RESUMO: O presente estudo tem como objeto principal a análise do Direito no período ditatorial. Para tanto, far-se-á, primeiramente, um levantamento sobre o contexto político, social e econômico que antecedeu e contribuiu para o golpe militar, em 1964. Após, o estudo do período ditatorial se dará em fases: a primeira que ocorre entre a edição do Ato Institucional-1 e a consolidação do regime militar; a segunda que tem como marco o Ato Institucional-5; e a fase final que diz respeito ao início da redemocratização do país.
O período da ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, foi caracterizado pela restrição aos direitos fundamentais e pela edição de Atos Institucionais, que tinham a função de legitimar o regime militar ora imposto, bem como a doutrina da Segurança Nacional.
A ditadura militar significou a ausência de democracia, a supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.
A relevância do estudo realizado neste trabalho é inquestionável, uma vez que o período ditatorial restou assentado como um verdadeiro retrocesso no que diz respeito aos direitos conquistados nas constituições anteriores. A análise minuciosa do regime militar é necessária, a fim de que o total desrespeito e restrição aos direito fundamentais sejam para sempre afastados.
Após 1945, o Estado buscou consolidar a estrutura oficial do sindicalismo no Brasil. No entanto, o movimento operário, que havia sido desarticulado na ditadura de Vargas, voltou a ganhar visibilidade através da conjuntura democrática, o que foi violentamente repreendido pelo Governo Dutra, que restringiu o direito de greve e colocou 143 sindicatos sob intervenção (CASTRO, 2011, p. 521-522).
No campo econômico, foi possível verificar que o capitalismo brasileiro integrava-se no sistema econômico mundial sob a hegemonia dos Estados Unidos, que, por razões estratégicas, sustentavam os preços dos produtos latino-americanos no mercado internacional. Havia forte pressão para que o capital estrangeiro entrasse no país.
Ademais, a partir dos processos de industrialização e urbanização descontrolados no Centro-Sul do país, surgiram problemas como: desemprego urbano, favelização, aumento da criminalidade e uma maior possibilidade de participação dessa crescente massa urbana nas decisões do país.
Esse contingente urbano, formado pelas classes médias e operárias, conforme tomavam consciência do seu poder de voto, exigiam, além da participação política, a prestação de direitos sociais, bem como maiores possibilidades de emprego e consumo. Nesse contexto, surgiram as bases da democracia populista no país.
Segundo Castro (2011, p. 523):
O período de 1945 a 1964, chamado por alguns de “experiência democrática” foi, portanto, uma fornalha, prestes a explodir. De um lado, o operariado urbano desejoso de maior participação e melhorias de vida, junto com eles uma massa crescente de despossuídos que ocupavam os morros e periferias das cidades; de outro lado a elite, acostumada a não ter muitos problemas para impor sua vontade; no meio, a classe média urbana, nova e extremamente ansiosa em parecer-se em consumo e pensamento com os da classe alta. Em suma, um barril de pólvora.
Assim, ao contrário do que poderia parecer através da Constituição de 1946, não foi implantada uma democracia durante esse período. Houve, na realidade, a intervenção dos militares na política, pelo menos, duas vezes: uma para garantir a eleição de Juscelino Kubistchek e outra para derrubar João Goulart, inaugurando a ditadura militar.
O golpe militar instaurado entre 31 de março e 1º de abril de 1964 foi resultado das instabilidades institucionais que subsistiram no país desde 1930, bem como das agitações de cunho político, econômico ou social, tais quais turbulências militares, inflações e greves.
O Estado brasileiro vivenciou um período de ditadura militar, após 1964 e até período próximo da Constituição de 1998, caracterizado pela restrição de direitos fundamentais, com seu respectivo declínio decorrente do retorno do movimento democrático ao país.
Conforme Piovesan (2010), o período que marcou a ditadura militar no Brasil (1964 a 1985) acarretou o desaparecimento forçado de 150 pessoas, a morte de 100, além de denúncias que superam a soma de 30.000 casos de tortura, de autoria de agentes públicos orientados pela doutrina da Segurança Nacional.
