RESUMO: O presente artigo tem como escopo a análise da extensão da regra imunizante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal de 1988, que exonera de impostos os livros e o papel destinado à sua impressão, e aos leitores digitais de livros, conhecidos como e-reader. A investida sobre o assunto será iniciada com breves considerações acerca do conceito de imunidade tributária e da imunidade dos livros e papéis necessários à sua impressão. Após a conceituação, será apresentado o tratamento da questão na doutrina e jurisprudência.
PALVRAS-CHAVE: Constitucional. Tributário. Imunidade de impostos para livros. Art. 150, VI, 'd' Constituição Federal. E-readers.
INTRODUÇÃO
A finalidade da imunidade de impostos conferida aos livros (art. 150, VI, 'd' da Carta Magna) é incentivar a divulgação do conhecimento. Desse modo, a concessão de interpretação sistemática e teleológica ao texto constitucional importa em alcançar o objetivo da regra.
CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
A imunidade tributária consiste em impedimento absoluto à incidência da norma tributária, pois retira o poder de tributar da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Portanto, referidas pessoas político-constitucionais não podem cobrar impostos nas situações descritas na Constituição Federal. Tal imunidade trata-se de não-incidência constitucionalmente qualificada.
Interessante ainda a transcrição do conceito de imunidade do Professor PAULO DE BARROS CARVALHO:
“A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.”
As imunidades previstas no artigo 150 da Constituição Federal só existem para impostos, mas não se pode esquecer que existem imunidades distribuídas na Constituição em relação às taxas e contribuições especiais.
Permanecem hígidas as obrigações acessórias, uma vez que a imunidade tributária atinge apenas a obrigação principal.
DA IMUNIDADE DOS LIVROS E O PAPEL NECESSÁRIO À SUA IMPRESSÃO (ART. 150, VI, “D”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) E SUA FINALIDADE.
Trata-se de imunidade puramente objetiva, impedindo a cobrança dos impostos incidentes de forma direta sobre livros, jornais, periódicos e sobre o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal).
Quanto à sua finalidade, ensina o professor IVES GANDRA MARTINS:
“A imunidade de impostos destinada aos meios de comunicação, culturais e educacionais lastreiam-se, como disse, no mesmo princípio de uma vedação absoluta ao poder de tributar, objetivando permitir: a) liberdade de imprensa; b) liberdade de veiculação de ideias; c) liberdade de difusão cultural; d) liberdade no âmbito da educação.”
Importante consignar ainda que “O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil" (STF, 2ª T., RE 221.239/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 25.05.2004, DJ 06.08.2004, p. 61).
Tal imunidade não é extensiva às livrarias, as quais devem, por exemplo, pagar Imposto de Renda sobre o rendimento com a venda de livros.
Coadunando com o exposto, há jurisprudência pacífica do STF:
"IPMF. Empresa dedicada à edição, distribuição e comercialização de livros, jornais, revistas e periódicos. Imunidade que contempla, exclusivamente, veículos de comunicação e informação escrita, e o papel destinado a sua impressão, sendo, portanto, de natureza objetiva, razão pela qual não se estende às editoras, autores, empresas jornalísticas ou de publicidade - que permanecem sujeitas à tributação pelas receitas e pelos lucros auferidos. Consequentemente, não há falar em imunidade ao tributo sob enfoque, que incide sobre atos subjetivados (movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira)" (STF, 1ª T., RE-ED 206.774/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, j.04.04.2000, DJ 09.06.2000, p. 30).
Já os chamados “e-readers” consistem em dispositivos de leitura digital, por meio dos quais se podem ler, eletronicamente, textos. Em outras palavras, em vez de serem impressos, em papel, os livros podem ser lidos por meio dos “e-readers”, que, em tradução livre, seriam “leitores de livros eletrônicos”.
Se a função primordial do livro é difundir a expressão do conhecimento humano e assegurar a liberdade de expressão, o e-reader, enquanto suporte para livros cumpre bem com a finalidade constitucional, ainda mais pelo baixo custo do título literário que esses dispositivos digitais disponibilizam para aquisição, o que contribui para que mais pessoas tenham acesso. Assim, entende-se que o leitor digital faz jus à imunidade constitucional tributária.
