RESUMO: O âmbito do presente artigo é explorar o advento do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei 8.078/1990) como um grande transformador e aplicador das garantias constitucionais. Assim sendo, o CDC trouxe consigo uma importância ao ressaltar a socialização de uma área carente de legalização e em se tratando de mercado e economia, talvez, a área que mais crescia e cresce até os dias contemporâneos. Anterior à Constituição o Código Civil estabelecia as bases para os negócios particulares, não cedendo de seu aparato de tutela a esse ramo. Todavia, com a Constituição declarada dois anos antes do CDC, os direitos dos consumidores adquiriu um status até antes inaudito, hoje, dotado do principio da dignidade da pessoa humana. Não é pretensão de o presente trabalho abordar os pormenores do instituto comercial e sua ordem jurídica porem, destacar a discussão de que nenhuma norma pode ser maior ou sobrepujar a Constituição Federal, nem princípios ou ditados consuetudinários como o Pacta Sunt Servanda.
INTRODUÇÃO
Na época em que o Código de Defesa e Proteção do Consumidor foi publicado o País vivia em grandes expectativas. Quando há uma mudança no itinerário já conhecido, muitas incertezas e receios surgem. Era um período de quebra de paradigmas, onde o antigo não mais era presente e uma nova ordem encaminhava-se para estabelecer essa mudança. A Nova República em 1985 e em seguida a promulgação da Lei Maior, seguidos por frequentes mudanças no cenário mundial em prol da dignidade da pessoa, o mundo estava em constante conflito, revivendo os temores de um possível confronto bélico, a Guerra Fria trazia também seus medos. Foi nesse cenário que o Brasil criou a sua Constituição que perdura os dias de hoje, e nesse mesmo interim que o Código de Defesa do Consumidor surgiu. O crescimento da economia e o pleno desenvolvimento mundial não podiam passar batidos no cenário nacional, o consumo deveria ser a regra. Para isso, as melhorias, tanto nos produtos como nas situações de trabalho dos operários das fabricas necessitavam ser revistos. Assim, o CDC trouxe além de uma tutela interessante ao reconhecido como hipossuficiente da relação de consumo, o consumidor, uma preocupação maior do empresário, que buscava o lucro, porem, a qualidade dos produtos agora era requisitada. Sem essa busca pela melhoria não haveria possibilidade de crescimento e com as novas normas, seguramente, a lei sempre estaria batendo em suas portas.
Assim, o CDC não apenas regula a condição entre consumidores e fornecedores/produtores, mas também, ressalta os princípios da boa fé que deve haver entre ambos, enfim, os basilares princípios que estão apregoados na Constituição. Grosso modo, o CDC não diminui a pessoa do fornecedor ou produtor frente ao consumidor, mas sim, faz respeitar o direito fundamental descrito do qual nasceu, retratado na Carta Maior. Dessa forma, havendo um contrato oneroso ou que não siga os preceitos da boa fé e da função social dos contratos, o consumidor pode, em juízo, pedir a alteração ou a exclusão de clausula abusiva em seu contrato, limitando assim qualquer tipo de abusividade do mercado frente ao hipossuficiente. Esse abuso se dá uma vez que as clausulas geralmente são escritas e postas a frente do consumidor, que em nenhum momento participa de sua criação, são os conhecidos contratos de adesão.
Enquanto instituto jurídico, o CDC possui um conceito diferenciado das outras normas positivadas. Ele possui uma linguagem que o difere, que rompe com a linguagem sisuda e extremamente técnica do direito. Assim, o seu aspecto diferenciador é também a sua socialização e abertura ao leigo, que pode numa leitura, reconhecer os seus direitos.
Ao entender o direito como sistema, o CDC está para essa engrenagem como norma a ser seguida, e também como um importante sintoma pedagógico.
Com seu âmbito constitucional, a mudança de paradigma linguagem, função social do direito e constitucionalização do direito civil e suas particularidades, o CDC é um dos códigos mais completos e consegue atender o que dele é exigido, ainda com as novas tecnologias que surgem dia a dia.
Assim, utilizando doutrinadores e pensadores do mundo do Direito que corroboram com o presente estudo, jurisprudências atuais se fazem presentes com o intuito de afirmar a eficácia do código em tela.
1 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/1990): BREVE HISTÓRICO
O Código de Defesa do Consumidor disposto em 1990 no Direito Nacional trouxe algumas grandes novidades consagrando-se em uma legislação inovadora que, ainda que concebido há mais de vinte anos, mantem-se tão atual quanto outrora. Neste capítulo há o estudo acerca as características que definem tal rol de normas por sua eloquência junto ao sentido real do direito, conforme preleciona Nelson Nery Junior:
...como lei moderna e tecnicamente adequada à realidade atual das relações de consumo. (NERY JR.,1992: p.45)
Hodiernamente, ao realizar uma analise de uma lei que se define, já em sua nomenclatura, o principal fulcro e objeto que ressalta o seu propósito, é necessário que se olhe para traz. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor surge em uma época de mudanças no âmbito nacional, que revela dois grandes acontecimentos em menos de cinco anos. Datado de 1990, o CDC surgiu após grande reviravolta política, com o surgimento da Nova Republica em 1985 e com o advento da Constituição Federal de 1988. Não bastasse apenas isso, a determinação para a criação de normas que regessem de forma infraconstitucional o direito do consumidor já surgiu inserida no artigo 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, ADTC:
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. (BRASIL, CF 1988: p. 168)
Toda a preparação para uma formalização da lei consumerista advinha de uma mudança de paradigma no âmbito nacional, e, de um forte amparo constitucional:
...a função de ser verdadeiro instrumento para a efetivação dos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana. Portanto, as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor possuem âmbito de aplicação distinto do de outros ramos jurídicos, como o direito civil. (AZEVEDO, 2009: P. 52)
Ao reconhecer as mudanças sociais causadas com o passar do tempo, através das lutas de classes, reformas e novos direitos, a quebra de paradigma entre um sistema e outro, iniciada em 1988 com a promulgação da Constituição nacional, foi responsável por uma leitura mais atenta aos valores sociais e substancialmente, a integração humana. Quanto a isso os ensinamentos de Eugenio FACCHINI NETO são esclarecedores:
A constituição não é apenas um programa politico a ser desenvolvido pelo legislador e pela administração, mas contem normatividade jurídica reforçada, pois suas normas são qualitativamente distintas e superiores às outras normas do ordenamento jurídico, uma vez que incorporam o sistema de valores essenciais à convivência social, devendo servir como parâmetro de confronto para todo o ordenamento jurídico, além de auxiliar a este como critério informativo e interpretativo validante. (FACCHINI NETO, 2006: p. 39)
Realizada em 1985, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas trouxe a Resolução 39/248, que estabelecia as Diretrizes para a Proteção do Consumidor, elevando a participação dos governos na implantação de politicas que ressaltassem a defesa do consumidor.