Outrossim, conforme Mezarobba (2010, p. 9), durante este mesmo período, aproximadamente, dez mil cidadãos brasileiros foram exilados e, no mínimo, 130 foram banidos; adicionalmente, 7.362 pessoas foram acusadas judicialmente e 10.034 foram investigadas em inquéritos policiais, bem como 6.592 militares foram punidos e no mínimo 245 estudantes foram expulsos de suas universidades.
Anote-se que o Brasil não foi o único país a passar por uma ditadura na segunda metade do século passado na América Latina, ao que se soma, por exemplo, as ditaduras chilena, argentina e peruana. Outrossim, a ditadura militar brasileira foi a menos agressiva, apesar de igualmente ter provocado crimes contra a humanidade e implicado as mais variadas violações aos direitos humanos. No mesmo sentido:
Assim como outros países da região, na segunda metade do século passado o Brasil também foi governado por militares que usurparam o poder e operavam dentro de uma estrutura ideológica compartilhada, da doutrina de “Segurança Nacional”, no cenário internacional da Guerra Fria. (MEZZAROBA, 2010, p. 7)
A história brasileira foi marcada por uma tradição intervencionista, com uma relação de negociação entre o poder estatal e o poder militar, na qual por diversas vezes os militares atuaram em nível de pressão política. Não obstante, o ponto de início do regime militar brasileiro, com a transferência do poder aos generais, deu-se através do golpe de 1964[1] (BORGES, 2012, p. 58).
De acordo com a literatura oficial (BRASIL, 2007, p. 19-20), a ditadura militar brasileira não foi um fato isolado, mas estava inserida no contexto da lógica da Guerra Fria, no qual diversos países latino-americanos sucumbiram a ditaduras militares. Dessa forma, como regra geral, os governantes tinham como objetivo, no plano político, conter o movimento comunista, conforme a estratégia norte-americana denominada de doutrina da Segurança Nacional, e, no plano econômico, limitar as negociações com seus antigos aliados do capital externo, por conta da interferência dos respectivos poderes militares.
Destarte:
O Brasil, assim como os demais países latino-americanos, com exceção de Cuba, acabou orbitando em torno da galáxia estadunidense, cada vez mais temerosa que a Revolução Cubana pudesse servir de exemplo para que outros países da América Latina passassem para o outro lado do conflito. Foi notável a participação de Lincoln Gordon, embaixador estadunidense no Brasil, e da alta cúpula de Washington, na deflagração e apoio do golpe de Estado. (SILVA FILHO, 2011, p. 288)
No Brasil, especificamente a respeito da doutrina da Segurança Nacional, esta foi absorvida no ordenamento jurídico, através das três Leis de Segurança Nacional, constituídas pelos Decretos-Leis nº.s 314/1967, 510/1969 e 898/1969. Os objetivos precípuos desta legislação eram igualar a vontade da Nação e do Estado com a vontade do regime, bem como indicar a intolerância em relação aos antagonismos internos (BRASIL, 2007, p. 19).
Por outro lado, vale lembrar que, durante o período de exceção, para concretizar a doutrina da Segurança Nacional, também foram criados diversos órgãos de segurança, entre eles, pode-se citar o Serviço Nacional de Informações (SNI), responsável por coletar e analisar informações relacionadas à segurança nacional e questões de subversão interna, e o Destacamento de Operações de Informações, que tinha autonomia própria para perseguir, torturar, matar ou prender opositores políticos, na proteção da paz interna (BORGES, 2012, p. 63-64).
Mezarobba (2010, p. 8-10) observa três fases distintas durante o regime ditatorial brasileiro[2], sendo que: a primeira fase ocorreu entre o golpe de 1964, momento em que o autodenominado Comando Supremo da Revolução editou o Ato Institucional-1 (AI-1)[3], e a consolidação do regime militar; a segunda começa com a decretação do Ato Institucional-5 (AI-5), tendo seu fim com o início da terceira fase; a terceira fase, por sua vez, deu-se com a posse na presidência do general Ernesto Geisel e termina com o fim do período de exceção.
Na primeira fase da ditadura, destacaram-se os quatro primeiros Atos Institucionais (AI), como pontos de início de ondas repressoras.
