RESUMO: O presente artigo tem como escopo a análise da constitucionalidade do estabelecimento de responsabilidade tributária do arrendador, pelo pagamento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA, através da Lei Distrital nº 7.431/85, em consequência do exercício, excepcionalmente e provisoriamente, da competência legislativa plena, forte art.24, §3º, da Constituição Federal e no art. 34, §3º, do ADCT, haja vista omissão legislativa da União.
PALVRAS-CHAVE: Constitucional. Tributário. Responsabilidade tributária do arrendador. IPVA. Lei Distrital nº 7.431/85.
INTRODUÇÃO
A investida sobre o assunto será iniciada com breves considerações acerca do arrendamento mercantil e sua natureza jurídica. Após, será apontado o tratamento constitucional e da legislação do Distrito Federal da questão, bem como o entendimento jurisprudencial.
DO ARRENDAMENTO MERCANTIL E DE SUA NATUREZA JURÍDICA
O conceito Arrendamento Mercantil é definido pela lei 6.099/74, parágrafo único, artigo 1º :
“Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso desta”.
O contrato de Arrendamento Mercantil, também conhecido como Leasing, possui a natureza jurídica de negócio jurídico complexo, uma vez que envolve tanto a locação como a opção de compra.
Sobre o tema, elucida HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:
"Por meio de negócio jurídico, a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel pode ser transferida para o credor, de forma resolúvel, constituindo-se, dessa maneira, uma garantia real. A posse conserva-se com o devedor, e o domínio é mantido pelo credor até que o débito do alienante seja solvido. Enquanto dura o gravame, o devedor se comporta como possuidor direto e o credor como possuidor indireto. Vigora, portanto, uma propriedade resolúvel, sem posse, para o credor e uma posse com expectativa de reaquisição de domínio (condição suspensiva) para o devedor. Se a dívida é resgatada, resolve-se a propriedade fiduciária do credor e restabelece-se a propriedade plena do devedor. (...)".
O arrendador possui propriedade (não plena) e a posse indireta, enquanto o arrendatário a posse direta do bem até que seja feita a opção de compra ao final do contrato, sendo certo que, somente neste momento haverá a transferência do domínio do bem.
DA POSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARRENDADOR POR LEGISLAÇÃO DISTRITAL
Para cobrança de um tributo é necessária a ocorrência de um fato que o legislador prevê como sendo passível de tributação (obrigação jurídica de pagar um tributo determinado). O artigo 114 do CTN preceitua que o "fato gerador da obrigação tributária é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".
Por seu turno, o § 1º do art. 113 do mesmo diploma legal estabelece que "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente".
Ocorrendo o fato gerador, deve-se buscar a pessoa, à vista da lei, que tem o dever legal de efetuar o pagamento da obrigação.
Dispõe o CTN sobre o sujeito passivo da obrigação tributária:
"Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei." (grifos nossos)
Assevera BERNARDO RIBEIRO DE MORAES:
“... é de ver que não é qualquer pessoa que pode ser definida como responsável. Somente se justifica a condição de ‘responsável’, adquirindo uma posição jurídica equivalente à de devedor principal, na hipótese da pessoa ter relações com o próprio devedor ou com o fato gerador da obrigação tributária.”
Especificamente em relação ao IPVA, tributo cerne da questão debatida, com o advento da Constituição Federal de 1988, foi estipulado pelo artigo 155, inciso III, que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre propriedade de veículos automotores.
Entretanto, a Constituição Federal de 1988 não definiu o fato gerador e o sujeito passivo do IPVA, deixando para lei complementar federal a missão de elaborar normas gerais em matéria de legislação tributária, conforme preceitua o art. 146, III, da Constituição Federal:
"Art. 146. Cabe à lei complementar: [...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” (grifos nossos)
Tal lei complementar sobredita deve observar os parâmetros do artigo 24 da Constituição Federal:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...)
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” (grifos nossos).
De acordo com LEANDRO PAULSEN:
“Entretanto, não há diploma legal deste nível cuidando da matéria (o CTN é omisso, até porque precedeu à criação desse imposto, surgido apenas com a EC nº27/85 à CF/67). Assim, os Estados, excepcionalmente e provisoriamente, têm exercido a competência legislativa plena, forte art.24, §3º, da Constituição Federal e no art. 34, §3º, do ADCT”.