Todavia, ao estudar a historia domestica da formação do CDC de 1990, pode-se notar o cuidado do legislador á matéria que, ainda que nova na concepção do direito estava calçada no âmbito constitucional: as garantias fundamentais da pessoa. Com o crescimento do comercio e das produções nas grandes fábricas desse a Revolução Industrial, muitas situações jurídicas a respeito dessa matéria passaram a ser conhecidas no mundo afora. No Brasil, as preocupações com as relações de consumos apareceram nas décadas de 40 e 60, quando diversas leis surgiram regulando o assunto, entre elas, pode-se citar a Lei n.º 1221/51 conhecida como Lei de Economia Popular, a Lei Delegada n.º 4/62, e, a Constituição de 1967, que trouxe a sua famosa emenda n.º 1 de 1969 consagrando a defesa do consumidor.
A origem da palavra consumerismo é oriunda do inglês consumerism, trazida pelo movimento norte americano na década de 60, quando as mazelas sofridas por um exercito de trabalhadores recrutados pelas grandes indústrias, não mais foram aceitas e movimentos sociais visavam estabelecer a proteção desses trabalhadores, que conviviam com condições insalubres e muitas vezes de escravidão. Essa era a época do surgimento dos grandes beneficiários dessa relação, as fabricas que visavam o lucro incessante. Destarte, tal movimento se deu a fim de proteção ao elo fraco da corrente, os trabalhadores, realizadas por movimentos sindicais, bem destacado por José Geraldo Brito Filomeno:
..., que o chamado movimento consumerista, tal qual nós conhecemos hoje, nasceu e se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de trabalho... (FILOMENO, 1999: p. 94)
No entanto, foi a partir da segunda metade do século XVIII que mudanças emblemáticas ocorreram, no tocante as novas tecnologias e o desenvolvimento cientifico que o mundo experimentava. Destarte, a nova perspectiva se fundava em novas bases, uma vez que com o crescimento exponencial do mercado o consumidor passa a ter contato com os comerciantes dos produtos, que muitas vezes laboravam de maneira itinerante, não mais com os fabricantes desses produtos. Assim, atribuído a essa nova conjuntura que define uma relação até outrora inaudita, consumidor e fabricante passam a não mais se encontrar (CAVALIERI FILHO, 2009: p.98). Com essas mudanças de produção formou-se um novo modelo de relação de consumo e era necessário adequar a estrutura jurídica a esse novo patamar, uma vez que a velocidade em que a produção, agora realizada com a ajuda tecnológica, tornava o mercado cada vez mais célere. Nesse interim surgiu o contrato de adesão, que continha cláusulas unilaterais preestabelecidas pelo fornecedor, deixando à outra parte, o consumidor, a opção de aceitar ou não o que já estava pré-estipulado. Surge dessa arte, um novo instrumento jurídico, o Contrato de Adesão, que passou a ser adotado em larga escala, notadamente no decorrer do século XX, com a massificação da economia mundial, (CUNHA, 2001: p.173), conforme lição de Claudia Lima Marques:
...os contratos por escrito, preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. ( MARQUES, 1998: p. 48)
Com o passar dos tempos, o Movimento Consumerista desenvolveu-se tomando a cada passo novas atribuições e qualidades. Num primeiro momento, relações de trabalho e relações de consumo eram postas juntamente com as mudanças sociais que ocorriam, não sendo possível distinguir o prestigio do comerciante ou fabricante de seu produto vendido ou fabricado, uma vez que este era avaliado por sua índole profissional, conforme nos aponta Hélio Zaghetto Gama:
Um mau comerciante, que explorasse menores, velhos ou mulheres, ou que não se mostrasse razoável frente ao progresso dos direitos sociais, era execrado pelos sindicatos. Um curioso mecanismo de interligação entre as reivindicações trabalhistas e as aspirações dos consumidores gerou boicote aos maus fornecedores. (GAMA, 2006: p. 26)
Nota-se a relação de trabalho e a relação de consumo caminhando lado a lado, ainda mais, ao perceber o fabricante e o grande produtor, que a exigência pela qualidade dos produtos aumentava. Dessa maneira, somente era possível atingir certo grau de satisfação pelos bons produtos vendidos quando estes eram fabricados mediante qualidade. A partir do momento em que ficou evidenciado a busca pela qualidade, os profissionais passaram a ser vistos mais atentamente pelos empresários e grandes produtores, que, pressionados pelas mudanças sociais e pelos significantes avanços do Estado de Direito, alteraram a politica dentro da grande empresa. (MARQUES, 1998: p.52)
Nos anos 80 várias associações foram criadas no Rio de Janeiro e São Paulo, como o Instituto de Defesa do Consumidor, entre outros, que passaram a ter um forte alicerce e aliado com a Constituição Federal de 1988, segundo Claudia Gongora afirma:
... a efetiva proteção aos consumidores surgiu após a segunda metade do século XX, devido à expansão da massificação dos produtos em decorrência do modelo capitalista, surgindo, assim, a preocupação do Estado no controle das relações de consumo devido ao desequilíbrio entre o poder econômico dos fornecedores frente aos consumidores. (GONGORA, 2001: p. 152)
Sendo o titular do direito de proteção dos consumidores aduz à terceira geração dos direitos do homem, uma vez que toda a coletividade é titular desse direito, perfazendo-se em interesses difusos e coletivos. Assim, o movimento consumerista ao logo dos tempos foi se tornando decisivo para a criação de normas e fundamentos legais que viessem a tutelar e a proteger as relações de consumo, em um principal suporte aos direitos do consumidor.
