Resumo: O presente trabalho tem como área de pesquisa o campo da filosofia do direito e sociologia jurídica, trazendo à realidade a aplicação do pensamento de dois filósofos modernos. O objetivo é traçar um panorama acerca dos dois pensadores Axel Honneth e Jurgen Habermas, ambos os expoentes do pensamento filosófico da escola de Frankfurt na Alemanha, tendo como base a teoria crítica social de dominação social. As bases ideológicas dos pensadores serão confrontadas levando em consideração as vantagens e desvantagens de pensamentos que ao mesmo tempo possuem ligação temática, porém se distanciam no delimitar no alcance do pensamento na regulação societária.
Palavras-chave: Jurgen Habermas; Axel Honneth; Teoria crítica; Filosofia .
Abstract: This article seeks to draw a panorama about the two thinkers Axel Honneth and Jurgen Habermas, both exponents of the philosophical thought of the Frankfurt School in Germany, based on the theory of social domination social criticism. The ideological bases of thinkers are confronted taking into consideration the advantages and disadvantages of thoughts at the same time have thematic connection, however distance themselves in delimit the scope of thought in corporate regulation.
Keyword: Jurgen Habermas; Axel Honneth; Critical theory; Philosophy.
1. Introdução
Em primeiro plano, é imperioso colocar em pauta, a grande importância que os dois filósofos tiveram na contemporaneidade, em meados do século XX, momento de grandes transformações no panorama mundial, pulsante quanto à consolidação de direitos e revoluções sociais que invariavelmente mudaram a forma de pensar a agir nas sociedades democráticas com base no pensamento iluminista, voltados ao direito, a razão e a democracia. Um fato curioso que ambos pensadores trabalharam em conjunto por cerca de seis anos, podendo ser afirmado que são da mesma escola, a de Frankfurt, famosa por adotar a posição na teoria crítica do pensamento social.
Ambos os pensadores adotam como base filosófica a teoria crítica da sociedade, buscando unir teoria e prática, ou seja, incorporar ao pensamento tradicional dos filósofos em uma tensão com o presente.
Antes de iniciar propriamente o trabalho, é imperioso destacar a dificuldade do destacamento histórico das ditas escolas filosóficas, já que a divisão temporal não é estática, pacífica e muito menos rígida, pois os institutos se penetram e completam durante os processos históricos. Mais do que dividir temporalmente escolas de conhecimento filosófico sobre o Direito, a segmentação temporal permite identificar características gerais correspondentes ao processo de evolução da Filosofia enquanto ciência. As escolas acadêmicas misturam-se e produzem influências conteudísticas recíprocas a todo tempo.
O pensamento filosófico ocidental formou-se da dominação cultural ocidental sobre os territórios orientais conquistados e a partir desse momento, passou a ser visto como forma de pensamento universalmente disseminada por todas as nações, sendo dotada de alta carga de condução cultural. O pensamento racional que entendemos hoje foi forjado nas sociedades antigas que remontam do século 146 antes de Cristo até a queda do império romano e seu restabelecimento com o Iluminismo no século XVIII:
O verbete “iluminismo” entende esta corrente de pensamento numa perspectiva abrangente, enquanto um “movimento que visa estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, da luz contra as trevas” (BOBBIO; PASQUINO; MATTEUCI, 2007, p. 605).
As sociedades gregas e romanas, junto com o pensamento imperialista baseado na predominância do poder militar e do acumulo de riquezas, notadamente a propriedade terrena e mão de obra escrava, espalharam seus usos e costumes por toda a Europa e médio oriente, tendo resquícios de sua presença até a península Ibérica, a antiga Hispania como era conhecida no período Viriato. Essa disseminação cultural ocorreu tanto de forma tácita como por meio de violência e repressão. O império romano não foi nunca, nem tentou ser, um Estadomundial do tipo nacional - um Estado no qual uma nação domina e se impõe às outras pela coação: pela sua constituição tornou-se cada vez mais cosmopolita” (ROSTOVTZEFF, 1937).
Nas ditas composição intelectual, a cultura romana e grega era dotada de noções místicas e politeístas entre as relações privadas, espaços públicos e organizações administrativas, entretanto, também foram pioneiros na capacidade de forjar um pensamento independente das influências de mitos e questões espirituais. Foram nesse período que se iniciou a formação do pensamento racional ocidental, dotado de alta carga da razão em contraponto as escolas filosóficas, cosmológica e teleológica, que dominavam mentalmente e fisicamente todas as classes sociais.
