RESUMO: A prestação alimentar é direito garantido pelo ordenamento jurídico para satisfazer às necessidades vitais de quem não pode fazê-lo por si próprio. A evolução histórica deste instituto, bem como a instituição e positivação deste como obrigatório e indispensável à subsistência daquele que o postula, serão objeto de abordagem pelo presente trabalho. Assim, far-se-á um panorama geral sobre as diversas prestações alimentares e suas principais características e princípios regentes, bem como uma abordagem específica e centralizada da modalidade dos alimentos compensatórios, objeto de criação doutrinária atualmente aceita pelos tribunais pátrios, apontando os seus aspectos relevantes e sua aplicação frente ao ordenamento jurídico pátrio.
Palavras - Chave: Introdução. Prestações alimentares. Evolução histórica. Princípios norteadores. Alimentos compensatórios.
ABSTRACT: The feed benefit is a guaranteed right by the law to fulfill the vital needs of those who can´t have it by themselves. The historical evolution of this institute, as well as its institution and positivation as an indispensable obligation to the subsistence of the one that demands about it, will be object of the approach of this essay. This way, a general overview will be done about the different food benefits and its main characteristics and general regent principles as well as a specific and central approach of the compensatory food benefit gender, object of doctrine creation currently accepted by the national court, pointing its relevant aspects ant its enforcement in the view of the national legal system.
Key - words. Introduction. Feed benefits. Historical evolution. Guiding principles. Compensatory feed benefit.
1. Introdução
A priori, antes mesmo de abordarmos as questões diretamente relacionadas às relações alimentares, faz-se mister a apresentação do próprio instituto e da sua natureza jurídica, bem como conceitos esparsos e variados sobre o tema.
A priori, o próprio vocábulo “alimentos” traz consigo um vasto significado, que não pode ser simplesmente reduzido à tudo aquilo que é indispensável ao sustento de uma pessoa.
Nesse prisma, os alimentos derivam do princípio da dignidade da pessoa humana, pilar dos Direitos Humanos e da Constituição Federal pátria e que, por este motivo, eleva o direito à prestação alimentar a outro patamar: Direito fundamental.
Assim, quando tratamos de alimentos, há o conteúdo implícito de obrigação a ser prestada de modo a garantir não só o sustento, mas também condição social e moral daquele que é beneficiado (alimentado).
Para o direito, alimento não significa somente o que assegura a vida. A obrigação alimentar tem um fim precípuo: atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência. O código civil não define o que sejam alimentos. Preceito constitucional assegura a crianças e adolescentes direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade (CF 227). Quem sabe aí se possa encontrar o parâmetro para a mensuração da obrigação alimentar. Talvez o seu conteúdo possa ser buscado no que entende a lei por legado de alimentos (CC 1.920): sustento, cura, vestuário e casa, além de educação, se o legatário for menor. (Dias. 2009. P. 459)
O direito à prestação alimentar está diretamente ligado aos direitos constitucionalmente garantidos, de modo que a sua obrigatoriedade deriva da dignidade da pessoa alimentada.
Nada mais é, portanto, que prestação de assistência obrigatória, imposta por Lei, de prover os recursos e subsídios necessários à conservação da vida, seja no plano físico, moral ou social do beneficiado.
Entretanto, como se sabe, o instituto não surgiu como se vê atualmente. Grandes alterações e mudanças normativas proporcionaram a melhoria no “sistema de alimentos” que vige nos dias de hoje.
Assim, a evolução do instituto, a sua aplicação ao longo do tempo, bem como a sua prestação na modalidade compensatória, serão objetos deste trabalho, como se verá a seguir.
2. Visão Histórica do Direito Alimentar
Pelo já exposto, os alimentos não podem ser reduzidos a mero sustento, posto que abrange também vestuário, saúde, educação, lazer, direito à profissionalização, entre outros derivados do princípio da dignidade da pessoa humana garantido constitucionalmente.
O ser humano, por sua própria natureza, tem diversas necessidades que o acompanham desde o seu nascimento até o fim de seus dias. Deste modo, aquele que fosse responsável por outrem, deveria garantir a satisfação de tais necessidades.