2 O RECONHECIMENTO DO DIREITO DO CONSUMIDOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL
Conforme visto até agora, pode-se afirmar que o direito do consumidor surgiu após as lutas gradativas na historia que buscavam além de uma maior qualidade o respeito ao individuo. Conforme as transformações que foram ocorrendo, as relações jurídicas passaram a acompanhar mais de perto tais situações, como uma forma de redimensionamento que reconhecia uma crescente sociedade de consumo. Calvão da Silva ao estudar os fatores que levaram a proteção do consumidor ao legislador, se deu devido a uma certa hipossuficiência do consumidor frente ao grande fabricante e produtor, que visava o lucro, distorcendo a visão de contrato em uma relação jurídica, rompendo com a forma signalagmática dos contratos:
As grandes transformações ocorridas, no século XX, nas estruturas econômicas, conduziram, ao aparecimento de novas formas de mercado – monopolista e oligopolista – que tornaram mais débil a posição dos consumidores. O surgimento da nova sociedade de consumo facilitou de todas as maneiras, o acesso aos bens e serviços, com considerável incremento ao crédito e facilitadas formas de pagamento, e com a consequente despersonalização do tradicional contrato baseado na autonomia da vontade. Como decorrência, os contratos já não podem ser confeccionados um a um, e submetem-se, agora, a condições gerais, furtando a ideia de negociação, e acentuando a desigualdade daqueles que contratam premidos pela necessidade de algum bem ou serviço. A isso há de somar-se as novas técnicas e formas de publicidade indutiva cada vez mais deficiente no labor informativo. (SILVA,2008: p.47)
Foi justamente em virtude dessa grande forma de massificação da produção e do crescimento dos casos que ocorriam advindos dos “contratos” celebrados nessa seara , juntamente com a formação histórica e jurídica que visava a proteção dos mais abastados, dos hipossuficientes e daqueles que se encontravam em situação de desproteção frente ao grande mercado, é que a proteção do consumidor urge como Direito Humano e Fundamental. Para Beatriz Quintana Novaes, enquadrar o direito do consumidor aos direitos fundamentais se definiu como importante forma de assegurar o direito difuso da sociedade:
Resposta absolutamente adequada para o direito do consumidor é o enquadramento dele como direito inato, ou seja, direito humano, de maneira que, ninguém, nem o Estado, nem a sociedade civil poderá suprimi-lo, via de consequência, podendo ser exercido em sua plenitude em adensamento e complementaridade com os demais direitos humanos em todas as suas dimensões, emergindo em equilíbrio reflexivo. (NOVAES, 2009: p.33).
Direitos fundamentais são aqueles encontrados e consagrados tanto pelo artigo 5° da nossa Constituição, tanto por outros artigos distribuídos ao longo da mencionada Constituição Federal de 1.988, segundo estudos , para Pedro Lenza:
Direitos Fundamentais são expressos ou são decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, ou ainda decorrentes dos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte. (LENZA, 2009: p. 59)
Constitucionalmente existe a forma expressa que concretiza o liame entre o direito do consumidor e os direitos fundamentais:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL CF 1988)
Também presente no Artigo 170 da Carta Magna:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor; (BRASIL CF 1988)
Hart (2009) destaca em seus estudos a ideia do conceito de justiça e direito, que explica o motivo pelo qual a proteção do consumidor passa a existir, uma vez que o desiquilíbrio neste setor é deveras reconhecido e deve haver uma restauração em prol da equidade:
O princípio geral latente nessas diversas aplicações da ideia de justiça é que os indivíduos fazem jus, uns em relação aos outros, a uma certa posição relativa de igualdade ou desigualdade. Isso é algo a ser respeitado nas vicissitudes da vida social, quando encargos ou benefícios têm de ser distribuídos; é também algo a ser restaurado, se tiver sido perturbado. Assim, considera-se tradicionalmente que a justiça mantém ou restaura um equilíbrio ou proporção, e seu princípio condutor se formula com a frase Devem-se tratar os casos iguais de forma igual, embora precisemos: e tratem-se os casos diferentes de forma diferente (HART, 2009: p. 138)
Para o autor, a justiça deve ser equiparada e sempre em prol do bem comum, e satisfeita em favor da sociedade, atingindo o maior número de pessoas, dessa forma:
Parece evidente que a justiça é nesse sentido, no mínimo uma condição necessária a ser satisfeita em qualquer escolha legislativa que se pretenda orientada pelo bem comum. (HART, 2009: p. 34)
Analisando os estudos de Hart, nota-se que a igualdade e equidade busca o símbolo da justiça, que prevê em sua luta o equilíbrio. Destarte, a intervenção estatal se faz necessária, na forma da legislação, para conferir essa igualdade entre os desiguais. Considerando o status de vulnerabilidade, que se dá devido á uma situação fática, reconhece o Estado o Direito desses que necessitam de sua tutela, como o consumidor, o trabalhador no Direito do Trabalho, os menores no Estatuto do Menor e do Adolescente, e assim por diante.
Os Tribunais pátrios confirmam o Direito do Consumidor e as praticas abusivas como um desrespeito aos Direitos Fundamentais, devendo ser reparado:
TJ-RS - Apelação Cível AC 70053282539 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 09/05/2013
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EFICÁCIA DOSDIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS. CONCENTRE SCORING. ART. 43 DO CDC. COMUNICAÇÃO AO CONSUMIDOR ACERCA DA ABERTURA DO CADASTRO. NECESSIDADE. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. APELO PROVIDO EM PARTE POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70053282539, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, Julgado em 25/04/2013)
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STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE 201819 RJ (STF)
Data de publicação: 27/10/2006
Ementa: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NASRELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO...
Encontrado em: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. INGO WOLFGANG SARLETA EFICÁCIA DOS DIREITOS.DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS
ÀS RELAÇÕES PRIVADAS, "IN". PAULO GUSTAVO GONET BRANCOASSOCIAÇÕES, EXPULSÃO DE SÓCIOS... FUNDAMENTAIS. THIAGO LUÍS SANTOS SOMBRA A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES. (GRIFO NOSSO)
O motivo e interesses do Código de Defesa do Consumidor não é privilegiar o consumidor em suas relações, todavia, busca reconhecer a hipossuficiência deste frente ao grande fabricante e as praticas utilizadas como o contrato de adesão, simplesmente empurradas ao cliente. Dessa forma, busca submeter esses atos a um equilíbrio nessa relação jurídica de consumo, utilizando-se do principio da isonomia, que evita abusos do fornecedor bem como evita a supremacia daquele que é protegido pela lei, o consumidor. Neste interim, Nelson Ney Junior ensina que:
O Código pretende desestimular o fornecedor do espírito de praticar condutas desleais ou abusivas, e o consumidor de aproveitar-se do regime do Código para reclamar infundadamente pretensos direitos a ele conferidos. (NERY JUNIOR, 1992: p. 14).
É destaque na lição acima que deve existir uma coesão dos interesses que regem as ações do consumidor e fornecedor, compatibilizando-os, sempre havendo o entendimento real de que direitos e deveres postos não excluem os do outro, regidos por um principio de boa fé.
