Resumo: A saúde é um direito de todos e dever do Estado, conforme previsto nos artigos 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988. O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu em inúmeras oportunidades que existe solidariedade entre União Federal, Estados, Municípios e Distrito Federal para responder por demandas que envolve o direito à saúde, visto ser uma obrigação constitucional de todos os entes federativos. No entanto, é necessário compreender quais os limites dessa solidariedade, especialmente no tocante ao fornecimento de medicamentos.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito administrativo. Ilegitimidade. Medicamentos. Sistema Único de Saúde.
1- Introdução
Diariamente várias ações judiciais são propostas em face da União Federal objetivando o fornecimento de medicamentos. É certo que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, previsto nos arts. 196 e seguintes da CF/88. Não pode também deixar de considerar que os recursos financeiros são escassos, não sendo suficientes para atender todas as demandas. Além disso, o orçamento público é pautado pelo princípio da legalidade e não pode haver despesas sem sua previsão orçamentária. Importante frisar esse ponto das escolhas trágicas e do princípio da legalidade orçamentária para demonstrar que a proliferação de ordens judiciais deferindo todo tipo de medicamento pode ocasionar sérios danos às finanças da União, bem como impactar no desenvolvimento das políticas públicas previstas e aprovadas através do Congresso Nacional, quando da elaboração das leis orçamentárias.
É necessário analisar em quais casos a União deve responder solidariamente pelo fornecimento de medicamentos, pois em alguns casos a imputação dessa responsabilidade ao referido ente federativo configura um verdadeiro bis in idem como se demonstrará no decorrer do presente estudo.
2- Da legitimidade da União
2.1- Responsabilidade solidária dos entes federativos
O STF já reafirmou a jurisprudência de que todos os entes federativos são responsáveis solidários pelo fornecimento de medicamentos. Isso quer dizer que quaisquer entes podem figurar no polo passivo de ações judiciais nas quais se discuta a obrigação de fornecer fármacos.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 855.178-SE
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente.
Ou seja, o STF reconheceu que todos os entes possuem legitimidade e obrigação de fornecer medicamentos e tratamento médico para a população que deles necessitarem. No entanto, observando melhor a legislação e a jurisprudência nota-se que essa legitimidade não é ampla ou irrestrita, possuindo certos limites.
2.2- Limites à responsabilidade da União em fornecer medicamentos
Quando o julgado do STF menciona a responsabilidade solidária de todos os entes federativos em prover tratamento médico para a população que deles necessitarem pode levar à errônea conclusão que a União é responsável solidariamente de fornecer todo e qualquer tipo de medicamento.
É preciso compreender os limites desse julgado, bem como explicar alguns dispositivos constitucionais relacionados à saúde. Como se extrai do art. 198 da CF/88, as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e integralizada e constituem em um sistema único. Além disso, uma das diretrizes desse sistema é a descentralização, com direção única, em cada esfera de governo (art. 198, inciso I da CF/88). Então as ações relacionadas à saúde são repartidas entre os entes federativos, que em seu conjunto formam o Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS é regulado pela lei nº 8.080/90, a qual define bem as atribuições comuns de todos os entes na área da saúde, bem como as competências específicas de cada ente da federação dos arts. 15 ao 18 da referida lei. Na análise dos arts. 17 e 18, percebe-se que a atribuição de fornecer medicamentos compete especificamente aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, principalmente pelo fato de estarem mais próximos à população. Além do mais, a União Federal presta auxílio financeiro para o desenvolvimento destas ações de saúde, conforme o art. 16, XIII e deve promover a descentralização para as unidades Federadas e para os municípios dos serviços e ações de saúde (art. 16, XV da lei nº 8.080/90).
É importante salientar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), é o ente competente para autorizar a comercialização de medicamentos no país. Exerce de certa forma um controle de índole técnica e administrativo, atestando a eficácia e a segurança de determinado fármaco. Assim, não pode um ente ser compelido a fornecer medicamento que sequer foi registrado na ANVISA, vedação presente no art. 19-T, I da lei nº 8.080/90. No entanto, tal entendimento ainda não foi pacificado pelos tribunais superiores.
