Resumo: O TST possui o entendimento exposto na Orientação Jurisprudencial 247 da SDI-1 no sentido que é possível a dispensa de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista sem a necessidade de motivação para a validade do ato, mesmo aqueles admitidos por concurso público. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgado do RE 589.988 PI firmou entendimento que é indispensável a motivação do ato de demissão em virtude dos princípios da impessoalidade e da isonomia.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Demissão. Empresas Públicas. Sociedades de Economia Mista. Justificativa. Validade. STF e TST.
1- Introdução
As empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública Indireta. Tais entes encontram-se definidos no artigo 5º do Decreto-Lei 201/67. Em que pese existirem divergências doutrinárias acerca do conceito legal, sua natureza de pessoa jurídica de direito privado é pacífica. Isso é fundamental para definir que a Consolidação das Leis Trabalhistas rege os contratos de trabalho dos empregados públicos e dos empregados das sociedades de economia mista.
A Constituição Federal impõe a exigência da prévia aprovação em concurso público para o acesso aos empregos nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista em seu artigo 37, inciso II. Trata-se de uma garantia da observância dos princípios da isonomia e da impessoalidade consagrados no sistema constitucional. Com base nesses fundamentos, o STF entende ser indispensável a motivação para a dispensa, mesmo sem justa causa, desses empregados. Tal entendimento difere da posição do TST, conforme se verá a seguir.
2- Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista
2.1- Conceito
O conceito de Empresa Pública está presente no art. 5º, II do Decreto-Lei 201/67, que assim a define: “Empresa Pública- a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força da contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. ”
Já Sociedade de Economia Mista está definida no art. 5º, III do mesmo diploma legal, que assim dispõe: “Sociedade de Economia Mista- a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. ”
Esses conceitos legais são bastante criticados por Celso Antônio Bandeira de Mello. Segundo o doutrinador, o Decreto-lei 900 possui autorização que autoriza a participação de outras pessoas jurídicas de Direito Público Interno, bem como de entidades da Administração indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, fica visível que empresas públicas não são apenas as que se constituem de capital “integralmente da União”. Também não se pode desconsiderar a hipótese em que o capital não pertença majoritariamente à União, mas sim a alguma autarquia ou outro ente público. E não pode descaracterizá-la apenas por conta desse fato. Assim, vê se que o conceito legal de Empresa Pública contém algumas impropriedades.
A mesma falha ocorre com as sociedades de economia mista. O conceito legal não leva em conta que essas sociedades podem exercer não só atividades econômicas, bem como atividades de serviço público. Isso ocorre com várias prestadoras de serviço público de água encanada e tratamento de esgotos, as quais muitas vezes são estruturadas sob a forma de Sociedades de Economia Mista. Também não é necessário que a maioria do capital votante pertença a uma só pessoa jurídica de direito público, podendo pertencer a várias.
Feitas essas considerações, será analisada a natureza jurídica desses entes.
2.2- Natureza jurídica
Como já citado acima, as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista tem personalidade jurídica de direito privado. No entanto, como fazem parte da Administração Pública Indireta, possui seu regime derrogado por normas de direito público. Isso acontece por exemplo na obrigatoriedade de seguir os princípios da Administração Pública previstos no art. 37 da CF/88.
Obviamente, que o regime de tais entidades não pode ser igual os das demais pessoas jurídicas de direito público, tendo em vista a exploração de atividade econômica e o risco de ter sua atividade engessada e não conseguir concorrer com as pessoas jurídicas de direito privado. Por isso mesmo, o art. 173, § 1º da CF/88 dispõe:
“Art. 173 (...) § 1º- A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I- sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II- a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III- licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV- a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; e V- os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.”
Em suma, a CF/88 delegou à lei federal a competência para o estabelecimento dos estatutos jurídicos das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista com a intenção de proporcionar mais flexibilidade na persecução de seus objetivos essenciais. É importante salientar que essa lei jamais foi editada, então aplica-se as normas aplicáveis às entidades da Administração Pública com seus devidos temperamentos.
3- Regime de pessoal
3.1- Regime aplicável
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o regime aplicável aos empregados das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista é o previsto na CLT. Obviamente a admissão desses empregados não é livre e se dá mediante concurso público, conforme o disposto no artigo 37, II da CF/88. Isso se dá para a observância dos princípios da isonomia e da impessoalidade, tão prestigiados na ordem Constitucional brasileira.
3.2- Dispensa desses empregados: TST Vs STF
Para o TST a dispensa de empregados de empresa pública e de sociedades de economia mista independe de qualquer espécie de motivação, mesmo que esses empregados sejam admitidos por concurso público. Vejamos o entendimento constante na Orientação Jurisprudencial nº 247 da SDI-1:
“247. Servidor Público. Celetista concursado. Despedida imotivada. Empresa Pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade. I- A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para a sua validade. II- A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais. “
Essa OJ exprime o entendimento do TST, para o qual a demissão de empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista não precisa de motivação. A única exceção fica por conta da ECT, visto que essa empresa é equiparada à Fazenda Pública em diversos aspectos. Bom salientar que esse entendimento visa a dar mais flexibilidade para tais entes controlarem suas relações trabalhistas.
Já o STF possui entendimento oposto. Segue ementa do acórdão proferido pela Egrégia Corte e depois sua análise apurada:
EMENTA : EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (RE 589.998 PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/03/2013).
Então está claro que o STF entende ser indispensável a motivação para que a demissão dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Em suma, considerando que esses empregados são admitidos por meio de concurso público, em observância aos princípios da impessoalidade e da isonomia. Obviamente, esses empregados não gozam da estabilidade. Essa garantia assegura apenas que a administração pública seja obrigada a motivar as demissões das empresas públicas e das sociedades de economia mista. É uma garantia em favor desses empregados e também para a administração siga seus princípios. Portanto, é provável que em breve o TST reformule o seu entendimento, alinhando ao entendimento do STF.
4- Conclusão
Conforme visto, o TST possui o entendimento que a Administração Pública pode demitir os empregados das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista sem necessidade de motivação, tendo em vista a natureza privada desses entes. Já o STF em recente decisão entendeu que a demissão de tais empregados deve ser sempre motivada, tendo em vista a necessidade de observância os princípios da isonomia e da impessoalidade. Tendo em vista esse novo entendimento do STF, o TST tende a modificar o seu entendimento, alinhando-se a posição da Suprema Corte.
5- Referências
NEIVA, Rogério. Direito e Processo do Trabalho aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. 2ª Ed. Editora Método. São Paulo. 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª Ed. Editora Malheiros. São Paulo. 2015.
Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região- Sede, graduado em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo- Olinda- PE em 2011, Especialista em Direito Público pela Faculdade Estácio (2013), Pós-graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera- Uniderp (2015).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Gabriel Carneiro de. Da necessidade de motivação para demissão dos empregados de empresa públicas e sociedades de economia mista. Entendimento STF divergente ao do TST Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45930/da-necessidade-de-motivacao-para-demissao-dos-empregados-de-empresa-publicas-e-sociedades-de-economia-mista-entendimento-stf-divergente-ao-do-tst. Acesso em: 02 nov 2024.
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