Especificamente em relação à imunidade tributária para livros eletrônicos, essa matéria é tema de repercussão geral. O ministro do STF, Dias Toffoli, explica a controvérsia que surge em razão da interpretação da alínea d, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal, tratando, assim, das duas principais correntes – a restritiva e a extensiva:
“(...) A corrente restritiva possui um forte viés literal e concebe que a imunidade alcança somente aquilo que puder ser compreendido dentro da expressão ‘papel destinado a sua impressão’. Aqueles que defendem tal posicionamento aduzem que, ao tempo da elaboração da Constituição Federal, já existiam diversos outros meios de difusão de cultura e que o constituinte originário teria optado por contemplar o papel. Estender a benesse da norma imunizante importaria em desvirtuar essa vontade expressa do constituinte originário”.
“(...) Em contraposição à corrente restritiva, os partidários da corrente extensiva sustentam que, segundo uma interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, a imunidade serviria para se conferir efetividade aos princípios da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, o que, em última análise, revelaria a intenção do legislador constituinte em difundir o livre acesso à cultura e à informação”.
Diversos Tribunais pátrios têm enfrentado a matéria e decidido pela extensão da imunidade aos chamados livros eletrônicos:
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMUNIDADE DE IMPOSTOS PARA LIVROS. ART. 150, VI, 'D' DA CARTA MAGNA. EXTENSÃO AO 'KINDLE'. 1. Se a finalidade precípua da imunidade de impostos conferida aos livros (art. 150, VI, 'd' da Carta Magna) é incentivar a divulgação do conhecimento, não é menos verdade que se imaginava a sua divulgação pela forma escrita, pois, se a lei não emprega palavras inúteis, esta é a conclusão a que se chega com a leitura da parte final do dispositivo transcrito. Isto se deve ao fato de que o Constituinte de 88 legislou a partir do conceito tradicional de livro, a de objeto escrito, impresso. 2. (...) Destarte, o leitor digital 'Kindle', ainda que não incluído no conceito tradicional de livro, se presta ao mesmo objetivo, pelo que entendo estar abrangido na imunidade do art. 150, IV, 'd', da Lei Maior. 3. Dessa forma privilegia-se o fim objetivado (divulgação do conhecimento), não o meio utilizado (livro impresso em papel)”. (TRF4, APELREEX 5003444-83.200.404.7201, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, D.E. 01/03/2012).
“TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. IMPOSTOS. IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO. LEITOR DE LIVRO DIGITAL, DENOMINADO KINDLE . CF/88. ART. 150, VI, ALÍNEA D.
O Supremo Tribunal Federal, em que pese ter entendimento restritivo quanto à concessão da imunidade tributária no tocante a livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, vem autorizando a extensão deste benefício tributário aos materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos (RE 495385 AgR, Relator Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29.09.2009).
“(...) Portanto, considerando que o equipamento em questão, leitor de livros digitais, denominado Kindle, tem a função específica de, com vênia da redundância, permitir a leitura dos livros digitais, este equipamento equipara-se a materiais assimiláveis ao papel, para o fim da concessão da imunidade tributária (CF/88, 150, VI, d), a teor da jurisprudência do STF”. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5014246-64.2010.404.7000, 2ª TURMA, DESA. FEDERAL LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, POR UNANIMIDADE, PUBLICADO EM 11.07.2011)
“o que a norma em apreço busca garantir com a imunidade fornecida, é o livre acesso a cultura a todos os cidadãos, e não a cobrança de imposto, por sua produção em determinado material, sendo irrelevante qual meio deva ser usado na sua prestação” (TJ/SP, Processo 0002600-78.2013.8.26.0053)
“Restringir essa imunidade ao formato papel é fechar os olhos diante dos inegáveis avanços que a tecnologia proporciona, tributando-se ainda mais a liberdade ao conhecimento, à cultura e à manifestação do pensamento deste país.” (TJ/GO, Processo 254550-47.2014.8.09.0000)
“(...) a evolução social autoriza e exige que se amplie o alcance também das normas constitucionais, devendo-se fazer em projeção teleológica, sob pena de distanciar a Constituição da sociedade a que se destina. No caso em apreço, não se tergiversa mais que a referida imunidade tributária tem por escopo proteger a liberdade de expressão, universalizar o acesso à cultura, incentivar a leitura etc., sendo irrelevante se o conteúdo da transmissão de ideias foi posto em livro de papel ou eletrônico, cumprindo relativizar a referência do texto constitucional a “papel destinado a sua impressão”. (TJ/PB, Processo 2009058-14.2014.815.000).