Requer também o direito do consumidor o atendimento digno, uma vez preconizado pelos princípios eu regem a dignidade da pessoa, aqueles que fazem as partes em uma relação de consumo têm a comum responsabilidade da colaboração reciproca, cooperação evidente que conduza a todos a atingir os objetos iniciais com toda lisura.
Cláudia Lima Marques afirma que o constituinte originário ao incluir a proteção ao consumidor no rol dos direitos e garantias fundamentais, estabelece que o papel da Constituição é desempenhar de “forma centralizada todo o sistema jurídico de direito privado.” (MARQUES, 2009: p. 35) Assim, Azevedo preleciona que:
Há, por assim dizer, uma ruptura com a tradicional dicotomia direito público (Constituição) – direito privado (Codificações) e o surgimento de uma relação de submissão – não apenas formal (hierárquica), mas principalmente material (de conteúdo) – das normas codificadas e extravagantes às normas constitucionais, compreendidas como normas fundamentais do direito privado.(AZEVEDO, 2009: p. 34)
Dessa forma, a constitucionalização do direito privado passou a conferir aos negócios, antes apenas respondendo ao Códex Civilista, também o status de norma infraconstitucional, isso significa que todas as outras normas devem seguir o crivo da Constituição. A constitucionalização tem por base submeter todas as normas infraconstitucionais ao fito da Constituição do País, que tem por ordem o Estado Social de direito. Ordens e princípios constitucionais são seguidos fielmente pelas leis e legisladores desde então, como base fundamental. Assim, ensina Paulo Lobo:
A perspectiva da Constituição, crisol das transformações sociais, tem contribuído para a renovação dos estudos do direito civil, que se nota, de modo alvissareiro, nos trabalhos produzidos pelos civilistas na atualidade, no sentido de reconduzi-lo ao destino histórico de direito de todas as pessoas humanas. (LOBO, 2013: p. 39)
Após os estudos acerca a historia e a constitucionalização das leis infraconstitucionais, entre elas, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, reconhecido como garantia fundamental, o capítulo seguinte traz um breve estudo que analisa se há eficiência normativa da referida lei.
3 A EFICIENCIA DO MICROSSISTEMA NORMATIVO
3.1 O Direito como Sistema
Entender o direito como sistema definido por regras que guardam relações de coerência entre si, delineando interdependência e hierarquia é concluir que a lei apenas é válida ao atingir e respeitar a sua hierarquia, no caso em estudo, a Constituição. Miguel Reale ressalta que:
Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum, numa estrutura tridimensional bilateral atributiva. (REALE, 1999: p. 116)
A ideia de sistema enseja uma multiplicidade de aspectos, exigindo um primeiro exame dos seus significados. A palavra é grega (systema) que provem de syn-istemi, palavra essa que significa composto, construído. Em sua concepção mais ampla implicava na ideia de uma totalidade construída, composta por varias partes. Teria evoluído para uma noção de ordem, organização, e passou a indicar uma ordem universal em uma totalidade estruturada. A partir do séc. XVIII o sistema passou a ser conhecido como o método geral que orienta o código, ou seja, um conjunto de normas coerentes que intercalam entre si, e assim até os dias de hoje. (FERRAZ Jr., 1976: p. 9)
Um aspecto peculiar de sistema é o conceito de CHIOVENDA, para ele, o sistema se entende não como coisa diversa da lei, mas sim, um modo de entender nossa lei, como modo de suprir as lacunas e defeitos que não se podiam evitar que ocorressem na época em que fora escrita. (CHIOVENDA, 1949: p.377)
PONTES DE MIRANDA afirma que “sistemas jurídicos são sistemas lógicos compostos de proposições.” (MIRANDA, 1970, p. 75.) Para o estudioso, essas proposições ou seja, as regras jurídicas, preveem que tais situações ocorrem e incidem sobre elas, como se as marcassem. Assim sendo, o objeto do sistema jurídico são as normas e sua coesão pode ser verificada através das relações intrasistemáticas de derivação e fundamentação que conduzem claramente a uma inevitável hierarquia. Há compatibilidade entre as normas de grau superior e de grau inferior e relações de compatibilidade horizontal, ou seja, entre as normas de hierarquia igual.
O sistema comporta diversos subsistemas, dentre as relações das normas jurídicas entre si e sua classificação. O direito material e o direito formal e as normas processais são distinguidas na doutrina como subsistemas completos. (AFTALIÓN, OLANO & VILANOVA, 1972: p. 87)
Há outros fatores a serem estudados que definem o Direito como sistema, seu vocabulário é especifico, completo e rico em sua peculiaridade, suas categorias e conceitos com seus institutos e figuras que o definem, bem como os princípios monovalentes que são validos para a ciência do Direito, definidos aqui como os fundamentais, no caso, a Constituição Maior, e as especiais que são as regras e normas infraconstitucionais.
Os princípios informativos garantem a unidade do sistema, exemplo desses é a não contradição, ou seja, o sistema coerente. Há apenas uma unidade de comando, uma voz, que é a Constituição Maior. Preenche as lacunas da lei pela analogia, possuem plenitude lógica que são as normas jurídicas que passam em categorias crescentes e diferentes gêneros, a norma deve ser abstrata para garantir sua identidade conceitual, deve então prever as situações.
Ao analisar e interpretar o direito como sistema, pode-se concluir que todas as normas e regras partem do pressuposto Constitucional e que não devem, fugir de seu âmbito nem de sua linha de expor e pensar o direito. O Código de Proteção ao Consumidor visa, como estudado, os assuntos trazidos pelo Art. 5 da CF/1988, como seus princípios basilares, sendo assim, uma parte da engrenagem do sistema do direito, obedecendo ao seu motor principal.
