, a seu turno, dispõe como direito patrimonial: “a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações”. Traduções e outras obras derivadas, desta maneira, ficam em uma zona de penumbra moral/patrimonial, com o elemento patrimonial saindo-se vencedor no caso de uma cessão de direitos que transfira ao editor a totalidade dos direitos patrimoniais.”
[11] “Autores que se encontram em grau de dependência e vinculação profissional intensa com a indústria do conteúdo tendem a repetir o discurso da indústria. É o caso emblemático da banda Metallica, de Britney Spears e de Daniela Mercury” (MIZUKAMI, 2007, p. 344-345).
[12] Como exemplo: Jeff Tweedy, da banda Wilco, Courtney Love, Woody Guthrie, Björk, a banda Radiohead, Arctic Monkeys, Mombojó etc.
[13] Segundo Mizukami (2007, p. 345), “(...) mesmo autores inseridos no sistema de produção industrial não raramente demonstram insatisfações com a indústria, e defendem regimes de direito autoral não-maximalistas”.
[14] O recurso de James Climent à Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) não foi conhecido.
[15] Contudo, segundo Barthes (1973, tradução nossa), o autor ainda existe no universo criado pelo próprio leitor: “no texto, de uma certa forma, eu desejo o autor: eu preciso da sua figura (que não é nem a sua representação, nem a sua projeção), como ele precisa da minha”. Para Compagnon (2000, pt. 11, tradução nossa), “o autor designa, talvez mal, desajeitadamente, a necessidade de uma epistemologia e de uma ética da leitura; o autor é o nome de uma norma para a interpretação”. Trata-se, no campo literário, de uma categoria hermenêutica.
[16] Com a ressalva de Compagnon (2000, pt. 11, tradução nossa): “De outro lado, jamais os manuscritos foram vendidos tão caros (...) O cânone, a hierarquia são claros, sem dúvida, entre os grandes escritores e os outros. É difícil dizer com isso que o autor está morto.”
[17] Nesse sentido, a afirmação de Manuel Castells em entrevista concedida neste ano para o Correio da Bahia (CASTELLS; FONTES, 2015): “a rede é uma realidade generalizada para a vida cotidiana, as empresas, o trabalho, a cultura, a política e os meios de comunicação. Entramos plenamente numa sociedade digital (não o futuro, mas o presente) e teremos que reexaminar tudo o que sabíamos sobre a sociedade industrial, porque estamos em outro contexto”.
Advogada graduada pela UFBa com interesse nas áreas de Teoria do Direito, Sociologia do Direito, Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica, Direito Civil e Direito Autoral.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Larissa Andrade Teixeira. Considerações críticas acerca do direito autoral e do compartilhamento livre de obras intelectuais na internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45733/consideracoes-criticas-acerca-do-direito-autoral-e-do-compartilhamento-livre-de-obras-intelectuais-na-internet. Acesso em: 08 dez 2024.
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