Conforme a Secretaria Especial de Direitos Humanos:
O primeiro Ato Institucional, de 09/04/1964, desencadeou a primeira avalanche repressiva, materializada na cassação de mandatos, suspensão dos direitos políticos, demissão do serviço público, expurgo de militares, aposentadoria compulsória, intervenção em sindicatos e prisão de milhares de brasileiros. (BRASIL, 2007, p. 22)
Isto é, o AI-1 funcionou como substrato jurídico para estabelecer de direito o regime, do qual decorreram ações que buscaram descontaminar o regime de opositores, em sensível consonância com a doutrina da Segurança Nacional[4].
Entende-se que foi a partir do AI-1 que a ditadura teve início, e não a partir do golpe de Estado. Tal ato institucional, como já exposto, buscou justificar a até legitimar o que foi chamado de “revolução”, estabelecendo poderes constituintes aos seus líderes.
Segundo Castro (2011, p. 528), “os atos institucionais estariam, a partir desse momento, acima do poder legislador de uma Constituição e, assim, estiveram por duas décadas a partir do AI-1, por força das armas”.
O poder de legislar coube aos militares, que afirmavam que a sua legitimidade não vinha do Congresso Nacional. Na verdade, era esta instituição que recebia do AI-1 a sua legitimação.
A Constituição de 1946 foi mantida como prova da intenção dos militares de não radicalização. No entanto, tal fato é incontroverso, haja vista terem os revolucionários o poder de modificá-la sempre que desejassem.
Em suma, pode-se informar que, de acordo Mezarobba (2010, p. 8), durante a vigência do AI-1: houve a suspensão por seis meses das garantias da vitaliciedade e da estabilidade, o que possibilitou a demissão ou dispensa de servidores públicos e militares; ademais, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) foram todos fechados, bem como as entidades de coordenação sindical e os sindicatos foram colocados sob intervenção.
Além disso, era possível a suspensão de direitos políticos pelo prazo de dez anos e a cassação de mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.
Conforme aduz Castro (2011, p. 531):
[...] nas semanas seguintes à deposição de João Goulart, mais de 5 mil pessoas foram presas. Entre 1964 e 1966, cerca de dois mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente. Trezentas e oitenta e seis pessoas tiveram seus mandatos cassados e/ou viram seus direitos políticos serem suspensos por dez anos.
A tortura foi uma constante desde o início do período ditatorial, tendo sido utilizada não só contra os comunistas, mas também contra os militares, ainda que de altas patentes, que mantivessem uma posição contrária ao grupo que estava no poder.
O Ato Institucional-2 surgiu em um momento de vitória da chamada “linha dura”, que era considerada a parte do jovem oficialato do exército que desejava a eliminação de qualquer vestígio do regime deposto, bem como qualquer oposição que surgisse, uma vez que eram considerados inimigos do Brasil.
O AI-2, de 27 de outubro de 1965, “acabou por restaurar muitos dos poderes especiais que tinham expirado com o primeiro Ato e investiu os ‘revolucionários’ de poder constituinte permanente” (CASTRO, 2011, p. 533).
Outrossim, Mezarobba (2010, p. 8) assevera que o Ato Institucional-2 (AI-2) tornou as eleições presidenciais em indiretas, extinguindo-se os partidos políticos[5].
Destarte, o AI-2 possuía mais força que uma Constituição, podendo, inclusive, emendá-la sem a participação de nenhum representante do povo. Tal fato, por ser inconstitucional e ilegal, causava inúmeros problemas na justiça para o governo. Por tal razão, o governo passou a intervir nessa justiça: aumentou o número de membros do Supremo Tribunal Federal de onze para dezesseis, sendo que os cinco novos eram escolhidos dentro dos interesses militares; passou para o domínio do Tribunal Militar o julgamento de crimes “contra a segurança nacional”; e, por fim, o Judiciário já não tinha competência para julgar os atos praticados “em nome da Revolução” (CASTRO, 2011, p. 535-537).
Ademais, as cassações voltaram a ser feitas pelo Presidente e o Estado de Sítio também pôde ser instituído por ele. Ofendeu-se a independência dos Estados ao possibilitar a intervenção do Governo Federal, inclusive para evitar a “subversão da ordem”.