3.2 A Eficiência da Norma
Os princípios que fundam o Código de Defesa do Consumidor, ao entendermos esse aparato legal como um subsistema, configurado ás bases da CF 1988, são os que diferem o rol normativo dando a ele um tom diferenciado dos demais. Isso porque, ao envolver apenas os atores da economia do mercado, o consumidor e o produtor, fabricante ou vendedor, o legislador trouxe certa peculiaridade ao CDC. É mister destacar que aquilo que vem positivado na Norma Maior e que se segue como principio no CDC e o que o diferencia é considerar o direito do consumidor em um direito fundamental tutelado pelo Estado em seu artigo 5° XXXII. Outro importante destaque é trazido pelo artigo 4°, I, do CDC:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. (Lei 8078/1990)
Ao reconhecer a vulnerabilidade do consumidor diante o mercado a ferramenta legal pode ser utilizada em prol de uma igualdade, estabelecendo de fato, em sentido latu sensu, que o consumidor possui desvantagem econômica frente ao mercado de consumo, sendo ele a parte mais fraca dessa relação, destarte, hipossuficiente economicamente e tecnicamente, bem como preleciona Kildare Gonçalves Carvalho:
O Consumidor se fragiliza em seu poder de negociação, o que leva à necessidade de coibir práticas ilícitas resultantes de um sistema econômico competitivo, que nem sempre respeita os valores éticos, causando variados danos ao consumidor, no que diz respeito à sua vida, privacidade e interesses econômicos ou a outros bens. (CARVALHO, 2009: p. 728)
Para Flavio Tartuce, o conceito de hipossuficiência se trata de um conceito fático e não jurídico, que se afirma diante a uma disparidade ou a alguma discrepância que é notada no caso concreto:
...o conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento (...) (TARTUCE, 2013: p. 34)
No entanto, a vulnerabilidade técnica, segundo Felipe Braga Netto significa:
Na vulnerabilidade técnica, o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços. (NETTO, 2011: p. 48)
Nesse sentido, a afirmação da disparidade entre conhecimentos técnicos sobre o material do consumidor e fornecedor também enseja hipossuficiência, uma vez que existe aí o encontro entre o expert da relação e o leigo. A partir do conceito de vulnerabilidade o Código traz em seu artigo 6°, VIII:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (Lei 8078/1990)
O artigo 333 do Código de Processo Civil traz em sua redação que o ônus da prova deve ser atribuído ao autor quanto ao fato constitutivo do direito que lhe pertence ou ao réu quando existir qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Todavia, Marinoni e Mitidiero lecionam a respeito da dinamização do ônus da prova:
De outro lado, o ônus da prova pode ser atribuído de maneira dinâmica, a partir do caso concreto pelo juiz da causa, a fim de atender à paridade de armas entre os litigantes e às especificidades do direito material afirmado em juízo. Não há nenhum óbice constitucional ou infraconstitucional à dinamização do ônus da prova no processo civil brasileiro. Muito pelo contrário. À vista de determinados casos concretos, pode se afigurar insuficiente, para promover o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, uma regulação fixa do ônus da prova, em que se reparte prévia, abstrata e aprioristicamente o encargo de provar. Em semelhantes situações, tem o órgão jurisdicional, atento à circunstância de o direito fundamental ao processo justo implicar direito fundamental à prova, dinamizar o ônus da prova, atribuindo-o a quem se encontre em melhores condições de provar. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 335)
Dessa forma, alcançar a verdade no conceito da prova a ser apresentada pela parte hipossuficiente não seria de toda valia, quando esta não possui conhecimentos técnicos a respeito do produto, nem teria condições materiais para fazer valer seu ponto de vista. Neste sentido, Marinoni acrescenta:
Por hipossuficiência, aqui, deve-se entender a impossibilidade de prova – ou de esclarecimento da relação de causalidade – trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção – por parte do fabricante ou do fornecedor. A hipossuficiência importa quando há inesclarecibilidade da relação de causalidade e essa impossibilidade de esclarecimento foi causada pela própria violação da norma de proteção (MARINONI, 2008: p. 278)
A jurisprudência atual nesse sentido é amplamente favorável ao consumidor:
TJ-RS - Apelação Cível AC 70061078689 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 08/09/2014
Ementa: PARAFISCAL. HIDRÔMETRO. VIOLAÇÃO. AUTORIA. FALTA DE PROVA.ART, 6º, VIII, CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PAR. ÚNICO, CDC. EQUÍVOCO JUSTIFICÁVEL. A imposição de multa, por atribuir-se ao consumidor violação de hidrômetro, reclama mínima demonstração quanto à autoria, quanto ao que a prova dos autos não autoriza atribuir-se à consumidora, não fosse tocar à fornecedora dos serviços ônus da prova, ut art. 6º, VIII, CDC. A condenação à devolução em dobro é de ser afastada quando a cobrança deriva de erro manifestamente justificado. (Apelação Cível Nº 70061078689, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 03/09/2014)
Além desta, o artigo 47 dispõe sobre as clausulas contratuais e que estas devem favorecer ao consumidor em qualquer contrato de consumo:
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Sobre este assunto, muito se tem discutido nos Tribunais pátrios:
TJ-SC - Apelação Cível AC 20130086402 SC 2013.008640-2 (Acórdão) (TJ-SC)
Data de publicação: 07/08/2013
Ementa: DIREITO OBRIGACIONAL. COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. INVALIDEZ TOTAL EM DECORRÊNCIA DE DOENÇA (DEGENERAÇÃO DOS OMBROS). APOSENTADORIA CONCEDIDA PELO INSS. NEGATIVA DA SEGURADORA. DIREITO À INDENIZAÇÃO CONTRATADA. PAGAMENTO DA COBERTURA SECURITÁRIA SUJEITA À CLÁUSULA EXCESSIVAMENTE ONEROSA AO SEGURADO. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR (ART. 47 , CDC ). CAPITAL SEGURADO ESTIPULADO DE ACORDO COM A APÓLICE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Para vingar pedido de indenização decorrente de contratação de seguro de vida, constitui prova suficiente, entre outras, o deferimento, pelo INSS, em favor do segurado, do respectivo pedido de aposentadoria por invalidez decorrente de comprovada doença incapacitante. 2. Em tema de contrato de seguro de vida, ocorrido o sinistro, à seguradora não é lícito negar o adimplemento da indenização com base em condição excessivamente onerosa ao contratante do seguro - prova da perda do pleno exercício de todas as suas atividades autonômicas, físicas ou psíquicas - pois assim a condição para o cumprimento da avença só se caracterizaria se o segurado atingisse estágio de vida vegetativa, o que, além de ilegal, soa proverbialmente um disparate.
