RESUMO: Esse estudo visa analisar a prática utilizada pelas incorporadoras de incluir uma taxa de serviço de assessoria técnica imobiliária – SATI, no momento da aquisição de um imóvel pelos promissários compradores, sem qualquer informação ou pedido. Analisaremos a ilegalidade dessa cobrança à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Palavras-chave: Taxa de serviço de assessoria técnica imobiliária (SATI). Código de defesa do consumidor. Voluntariedade na contratação da taxa. Venda cassada. Restituição em dobro.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende analisar a imposição da taxa de serviço de assessoria técnica imobiliária – SATI, no momento da aquisição de um imóvel. A possibilidade do reconhecimento da ilegalidade em algumas hipóteses à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Houve um crescimento do mercado imobiliário no Brasil, de forma vertiginosa, nos últimos anos. Isso resultou em diversas aquisições de imóveis por parte de uma população que não tinha acesso ao crédito e estavam, em muitos casos, realizando a sua primeira compra de imóvel.
Ocorre que muitas incorporadoras se valem de lançamentos festivos, com a montagem de uma estrutura enorme de venda, inclusive contando no local com um corpo jurídico responsável pela análise da documentação e impressão dos contratos.
No entanto, algumas incorporadoras, se valem de um expediente ilegal de cobrança da taxa de assessoria técnica imobiliária (SATI) sem qualquer pedido do promissário comprador, sem qualquer esclarecimento e, pior, ainda exigem o pagamento como única forma de firmar o instrumento particular de compromisso de compra e venda. Esses aspectos que analisaremos no presente artigo.
1. DA RELAÇÃO DE CONSUMO E APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - LEI 8.078/90
O artigo 2º, caput, da Lei 8.078/90, dispõe, em termos claros e expressos a definição do consumidor propriamente fito. Vejamos.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Por sua vez, o artigo 3º, caput e parágrafos, do CDC, apresenta a definição de fornecedor, produto e serviço.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Ante o disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, não há dúvida de que é de consumo a relação que surge entre a incorporadora e os promissários compradores, uma vez que estes adquiriram como consumidor final o produto vendido por aquelas.
Desta forma, inafastável a sujeição dos respectivos instrumentos de compra e venda às regras do referido diploma legal, ou seja, qualquer controvérsia deve ser analisada e julgada de acordo com o disposto na Lei nº 8.078/90.
Nesse sentido também o Superior Tribunal de Justiça:
“PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Empresa imobiliária. incidência do Código de Defesa do Consumidor. Rege-se pela Lei 4.591/64, no que tem de específico para a incorporação e construção de imóveis, e pelo CDC o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre a companhia imobiliária e o promissário comprador. Recurso conhecido e provido.” (STJ – 4ª T., REsp nº 299.445/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 20.08.2001, p. 477)
PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ENCOL - NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - CLÁUSULA ABUSIVA - RELAÇÃO DE CONSUMO - NULIDADE DE HIPOTECA E OUTORGA DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA - IMÓVEL QUITADO. 1 - A construtora se enquadra no conceito de fornecedora do produto e prestadora de serviços, já que se comprometeu a construir e entregar o imóvel A instituição financeira, ao celebrar contrato com a fornecedora, afetou diretamente o direito do consumidor, o que obriga seja aplicado o CDC a esta relação. 2 - A cláusula do contrato de promessa de compra e venda que autoriza o gravame hipotecário é abusiva e não pode prevalecer, pois coloca o consumidor em exagerada desvantagem, subordinado que fica à vontade da construtora. 3 - Quando a incorporação está registrada, institui o direito real a favor dos adquirentes. 4 - Uma vez cumprida a contraprestação do promissáno-comprador, traduzida, tão-somente, no pagamento do preço ajustado, deve o vendedor liberar o imóvel do gravame hipotecário e outorgar a escritura de compra e venda. 5 - Apelação improvida.(TJDF - Ap/DF 20030550056822EIC, Relator SANDRA DE SANTIS, Ia Câmara Cível, julgado em 09/03/2005, DJ 02/08/2005 p. 81)
Após evidenciar-se a caracterização da relação de consumo nos casos de compromisso particular de compra e venda é necessário verificar o significado e valor da denominada SATI.
