1) Introdução
A Constituição Federal de 88, no artigo 216, §3º, inovou ao reconhecer, expressamente, a união estável como entidade familiar:
“§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Para muitos, o que a Constituição quis foi equiparar a união estável ao casamento. O Código Civil de 2002 (CC/02), porém, estabeleceu regimes sucessórios diversos em relação à união estável e ao casamento. À parte à discussão acerca da constitucionalidade ou não dessa distinção feita pelo CC/02 (que não será abordada nesse artigo), questiona-se o seguinte: Em que situação o regime sucessório da união estável é mais vantajoso que o estabelecido para o casamento? Na hipótese de o sobrevivente, anteriormente unido ao “de cujus” no regime da comunhão parcial de bens, concorrer com descentes, a depender do tipo de bens deixados pelo falecido.
É essa hipótese que será enfrentada nesse artigo.
2) Desenvolvimento
2.1) União estável
2.1.1) Conceito
O conceito de união estável é extraído do próprio texto constitucional supracitado, bem como do CC/02, nos seguintes termos:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
No que se refere a esse conceito, e apenas a título de pequena complementação, existia polêmica acerca da possibilidade do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Esse tema, porém, não será esmiuçado no presente artigo: basta saber que o STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277-DF, julgou procedente o pedido estipulado, para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil, veiculado pela lei 10.406/2002, a fim de declarar a aplicabilidade do regime de união estável às uniões entre pessoas de igual sexo. [1]
2.1.2) O regime da herança e da meação aplicável à união estável, na hipótese de adoção do regime da comunhão parcial de bens, na sucessão em concorrência com descendentes
A pessoa que vive em união estável com outra, na sistemática do CC/02, adquire o nome de companheira ou companheiro.
Para que se possa entender o regime sucessório do companheiro, mister é que, antes, a atenção seja direcionada ao seu direito à meação, que está previsto no artigo 1.725 do CC/02, in verbis:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Para que possamos entender o dispositivo, primeiro é importante saber que a meação é a parte do patrimônio do casal que cabe a cada um individualmente. Destarte, o que o dispositivo quer dizer, de forma mais simples, é que, caso haja o rompimento da união estável – sem acordo prévio e escrito em sentido contrário – cada companheiro terá direito à metade dos bens que sobrevieram ao casal, na constância da união estável, com a exceção dos bens previstos no art. 1.659 do CC/02.
Feito esse esclarecimento inicial, passemos à sucessão do companheiro. Ela está prevista no art. 1.790 do CC/02:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
Do exposto acima, há uma observação a ser feita: é que o direito sucessório do companheiro incide apenas sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da relação convivencial. Desse modo, e tendo em vista a questão da meação supracitada, podemos ter duas situações, a depender da natureza dos bens adquiridos na constância da união estável e deixados pelo “de cujus”:
a) Bens comuns: o companheiro terá direito à meação e à herança;
b) Bens particulares (bens que foram adquiridos unicamente por um companheiro, sem a concorrência onerosa do outro): o companheiro não terá direito à meação nem à herança.
Esse tratamento, como se verá, é diferente daquele dispensado ao casamento.
2.2) Casamento
2.2.1) Conceito
De acordo com José Lopes de Oliveira, “o casamento é o ato solene pelo qual se unem, estabelecendo íntima comunhão de vida material e espiritual e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer, sob determinado regime de bens”. [2]
2.2.2) O regime da herança e da meação aplicável ao casamento – regime da comunhão parcial de bens, na concorrência com descendentes
O artigo 1.829 do CC/02 dispõe o seguinte:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
Como se pode perceber do artigo em comento, caso o cônjuge sobrevivente tenha sido casado com o “de cujus” no regime da comunhão parcial de bens, e o falecido não tenha deixado qualquer bem particular (ou seja, só tenha deixado bens comuns a ambos o cônjuges), o esposo(a) sobrevivente não terá direito à herança, quando concorrer com descendentes, restando-lhe, apenas, o direito à meação.
4) Conclusão
Desse modo, pode-se concluir que, no que se refere à situação sucessória do companheiro e do cônjuge (na situação em que ambos se unem pelo regime da comunhão parcial de bens, e concorrem com descendentes), temos o seguinte:
Companheiro -> Se o “de cujus” deixar bens particulares, o companheiro não terá direito à herança, nem há meação.
Se o “de cujus” deixar somente bens comuns, o companheiro terá direito à meação e à herança.
Cônjuge -> Se o “de cujus” deixar bens particulares, o cônjuge terá direito à herança, mas não terá direito à meação;
Se o “de cujus” deixar somente bens comuns, o cônjuge não terá direito à herança, porém terá direito à meação.
De modo mais fácil, vide o seguinte quadro:
Casamento ou união estável no regime da comunhão parcial de bens, na concorrência com descendentes
O cônjuge falecido deixou
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bens comuns
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bens particulares
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O cônjuge receberá
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Herança: Não.
Meação: Sim.
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Herança: Sim.
Meação: Não
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O companheiro receberá
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Herança: Sim.
Meação: Sim
|
Herança: Não.
Meação: Não.
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Como se pode perceber, à parte à discussão sobre a constitucionalidade ou não desse tratamento diferenciado dado pelo CC/02, na hipótese “in casu”, caso o “de cujus” tenha deixado apenas bens comuns, é preferível ser companheiro a ser cônjuge, pois, além de o companheiro beneficiar-se com a meação, irá partilhar, também, a herança com os descendentes do ex-companheiro.
5) Referências bibliográficas
[1] Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/marco-aurelio-uniao-homoafetiva.pdf>. Acesso: em 19 dez. 2015.
[2] OLIVEIRA, José Lopes de. CURSO DE DIREITO CIVIL- DIREITO DE FAMÍLIA. Editora Sugestões Literárias. São Paulo. 3º ed., 1980. Pág. 9.
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