Resumo: Neste artigo se realizou uma exposição descritiva dos mais importantes princípios de Direito Administrativo moderno. De inicio, foi destacada a caracterização dessa espécie de norma, de forma a viabilizar a revelação de sua importância. Em sequência, foram conceituados e explicados os princípios, ressaltando-se, inclusive, novos princípios e re-interpretações dos mais antigos.
Palavras chave: Princípios. Normas valorativas. Relevância.
1. Introdução
Não é mais desconhecida a doutrina que reconhece os princípios como espécies, ao lado das regras, de normas jurídicas. No entanto, é necessário relembrar as peculiaridades e diferenças de cada uma dessas.
Os princípios possuem maior grau de generalidade e abstração, já as regras têm maior grau de especificidade. Essas últimas, por sua vez, são descritivas, pois definem a situação jurídica (antecedente) e a consequência, por isso, diz-se que são mandados de definição.
De outro lado, os princípios são valorativos, tendo assim maior carga axiológica. Portanto, são mandados de otimização. Nessa linha, para dar efetividade a um princípio é necessária uma atividade de concretização, a qual chamamos de mediação concretizadora.
Quanto à resolução de antinomias, entre regras, resolve-se pelos critérios da hierarquia, especialidade ou cronológico (não são capazes de resolver o conflito quando as normas são constitucionais originárias). Já a antinomia entre princípios, resolve-se pela ponderação de interesses, bens e valores. O princípio da ponderação decorre do princípio da unidade da constituição.
Ponderar princípios significa sopesar, a fim de se discutir qual dos princípios, no caso concreto, tem maior valor. Harmonizar princípios equivale a uma contemporização de forma a assegurar, num caso concreto, a aplicação consistente dos princípios em conflito. A ponderação tem duas dimensões: axiológica (no campo dos valores) e a fática (no caso concreto). Não se pode dizer que sempre permanecerá o mesmo princípio sobre o outro.
No conflito de regras, uma regra deve ser totalmente afastada. No de princípios, nenhum pode ser totalmente sacrificado.
Com relação à função, os princípios são multifuncionais. São suas funções: nomogenética – os princípios orientam sobre a produção de normas jurídicas. (nomo – norma e genética – origem); exegética – servem para interpretar as outras normas; integrativa – são utilizados na colmatação de lacunas; sistêmica – harmonização da ordem jurídica.
As regras têm a função de definir o que é fática e juridicamente possível. A lei nova não atinge, em regra, fatos a ela anteriores, a lei surge para uma possibilidade jurídica (princípio da não retroatividade da lei – rege direito intertemporal).
Além disso, com relação à finalidade, os princípios almejam a realização da justiça, já as regras visam a resguardar a segurança jurídica.
Essas diferenças são gerais e servem para todos os ramos do direito, mas demonstram a relevância do tema abordado. Os princípios servem para dar coesão ao sistema jurídico. Decorrem do reconhecimento de que a mera descrição em regras – que se aplicam por subsunção - não é capaz de solucionar todas as questões jurídicas.
Há situações jurídicas dinâmicas, que demandam normas de interpretação mais elástica. Convém que o ordenamento combine regras com princípios, favorecendo ao intérprete a adequação do caso concreto.
Ressalte-se que a valorização dos princípios decorre de um movimento filosófico denominado pós-positivismo, que, após a Segunda Grande Guerra, ganha força como forma de realização da Justiça. A partir de então, reconhece-se que as regras não são suficientes e, se aplicadas literalmente, podem até gerar situações indesejadas pelo Direito.
Considerando tais premissas, será realizada um exposição dos princípios administrativos, inclusive, com proposta de releitura para aqueles que já precisam de adaptação para a sociedade mais moderna.
2. Dos princípios
2.1. Princípio da finalidade
O Estado não pode buscar outro fim senão o do interesse público. A maior expressão desse princípio no Direito Administrativo está na moralidade administrativa, que traz a mesma ideia, mas se aplica ao controle dos atos administrativos discricionários.
2.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público
O Estado não pode renunciar ao motivo de sua criação que é o interesse público. Não é dado ao gestor público a faculdade de perdoar falta grave de servidor, de maneira que não se aplica aqui o princípio da imediatividade, pelo qual, no Direito do Trabalho, se estabelece a obrigação em punir de imediato o empregado, sob pena de perda do poder de punir.
