Coautor: José Horácio Cintra Gonçalves Pereira (*)
O novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16.3.2015, com entrada em vigor após um ano de sua publicação) acarretará, sem dúvida, alterações nas ações previstas na Lei do Inquilinato (Lei nº. 8.245/91, com as modificações introduzidas pelas Leis nos. 12.112/09 e 12.744/12), em face da aplicação subsidiária do estatuto processual (art. 79, Lei nº. 8.245/91), mesmo tendo em vista a ressalva do parágrafo 2º, do art. 1046 do novo diploma: “Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”.
Neste artigo pensamos em destacar algumas das mais relevantes novas regras procedimentais que deverão ser aplicadas nas ações de despejo e de consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação previstas nos artigos 58 e 67, da Lei do Inquilinato, além, por evidente, daqueles procedimentos já previstos na própria Lei nº. 8.245/91.
No fundo, adiante-se, a pretensão do novo Código é emprestar a tão sonhada celeridade à solução dos conflitos, vindo a propósito: “pretende-se que em torno do princípio da instrumentalidade do processo se estabeleça um novo método do pensamento do processualista e do profissional do foro. O que importa acima de tudo é colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado processualismo e ao mesmo tempo cuidar de predispor o processo e o seu uso de modo tal que os objetivos sejam convenientemente conciliados e realizados tanto quanto possível. O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa.”, no dizer de Cândido Rangel Dinamarco[1].
Almeja-se (e o futuro dirá se tal se faz adequadamente) a eficácia veloz[2], tão necessária aos que tiveram direitos violados. Celeridade que, diga-se, poderá ser alcançada até mesmo por formas que não sejam, exatamente, aquelas prescritas na lei, como se extrai, por exemplo, do texto do novo art. 277: “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.
Em primeiro lugar observa-se que os procedimentos “ordinário” e “sumário” que foram referidos respectivamente nos artigos 59 e 68 da Lei do Inquilinato passam a ter a denominação única de “procedimento comum”, conforme art. 318 e parágrafo único do art. 1.049, ambos do novo Código de Processo Civil. Portanto, a partir da vigência da nova lei adjetiva, as ações previstas nesses dispositivos da Lei do Inquilinato seguirão o “procedimento comum” previsto no Livro I, Título I, do novo estatuto processual.
Veio em boa hora essa reunião: o “procedimento sumário” já foi denominado “procedimento sumaríssimo”; a Constituição Federal o chamou, cogitando das “causas cíveis de menor complexidade”, de “procedimento sumariíssimo” e somente recebeu a atual designação em 1.995, talvez numa busca, pelo legislador, de razoável precisão terminológica através da supressão do sufixo que traduzia evidente incompatibilidade entre o significado e o significante, pois as extremadas síntese, concisão e velocidade não existiam. E, a realidade forense era conhecida: há anos entenderam os magistrados que o procedimento ordinário tramitava melhor que o sumário e, via de regra, passaram a decretar que processos ajuizados como sumários, seguissem como ordinários.
Por sua vez, o art. 59 da Lei do Inquilinato estabelece, de forma taxativa, as hipóteses de ações de despejo que autorizam a concessão de liminar para desocupação em quinze dias.
Pois bem, diante desse quadro comporta indagar se as ações de despejo, com fundamento diverso dos previstos nos incisos I a IX do art. 59, poderiam autorizar também a antecipação de tutela provisória. A resposta nem sempre foi pacífica, sendo suficiente atentar para as considerações expostas pelo ilustre Gildo dos Santos, em seu livro “Locação e Despejo” [3].
Todavia, agora diante do novo Código de Processo Civil que preconiza “um processo mais célere e mais justo” e, para tanto, deixa claro “que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito, mas, também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano” [4], tudo para possibilitar que todos os cidadãos tenham acesso à efetiva justiça[5].
A resposta para a eventual concessão de tutela provisória – de urgência ou de evidência – para todas as demais hipóteses de ação de despejo, ao menos em princípio, será, sem dúvida, afirmativa quando da vigência do novo estatuto processual.
Com efeito, e apenas para ilustrar esse nosso entendimento, isto é, a possibilidade de concessão de tutela provisória para as ações de despejo, independentemente das hipóteses do art.59, inciso I a IX, bem como da verificação de periculum in mora, podemos citar, como exemplo, ação de despejo por falta de pagamento em que, embora tenha ampla garantia, é vedada ao réu a emenda da mora, conforme a restrição imposta no parágrafo único do art. 62.