Surge então, por Del Vecchio, um senso de justiça parental, ou seja, por força de um princípio natural, haveria a imposição aos geradores de proporcionar aos gerados, o devido desenvolvimento e garantir-lhes não apenas a subsistência.
Historicamente, desde os primeiros conceitos e esboços de Estado, este se colocava como responsável pela promoção da vida e da dignidade da pessoa humana, de modo que ao Estado caberia o dever de alimentos aos necessitados.
Pela dificuldade que se apresentava em cumprir com este dever estatal, houve a inserção nos ordenamentos jurídicos da solidariedade familiar como princípio, transferindo-se a responsabilidade, outrora estatal, aos membros familiares.
O Direito Canônico prestou-se a definir e estabelecer esta relação de solidariedade familiar, que derivaria de um vínculo de sangue. Ainda, considerava um vínculo espiritual existente entre tios e sobrinhos, bem como padrinhos e afilhados, de modo que haveria sim obrigatoriedade de alimentos entre eles (CAHALI, 2009, P.44).
Nas relações extrafamiliares, o Direito Canônico considerava dever da Igreja alimentar seus asilados, por vínculo decorrente das chamadas relações religiosas. (CAHALI, 2009, P.44).
Nota-se, sobremaneira, que o Direito canônico trazia inovações no sentido de reconhecer o dever alimentar decorrente de relação extrafamiliar (dever da igreja de manter seus asilados, bem como estender a obrigação a ascendentes e descendentes.
O Direito Romano, por sua vez, limitava os alimentos às relações de clientela e patronato, de modo que a relação de dependência e dever de alimentos decorrente de relação familiar não era abordada pelos primeiros diplomas legais romanos (CAHALI, 2009, P.41).
Não havia nem ideia do que seriam alimentos, isto porque a ideia de Poder familiar que se tinha era de concentração total de poder nas mãos de um “chefe de família”. Assim, não se podia impor qualquer obrigação a este, pois dele era todo e qualquer Poder decorrente das relações familiares, inclusive o de dispor da vida de sua prole.
Deste modo, se os seus descendentes sequer gozavam de direitos patrimoniais perante ele, como leciona Áurea Pimentel Pereira:
Nos primórdios da civilização romana a palavra família, ora era usada para designar a reunião de pessoas unidas por parentesco civil (agnatio), que viviam sobre a pátria potestas, nelas incluídas a mulher e os filhos, ora para abranger, além daquelas pessoas, os escravos e o próprio patrimônio do pater, que tinha a autoridade diretiva da família (1988, p. 345).
Nesse sentido, Pontes de Miranda afirma que a havia uma designação diversa da que possuímos hoje para a palavra família. Esta se prestava apenas a denominar uma reunião de pessoas com parentesco civil e que vivia sob a autoridade do potestas. (MIRANDA, 2001, p.87).
Não se sabe ao certo quando houve o efetivo reconhecimento da obrigação alimentar no Direito Romano pelo princípio da solidariedade familiar. Entretanto, este reconhecimento fortaleceu-se quando o vínculo de sangue que se estabelece entre os membros de uma família passou a ser reconhecido com maior ênfase, havendo uma transformação da visão outrora apresentada (CAHALI, 2009. P.42).
Deste modo, inicialmente a obrigação alimentar no direito romano era vista como mera caridade. Em seguida, com a evolução do pensamento sobre este instituto, houve a inserção da ideia de obrigatoriedade.
O que se pode dizer é que por toda a evolução apresentada pelo Direito Romano, ainda que, meramente conceitual, houve significativa contribuição ao instituto da obrigação alimentar.
No Brasil, quando ainda colônia portuguesa, as Ordenações Filipinas consistiam em decretos e Leis promulgados pelos reis de Portugal. Por se tratar de diplomas legais influenciados diretamente pelo Direito Romano, o Direito de Família já se mostrava inclinado à obrigação alimentar, como destaca Cahali:
Se alguns órfãos forem filhos de tais pessoas, que não devam ser dados por soldadas, o juiz lhes ordenará o que lhes for necessário para o seu mantimento, vestido e calçado, e tudo mais em cada uma ano. E mandará escrever no inventário, para se levar em conta a seu tutor ou curador. E mandará ensinar a ler e escrever aqueles, que forem para isso, até a idade de 12 anos. E daí em diante, lhes ordenará sua vida e ensino, segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda (2009, p. 479).