Após o seu registro na ANVISA, existe todo um protocolo para a sua incorporação, exclusão ou alteração na lista do SUS. Essa atribuição administrativa é desenvolvida pelo Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e tem seu procedimento previsto no art. 19-Q da lei nº 8.080/90. Cabe salientar que nesse procedimento serão observados critérios como a eficácia do medicamento comprovada cientificamente, bem como a economicidade (verificação se existe algum tratamento de custo inferior disponível). Incorporado o medicamento nessa lista, os entes indubitavelmente são obrigados a fornecê-los.
Então a baliza desse julgado para a legitimidade da União para responder em demandas que envolvam o fornecimento de medicamentos é a seguinte: ela só será legitimada passiva se o medicamento for registrado na ANVISA e se estiver na lista do SUS. Nesse caso, o seu fornecimento integra as políticas públicas previstas, devendo à União promovê-las, sem criar embaraços. Nesse caso o judiciário ao obrigar o fornecimento de determinado tratamento médico não está determinando políticas públicas, mas apenas concretizando políticas públicas legalmente previstas e evitando que a União incorra em ilegalidades ou arbitrariedades, efetuando o seu devido controle.
2.3- Medicamentos de alto custo e sem registro na ANVISA
Para complementar o presente estudo, é importante mencionar 2 situações palpitantes, de extrema relevância e que ainda não foram solucionadas pelo STF, mas estão com Repercussão Geral reconhecida. É a questão dos medicamentos de alto custo e daqueles que não tem registro na ANVISA. Seguem as ementas:
SAÚDE – MEDICAMENTO – FALTA DE REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – AUSÊNCIA DO DIREITO ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL –CONFIGURAÇÃO. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da obrigatoriedade, ou não, de o Estado, ante o direito à saúde constitucionalmente garantido, fornecer medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. (RE 657718 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 17/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 09-03-2012 PUBLIC 12-03-2012
REPUBLICAÇÃO: DJe-092 DIVULG 10-05-2012 PUBLIC 11-05-2012 ).
SAÚDE - ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO -FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. (RE 566471 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 15/11/2007, DJe-157 DIVULG 06-12-2007 PUBLIC 07-12-2007 DJ 07-12-2007 PP-00016 EMENT VOL-02302-08 PP-01685 ).
Com base nesses temas com Repercussão Geral reconhecidas, é possível afirmar que quando o seu mérito for solucionado pelo STF, teremos um panorama mais seguro a respeito da obrigação ou não de fornecer medicamentos nesses 2 casos. A definição de mérito é crucial para o planejamento dos entes públicos nas ações relativas à saúde, bem como para conferir mais segurança jurídica para as decisões judiciais em ambos os sentidos. Sem dúvidas, caso o STF declare que o Poder Público é obrigado a fornecer medicamentos não registrados na ANVISA, bem como aqueles que possuam alto custo, tal decisão irá impactar nas finanças públicas, gerando uma necessária priorização nos gastos efetuados pelo Poder Público, direcionando mais recursos para as ações de saúde.
3- Conclusão
Conforme visto no presente esboço, a União Federal só será legitimada passiva em ações envolvendo o fornecimento de medicamentos caso o mesmo seja registrado na ANVISA e integre a lista de procedimentos do SUS. Fora desses casos, a legitimação pertence aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, conforme consta na divisão de atribuições no âmbito do SUS.
É crucial ficar atento como o STF irá se posicionar sobre a obrigação do Poder Público em fornecer medicamentos não registrados na ANVISA, bem como fármacos que possuam alto custo. Com tais decisões de mérito, poderá reanalisar esse tema, conferindo ao mesmo uma maior segurança jurídica, que será crucial para os entes públicos, bem como para a sociedade em geral.
4- Referências
- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva. 19ª Ed. São Paulo. 2015.
Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região- Sede, graduado em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo- Olinda- PE em 2011, Especialista em Direito Público pela Faculdade Estácio (2013), Pós-graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera- Uniderp (2015).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Gabriel Carneiro de. Da ilegitimidade da União Federal para figurar em todas as ações de medicamentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45945/da-ilegitimidade-da-uniao-federal-para-figurar-em-todas-as-acoes-de-medicamentos. Acesso em: 02 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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