Nesse sentido, tendo em vista a ausência de edição de lei complementar pela União, o Distrito Federal exerceu sua competência legislativa plena ao definir a responsabilidade pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, através da Lei n. 7.431/85, com alterações introduzidas em seu artigo 1° pela Lei n. 223, de 30/12/91, in verbis:
"Art. 1º - É instituído, no Distrito Federal, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores devido anualmente, a partir do exercício de 1986, pelos proprietários de veículos automotores registrados e licenciados nesta Unidade da Federação.
§ 1º - O valor do imposto será recolhido diretamente pelo contribuinte na rede bancária autorizada, nos prazos e formas previstos no regulamento.
§ 2º - O imposto é vinculado ao veículo. No caso de sua alienação, o comprovante do pagamento será transferido ao novo proprietário para efeito de registro ou averbação no órgão de trânsito.
§ 3º - No caso de transferência do veículo regularizado de outra Unidade da Federação, não será exigido novo pagamento do imposto, respeitando-se o prazo de validade do recolhimento anterior.
§ 4º - Em razão do ano de fabricação, o Governador do Distrito Federal poderá excluir determinados veículos da incidência do imposto.
§ 5º Fato gerador do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA é a propriedade, o domínio útil ou a posse legítima do veículo automotor.
§ 6º A ocorrência do fato gerador do IPVA observará, para fins de lançamento, ao algarismo final de placa em calendário escalonado, na forma disposta em regulamento.
§ 7º São contribuintes do IPVA as pessoas físicas ou jurídicas residentes e ou domiciliadas no Distrito Federal:
I - proprietárias, a qualquer título, de veículo automotor sujeito a licenciamento pelos órgãos competentes;
II - titulares do domínio útil do veículo, nos casos de locação e arrendamento mercantil;
III - detentoras de posse legítima do veículo, inclusive quando decorrente de alienação fiduciária em garantia, o gravado com cláusula de reserva de domínio.
§ 8º São responsáveis, solidariamente, pelo pagamento do IPVA:
I - o adquirente, em relação ao veículo adquirido sem o pagamento do imposto do exercício ou exercícios anteriores;
I — o adquirente:
a) em relação ao veículo adquirido sem o pagamento do imposto do exercício ou exercícios anteriores;
b) a que se referem o art. 4º, § 7º, II, e o art. 4º, § 9º, que não cumprir as condições neles especificadas;
II - o titular do domínio e/ou o possuidor a qualquer título;
III - o proprietário de veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula;
IV - o funcionário que autorizar ou efetuar o registro e licenciamento, inscrição ou matrícula de veículo de qualquer espécie, sem a prova de pagamento ou do reconhecimento de isenção ou imunidade do imposto.”(Grifos nossos).
Portanto, segundo o artigo 1º da Lei n. 7.431/85, §7º, I e §8º II, são contribuintes do IPVA o proprietário e os titulares do domínio útil do veículo, nos casos de locação e arrendamento mercantil, podendo responder ainda solidariamente com este o titular do domínio e/ou o possuidor a qualquer título.
Entende-se que o arrendador pode ser posto como contribuinte, conforme GLADSTON MAMEDE assevera:
“A letra constitucional aponta para um direito real, mas não cuida da extensão precisa do conceito de propriedade. Seriam constitucionais as normas aludidas na medida em que, por incluir hipótese de propriedade não plena, podem desbordar da licença constitucional? (...) Lembre-se que a partir da licença constitucional para cobrança de um imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o art.32 do Código Tributário Nacional define o modelo de fato que gera a obrigação de recolher o IPTU, a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel. (...) A interpretação analógica seria, assim, adequada e, via de consequência, a hipótese de incidência tributária do IPVA deve incluir ou não, de veículo automotor, dá azo à exação. Porém, se desfeita a relação de propriedade, seja em função da destruição do veículo automotor, seja por sua subtração, não poderá haver exação; isso, independentemente da comunicação ou não do fato à autoridade fazendária ou ao registro correspondente. Afinal, não se admite tributação sobre fato fictício”.