Com a proclamação de independência do Brasil, continuou-se a aplicar as Ordenações Filipinas, diante da impossibilidade de se organizar rapidamente um novo ordenamento jurídico, valendo no Brasil somente as Leis e Decretos portugueses promulgados até o ano de 1821. (ROCHA, 1960, p.38).
Posteriormente, com o surgimento da consolidação das Leis Civis, houve a inserção de 187 páginas sobre direito privado brasileiro. Esta legislação, considerada por Arnold Wald (1995, p.98) como um dos maiores, mais rigorosos e profundos trabalhos do direito privado no Brasil.
Trazia consigo a tradição, porém também previa alguns dispositivos referentes ao dever de sustento dos pais, filhos e parentes. Vale ressaltar que tal conjunto normativo vigorou até o final de 1916, pois em seguida, vigoraria o Código Civil de 1916.
O primeiro Código Civil brasileiro, instituído pela Lei 3.071, em consonância com a Constituição Federal de 1891, garantidora dos princípios democráticos e dos direitos de igualdade e liberdade, tratou do dever alimentar em diversos pontos.
Quando dispôs a respeito dos efeitos jurídicos do casamento, estabeleceu como deveres comuns dos cônjuges a mútua assistência e o dever de sustento, guarda e educação dos filhos, na íntegra:
Art. 231. São deveres de ambos os cônjuges:
(...)
III. Mutua assistência.
IV. Sustento, guarda e educação dos filhos.
Em outra disposição do mesmo diploma legal, determinava-se o dever do marido em garantir a manutenção da família, como segue:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 1962).
Compete-lhe:
(...)
IV - prover a manutenção da família, guardadas as disposições dos arts. 275 e 277. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 1962).
Além de todo o exposto, o antigo diploma civil brasileiro trazia os alimentos em seu capítulo VII, inserindo-os nas relações de parentesco. O artigo 396 de referido capítulo dispunha que: “de acordo com o prescrito neste capítulo podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir”. Ainda, determinava que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.
Após o Código Civil de 1916, diversas alterações e novas interpretações surgiram a respeito do tema discutido.
O Decreto lei n. 3200 de 1941 (Lei de Proteção à Família) instituiu o desconto em folha de pagamento, Lei n. 883 de 1949 que cuidou dos alimentos provisionais em favor do filho ilegítimo, a Lei n. 5.478 de 1968 que dispõe sobre a ação de alimentos, Lei do divórcio que alterou diversos dispositivos da Lei n. 883 de 1949, o Código de Processo Civil de 1973 também disciplinou a execução de alimentos. Em um tempo mais recente podemos também destacar a Lei n. 8.560 de 1992 que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, Lei n. 8.648 de 1993 que fez acrescentar o parágrafo único no artigo 399 do Código Civil de 1916. (MENEZES, 2011, P. 29)
Com o advento do Código Civil de 2002, estabeleceu-se o dever de sustento como pilar do dever de alimentos, como dispõe o seu artigo 1566, IV que consolida o dever e obrigatoriedade de ambos os pais no “sustento, guarda e educação dos filhos”.
Quando se aborda o tema dever, presume-se um direito, ou seja, aquele surgiria em razão do direito de outrem advindo de uma relação de parentesco. Deste modo, a criança tem o direito de ser alimentada em razão de relação de parentesco com os pais que, por sua vez, tem o dever de alimentá-la.