2. DO SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICA IMOBILIÁRIA - SATI
No ato da assinatura do compromisso particular de compra e venda de um imóvel ainda na planta. A construtora acaba impondo ao promissário comprador o pagamento da taxa SATI – Serviço de Assessoria Técnica Imobiliária, pela qual é cobrado o percentual de 0,88% sobre o valor total do bem.
A justificativa das incorporadoras é a necessidade de pagamento da estrutura criada por elas para cuidar da documentação do promissário comprador e de todo o processo para efetivação do financiamento bancário nos denominados “stands de vendas”.
3. FALTA DE INFORMAÇÕES, DA NÃO CONTRATAÇÃO ESPONTÂNEA E DA VENDA CASSADA DO SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICA IMOBILIÁRIA
Aqui analisaremos os casos em que as incorporadoras não forneceram informações suficientes sobre o serviço de assessoria técnica imobiliária, os promissários compradores não a contrataram de forma espontânea, voluntária e, ainda, os casos em que não foram permitidas a realização do compromisso sem o pagamento da denominada taxa SATI.
Normalmente os documentos e contratos apresentados pelas incorporadoras não obedecem aos padrões impostos pelo art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, afrontando, ainda, o princípio da transparência fundamentado no art. 4º do mencionado dispositivo legal e o princípio da boa fé objetiva, pois não consta do mesmo a informação quanto à facultatividade da contratação do referido serviço, a saber:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores".
Enaltecendo a evolução legislativa, no tocante à informação do consumidor, ressalta-se trecho do acórdão proferido no RE nº 586316/MG, pelo Exmo. Min. Herman Benjamim:
“(...) O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC. (...) Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a 'informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem' (art. 6°, III) ”.
O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação.
Outro aspecto a ser analisado é o condicionamento da contratação do serviço de assistência técnica imobiliária à aquisição da unidade residencial.
Ocorre que esse mecanismo utilizado pelas incorporadoras, de venda da unidade residencial condicionada à aquisição do serviço de assessoria técnico imobiliária, é ilegal. A referida vedação está disciplinada pelo art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, a saber:
“art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. ”
Essa prática de venda proibida pelo Código de Defesa do consumidor é denominada de “venda casada”.
Ainda com relação ao tema:
“Venda casada: Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor. Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada venda 'casada', que significa condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. O inciso ainda proíbe condicionar o fornecimento, sem justa causa, a limites quantitativos.”[1]
Perceba-se, portanto, que as incorporadoras se utilizam de práticas ofensivas e vedadas pelos artigos 31 e 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.
4. DA RESTITUIÇÃO EM DOBRO
Por fim, analisaremos a questão da restituição em dobro.
O artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor diz:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
A doutrina e a jurisprudência apresentam alguns pressupostos. Vejamos.
“No plano objetivo, a multa civil só é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser extrajudicial; finalmente, deve ela ter por origem uma dívida de consumo”.[2]
Importante destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacifica em relação a restituição em dobro, em relação a cobrança ilegal da Taxa SATI nas hipóteses mencionadas anteriormente, inclusive como uma forma de coibir tais práticas. Contudo, os julgados mais recentes têm exigido que tenha havido má-fé por parte do fornecedor (este que deverá provar ter agido de boa-fé).
CONCLUSÃO
A ideia de realizar o presente estudo foi apresentar uma temática antiga e atual, mas vivenciada recentemente por minha família. A incorporadora não aceitou realizar a venda de um imóvel, caso não houvesse o pagamento da taxa SATI. Não adiantou o meu pedido de retirada de tal taxa. Assim, acabei realizando o negócio, o qual era extremamente vantajoso e, imediatamente, acionei o Procon local, onde a incorporadora ofereceu a restituição de parte do valor. Por não concordar com essa postura, ingressei com ação judicial e obtive a restituição em dobro.
Por ter vivenciado essa imposição de pagamento e estudado o presente caso, concluo que essa prática viola o princípio da boa-fé objetiva, ainda mais por ser oferecida através de uma venda casada.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1999.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2010
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; JUNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 2º Volume. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008.
JUNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1999.
NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
[1] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 561).
[2] BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2010. p. 273.
Defensor Público do Estado de São Paulo. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito Constitucional.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAZAL, Andre Vicentini. A Taxa de Serviço de Assessoria Técnica Imobiliária (SATI) e a sua ilegalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jan 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45888/a-taxa-de-servico-de-assessoria-tecnica-imobiliaria-sati-e-a-sua-ilegalidade. Acesso em: 22 dez 2024.
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