Os princípios da Boa Fé, equidade e equilíbrio que devem reger o mercado de consumo (ART. 4°, III, a solidariedade legal daqueles que causarem danos (Artigo 7°, Parágrafo Único), a proibição das clausulas abusivas com imputação de nulidade contratual (Artigo 6°, IV e Artigo 51), a interpretação mais favorável ao consumidor (Artigo 47), a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (Artigo 28) perfazem por si, a eficiência do Código de Defesa do Consumidor. Segundo Fernando Borges da Silva:
Tais Princípios, somados às disposições relativas à defesa do consumidor em juízo (art. 81 e Ss.) e a disciplina adotada para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fizeram do CDC uma norma moderna e eficiente, com regras e instrumentos adequados para a defesa do consumidor no mercado de consumo - em regra inaplicáveis em outras relações jurídicas. Essa eficiência tem se destacado com a crescente conscientização de que o CDC não visa a ruína de nenhum dos atores da relação de consumo. Visa sim assegurar o desenvolvimento econômico fundado tanto na economia de mercado e na livre concorrência, como na valorização do trabalho humano e na existência digna da pessoa humana, conforme os ditames da justiça social estabelecidos na Constituição Federal. É isso que o tem tornado eficiente.[1]
Destarte, se faz importante o estudo a respeito de como os contratos e suas regulamentações definidas pelo direito civil, seus princípios legais e bases consuetudinárias enxergam a mudança de paradigma que ocorreu com o advento do CDC, e, como se define nos dias contemporâneos o principio do pacta sunt servanda nas clausulas contratuais regidas pelo direito consumerista. Esse é o estudo realizado no capitulo que virá.
4 O PRINCIPIO DO PACTA SUNT SERVANDA E O CDC
A época que antecedeu a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor trazia o Código Civil como regulador único dos das relações entre o consumidor e o fornecedor de produto ou e serviço. Esta fase concentra-se em um Estado Liberal onde a autonomia da vontade prevalecia e após firmado o acordo, mesmo que esse gerasse injustiças posteriores, deveria ser cumprido. Esse foi o período em que o Estado pouco, ou quase nada, se envolvia nos assuntos que envolvessem os acordos particulares, em um mercado que pouco prezava pela qualidade do produto e que apenas o lucro. Conforme estudado, o advento da Constituição em 1988 mudou o paradigma reinante e todos os contratos teriam então que passar pelo crivo dos basilares princípios de direito, entre eles, o principio da boa fé, igualdade e legalidade. Dessa forma, dois anos após a Carta Magna, o Código de Defesa do Consumidor criou um novo elo entre a autonomia da vontade e os princípios citados acima. A ductilidade da Constituição e a fruição das normas infraconstitucionais para os legados e mandamentos da Lei Maior tornaram o direito reconhecidamente, como o Direito do Estado Social e não mais o liberalismo econômico em que se situavam as leis, determinando o fim de um darwinismo da economia, onde o mais forte prevalecia sobre a parte hipossuficiente.
Assim, o CDC traz em seu artigo 51 uma completa lista que exemplifica as clausulas abusivas que podem causar o detrimento do consumidor frente ao fornecedor, criando um abismo entre os dois. O contrato de adesão é uma maneira de fazer com que essa relação de desiquilíbrio se torne ainda mais evidente. Dessa forma, o CDC traz em seu artigo 54 a definição do que vem a ser o famigerado contrato de adesão:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (Lei 8078/1990)
Fica claro, então, que, o direito contratual não mais fica apenas aos encargos das partes e da força obrigatória dos contratos, mas sim, é regido pelo dirigismo estatal tendo todos os seus princípios relativizados pela função social do contrato, boa fé e pelo principio da onerosidade excessiva, ao observar a supremacia da ordem publica, a moral e os bons costumes. Theodoro Júnior menciona sobre o assunto que:
É inegável, nos temos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de direito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob “efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos”. (THEODORO JUNIOR, 2004: p. 06):
Para Fabio Ulhôa Coelho a função social do contrato reverencia interesses maiores do que apenas os interesses dos contratantes, e que a nulidade do negocio jurídico e a responsabilidade dos contratantes e a indenização pelos danos são a consequência da inobservância da clausula geral que traz a função social do contrato:
Cumpre sua função social o contrato que não sacrifica, compromete ou lesa interesses metaindividuais (públicos, difusos ou coletivos) acerca dos quais não têm os contratantes a disponibilidade. O contrato que descumpre a função social, prejudicando interesses dessa ordem, é nulo. (ULHOA COELHO, 2010: p. 52)
O brocardo latim que institui “os contratos existem para serem cumpridos”, ou seja, o Pacta sunt servanda, era visto como uma norma que vigorava dentro das leis de direito com real fonte e valor jurídico. O Principio da Força Obrigatória dos Contratos agia de forma a deixar claro que o contrato faz lei entre as partes, não importando a situação.
Todavia, essa concepção individualista, ao perder sua força para o contexto coletivo tem o seu entendimento alterado, uma vez que o contrato faz lei entre as partes e obriga os contratantes uma vez que seja respeitado de fato todos os limites e princípios fixados por lei infraconstitucional, no caso, e por consequência, pela Norma Maior. Renata Mandelbaum leciona que:
Como já visto, estamos diante da decadência do princípio da autonomia da vontade em razão de ter escoado o momento político e econômico em que fora possível, e até mesmo necessária, a sua formação. Estamos hoje frente a uma nova realidade, que não admite a aplicação plena do ‘pacta sunt servanda’. Para exprimir a transição dos contratos e da expressão da vontade, observando que esta não tinha mais autonomia, imperando a determinação do mais forte sobre o economicamente mais fraco, o que se busca é impedir o ilimitado exercício dos direitos individuais" e que Antes mesmo de romper-se com a questão do dogma da autonomia da vontade, falava-se em sua limitação, tendo cada ordenamento através de leis específicas, para situações concretas, determinadas em razão da necessidade do tráfico negocial, imposto limitações ao poder de contratar das partes. Em resumo, observe-se que inicialmente a autonomia da vontade era limitada pela impossibilidade de serem firmados pelos particulares, negócios ilegais ou imorais, sendo que a ilegalidade era observada não somente como fraude a lei, mas a toda a ordem pública. (MANDELBAUM, 1996: p. 78)
Se ocorrer a utilização do pacta sunt servanda em relações de consumo existe então uma afronta a garantia fundamental de cada cidadão, nesse caso, o entendimento do douto Rizzato Nunes, afirmando que tal brocardo não é ideal nem serve para as relações de consumo:
Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é completamente equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Na verdade, o consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços postos e ofertados segundo regramentos que o CDC agora pretende controlar, e de forma inteligente. O problema é que a aplicação da lei civil assim como a memória dos operadores do direito geram toda sorte de equívocos. (NUNES, 2010: p.43.)