Nesse sentido:
Para prover aos pais o desempenho eficaz de suas funções, a lei provê os genitores do poder familiar, com atribuições que não se justificam senão por sua finalidade. São direitos a eles atribuídos para lhes permitir o cumprimento de suas obrigações em relação à prole. Não há poder familiar senão porque deles se exigem obrigações que assim se expressam: sustento, guarda e educação dos filhos. (Cahali, 2009, p.339)
Ainda, segundo Guilherme da Gama:
É imperioso observar que, efetivamente, a estrutura dos alimentos de Direito de Família, no modelo do código civil de 1916, comportava diversidade de tratamento diante das próprias diferenças de fundamento, de características e de efeitos, e uma das questões que certamente terão que ser enfrentadas à luz do Código Civil é a radical transformação de tal estrutura normativa para unificar os diferentes alimentos no âmbito das relações familiares. A respeito dos alimentos entre companheiros, é valido observar que houve uma evolução significativa sobre tal tema, desde o surgimento das primeiras leis previdenciárias que contemplaram direitos securitários em favor do supérstite (como, por exemplo, pensão previdenciária e estatutária), passando pela Constituição Federal de 1988 até o advento das Leis n. 8.971 e 9.278/96). (2008, p. 488).
Assim, por toda a evolução do instituto dos alimentos, bem como dos diplomas legais vigentes no Brasil, nota-se que o código civil de 2002 aborda o instituto do poder familiar e o dever de alimentos de maneira distinta, porém não inovadora, assegurando ao alimentado amparo e tutela dos pais por previsão legal.
Não resta, portanto, dúvida quanto à natureza jurídica do instituto e da sua obrigatoriedade em razão do exposto acima. Faz-se necessário, então, abordar diferentes visões doutrinárias acerca do tema, como será exposto a seguir.
3. Conceitos e natureza jurídica
A Constituição Federal brasileira em seu artigo 233, menciona que considera ser dever do Estado “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária”.
Pelo fato de o Estado não poder garantir as prerrogativas dispostas no texto constitucional, este transfere a obrigação, inicialmente sua, ao particular, pelo parentesco que decorre dos laços familiares.
Nota-se que se deve aplicar aqui a teoria da eficácia horizontal dos Direitos fundamentais, à medida que estes existem e devem ser respeitados e efetivados nas relações particulares privadas, fundamentando-se os alimentos muito mais na sociedade familiar do que na relação de parentesco, casamento ou união estável propriamente ditos.
Abordando o conceito de obrigação alimentar decorrente do parentesco, Wald leciona que:
A obrigação alimentar caracteriza a família moderna. É uma manifestação de solidariedade econômica que existe em vida entre os membros de um mesmo grupo, substituindo a solidariedade política de outrora. É um dever mútuo e recíproco, entre descendentes e ascendentes e entre irmãos, em virtude do qual os que têm recursos devem fornecer alimentos, em natureza ou dinheiro, para sustento dos parentes que não tenham bens, não podendo prover pelo seu trabalho a própria mantença (Wald, 1999, p. 57).
Como dito, decorrentes da obrigação alimentar, os alimentos não podem simplesmente reduzir-se à noção de mero sustento (alimentação), envolvendo também outras nuances dos direitos fundamentais do alimentado, quais sejam, vestuário, habitação, saúde, lazer entre outros.
Como pondera Maria Berenice Dias:
Para o direito, alimento não significa somente o que assegura a vida. A obrigação alimentar tem um fim precípuo: atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência. O código Civil não define o que sejam alimentos. Preceito constitucional assegura a crianças e adolescentes direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade (CF 227). Quem sabe aí se possa encontrar o parâmetro para a mensuração da obrigação alimentar. Talvez o seu conteúdo possa ser buscado no que entende a lei por legado de alimentos (CC 1.920): sustento, cura, vestuário e casa, além de educação, se o legatário for menor. (2009, p. 459)
Deste modo, partindo do plano conceitual, em sentido vasto, os alimentos devem abranger todas as necessidades vitais do alimentado, tendo como objetivo a manutenção de sua dignidade. Devem ser concebidos na ideia de patrimônio mínimo à pessoa, assegurando o direito à vida e garantindo a dignidade do alimentado.