No mesmo sentido, Ives Granda Martins assevera:
“Não está escrito, no texto constitucional, que os livros, os jornais e os periódicos só serão imunes quando forem confeccionados de papel. [...] ... admitir que só os veículos de papel são imunes e que qualquer outra manifestação cultural, educacional ou de imprensa seja passível de manipulação governamental, por tributos, é reduzir a intenção do constituinte a sua expressão nenhuma. Uma tal interpretação equivalente a considerar que a liberdade de expressão só pode manifesta-se através de veículos de papel!!! – representa, inclusive, um pensamento retrógrado, de retrocesso institucional e intelectual. Significaria considerar que a comunicação social eletrônica pelos meios modernos não merece ser protegida, porque o constituinte teria desejado que o País não evoluísse na difusão cultural e na obtenção de informações. [...] Se se admitisse que quem não tem o direito de tributar, pudesse, ‘pro domo sua’, interpretar restritivamente a lei impeditiva, poder-se-ia amesquinhar a intenção do constituinte de afastar da área impositiva aquelas situações e pessoas em atividades consideradas essenciais para a preservação do Estado Democrático de Direito. [...] Com base na Constituição, entendo que são livros aqueles cujo conteúdo seja próprio de um livro, jornal ou periódicos, qualquer que seja a forma de sua veiculação. O que define o livro é o seu conteúdo e não a sua forma. ... perante a Constituição, livro é definido por seu conteúdo e não por sua forma”.
Desse modo, concorda-se com o entendimento de que se deve conceder interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, visando conceder o benefício da imunidade tanto aos livros digitais quanto aos leitores digitais (e-reader). Tal posição, embasada nos artigos art., 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, da Constituição Federal, objetiva “dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação (...)” (TJ/DF, Processo 20140020228830).
CONCLUSÃO
Tem sido o entendimento prevalente na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais pátrios de que a imunidade tributária deve ser estendida aos livros digitais e ao suporte físico que os contenham desde que revele os valores que são imanentes ao livro e, assim sendo, estarão imunes aos impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição Federal.
O livro digital e a sua visualização por meio de dispositivos virtuais não se afastam do objetivo da regra imunizante constitucional, que é difundir conhecimento e cultura como formas primordiais de liberdade de expressão.
Referências bibliográficas:
Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Aspectos Referentes à Imunidade dos Livros Eletrônicos. RDDT 180/156, set/2010.
STF, 2ª T., RE 221.239/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 25.05.2004, DJ 06.08.2004, p. 61.
STF, 1ª T., RE-ED 206.774/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, j.04.04.2000, DJ 09.06.2000, p. 30.
STF, Imunidade tributária de livro eletrônico é tema de repercussão geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=223771>, acesso em 29.12.2015).
TRF4, APELREEX 5003444-83.200.404.7201, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, D.E. 01/03/2012.
TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5014246-64.2010.404.7000, 2ª TURMA, DESA. FEDERAL LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, POR UNANIMIDADE, PUBLICADO EM 11.07.2011.
TJ/SP, Processo 0002600-78.2013.8.26.0053.
TJ/GO, Processo 254550-47.2014.8.09.0000.
TJ/PB, Processo 2009058-14.2014.815.000.
TJ/DF, Processo 20140020228830.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Tributário e em Direito Penal. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Diego Garcia. Da imunidade tributária dos "E-Readers" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45826/da-imunidade-tributaria-dos-quot-e-readers-quot. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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