RESUMO: O presente estudo tem por objetivo fazer um estudo mais aprofundado dos elementos do dolo, partindo dos componentes do dolo normativo e passando aos do dolo natural, deslocando-se a consciência da ilicitude do fato para a culpabilidade (um dos substratos do crime) e modificando-se para potencial e não mais atual.
Palavras-Chave: Dolo; Elementos do Dolo; Vontade; Representação; Consciência da Ilicitude.
INTRODUÇÃO
No presente artigo, busca-se fazer uma análise dos elementos do dolo, seja o natural seja o normativo.
O artigo se faz relevante devido à falta de tratamento pormenor dos autores em seus manuais de direito penal parte geral, visando à colheita e unificação dos diferentes ensinamentos dos grandes penalistas, prestigiando-se sempre a simplicidade.
Primeiramente se fará uma diferenciação breve entre dolo normativo e dolo natural, passando-se, após isso, à análise dos elementos propriamente ditos.
Dentre os elementos, será visto inicialmente a representação e, logo em seguida, a vontade.
Concluindo o artigo, serão apresentadas a ausência e a falha nos elementos do dolo e sua consequência.
DESENVOLVIMENTO
Para entender-se o dolo normativo e o dolo natural de maneira mais simplificada, usar-se-á de diferenciação entre ambos.
A primeira diferença entre o dolo normativo e natural é a corrente que os defende. O dolo normativo é defendido pela teoria neokantista (teoria extremada de dolo); já o dolo natural, pela teoria finalista (teoria limitada de dolo).
Outra diferença é quanto ao elemento do crime que o dolo deve integrar. A maioria da doutrina segue a teoria analítica tripartite de crime, segundo a qual o crime é composto por 3 (três) substratos: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Os defensores do dolo normativo afirmam que ele integra a culpabilidade; os do dolo natural entendem que ele integra o fato típico, mas precisamente, a conduta.
A terceira e última diferença se dá nos elementos integrantes do dolo. O dolo normativo é composto de 3 (três) elementos: consciência, vontade e consciência atual da ilicitude (elemento normativo). Por fim, o dolo natural é composto de consciência e vontade, mudando a consciência atual da ilicitude para potencial conhecimento da ilicitude e migrando para a culpabilidade.
Conforme os ensinamentos de Assis Toledo,
A teoria extremada do dolo – a mais antiga – situa o dolo na culpabilidade e a consciência da ilicitude no próprio dolo. O dolo é, pois, um dolo normativo, o dolus malus dos romanos, ou seja: vontade, previsão e mais o conhecimento de que se realiza uma conduta proibida (consciência atual da ilicitude). A teoria limitada do dolo quer ser um aperfeiçoamento da anterior, pois desta não diverge a não ser em alguns pontos: substitui o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento potencial da ilicitude; além disso, exige a consciência da ilicitude material, não puramente formal [1].
Desta forma, inicialmente, entendia-se que o dolo era composto por 3 (três) elementos: vontade, representação e consciência atual da ilicitude. Entrementes, hodiernamente, o dolo é composto de 2 (dois) elementos: vontade (elemento volitivo) e representação (elemento cognitivo).
A representação (a qual é o elemento intelectual ou cognitivo do dolo) nada mais é do que o conhecimento, por parte do agente, de todos os contornos típicos de sua conduta, cabendo destacar que “é desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição da figura típica” [2]. David Medina adverte que:
Muñoz Conde e García Arán advertem não ser imperioso que o agente conheça outros elementos pertencentes à antijuridicidade, à culpabilidade ou à pena. O conhecimento destes elementos pode ser necessário a outros efeitos, por exemplo, para qualificar a ação como antijurídica, culpável ou punível, mas não para tipificá-la [3].
No que tange ao conhecimento dos elementos normativos (como, por exemplo, o conhecimento, no furto, que a coisa é alheia), Zaffaroni e Pierangeli fazem uma observação necessária: dispondo ser necessário o conhecimento dos elementos normativos do tipo, mas ressalvando que “não se trata de que o sujeito ativo tenha um conhecimento técnico da lei, bastando que possua o chamado “conhecimento paralelo na esfera do profano” ou a ‘valoração paralela do leigo’” [4].
Esse conhecimento “deve existir ao tempo da execução do crime e não depois de consumado; mas isso não significa que deva existir durante toda a fase de execução, pois mesmo que o agente desista ou se arrependa e tente inutilmente evitá-lo, responderá por crime doloso” [5]. Entretanto, “não basta a existência de dolo antecedente à execução, porque o dolo na fase de cogitação e preparação não é punível” [6], ressalvado os casos em que a lei pune os atos preparatórios, como ocorre no crime de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal), cabendo destacar que a cogitação não poderá ser punível em nenhuma hipótese, em apresso ao princípio da lesividade, porquanto configura um estado interno do agente, não excedendo o âmbito do próprio autor.