Até pouco tempo atrás, era de difícil aceitação que acordo ou a transação fossem realizados pela Administração Pública. O motivo apontado era a indisponibilidade do interesse público.
Contudo, a visão atual é que o caso concreto deve estabelecer se acordo vai, ou não, ao encontro ao interesse público.
Quanto à possibilidade de transações quando as questões já foram levadas a juízo, apresentam-se as seguintes condições: 1. deve trazer vantagem para o interesse público; 2. não pode ter havido o trânsito em julgado; 3. precatório que já está na lista não pode ser negociado; 4. o acordo tem que representar uma verdadeira transação, não um conluio. Não pode ser presumível o resultado.
Portanto, hodiernamente, considera-se a ponderação para o princípio da indisponibilidade do interesse público, que deve ser harmonizado frente aos demais direitos e interesses.
Nesse ponto, cabe pontuar que cresce a doutrina que aceita o princípio da consensualidade no Direito Administrativo, pelo qual o Estado deve estabelecer relações com particular não só de cima para baixo, mas também de igual para igual, dando voz ao cidadão. Por esse princípio, se vislumbra a possibilidade de pactos públicos – contratuais ou não contratuais – que privilegiem o consenso como método para o mais fácil, mais célere e menos dispendioso atingimento de interesses públicos específicos postos a cargo do estado. Assim, a consensualidade aparece como alternativa para incrementar a eficiência administrativa.
Com relação aos precatórios, cabe uma última ressalva, só podem ser afastados em situações excepcionais. A doutrina propõe uma flexibilização admitindo que, em determinadas situações, pode ser necessária a ponderação dos interesses públicos, visando a uma mais justa realização do direito.
São modernos exemplos os variados tipos de acordos substitutivos, em que se harmonizam a satisfação de interesses públicos e privados, coletivos ou difusos valorizados pelo direito, dos quais são costumeiros exemplos os termos de ajuste de conduta (TAC), os termos de compromisso e assemelhados. Outro exemplo é a aplicação do venire contra factum proprium, aplicado ao Direito Administrativo, em decorrência do princípio da confiança legítima e boa-fé objetiva, solidamente sintetizados no megaprincípio da segurança jurídica. Antes, dizia-se que o venire não se aplicava ao direito administrativo, por conta da imperatividade e da indisponibilidade.
Nessa linha, a imperatividade deve estar reservada para situações de defesa dos interesse definidos legalmente como públicos, desde que respeitada a Constituição da República e não se exerça em defesa de direitos meramente patrimoniais dos entes públicos, já que representam interesses secundários.
2.3. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular.
Dentro de seu território não há poder maior de que o do Estado. A soberania é a qualidade do poder que faz com que seja supremo no âmbito interno e independente no âmbito externo.
Acrescente-se que o poder soberano do Estado é um meio para se alcançar um fim. Na verdade, então, o que é verdadeiramente supremo é o fim.
Pela concepção clássica do Direito Administrativo, no território do Estado, não há interesse maior que o interesse público. Assim, a supremacia do interesse público está atrelada a própria ideia de soberania.
Todavia, esse princípio pode ser ponderado no caso concreto, não porque o interesse privado prevalece, mas pelo o interesse público dever se harmonizar com os interesses privados para se legitimar, no Estado Democrático de Direito.
No constitucionalismo pós-moderno, esse princípio deve ser interpretado em harmonia com o sistema de garantias fundamentais. No Estado constituído, não se possível manter essa divisão hermética entre interesse público e privado, com prevalência para o primeiro. Isso seria desconsiderar o espírito da Constituição da República de 1988, que trata com destaque dos direitos fundamentais.
2.4. Princípio da legalidade
Para o cidadão, a legalidade é escudo da liberdade (art. 5, II, da CF/88). Já para a Administração, a legalidade é o fundamento da sua própria atuação. Nesse ambiente de neoconstitucionalismo, o Estado só pode agir uma vez habilitado pela lei.
Segundo doutrina moderna, pelo princípio da legalidade, o Estado se autolimita, o que caracterizou o surgimento do Estado de Direito. Portanto, por definição, o Estado se submete às suas próprias leis, daí a consagrada expressão de Léon Duguit, “suporta a lei que fizeste” (legem patere quam fecisti).
2.5. Princípio da igualdade
No Direiro Administrativo, normalmente, se materializa com outro nome, sendo denominada impessoalidade.