Coadunando com o exposto, colaciona-se também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Em arrendamento mercantil, a arrendante é responsável solidária para o adimplemento da obrigação tributária concernente ao IPVA, por ser ela possuidora indireta do bem arrendado e conservar a propriedade até o final do pacto. Precedentes”.
(EDcl no AREsp 207.349/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 10/10/2012).
“ PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR - IPVA. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. ARRENDANTE. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO. ART. 1º, §§ 7º E 8º, DA LEI 7.431/85.
I - Originariamente, cuida-se de Embargos à Execução Fiscal manejado pela ora Recorrente em face do Distrito Federal, em que destacou sua ausência de legitimidade passiva para figurar como parte no processo de Execução Fiscal, atribuindo-a ao arrendatário de veículo automotor, por decorrência das disposições legais pertinentes e do contrato de arrendamento mercantil anteriormente celebrado.
II - No tocante à solidariedade, in casu, entre arrendante e arrendatário, ao pagamento do IPVA, verifica-se que a figura do arrendante equivale a de possuidor indireto do veículo, posto ser-lhe possível reavê-lo em face de eventual inadimplemento, uma vez que somente com a tradição definitiva poderia ser afastado o seu direito real alusivo à propriedade, ou não haveria razão para a cláusula "com reserva de domínio", que garante exatamente o seu direito real.
III - Nesse contexto, não se deve confundir contribuinte do tributo com responsável pelo pagamento, uma vez que a segunda figura, notadamente quando se relaciona com o instituto da solidariedade, apenas reforça a proteção ao crédito tributário, viabilizando sua realização para o Erário Público.
IV - Outrossim, perceba-se que o inciso III do § 8º da Lei nº 7.431/85 prevê solidariedade entre o alienante e o adquirente, nos casos em que aquele não providencia a comunicação da alienação ao órgão público encarregado do registro do veículo. Em outras palavras, se até mesmo no contrato de compra e venda direta, que importa na sua conclusão em transferência da propriedade, há a possibilidade do Estado buscar a satisfação do crédito tributário diretamente do alienante desidioso, pode a solidariedade alcançar aqueles que ostentam a qualidade de possuidor indireto, equivalente, in casu, à expressão "titular do domínio", para fins de responsabilização pelo pagamento do tributo. A ratio essendi das disposições legais antes transcritas, portanto, não afastam, mas ao contrário, impõem a solidariedade quanto ao pagamento do IPVA.
V - Recurso Especial improvido.”
(REsp 868.246/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/11/2006, DJ 18/12/2006, p. 342).
CONCLUSÃO
Tendo em vista a ausência de edição de lei complementar pela União, é legítimo ao Distrito Federal exercer sua competência legislativa plena, assim como definir a responsabilidade pelo pagamento do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA.
Desse modo, é constitucional o estabelecimento de responsabilidade tributária do arrendador, pelo pagamento do IPVA, através da Lei Distrital nº 7.431/85.
Portanto, segundo legislação distrital, é o credor/arrendante responsável pelo recolhimento do IPVA referente ao veículo objeto do contrato, podendo figurar, inclusive, na Certidão de Dívida Ativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178.
MAMEDE, Gladston. IPVA; Imposto sobre a Propriedade de veículos automotores. RT, 2002, p. 50/52.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 17. Ed – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; 2015, p. 339.
RIBEIRO DE MORAES, Bernardo. Compêndio de Direito Tributário, 2º v, 3ª edição, 1995, p.287.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. V. III - Procedimentos Especiais. 43ª ed. - Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 573.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Tributário e em Direito Penal. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Diego Garcia. Da constitucionalidade do estabelecimento de responsabilidade tributária do arrendador, pelo pagamento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA, através da Lei Distrital Nº 7.431/85 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45875/da-constitucionalidade-do-estabelecimento-de-responsabilidade-tributaria-do-arrendador-pelo-pagamento-do-imposto-sobre-a-propriedade-de-veiculos-automotores-ipva-atraves-da-lei-distrital-no-7-431-85. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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