Destarte, o novo período econômico em condiciona a liberdade de contratar e ocorrendo fatos supervenientes que rompam com a comutatividade do contrato, ou a presença de cláusulas que possam fixar obrigações desproporcionais, tornando-se extremamente onerosa para uma das partes, é admissível a revisão contratual. Assim, não existe violação do pacta sunt servanda, ainda que se tenha a revisão contratual. Diante a isso se nota que a flexibilização do pacta sunt servanda se deu devido ao princípio da onerosidade excessiva e função social do contrato. Corroborando o entendimento, foi proferida decisão na Apelação Cível n 2013.040101-3, nesse contexto, elucidam o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. Sentença que julga parcialmente procedentes os pedidos vazados no pórtico inaugural. Insurgência parcial do consumidor. [...] código de defesa do consumidor. Incidência. Exegese da súmula 297 do superior tribunal de justiça. Princípios do pacta sunt servanda e autonomia da vontade que cedem espaço, por serem genéricos, à norma específica do art. 6º, inciso v, da lei 8.078/90. Possibilidade de revisão do contrato, nos limites do pedido do devedor. inteligência dos arts. 2º, 128, 460 e 515, todos do Código de Processo Civil (Santa Catarina, 2013).
Nota-se que o real intuito da flexibilização não se refere ao modificar as clausulas estipuladas nem ferir a autonomia da vontade, mas sim, excluir aquelas que não buscam a função social do contrato nem a boa fé objetiva. Esse dever modificar leva em conta o equilíbrio contratual. Em primeiro plano, o real intuito da flexibilização abstém-se em modificar livremente as cláusulas e de excluir, como um todo, a autonomia da vontade, mas de preservar a função social do contrato e a boa-fé objetiva, objetivando a manutenção do equilíbrio contratual. Extrai-se da doutrina da Cláudia Marques (MARQUES, 2004: p. 766)
O Código de Defesa do Consumidor inova consideravelmente o espírito do direito das obrigações, e relativa à máxima pacta sunt servanda. A nova lei vale reduzir o espaço antes reservado para autonomia de vontade, proibindo que se pactuem determinadas cláusulas, vai impor normas imperativas, que visam proteger o consumidor, reequilibrando o contrato, garantindo as legítimas expectativas que depositou no vínculo contratual. A proteção do consumidor, o reequilíbrio contratual vem a posteriori, quando o contrato já está perfeito formalmente, quando o consumidor já manifestou sua vontade, livre e refletida, mas o resultado contratual ainda está inequiquativo. As normas proibitórias de cláusulas abusivas são normas de ordem pública, normas imperativas e inafastáveis pela vontade das partes. Estas normas do CDC aparecem como instrumento do direito para restabelecer o equilíbrio, para restabelecer a força da vontade, das expectativas legítimas, do consumidor, compensando, assim, sua vulnerabilidade fática. (MARQUES, 2004: p. 766)
Assim entende-se que a revisão contratual que tem por entendimento e principio o pacta sunt servanda trata de proteger o consumidor e manter o equilíbrio, ou melhor, reequilibrar a balança da relação obrigacional que já existe mantendo o vinculo, apenas amparando-lhe as arestas e ajeitando o que deve ser arrumado. O seguinte julgado exemplifica a sobreposição do pacta sunt servanda e esclarece alguns princípios:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. [...] INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O crédito fornecido ao consumidor/pessoa física para utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final se caracteriza como produto, importando no reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 instituiu o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato, especialmente, quando o fornecedor insere unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, suportadas exclusivamente pelo consumidor, como no caso concreto. [...] PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DO AUTOR IMPROVIDA E APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA EM PARTE (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
Quanto ao julgado acima descrito, há o ingresso do autor com ação revisional de contrato bancário. Tal ação tendo sido julgada procedente parcialmente em juízo de primeira instancia levou as partes a ingressarem com o recurso de apelação civil, quando o tribunal então julgou pelo provimento parcial daquilo que havia sido impugnado pela agencia bancaria. O que importa para o caso é a explanação do fato incorrendo no real principio do pacta sunt servanda:
Estando o contrato sub judice sujeito ao CDC, terá o consumidor o direito de revisar seus termos que entender ilegais ou abusivos. Em se tratando de contrato de adesão, resta claro que a única opção do autor, no que se refere às cláusulas estabelecidas, diz respeito somente entre sua aceitação ou não em relação ao conteúdo do contrato, sendo certo que este não possui nenhuma ingerência sobre sua elaboração, restando-lhe somente a opção entre aderir ou não às condições ali elencadas. Ademais, a revisão poderá ocorrer em virtude da mitigação do princípio da “Pacta Sunt Servanda”, para que seja evitada a onerosidade excessiva. 294 Nesse raciocínio, temos o art. 51, inciso IV do CDC, que determina a nulidade das cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou incompatíveis com a boa-fé. Deve-se ressaltar que não se está negando vigência ao princípio do Pacta Sunt Servanda, que faz lei entre as partes, mas somente afastá-lo em relação às cláusulas abusivas, ou seja, as que geraram a situação de desequilíbrio entre as partes. Portanto, prevalece, atualmente, o princípio da relatividade do contrato, como forma de assegurar o equilíbrio da relação contratual (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
Destarte, há o entendimento que o consumidor deve revisar aquele contrato quando entender que seus termos constituem um abuso ou até mesmo quando ensejarem alguma ilegalidade. Há de fato, a possibilidade de rever o contrato quando se tratar de um contrato de adesão, uma vez que, como estudado, não é dado ao consumidor suporte jurídico nem chances de opinar naquilo que contem o contrato, ficando apenas responsável por aderir ou não aquilo que esta imposto. Assim, conforme relato no acordão acima verificado, o principio do pacta sunt servanda é flexibilizado, sendo afastado no tocante aos seus traços abusivos ou desrespeitosos ao principio da boa fé. Emblematicamente, há a busca da relação sadia e justa, buscando manter a relação.