Assim, o Executivo tinha poderes para controlar o Judiciário, bem como cassar mandatos no Legislativo.
O Ato Institucional-3 (AI-3), por sua vez, deu poderes para que as Assembleias Legislativas dos Estados, além de nomearem os governadores de Estado como já acontecia, passassem a indicar os prefeitos das capitais e de cidades classificadas como de “segurança nacional” (MEZAROBBA, 2010, p. 8).
Por fim, o Ato Institucional-4 (AI-4) foi responsável pela convocação do Congresso Nacional para votar a Constituição, tendo em vista a falta de sistematização decorrente da dilapidação da Constituição de 1946 pelos três primeiros atos institucionais (CASTRO, 2011, p. 542).
Desta feita, surgiu a Constituição 1967, cujo projeto fora apresentado pelo Executivo ao Congresso e que, apesar da proposição de várias emendas, permaneceu incólume ao procedimento legislativo, resultando basicamente nas mesmas disposições da Constituição de 1946, extraídos os pontos democráticos e adicionados os Atos Institucionais (CASTRO, 2011, p. 542).
De acordo com Castro (2011, p. 543-548), alguns pontos podem ser destacados acerca desta Constituição: 1) competência da União para investigar crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social; 2) possibilidade do Executivo de intervir, com decretos dotados de força de lei, sobre qualquer assunto considerado de interesse público, segurança nacional ou matéria financeira; 3) eleição do Executivo, por meio de um Colégio Eleitoral; 4) atribuição ao Presidente da República de diversos poderes, tais como: aprovar a nomeação dos Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional, e decretar e executar a intervenção federal, até ao nível municipal; 5) com relação à justiça, permaneceu o que tinha sido indicado pelos dois primeiros atos institucionais, isto é, o Supremo com dezesseis Ministros e a competência da Justiça Militar para o julgamento de crimes contra a segurança nacional; 6) por fim, cabe destacar que a Constituição 1967, ao menos literalmente, manteve a existência de direitos individuais, tais como: o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade e mesmo à livre manifestação de pensamentos, sendo que do abuso de tais direitos poderia decorrer a perda de direitos políticos, além da responsabilidade penal e civil, como previa o art. 150 daquela Constituição.
Após o forte crescimento de oposição ao regime militar, notadamente através do movimento estudantil, marcado pela atuação da União Nacional dos Estudantes (UNE), bem como do aumento das greves trabalhistas, da atuação de antigos lideres políticos, formando a oposição extraparlamentar denominada “Frente Ampla”, além de apoio de parcela da Igreja Católica, o regime militar deu início a uma nova fase de repressão, por meio do AI-5, em dezembro de 1968, o qual, pela severidade das medidas, é o mais comentado (CASTRO, 2011, p. 548-549).
Observe-se:
Dentre os atos, destaca-se o Ato Institucional 5, pelo qual o presidente passava a deter poderes de fechar o Congresso Nacional quando julgasse oportuno, permitia as demissões sumárias, cassações de mandatos, suspensões de direitos políticos.
O ato também suspendia os direitos constitucionais da liberdade de expressão e de reunião por meio da censura; permitia a proibição ao cidadão do exercício de sua profissão; e interrompia a garantia de habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional. Por tudo isso, o Ato Institucional 5 “era a ditadura sem disfarces”. (BORGES, 2012, p. 63).
Logo, o AI-5 representou a normatização, se é que se pode falar em legalidade, de todos os meios que a ditadura militar imaginava serem válidos para expurgar o inimigo interno, tudo em conformidade com a doutrina da Segurança Nacional.
Outrossim, o próprio poder Judiciário foi albergado pelas disposições da AI-5, tendo em vista que suspendeu-se mais uma vez as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, sendo que ao Presidente da República ficava facultado demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer portadores de tais garantias.