Zaffaroni e Pierangeli afirmam que o conhecimento deve ser atual ou atualizável; conhecimento atual é “o que temos acerca de um objeto, quando sobre ele focalizamos nossa atividade consciente” [7], e conhecimento atualizável é aquele que pode ser recordado (está na mente do agente), mas não é por ele efetivamente focalizado (pensado nele). Portanto, o conhecimento atualizável permanecerá assim até que o agente pense nele (focalizando-o), momento em que passará a ser conhecimento efetivo. “O dolo requer sempre um certo grau de atualização do conhecimento” [8].
A vontade é o que controla o comportamento e permite a tomada de atitudes pelo indivíduo e o controle de impulsos. Conforme ensina Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, “a vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada; a vontade sempre é vontade de algo, isto é, a vontade sempre tem um conteúdo, que é uma finalidade” [9].
Juarez Cirino dos Santos ainda afirma que o elemento volitivo do dolo deve apresentar duas características, veja-se o ensinamento desse grande estudioso do direito penal:
A vontade, definida como querer realizar o tipo objetivo de um crime, deve apresentar duas características para constituir elemento do dolo: a) a vontade deve ser incondicionada, como decisão de ação já definida (se A pega uma arma sem saber se fere ou ameaça B, não há, ainda, vontade de ferir ou de ameaçar um ser humano); b) a vontade deve ser capaz de influenciar o acontecimento real, permitindo definir o resultado típico como obra do autor, e não como esperança ou desejo deste (se A envia B à floresta, durante a formação de uma tempestade, na esperança de que um raio o fulmine, não existe vontade como elemento do dolo, ainda que, de fato, B seja fulminado por um raio, porque o acontecimento concreto situa-se além do poder de influência do autor) [10].
Visto isso, veja-se o efeito da ausência de um ou outro elemento componente do dolo.
A ausência de representação ou representação defeituosa ocorre quando se tem uma interpretação equivocada da realidade, dando origem ao chamado erro de tipo (que será melhor estudado mais à frente).
Cite-se um exemplo sobre ausência de representação ou representação defeituosa: Joana, ao sair de um restaurante, acaba por pegar uma bolsa ao lado da sua, devido à grande semelhança entre elas. Tal defeito na representação assume relevância, tendo-se em vista que subtrair coisa alheia móvel configura o crime de furto (art. 155 do Código Penal Brasileiro). Tal defeito de representação tem o condão de excluir o dolo (que é formado pela vontade e pela representação), afastando-se a conduta do agente e, por consequência, o próprio fato típico (composto pela conduta, tipicidade, resultado e nexo causal). Isso porque Joana não tinha representação de que a bolsa subtraída por ela não era sua, ou seja, era coisa alheia móvel.
Já a ausência de vontade dirigida, direta ou indiretamente, ao resultado também implicará ausência de dolo, porquanto a vontade do agente não era dirigida para a realização daquele resultado produzido, o qual acaba se produzindo devido ao inadequado meio para atingir o seu objetivo. Há basicamente 4 (quatro) casos em que não haverá vontade e, por consequência, não haverá dolo: (1) força irresistível (caso fortuito ou força maior); (2) movimentos reflexos; (3) estado de inconsciência; (4) coação física irresistível.
Como exemplo de ausência de vontade, cite-se o seguinte exemplo: agente que, involuntariamente, esbarra em uma pessoa, causando-lhe lesões devido à queda.
CONCLUSÃO
Portanto, diante de tudo quanto exposto, viu-se a importância do entendimento mais preciso dos elementos do dolo, representação e vontade (no caso do dolo natural) ou representação, vontade e consciência atual da ilicitude do fato (no caso do dolo normativo).
Analisou-se a diferença entre dolo normativo e natural através de diferenciação entre ambos, além de cada um dos elementos do dolo. Ademais, sem prejuízo, a análise da falha ou ausência de cada um dos elementos.
REFERÊNCIAS
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[1] TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p 282-283
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p 399
[3] SILVA, David Medina da. O crime doloso. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2005, p 70
[4] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. v. 1. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p 423
[5] QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p 192
[6] QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p 192
[7] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. v. 1. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p 420 e 421
[8] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. v. 1. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p 421
[9] ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. v. 1. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p 414
[10] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 4. Ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p 127
Policial Rodoviário Federal lotado na 1º Delegacia da 15ª SRPRF/RN, Graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá, Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Tiago Marques. Elementos do dolo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45861/elementos-do-dolo. Acesso em: 02 nov 2024.
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