A seguinte jurisprudência foi julgada no Tribunal de Justiça fluminense e traz a condenação de empresa de telefonia móvel aos danos extrapatrimoniais, causados pela promessa de um melhor plano ao migrar de um plano ao outro, cancelando injustificadamente a linha após acordo, ferindo os princípios aqui estudados:
TJ-RJ - APELACAO APL 01238594120068190001 RJ 0123859-41.2006.8.19.0001 (TJ-RJ)
Data de publicação: 16/01/2014
Ementa: APELAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEMANDA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. EMPRESA VIVO. MIGRAÇÃO DE PLANO COM PROMESSA AOS CONSUMIDORES DE RECEBIMENTO DE APARELHOS NOVOS. POSTERIOR CANCELAMENTO DAS LINHAS SEM JUSTIFICATIVA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL, APENAS CONDENANDO A CONCESSIONÁRIA AO PAGAMENTO PELOS DANOS MATERIAIS. RECURSO DOS AUTORES. Provimento de plano. Negligência e imprudência configuradas. Dano moral caracterizado. art. 186 c/c art. 927 e parágrafo único, do CCB/02 c/c art. 5º , v e x , da cf/88 . abuso de direito em ofensa aos limites protetivos do CDC e dignidade da pessoa humana. Continuidade do serviço contratado. I Conforme entendimento jurisprudencial desta Egrégia Corte, a conduta da empresa de telefonia móvel ultrapassou o limite do mero aborrecimento experimentado na vida em sociedade, eis que vulnerada a boa-fé objetiva prevista no artigo 422 do CCB, eivando o ato de ilegalidade; II - Comete ato ilícito a operadora de telefonia celular que suspende, unilateralmente e de modo injustificável, os serviços ao consumidor com a alegação de suspeita de fraude, deixando o consumidor sem o serviço contratado e de extrema utilidade. Art. 187 , do CCB/02 . Configurado o abuso de direito; III - O valor que melhor atende aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, sem descurar do viés punitivo/pedagógico da medida, é o de R$3.000,00 IV - Aplicação do enunciado -Aviso TJ Nº 94 - "17. A INDEVIDA INTERRUPÇÃO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS DE ÁGUA, ENERGIA ELÉTRICA, TELEFONE E GÁS CONFIGURA DANO MORAL". (PRECEDENTES: APCV 2009.001.30738, TJERJ, 5ª C. CÍVEL, JULGADA EM 25/08/2009. APCV 2009.001.47615, TJERJ, 16ª C. CÍVEL, JULGADA EM 25/08/2009). Precedentes. Recurso a que se dá provimento, de plano, com fulcro no artigo 557 , § 1º-A, do CPC , apenas para condenar a apelada ao pagamento de R$3.000,00 (três mil reais), a título de indenização por dano extrapatrimonial, acrescidos dos juros legais desde a citação até o efetivo pagamento e atualização monetária pela Ufir a partir desta data, bem como custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no patamar de 10% sobre o valor da condenação... (GRIFO NOSSO)
Assim, por fim, nota-se que o Código de Defesa do Consumidor, ante ao que foi exposto nesse artigo, não adquiriu função protetora de uma classe deteriorando outra, nem supervalorizando situações ocorridas em prol do consumidor. Passou a existir com o CDC a maior proteção dos preceitos constitucionais, que acima de tudo, preza pelo bem estar social e pela dignidade da pessoa, itens fundamentais no Estado Social de Direito em que se vive.
Preceituar a norma infraconstitucional como defensora exclusiva dos direitos do consumidor é não levar em conta anos de história e lutas de classe que nos rumaram até esse acordo legal que não apenas protege os hipossuficientes nas relações de consumo, mas sim, considera os preceitos constitucionais válidos e que transformaram a historia do direito brasileiro.
CONCLUSÃO
O advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990 preconizou os princípios trazidos pela Constituição Federal, promulgada apenas dois anos antes. Neste ato, considera a constitucionalização do direito civil um marco, que foi defendido pelo CDC e por suas normas que visavam não apenas a proteção do hipossuficiente em uma relação de consumo, mas também, afirmar a ductilidade que deve haver em normas infraconstitucionais e a Norma Maior. A lei consumerista surgiu em uma época histórica de interessantes nuances e muitas mudanças, entre elas, uma nova Republica e uma nova Lei, além de novas perspectivas sociais que esse novo mundo jurídico trazia.
Importante frisar que o Direito do Consumidor, após a CF de 1988, passa a ser de fato reconhecido como um direito fundamental, apregoado pela dignidade da pessoa, respaldada pela Carta Maior, entrando assim em vigor um novo paradigma: antes a dignidade e o trato social ao individual.
Rompendo deveras com a tradição do Direito Civil que obtinha o dogma liberal, em atenção aos contratos, o novo Código consumerista, seguindo os preceitos basilares e constitucionais atentou assim para as bases principiológicas da boa fé desse contrato, a função social do contrato, e principalmente, para o antigo jargão que dominava a doutrina: o pacta sunt servanda. Os contratos devem ser respeitados, sem dúvida, porem que estes contratos tenham sido iniciados com o pé direito dentro daquilo que se pode esperar do fumus boni Iuri e das boas práticas de civilidade e honestidade dentro de uma sociedade. Tal societas se funda agora em principais metas estabelecidas e que introduzem o trato social na esfera particular dos contratos. Assim quis o legislador que, o CDC fizesse parte da vida de todos, uma vez que todos somos consumidores. Dessa forma, o âmbito de tal lei cresceu indeterminadamente, sendo utilizada em prol dos hipossuficientes em uma relação de consumo. O pensar do CDC é simples e sua aplicação não visa o detrimento do fornecedor ou produtor do bem posto em venda, mas sim, identificar vícios que antes, com o mercado extremamente capitalista fomentando a venda e mais venda, o crescimento das fabricas que apenas buscavam lucro, não haviam espaços para a qualidade. Essa busca para a qualidade resultou também em uma significativa mudança para o trabalhador do chão de fábrica, que merecia um melhor ambiente para seus afazeres e assim, há maior qualidade nos produtos. Grosso modo, o advento de leis como o CDC iniciou uma mudança de mentalidade em todos os envolvidos, desde o consumidor até o produtor, reorganizando aspectos até outrora esquecidos.
Todo consumidor é hipossuficiente diante o fornecedor, e ao adquirir um objeto ou coisa para consumo próprio, na maior parte das vezes, o consumidor não se importa com as normas técnicas do produto, causando assim, além de uma hipossuficiência financeira a hipossuficiência técnica. Outro conceito alterado foram os contratos de adesão, o que ressalta essa hipossuficiência uma vez que ao consumidor era esperado apenas que aceitasse tal contrato ou não, pois não participava da formação do mesmo.
Assim, a proteção contra certas clausulas abusivas veio a ser um dos mais importantes pilares da defesa do consumidor, que, respaldado pelo artigo 47 do CDC que diz que todo contrato de consumo será interpretado de maneira mais favorável ao consumidor, não apenas as clausulas de adesão.
Destarte, a pacta sunt servanda passou por uma deveras transformação, cedendo ás exigências da ordem pública, limitando assim, a autonomia da vontade frente ao interesse geral da coletividade.
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http://www.jusbrasil.com.br/artigos/busca?q=cdc Acessado em Abril 2015
Advogado especializado em Direito Penal. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional e Pós Graduação pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal. É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com enfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal. Associado aos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Iverson Kech. O Código de Defesa do Consumidor e o princípio do pacta sunt servanda Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45848/o-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-o-principio-do-pacta-sunt-servanda. Acesso em: 02 nov 2024.
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