Sumário: 1 A responsabilidade civil do Estado. 2 Divergência de correntes na Suprema Corte. 3 Tendência atual. Conclusão. Referências.
1 A responsabilidade civil do Estado
A regra no direito administrativo brasileiro é a responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que assim preceitua:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A conduta descrita no dispositivo supracitado é comissiva, não havendo dúvidas quanto a isso. O problema surge quando se pretende imputar responsabilidade ao Estado em virtude de comportamentos omissivos.
Então, utiliza-se a Teoria da Culpa Administrativa, ensina Alexandrino (2013, p. 805):
A tese subjacente é que somente o dano decorrente de irregularidade na execução da atividade administrativa ensejaria indenização ao particular, ou seja, exige-se também uma espécie de culpa, mas não culpa subjetiva do agente, e sim uma culpa especial da Administração à qual convencionou-se chamar culpa administrativa ou culpa anônima.
Esta modalidade de responsabilização do Estado (culpa do serviço) pode ocorrer de três formas: por inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço. Devendo o particular prejudicado comprovar sua ocorrência para fazer jus à indenização.
Contudo, doutrina e a jurisprudência divergem quanto à modalidade de responsabilidade que deve ser imputada ao Estado diante de comportamentos omissivos de sua parte que causem danos a terceiros, sendo defendida por alguns a responsabilização objetiva e por outros a subjetiva.
O STF, no RE 179.147, Rel. Min. Carlos Veloso, firmou a distinção entre a responsabilidade civil do Estado decorrente de ação de seus agentes (responsabilidade objetiva) e aquela verificada no caso de danos possibilitados pela alegada omissão da Administração, segue ementa:
I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II – Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.
2 Divergência de correntes na Suprema Corte
Na Suprema Corte a divergência também existe, sendo a Segunda Turma adepta da corrente em que a responsabilidade civil do Estado é objetiva em relação a atos omissivos, como é possível observar dos julgados:
E M E N T A: RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO – O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO – NÃO COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL – RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL – IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF, RE-AgR 481.110, Rel. Ministro Celso de Mello, 2a Turma, DJ 9/3/2007, votação unânime, ausente justificadamente o senhor Ministro Joaquim Barbosa).
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 60 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FAUTE DU SERVICE PUBLIC CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR PRESIDIÁRIO, FUGITIVO CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro. Recurso extraordinário desprovido. (STF, RE 409.203, Rel. para o Acórdão Ministro Joaquim Barbosa, 2a Turma, DJ 20/4/2007).
Na Primeira Turma, sem corrente formada, o posicionamento mais enfático no sentido da responsabilidade do Estado por seus atos omissivos ser subjetiva, é do Ministro Marco Aurélio, observe:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MOLDURA FÁTICA – ENQUADRAMENTO – VIABILIDADE. Dizer-se do enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais que lhe são próprios pressupõe, sempre, a consideração de certas premissas fáticas. Descabe confundir enquadramento jurídico-constitucional dos parâmetros da controvérsia, tais como retratados, soberanamente, no acórdão impugnado na via excepcional do extraordinário, com o revolvimento da prova coligida. Mister se faz a fuga às generalizações, tão comuns no afã de economizar tempo e emprestar ao Judiciário a celeridade reclamada pelos jurisdicionados. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o extraordinário, já na fase de conhecimento perquire o acerto, ou o desacerto, sob o ângulo constitucional, da decisão atacada. Tendo em vista a ordem natural das coisas, procede a partir de fatos e esses são os do acórdão que se pretende alvejado. RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTADO – MORTE DE POLICIAL MILITAR – ATO OMISSIVO VERSUS ATO COMISSIVO. Se de um lado, em se tratando de ato omissivo do Estado, deve o prejudicado demonstrar a culpa ou o dolo, de outro, versando a controvérsia sobre ato comissivo – liberação, via laudo médico, do servidor militar, para feitura de curso e prestação de serviços – incide a responsabilidade objetiva. (STF, RE 140.270, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 18/10/1996).