E de fato o regime tornou-se mais severo em relação ao Judiciário:
(...) em janeiro de 1969, três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se aposentar, o presidente do Supremo acabou renunciando em protesto. Um sexto Ato Institucional foi feito e o número de magistrados do STF caiu de 16 para 11 e os delitos contra a segurança nacional, que anteriormente poderiam ser julgados por Tribunais militar ou civis, foram para a jurisdição dos Tribunais Militares. E, mesmo estes não escaparam da fúria da “linha dura”. O governo decretou a aposentadoria de um General ministro do Supremo Tribunal Militar por considerar que ele era complacente demais com os réus. (CASTRO, 2011, p. 552-553)
Assim, a própria democracia, que até então estava seriamente dilapidada, mas que ao menos possuía como ponto de referência isolado a sobrevivência do Congresso Nacional, ainda que formalmente, agora encontrava o seu completo oblívio, visto que a Presidência da República passava a deter poderes para fechar o parlamento brasileiro no momento em que imaginasse ser oportunidade.
Note-se, ademais, que o instrumento do habeas corpus de extensa tradição como garantia constitucional foi restrito nos casos dos denominados crimes contra a segurança nacional, além dos casos de crime político, crimes contra ordem econômica, segurança nacional e economia popular[6].
Merece destaque ainda que:
Para completar o quadro de possibilidades de repressão à margem de qualquer legalidade, três meses depois da edição do AI-5, ficou estabelecido que os encarregados dos Inquéritos Policiais podiam prender qualquer indivíduo por sessenta dias, dos quais dez em regime de incomunicabilidade. Tempo mais que suficiente para que a tortura, que já era usual e especializada, acontecesse de maneira facilitada. (CASTRO, 2011, p. 554).
Ao final do ano de 1969, o aparelho repressivo já se encontrava plenamente instalado, possuindo uma espécie de poder paralelo em relação ao Estado. Nesse sentido, os agentes públicos poderiam utilizar quaisquer métodos, inclusive execuções e torturas, sob a tutela do AI-5.
Adicionalmente, vale fazer referência a terceira Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 898), que introduziu a prisão perpétua e a pena de morte para os opositores envolvidos em conflitos armados que tivessem o resultado morte (BRASIL, 2007, p. 22).
Em resumo, pode-se frisar que a segunda fase: “Foi o período onde a repressão atingiu o seu grau mais elevado, com forte censura à imprensa e ações punitivas em universidades” (MEZAROBBA, 2010, p. 9).
Por tudo, verifica-se que o AI-5 possibilitou ao regime um substrato normativo, ainda que desconexo com qualquer noção mínima de direitos fundamentais, para que se reprimisse qualquer possibilidade de alguém se colocasse contra os ideais da doutrina da Segurança Nacional.
Não obstante o presente trabalho não verse sobre o período de redemocratização, é interessante uma breve exposição de como se deu a reta final da ditadura militar.
A terceira e última fase, iniciada em 1974, com a presidência do general Ernesto Geisel, ficou caracterizada pela lenta abertura política brasileira, que durou até o fim da ditadura.
Assim, a partir de 1978: os banimentos passaram a ser revogados; o Ministério das Relações Exteriores começou a facilitar a emissão de passaportes e títulos de nacionalidade aos que estavam fora do país por razões políticas; e o AI-5 foi finalmente revogado (MEZAROBBA, 2010, p. 9).
Nessa toada, Fico (2011, p. 319) explica que:
A chamada “abertura política” iniciou-se no governo do general-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) e se estendeu pelo mandato de seu sucessor, o general João Figueiredo (1979-1985). Geisel tomou várias iniciativas que atenuaram a opressão política, como o abrandamento da censura à imprensa, a revogação da parte da legislação repressiva (como o AI-5 e o decreto-lei nº 477), o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos e a abolição das penas de morte, prisão perpétua e banimento, entre outras.
Essa abertura política, acompanhada, essencialmente, do abrandamento do aparelho repressor, da possibilidade de que algumas pessoas expulsas ou exiladas retornassem e da recuperação gradual das garantias individuais, necessário dizer, equivale ao projeto inicial de transição democrática brasileira, o que se acentuou e perdurou até a Constituição de 1988.
Portanto, esta última fase tem como ponto fulcral a retomada gradual e controlada pelo regime ditatorial da democracia ao Estado brasileiro.
Diante do estudo ora elaborado, verificou-se que o regime militar resultou em diversas violações a direitos humanos, tais como, torturas, banimentos, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e restrição de direitos individuais, estava amparado normativamente em Atos Institucionais, que nada mais eram que decretos com força superior inclusive à Constituição vigente.