Assevere-se que não é nova a certeza de que a antecipação de tutela caiba nas questões locatícias[6], podendo ser buscado entendimento do Superior Tribunal de Justiça relatado pelo emérito Ministro Paulo Galloti[7] ou a conclusão do então Desembargador, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em sua obra "Tutela Antecipada e Locações"[8]: “A antecipação de tutela encontra campo fértil no terreno das locações. A urgência tão característica nessa forma de tutela jurisdicional afina-se com a densidade social do tema locatício, sempre desafiador não só de sensibilidade do juiz, mas também de sua prontidão no atuar a lei”
Em conclusão, pensamos ser perfeitamente atual a aplicação de tais antecipações nas locações. Por uma, não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre a antecipação de tutela e a matéria locatícia, sob o prisma processual; por duas, as tutelas de urgência e de evidência[9] parecem desenhadas para as mais corriqueiras patologias das locações: desrespeito ao contrato, presença de risco de dano de difícil ou impossível reparação, clara conjugação dos requisitos de despejo (sendo a falta de pagamento a situação mais presente); por três, se aceita como correta a assertiva de que a velocidade processual auxilia enormemente o mercado, incentiva as locações em geral, atende as necessidades sociais. Enfim, a concessão de tutela ante a demonstração de risco do dano irreparável ou da evidência acelera o processo, resgata a confiança da sociedade, outorga segurança jurídica e torna a retomada do imóvel equilibrada.
A Exposição de Motivos destaca ainda, um ponto no que nos interessa: “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”.
Assim sendo, como regra, o juiz deverá designar audiência de conciliação ou de mediação (por se tratar de medida impositiva, cogente) mesmo que o autor manifeste, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, porque nessa hipótese, necessária, ainda, idêntica manifestação do réu (ambas a partes devem manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual). Portanto, mesmo o autor não pretendendo conciliar, o juiz deverá designar a aludida audiência de conciliação e determinar a citação do réu para que, querendo, manifeste também o seu desinteresse, por petição, com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência (art. 334, §§ 4º e 5º, novo CPC).
Vejamos para melhor elucidar o seguinte exemplo: ação de despejo por falta de pagamento, embora o autor tenha manifestado, de forma expressa, o seu desinteresse para conciliar, o magistrado, por imposição legal, deverá designar audiência de conciliação e mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência (art. 334, caput, novo CPC). Com 10 (dez) dias de antecedência o réu manifesta, por petição, o seu desinteresse.
Presumindo que tudo ocorra dentro dos prazos estabelecidos, o réu terá, como seu aliado, um tempo maior para contestar ou para emenda da mora, com evidente prejuízo para o autor, cumprindo ressaltar, ainda, que “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionada com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado” (art. 334, § 8º, do novo Código de Processo Civil). Por conseguinte, deverá merecer avaliação séria a aplicabilidade e a efetividade desses métodos de solução, em contraponto à necessidade da agilidade (motivadora do novo código, não esqueçamos) retratada pelas liminares e antecipações: esses longos períodos dedicados à solução consensual serão convenientes? A prática responderá.
Ainda quanto às saudáveis tentativas de conciliação e mediação, é certo que dentre os métodos adequados de solução de conflitos, por vezes possa outro, que não a mediação ou a conciliação, se mostrar apropriado, como é o caso da “consulta a especialista” quando a matéria puder ser assim solvida[10]. Nessas hipóteses os envolvidos no processo poderão se valer da possibilidade de ajuste no procedimento, como prevê o novo artigo 190.
Tratando especificamente das conciliações, olhamos para o esplêndido Setor de Conciliações do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dando destaque para as soluções alcançadas antes de qualquer instauração de processo, exatamente os acordos “pré-processuais”, arriscando enxergar aí, num trabalho feito com muito empenho e voluntariado, um caminho que poderá ser seguido.
Realmente: durante a semana nacional da conciliação de 2014, entre os dias 24 e 28 de novembro, foram designadas na Capital, 6.829 audiências pré-processuais; destas, foram realizadas 3.327; e nestas, foram alcançados 2.197 acordos. Ou seja, 32% dos que concordaram ir ou 66% dos que foram à audiência, viram o problema resolvido. Tudo indica que o caminho apontado pelo novo Código poderá ser frutuoso, desde que bem aplicado, quando for possível fazê-lo.