Nesse sentido:
Diante dessa proteção máxima da pessoa humana, precursora da personalização do Direito Civil, e em uma perspectiva civil-constitucional, entendemos que o art. 6º da CF/88 serve como uma luva para preencher o conceito atual dos alimentos. Este dispositivo do Texto Maior traz como conteúdo os direitos sociais que devem ser oferecidos pelo Estado, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados. Anote-se que a menção à alimentação foi incluída pela Emenda Constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010, o que tem relação direta com o tema aqui estudado. Ademais, destaque-se que, conforme a doutrina contemporânea constitucionalista, os direitos sociais também devem ser tidos como direitos fundamentais, tendo aplicação imediata nas relações privadas (Tartuce, 2010, 0. 414).
Após exposto o prisma conceitual, deve-se abordar os fundamentos da prestação alimentar. Os elementos básicos para o surgimento de direito a alimentos são o vínculo de parentesco, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade do alimentado.
Legalmente falando, o fundamento se encontra no artigo 1.694 do Código Civil brasileiro: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Os alimentos, como garantidores de direitos da personalidade, diretamente ligados à dignidade são obrigatórios e vastamente abordados no ordenamento jurídico.
Como aduz Arnold Wald:
O caráter imperativo das normas sobre alimentos tem como corolários serem os mesmos irrenunciáveis, como o próprio direito à vida. O necessitado pode deixar de exercer o direito de exigir alimentos mas a eles não pode renunciar (art. 404 do CC). São ainda os alimentos impenhoráveis, atendendo à sua própria finalidade que consiste em assegurar a manutenção do alimentando e não em pagar as suas dívidas, e são indisponíveis, pela sua natureza personalíssima. Ninguém pode alienar o seu direito a pedir alimentos a um ascendente ou descendente por se tratar de direito vinculado à própria pessoa, ou seja, direito personalíssimo (1999, p. 58).
Apesar de regulado e positivado no ordenamento jurídico, há que se mencionar que os alimentos têm de ser vistos sim pelo prisma da legalidade, entretanto, há que se mencionar o caráter social dos alimentos.
Não se pode simplesmente buscar matematicamente o cálculo do quantum a ser pago. Há que se analisar o binômio necessidade de quem os pleiteia x possibilidade de quem os deve prestar.
Este binômio é confirmado pelo artigo 1.965 do código civil: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes nem pode prover pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
Nesse dispositivo e, pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, os alimentos devem manter o status quo ante, garantindo uma ponderação entre princípios para chegar a um quantum justo. (TARTUCE, 2010, p. 414-415)
Nesse sentido, é mister a citação de recente julgado do STJ, por decisão da Ministra Fátima Nancy Andrighi:
No que toca à genérica disposição legal contida no art. 1.694, caput, do CC/02, referente à compatibilidade dos alimentos prestados com a condição social do alimentado, é de todo inconcebível que ex-cônjuge, que pleiteie alimentos, exija-os com base no simplista cálculo aritmético que importe no rateio proporcional da renda integral da desfeita família; isto porque a condição social deve ser analisada à luz de padrões mais amplos, emergindo, mediante inevitável correlação com a divisão social em classes, critério que, conquanto impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir desses valores e das particularidades de cada processo, reconhecer ou não a necessidade dos alimentos pleiteados e, se for o caso, arbitrá-los. Por restar fixado pelo Tribunal Estadual, de forma induvidosa, que a alimentanda não apenas apresenta plenas condições de inserção no mercado de trabalho como também efetivamente exerce atividade laboral, e mais, caracterizada essa atividade como potencialmente apta a mantê-la com o mesmo status social que anteriormente gozava, ou ainda alavancá-la a patamares superiores, deve ser julgado procedente o pedido de exoneração deduzido pelo alimentante em sede de reconvenção e, por consequência, improcedente o pedido de revisão de alimentos formulado pela então alimentada. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, Resp. 933.355/SP Rel. Min Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 25.03.2008, DJ 11.04.2008).
Portanto, pela interpretação extensiva do dispositivo constitucional, bem como das disposições do Código Civil a respeito de alimentos, entende-se que estes são obrigatórios e se prestam a garantir ao alimentando um mínimo existencial, mas não apenas isto, deve ser dirigido a manter o “padrão” social e econômico daquele, que depende dos proventos de outra pessoa para a sua subsistência.