Mas não é o único:
EMENTA: Responsabilidade civil do Estado: fuga de preso – atribuída à incúria da guarda que o acompanhava ao consultório odontológico fora da prisão – preordenada ao assassínio de desafetos a quem atribuía a sua condenação, na busca dos quais, no estabelecimento industrial de que fora empregado, veio a matar o vigia, marido e pai dos autores: indenização deferida sem ofensa ao art. 37, § 60, da Constituição. (STF, RE 136.247, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 20/6/2000, DJ de 18/8/2000).
3 Tendência atual
Todavia, nos últimos anos tem ocorrido uma inclinação para a corrente objetiva, o que fica nítido em situações de omissão específica, como se observa nos julgados:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DANOS MORAIS. PROFESSOR. SALA DE AULA. ALUNOS. ADVERTÊNCIA. AMEAÇAS VERBAIS. AGRESSÃO MORAL E FÍSICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37 , § 6º , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. STF - AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 736185 RJ (STF). Data de publicação: 31/01/2013.
Ementa - Agravo regimental nos embargos de divergência do agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Responsabilidade civil do Estado por omissão. Teoria do Risco Administrativo. Art. 37, § 6º, da Constituição. Pressupostos necessários à sua configuração. Demonstração da conduta, do dano e do nexo causal entre eles. 4. Omissão específica não demonstrada. Ausência de nexo de causalidade entre a suposta falta do serviço e o dano sofrido. Necessidade do revolvimento do conjunto fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. RE 677139 AgR-EDv-AgR / PR – PARANÁ. AG.REG. NOS EMB.DIV. NO AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 22/10/2015. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data da Publicação: 09/12/2015.
Porém, ainda é possível observar também a responsabilização subjetiva, de maior ocorrência em omissões genéricas:
EMENTA: ROMPIMENTO DE BARRAGEM. INUNDAÇÃO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. ANÁLISE DA COMPROVAÇÃO, OU NÃO, DA CULPA DO ENTE PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 279 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RE 711771 AGR / DF. Precedentes: AI 830.461-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 16.08.11; RE 603.342-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1º.02.11; AI 727.483-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 19.11.10; RE 585.007-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 05.06.09. 4. In casu, o acórdão originalmente recorrido assentou: “AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. APELAÇÃO CÍVEL. TRAGÉDIA CAMARÁ. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROVIMENTO PARCIAL DA SÚPLICA. RAZÕES. Data de publicação: 02/10/2013.
Conclusão
A doutrina e a jurisprudência divergem quanto à modalidade de responsabilidade que deve ser imputada ao Estado diante de comportamentos omissivos de sua parte que causem danos a terceiros, sendo defendida por alguns a responsabilização objetiva e por outros a subjetiva.
Entretanto, nos últimos anos, a tendência crescente é por responsabilizar o Estado de forma objetiva, apesar de em certos casos ainda ser aplicada a responsabilidade subjetiva, diante de situações concretas de omissões genéricas. O que é acertado, ou se correria o risco de ampliar em demasia a responsabilidade estatal, culminando, na pior das hipóteses, até mesmo com a inviabilização da Administração.
Referências:
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 21 ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 27 ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
GÓIS, Ewerton Marcus de Oliveira. A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. IN: JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades. Disponível em http://www.mp.go.gov.br. Acesso em: 09.01.2016.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
_____, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992.
www.jusbrasil.com.br
www.stf.jus.br
Advogado - Especialista em Direito Administrativo, Civil e Processual Civil. Escritório atuante também em Direito Tributário, Previdenciário e Trabalhista. Autor de artigos publicados em diversas revistas jurídicas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Frederico Fernandes dos. Divergências no STF Acerca da Responsabilidade Estatal Decorrente de Condutas Omissivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45872/divergencias-no-stf-acerca-da-responsabilidade-estatal-decorrente-de-condutas-omissivas. Acesso em: 02 nov 2024.
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