Quanto às ações de consignação em pagamento, reguladas pelo art. 67, da Lei n. 8.245/91, merecem diante na nova legislação somente dois apontamentos: por primeiro, a recordação de que a inicial atenderá ao disposto no novo art. 319, por força da atualização comandada pelo parágrafo 4º[11] do art. 1046; e por segundo, o destaque de que a Lei das Locações não contemplou, em momento algum, a consignação extrajudicial que vinha regrada no art. 890 parágrafo 1º, do atual Código.
Exatamente porque omissa a respeito, a Lei das Locações não contem qualquer incompatibilidade com essa modalidade introduzida na legislação processual em 1.994, que obteve sucesso imediato, a ponto de terem sido ajuizadas somente 137 ações judiciais de consignação de aluguel na Capital de São Paulo, durante o ano de 2014 (algo como 11 ações por mês, quantidade irrisória): no mais, as situações não solucionadas através de outros métodos, renderam consignações extrajudiciais.
Pois bem. O novo código de processo manteve a fórmula do depósito extrajudicial no parágrafo 1º do artigo 539, nada havendo a contrapor à franca utilização em sede das locações.
Por derradeiro, a contagem dos prazos processuais: o novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 219, que na contagem dos prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis, o que se aplica somente aos prazos processuais (art. 219 e seu parágrafo único), portanto, os prazos fixados na Lei do Inquilinato se submetem, sem dúvida, a essa forma de contagem seja para emenda da mora, seja para contestação e também para os prazos de desocupação porque, inegavelmente, o caráter processual dos prazos previstos pela aludida Lei do Inquilinato.
A nova lei foi amplamente debatida, estudada, é resultado de elaboração tenaz e profícua. Sabemos todos que este é somente o início, não sendo exagerado recordar o Sermão da Sexagésima, do Padre Antonio Vieira: "Palavras sem obras são tiros sem balas: atroam, mas não ferem".
Por isso, certamente a prática forense, a concretização da obra, consistirá fonte necessária para o aprimoramento da nova legislação, que trouxe algumas inovações corajosas, interessantes, as quais somente nós, advogados, juízes, promotores, a Sociedade enfim, poderemos concretiza-las, transformar os textos em Justiça, benéfica a todos.
(*) Artigo selecionado e originalmente publicado em “Opinião Jurídica - Direito Imobiliário”, volume III. São Paulo. ed. Universidade Secovi.2015.
[1] Dinamarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 309-310.
[2] O artigo 4º do novo Código é incisivo: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
[3]Santos, Gildo dos. Locação e Despejo – Comentários à Lei 8.245/91. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,. n. 194, p. 413/415.
[4]Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil - Exposição de motivos. Sítio em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acessado em: 11.05.2015.
[5] Vale recordar as palavras do Professor Kazuo Watanabe, desembargador aposentado do TJSP: “o princípio de acesso à justiça, inscrito na Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. Assim, cabe ao Judiciário não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica. Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-la cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação”. Acesso aos 13.06.2012, em http://www.tjsp.jus.br/Egov/Conciliacao/Default.aspx?f=2.
[6] Na síntese sempre eficaz de Waldir Arruda Miranda Carneiro: “Aliás, anote-se, se a própria lei do inquilinato contempla casos de concessão de despejo liminarmente, é evidente que nem mesmo o legislador considerou empecilho a possibilidade de reforma ulterior da decisão” (Anotações à lei do inquilinato: lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.476).
[7]“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CABIMENTO. 1. A antecipação de tutela é cabível em todas as ações de conhecimento, inclusive nas ações de despejo.2. Recurso provido”. (REsp 595.172/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª Turma, julgado em 21/10/2004, DJ 01/07/2005 p. 662).
[8] Fux, Luiz. Tutela Antecipada e Locações. 2ª. ed. Rio de .Janeiro: Destaque, p.120.
[9] Artigos 294, 300, 303 e demais úteis do novo Código de Processo Civil.
[10] Nesse caminho, Fernanda Levy: “Como podemos perceber por essas breves pinceladas, há muitas opções em meios de gestão de conflitos para além do Poder Judiciário, ficando esse portfólio sempre em aberto, como um convite permanente para a imaginação e implementação da adequação do meio ao caso concreto, na eterna busca da harmonização das relações”. (Levy, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas Escalonadas – A mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013).
[11] “Parágrafo 4º: As remissões a disposições do Código de processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”.
Advogado, diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI), sócio correspondente para São Paulo da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)
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