4. Comentários acerca dos alimentos compensatórios
Por todo o exposto e, após análise geral dos principais aspectos da evolução e diferentes visões a respeito dos alimentos, é mister tratarmos a respeito da modalidade de prestação alimentar intitulada compensatória que, salvo melhor juízo, é a mais moderna e atual criação doutrinária e que vem sendo acatada pela jurisprudência dos tribunais pátrios superiores.
Havendo separação ou divórcio que resulte em desequilíbrio econômico entre o casal, com análise do padrão de vida que se percebia na constância da sociedade familiar, cabível seria a aplicação de alimentos compensatórios, que se prestariam a retornar o status quo ante de ambos os cônjuges, garantindo o equilíbrio econômico entre eles até a realização da devida partilha de bens.
O cônjuge que não percebe bens, seja por acordo entre as partes ou pelo regime de bens que vigorava no casamento, faz jus aos alimentos mencionados neste breve tópico.
O dever de mútua assistência previsto no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.556, II, eleva os cônjuges à condição de consortes e companheiros responsáveis pelos encargos da família, vide artigo 1.565 do mesmo diploma legal, que define que: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.
Assim, entre eles, surge um verdadeiro vínculo de solidariedade, definido e regulamentado pela constituição Federal em seu artigo 265, de modo que o cônjuge provido de capital garantir ao ex-consorte os alimentos compensatórios, ajustando o desequilíbrio entre eles e reequilibrando as suas condições sociais. (DIAS, 2009, P. 490).
Nesse sentido:
Dispõem, assim, os alimentos compensatórios de nítido caráter indenizatório, não se sujeitando a variações. Como não tem conteúdo alimentar, o encargo não se submete às necessidades do trinômio proporcionalidade-possibilidade-necessidade. Dessa forma, mesmo que o beneficiário venha a obter meios de prover a sua própria subsistência, tal não dispensa o devedor de continuar alcançando-lhe alimentos. A possibilidade revisional só cabe quando alteradas as condições econômicas do alimentante, em face da teoria da imprevisão, cuja clausula rebus sic stantibus sempre está presente em se tratando de obrigações que se delongam no tempo. (Dias, 2009, P.290).
Nestes moldes percebe-se que o Direito de Família é visto dentro do plano do Direito Obrigacional, no sentido de manter-se o equilíbrio entre as partes, respeitando a proibição da onerosidade excessiva ou do desequilíbrio negocial. Há, também, fundamento na responsabilidade civil em razão do caráter indenizatório desta verba.
A finalidade da prestação aqui discutida está em indenizar por certo período de tempo, ou não, o ex-consorte afetado pelo desequilíbrio econômico causado pela perda da capacidade socioeconômica que dispunha quando com o outro consorte.
Não se diz em equiparação econômica e financeira, mas diz-se em pensão compensatória para reduzir todos os efeitos gerados pela ausência de recursos daquele desprovido de bens pela meação gerada pela dissolução da sociedade conjugal.
Dada a atualidade do tema, se faz necessária a citação de importante julgamento proferido pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça em apreciação de recurso vindo de Alagoas, em 13 de novembro de 2014, cujo número do processo não é revelado em razão de segredo de justiça, como segue:
(...) Para o relator, no caso, houve ruptura do equilíbrio econômico-financeiro com a separação, sendo possível a correção desse eventual desequilíbrio com a fixação de alimentos compensatórios. Quanto ao prazo para os alimentos, o ministro Antônio Carlos destacou que o pagamento vem sendo feito desde 2002. Assim, como a ex-mulher tem idade e formação que permitem sua inserção no mercado de trabalho, o ministro votou, inicialmente, pelo pagamento de prestação alimentícia por três anos, a contar do transito em julgado da decisão. Na sessão desta terça-feira, após os voto-vista da ministra Isabel Gallotti proferido em 19 de setembro, e do ministro Marco Buzzi, a Turma, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, acompanhando o voto do relator. (...). (STJ. Relatório de decisão, sala de notícias 4ª T).
Deste modo, como se nota, procura-se equiparar o nível de vida dos ex-consortes, para que continuem vivendo da mesma maneira dantes desfrutada. Após restaurado o padrão socioeconômico e garantida transição em modelo de vida, permite-se que a parte menos favorecida possa se readequar e readaptar seus gastos domésticos e condição social.