Segundo A. G. Johnson (1997), aculturação é um processo de assimilação em que um grupo dominante pode impor com tanta eficiência sua cultura a grupos subordinados que estes se tornam virtualmente indistinguíveis da cultura dominante”.
2. Breves tópicos sobre a teoria crítica racional de Habermas e Honneth
Habermas busca promover normas para a relação de não dominação sobre os outros e uma noção mais ampla de razão comunicativa, vantagem essa de aplicação dos ideais de liberdade.
A teoria de Honneth se espelha nas lutas moralmente motivadas de grupos sociais, sua tentativa de estabelecer institucional e culturalmente formas ampliadas de reconhecimento recíproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida das sociedades. Trata-se de dar conta da gramática dos conflitos e da lógica das mudanças sociais, tendo em vista o objetivo mais amplo de explicar a evolução moral da sociedade (WERLE, 2007, p.14).
Honneth e Habermas podem ser incluídos na tradição da Teoria crítica, pois, seus trabalhos se caracterizam por produzir uma posição teórica contrastante com a de seus antecessores, construindo soluções a impasses, tal como este havia feito com Adorno e Horkheimer.
Com o desenvolvimento do tema serão colocados alguns pontos positivos e negativos sobre as teorias de Habermas e Honneth, tendo como base, o pensamento iluminista de grandes pensadores da história que deram cada um ao seu tempo fizeram contribuições expressivas para o pensamento racional humanizado.
3. As vantagens e desvantagens do pensamento de Habermas
Habermas é frequentemente caracterizado como um teórico preocupado em resgatar o chamado projeto da modernidade, procurava teorizar os problemas e as possibilidades para a efetivação das históricas promessas de igualdade, liberdade e fraternidade que simbolizaram os movimentos revolucionários do século XVIII.
É de grande valia as contribuições de Habermas para a atual democracia, buscou uma junção entre os direitos fundamentais e democracia, e sua teoria só teria validade, partindo desses movimentos consagradores de proteção humana, tendo como base, o pensamento Immanuel Kant.
O Direito Moderno é de importância fundamental, tendo em vista sua relevância para a constituição da modernidade enquanto paradigma civilizatório. Por essa razão, aliada ainda à centralidade do conceito de racionalidade em sua proposta teórica, colocamos a obra de Habermas na sequência de Kant
Emmanuel Kant radicaliza a compreensão cartesiana da modernidade ao considerar que a filosofia não é só a teoria, mas também a experiência do prático, um pensamento da liberdade.
Ao teorizar sobre as possibilidades de determinação da liberdade entre indivíduos e seus pares, Kant constrói uma concepção de direito conectada à moral e apresenta uma concepção de justiça que generalize e eleve a um nível mais alto de abstração a conhecida teoria do contrato social, encontrada também em Locke e Rousseau (Rawls, 2008, p. 13).
É útil considerar a obra de Habermas em uma órbita do pensamento político contemporâneo, ao tentar conciliar a matriz liberal dos interesses com a herança aristotélica e hegeliana da comunidade política de cidadãos livres e iguais.
Pois bem, Habermas propõe um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente, buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna, objetivando uma sociedade justa e igualitária.
Pode-se pressupor que normas sociais se constituem no relacionamento entre dois sujeitos e que eles são capazes de resolver seus conflitos através da comunicação (racionalidade teleológica). A partir do momento que o Estado interfere na esfera social, com a finalidade de promover o bem estar social, na realidade, essa é uma estratégia para regular comportamento e assegurar o domínio moral:
irradiar-se a todos os campos de ação, através de um sistema de direitos com a qual ela mantêm um vinculo interno, atingindo inclusive as esferas sistematicamente autonomizadas das interações dirigidas por meios que aliviam os atores de todas as exigências morais, com uma única exceção: o da obediência geral ao direito (HABERMAS, 1997, p. 154).
Dessa forma o Estado deixa de lado sua verdadeira função, política, para se transformar num sistema burocrático, afasta as questões sociais do campo da discussão, para transformá-las em normas baseadas em valores (racionalidade instrumental). Substitui a interação comunicativa, por normas de conceito universal de forma mecanicista, o que impossibilita analisar se as normas institucionais são adequadas a nossa realidade.