Nessa linha, o regime iniciou-se com o primeiro ato institucional, e as violações cresceram gradualmente até atingir o ápice, durante a segunda fase da ditadura militar, com o quinto ato institucional, o mais radical de todos, que outorgou ao Presente da República a faculdade de fechar o Congresso Nacional no momento que entendesse ser necessário.
Finalmente, com a presidência de Ernesto Geisel, deu-se a redemocratização lenta, porém controlada pelo regime militar, a qual resultou na Constituição Federal de 1988, símbolo máximo do fim do regime de exceção e das violações nele perpetradas.
É sintomático acrescentar que não houveram responsabilizações dos agentes da repressão, sendo tais vedadas pela Lei de Anistia brasileira, corroborando-se o entendimento de que transição brasileira foi controlada.
BORGES, Bruno Barbosa. Justiça de transição: a transição inconclusa e suas consequências na democracia brasileira. Curitiba: Juruá, 2012.
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FICO, Carlos. A negociação parlamentar da anistia de 1979 e o chamado “perdão aos torturadores”. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Revista Anistia Política e Justiça de Transição. n. 4. jul./dez. 2010. Brasília: Ministério da Justiça, 2011. p. 318-333.
MEZAROBBA, Glenda. Entre reparações, meias verdades e impunidade: o difícil rompimento com o legado da ditadura no Brasil. SUR – Revista internacional de Direitos Humanos, v. 7, n. 13, p. 7-25, São Paulo, dez. 2010. Disponível em: <http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo13.php?artigo=13,artigo_01.htm>. Acesso em: 04 fev. 2013.
PIOVESAN, Flávia. Lei de Anistia, direito à verdade e à justiça: impacto do sistema interamericano e perspectivas da justiça de transição no contexto Sul-Americano. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 21. p. 456-469.
SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Memória e reconciliação: o impasse da anistia na inacabada transição democrática brasileira. In: BRASIL. Ministério da Justiça; Comissão de Anistia. A anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada. Brasilia: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, 2011. p. 278-306.
[1] “Nesse momento [próximo ao golpe e marcado por forte oposição política entre o governo de João Goulart, acusado de comunista, e os militares], os militares já não queriam mais negociar. Assim, a ação golpista é vitória no dia 01.04.1964, derrubando o governo constitucional de João Goulart e instaurando no Brasil a ditadura militar. Para os militares, era a vitória da ‘revolução’.” (BORGES, 2012, p. 61).
[2] As três fases são reconhecidas também pela literatura oficial, através da obra Direito à verdade e à memória (BRASIL, 2007, p. 19-20).
[3] Os atos institucionais eram instrumentos que se valiam da ideia de que o fato do movimento militar ser revolucionário implicava a constatação de que o movimento seria expressão do poder constituinte originário (BORGES, 2012, p. 62).
[4] “A Doutrina de Segurança Nacional se assentava na tese de que o inimigo da Pátria não era mais externo e sim interno. Não se tratava mais de preparar o Brasil para uma guerra tradicional, de um Estado contra outro. O inimigo poderia estar em qualquer parte, dentro do próprio país, ser um nacional. Para enfrentar esse novo desafio, era urgente estruturar um novo aparato repressivo.” (BRASIL, 2007, p. 22)
[5] Mais especificamente a situação era a seguinte: “Outra característica do governo militar foi a existência de dois partidos; porém, apesar de permitir um bipartidarismo, os partidos não tinham liberdade de expressão, e os direitos eleitorais sempre favoreciam os candidatos da ditaduras”. (BORGES, 2012, p. 63).
[6] “Ressalve-se que o habeas corpus, o qual reconhecia ao indivíduo a capacidade de se livrar da coação ilegal do Estado, era visto pelos militares, desde os primeiros dias de 1964, como um túnel por onde escapavam os inimigos do regime. Assim, sua suspensão era a peça que faltava no cenário para os crimes da ditadura.” (BORGES, 2012, p. 63).
Advogado, graduado pela UFMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Ramon de Sousa. A história do direito e a ditadura militar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45918/a-historia-do-direito-e-a-ditadura-militar. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
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Por: Sócrates da Silva Pires
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