Surge assim, discussão a respeito do prazo de duração da prestação alimentar compensatória. Sabe-se que esta não tem natureza permanente e é pacífica a ideia de que deve ser mantida até que a disparidade entre os ex-consortes desapareça, encontrando um ponto de equilíbrio.
No caso concreto acima apresentado, a Corte entendeu por bem fixar prazo de validade da prestação. Contudo, como segue em outro trecho do relatório de decisão, houve divergência entre os Ministros:
(...) O ministro Antônio Carlos Ferreira aderiu, no ponto, aos votos dos ministros Luiz Felipe Salomão e Raul Araújo, que consideraram o prazo de três anos, a contar dessa decisão, suficiente para a mulher se organizar e ingressar no mercado de trabalho. A ministra Isabel Galotti e o ministro Marco Buzzi Ficaram vencidos. Votaram pela manutenção do prazo indeterminado. Segundo eles, é muito difícil para uma mulher de aproximadamente 50 anos de idade, sem nenhuma experiência profissional, inserir-se no mercado de trabalho. Apesar de ter concluído o ensino superior, a mulher nunca trabalhou. Casou-se aos 19 anos e sempre acompanhou o marido em sua carreira política. (...)
Deste modo, apesar da transitoriedade da prestação aqui abordada, torna-se muito difícil o estabelecimento de um tempo de vida útil da prestação, exatamente porque este desequilíbrio entre as partes é imprevisível e, deve, pelo caso concreto, buscar um ponto de equidade e equilíbrio, garantindo a ambas as partes a manutenção do Status quo ante.
5. Considerações Finais
Por todo o exposto, destaca-se a importância dos os alimentos, posto que objetivam assegurar o direito à vida, bem como garantir o exercício dos mais básicos direitos da personalidade, pautados na assistência da família e solidariedade social.
Como visto a evolução histórica deste instituto confere a ele um status de obrigatório e essencial, à medida que garante ao menos o mínimo àquele que literal e incondicionalmente depende de outrem.
A evolução dos estudos e análises da obrigação alimentar trouxe à baila os alimentos que garantem algo além do habitual postulado em sede de alimentos. Aceita pela doutrina e jurisprudência, classifica os alimentos como compensatórios, decorrentes de direito indenizatório ao ex-consorte que está desfavorecido em sua condição sócio econômica após a dissolução da sociedade conjugal, não se limitando simplesmente ao mínimo existencial garantido pela Constituição Federal.
Não pode o fornecedor de alimento exonerar-se da obrigação, que é irrenunciável, intransferível e inegociável, à medida que não há possibilidade de transação entre as partes em uma relação de parentesco.
Sobremaneira, há que se enaltecer e elevar a importância dos alimentos no direito brasileiro. Deve se garantir àquele que não tem a possibilidade de manter-se por conta própria, o auxílio daquele que é por ele responsável, ou daquele que sempre se portou como mantenedor e provedor do lar, em nome da dignidade da pessoa humana e de todos os direitos e garantias a ela atrelados.
Assim, no Direito Moderno, os alimentos devem ser ajustados pela dignidade da pessoa humana e realidade social. Faz-se necessária uma conexão com o tempo presente.
Conceitos modernos como as prestações compensatórias enobrecem a eficácia e extensão do instituto alimentar e tudo o que está nele inserido, apresentando excelentes alternativas e protegendo o fundamento e propósito eminentemente alimentar almejado.
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WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: O novo Direito de Família. 12. Ed., rev., ampl. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente e Pós Graduado em Direito civil e Direito processual civil pela mesma instituição. Professor Titular de Filosofia do Direito na mesma Instituição. Pós graduando em Filosofia, teoria do Direito e Hermenêutica Jurídica na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAMBILLA, Pedro Augusto de Souza. A origem e evolução das prestações alimentares. Comentários sobre os alimentos compensatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jan 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45821/a-origem-e-evolucao-das-prestacoes-alimentares-comentarios-sobre-os-alimentos-compensatorios. Acesso em: 23 dez 2024.
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