A teoria de Habermas, a teoria do agir comunicativo, por estar pautada nos princípios libertários, não sendo em sua totalidade pensamentos liberais ou republicanos, como foi citado pelo professor em “sala de aula”, existe uma interdependência, que segue o avanço das ondas de direitos, como gerações de direitos fundamentais de primeira e segunda geração (Liberdade e Igualdade). Pode-se dizer que esses ideais de autonomia teve como base a revolução gloriosa, que almejava o governo constitucional, desse modo, a restringir a atuação do Estado nas relações individuais.
Percebe-se que a teoria de Habermas é bastante democrática, e coloca em cheque a positividade x Legitimidade das leis. Para ele, só se abafa essa tensão com a teoria do discurso, que visa a democracia.
Uma lei para ter validade, é necessária do conhecimento de todos, ou seja, todos que participam do processo da lei, por isso que os direitos positivados devem ter como base a opinião da vontade democrática para sua fiel validade.
Todos os envolvidos devem partir de uma posição de igualdade, já que podem tanto participar do debate no espaço público quanto externar suas opiniões. A igualdade pode-se dizer, serve como valor axiológico inicial da teoria do discurso, pois tende à eliminação da homogeneização dos indivíduos.
Para Habermas, em sua sistematização do agir comunicativo, nasce o mundo da vida que significa formas da vida social integradas através de normas consensualmente aceitas por todos os participantes.
Isso abre espaço pra uma certeza desvantagem, afinal, se todas as normas válidas devem atender à condição de que as consequências e efeitos colaterais que presumivelmente resultarão da observância geral dessas normas para a satisfação dos interesses de cada indivíduo possam ser aceitas não coercitivamente por todos os envolvidos.
Essa visão utópica de sociedade serve apenas para guiar a sociedade para ideais democráticos. Numa sociedade plural capitalista, seria impossível uma manifestação do princípio do discurso, pois somente seriam válidas as normas no qual todos pudessem dar seu assentimento na qualidade de participantes, nas sociedades contemporâneas marcadas por este pluralismo ideológico, não é mais possível chegar a um consenso razoável sobre qualquer fundamentação.
A teoria fixaria de modo pretensioso um padrão evolutivo sem levar em conta as possíveis particularidades de formas de vida alternativas. Tal concepção poderia levar a uma perda gradativa dos sentidos comuns, que são os únicos aptos a fazer dos indivíduos seres realizados, em harmonia com suas próprias convicções e sentimentos, e fiéis a valores que fazem inevitavelmente parte de suas compreensões.
Habermas é criticado também porque seu modelo democrático é incompatível com o modo de produção capitalista (embora não o implique necessariamente) e por deixar de analisar certas condições estruturais e econômicas nas quais as democracias capitalistas se inserem. Creio que a alegação de Habermas de falta em matéria econômica tornou lacunosa a sua teoria, em vários aspectos.
4. Vantagens e desvantagens do pensamento de Honneth
A primeira vantagem que se pode extrair da ideia de Honneth é a sua aplicação na sociedade com o objetivo de conceituar os conflitos decorrentes de questões relacionadas à identidade e diferença.
Honneth toca em pontos sensíveis para o reconhecimento do homem como parte integrante de uma sociedade heterogenia, o amor, a solidariedade e a justiça. O amor estaria ligado ao fator da autoconfiança, base indispensável para a participação autônoma na vida pública. A solidariedade “ordem social de valores na qual as finalidades sociais passam por uma interpretação tão complexa e rica que, no fundo, todo indivíduo acaba recebendo a chance de obter reputação social”. A justiça, princípio da igualdade jurídica, implica o reconhecimento daquelas propriedades universais dos sujeitos que fazem deles pessoas de direito:
[...] a proposta de Honneth de uma Teoria Crítica fundamentada nas relações intersubjetivas de reconhecimento e de luta por reconhecimento, se, por um lado, consegue fornecer meios para sanar o déficit sociológico da Teoria Crítica em geral, e das teorias da justiça em particular, por outro, deixa em aberto uma questão que não é menos fundamental: a política. (...) a política não tem um estatuto específico na obra de Honneth. Não se coloca no horizonte de suas preocupações a questão do critério normativo fundamental que poderia regular a formação imparcial de acordos políticos para as lutas por reconhecimento (WERLE & MELO, 2008, p. 197).
A partir dessas bases, busca-se a construção de um cenário radicalmente democrático, a formação de sujeitos históricos aptos à radicalização da democracia. O Ser Humano vive em uma busca constante em reconhecer a partir do outro, intersubjetivamente.
Esse reconhecimento é dado em três esferas de relações, mas o mais importante, é que quando trata-se de relações sociais, o Direito é fundamental para a conquista e a busca do reconhecimento, sendo possível tal auge apenas com um ordenamento que garanta igualdade e respeito amplamente difundidos.
Pois bem, Honneth busca através do embate das lutas de classe um diálogo aberto, para que todas as pessoas tenham certo grau de igualdade material, já que a formal, não basta, tendo em vista a igualdade formal idealizada nas revoluções burguesas, onde os detentores de capital possuíam a mais valia e o poderio sobre as decisões. Essa igualdade em conjunto com o direito teria como viés o controle sobre os anseios das castas inferiores. Essa teoria tem a vantagem de identificar o descontentamento social.
Olhando por uma ótica negativa de desvantagens, a lógica adota por Honneth não encontraria substrato na sociedade capitalista, uma sociedade em grande maioria hiperindividualista. A igualdade formal só pode ser sustentada com uma igualdade ampla de condições, o que é um contra senso nas sociedades neoliberais. É preciso ter “consciência de poder se respeitar a si próprio, porque ele merece o respeito de todos os outros” (HONNETH, 2003, p. 195).
Podemos aqui buscar amparo na teoria do véu da ignorância proposto por Rawls, de equilíbrio e distribuição de riquezas e importância, seria de certo modo, de difícil aplicação. Isso nos leva à falsa conclusão de que a razão para traficantes possuírem rendimentos superiores a professoras e bombeiros, é o desrespeito cultural dos cidadãos pela profissão de ensinar e salvar vidas enquanto super-valorizam o ‘importante’ ofício da distribuição ilegal de drogas e armas.
Segundo o autor, um sistema social justo define o âmbito do qual os indivíduos devem criar seus objetivos e servem de estrutura de direitos de oportunidades e meios de satisfação, dentro da qual e pela qual se pode procurar alcançar esses fins. A prioridade da justiça se explica, em parte, afirmando-se que os interesses que exigem violação da justiça não tem nenhum valor. Não tendo mérito absolutamente nenhum não pode anular as exigências da justiça. (RAWLS, 2008, p. 38).
5. Conclusão
Seguindo o raciocínio de Habermas podemos concluir; - para que haja comunicação os indivíduos envolvidos numa trama de relações intersubjetivas devem assumir uma postura igualitária, ou seja, todos os envolvidos devem estar em estado de paridade, como acontece entre marido e mulher, amigos. Nesses termos, a discussão não tem por interesse disputa de valores mas sim que se entre num consenso.
Os indivíduos inseridos nas tramas de relações intersubjetivas de nossa sociedade vivem em estado de subordinação, uns perante os outros, o que impossibilita uma discussão que produza o consenso.
Com isso, a própria teoria crítica se colocava problemas que não poderia resolver. Daí a necessidade, colocada por Honneth, de uma atualização que se pautasse pela solução deste déficit sociológico por meio de uma teoria da integração cujo centro ativo fosse à atividade cotidiana.
É notável, que ambas as teorias contribuíram e muito para as reflexões a cerca do modelo de sociedade no qual o mundo em grande maioria está inserido. Os conflitos internos entre as relações intersubjetivas ou as lutas por reconhecimento trouxe o cerne da luta dos povos para sua afirmação democrática, dotados de legitimidade para atuação nas decisões da sociedade. O poder emana do povo, a partir de uma concepção do Direito do Justo, onde o ser humano deve ser encarado com objeto fim, e nunca como meio, ou seja, ser humano por natureza, e não objeto de dominação por meio da racional instrumentalidade.
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCI, Nicola. Dicionário de política. Brasília: UNB, 2007.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume 1. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad: Luis Repa. São Paulo: Ed.34, 2003.
JOHNSON, A.G. Dicionário de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
RAWLS, Jhon, 1921-2002. Uma Teoria da Justiça. Tradução Álvaro de Vita. 3° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
ROSTOVTZEFF, Michail. História Social y Econômica del Imperio Romano. Vols. I e II. Madrid: Espasa-Calpe, 1937.
WERLE, D. L e MELO, R. S. Reconhecimento e justiça na teoria crítica da sociedade em Axel Honneth. In: NOBRE, M. (Org). Curso livre de Teoria Crítica. Campinas: Papirus, 2008.
Tabelião substituto. Especialista em Direito do Estado e Direito Empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Hugo Amoedo. Teoria crítica de dominação social em Honneth e Habermas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45896/teoria-critica-de-dominacao-social-em-honneth-e-habermas. Acesso em: 23 dez 2024.
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