Para não se aplicar esse princípio, deve existir uma justificativa. Em regra, a Administração deve agir de maneira objetiva, igualitária. Por exemplo: a regra é a universalidade na prestação do serviço público, o que reflete a impessoalidade, mas há uma lei que impede que homens andem em certos vagões, que são destinados à mulheres.
Como regra, a impessoalidade é manifestação da igualdade, mas há exceção. É o caso do artigo 37, parágrafo 1º, da Constituição da República. Segundo esse dispositivo, o administrador não pode usar a máquina pública para sua promoção pessoal. Nesse caso, a impessoalidade está atrelada à moralidade administrativa.
2.6. Princípio da sindicabilidade
Sindicabilidade é a possibilidade jurídica de se submeter efetivamente qualquer lesão de direito e, por extensão, ameaça de lesão a algum tipo de controle.
Esse princípio geral do Direito se apresenta como uma necessária consequência dos princípios substantivos da legalidade, legitimidade e dos correspondentes princípios adjetivos da responsabilidade e responsividade, aos quais se acresce o também princípio substantivo da moralidade admnistrativa.
A sindicabilidade tem diversos subprincípios: publicidade, motivação (como regra geral, os atos devem ser motivados), autotutela; inafastabilidade do acesso à justiça (é uma das facetas da sindicabilidade, que não necessariamente precisa ocorrer via judiciário).
Pela motivação, a Administração deve tornar expresso o motivo de seu agir.
Já a autotutela traz que o próprio Estado tem o dever de rever seus atos, quanto à adequação com interesse público e com a lei, conforme dispõe Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal (“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”).
Esse princípio, também, aparece no artigo 74 da Constituição da República: “art. 74. Os poderes legislativo, executivo e judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: i - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da união; ii - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; iii- exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da união; iv- apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º - os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao tribunal de contas da união, sob pena de responsabilidade solidária. § 2º - qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o tribunal de contas da união”.
A inafastabilidade do acesso à Justiça é o princípio de controle mais amplo, que seria a partir da atuação do Judiciário.
Não se deve perder de vista, que os atos administrativos tem presunção relativa de validade ou juridicidade, o que significa dizer que se presume o atendimento dos pressupostos de realidade, legalidade, legitimidade e licitude. O megaprincípio da segurança jurídica impõe que: 1. ocorre a imposição do ônus de iniciativa e da produção probatória é de quem alegue a existência de vícios invalidantes; 2. aplica-se a sanatória de possíveis vícios, seja voluntária, seja a que ocorre sem concorrência da vontade, pelo simples decurso do tempo.
2.7. Proporcionalidade
Se subdivide em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
É clássica a frase: “não se deve abater pardais com balas de canhão”, de Jellinek. É a expressão do princípio da necessidade, também chamado por alguns de vedação do excesso.
Proporcionalidade em sentido estrito é a aplicação da justiça no caso concreto. Já a adequação, a capacidade na medida para medir o resultado.
2.8. Princípio da confiança legítima
O Estado tem o dever de anular os seus atos ilegais, tendo em vista o princípio da autotutela e legalidade, mas o Estado de Direito não se restringe a esses princípios, devendo haver ponderação entre princípios. Entre os princípios que fundamentam o Estado de Direito, está a proteção da confiança legítima, decorrente da segurança jurídica
Nos tribunais superiores, a confiança legítima, tem sido invocada para justificar o direito à nomeação quando o aprovado está no número de vagas e dentro do prazo de validade do concurso, bem como para afirmar outros direitos.
A expectativa, entretanto, deve ser legítima, decorrente de uma atuação da Administração nos limites da Constituição. Portanto, deve decorrer de conduta realizada de boa-fé pelo administrado.
2.9. Princípio da juridicidade
Estado Democrático de Direito pode ser entendido por uma prisma material ou formal. O conceito material de Estado de Direito é aquele que a lei vale para todos, inclusive para o Estado.
Deve se atentar ao fato de que o conceito de Direito é mais amplo que de lei. Isso significa dizer que Estado está vinculado a uma ideia de justiça, ou seja, hoje há uma vinculação não mais a legalidade, mas a juridicidade.
Ressalta-se que o princípio da juridicidade engloba três elementos: o princípio da legalidade, da legitimidade e da moralidade (licitude); se destacando que a juridicidade se refere à “legalidade” em sentido amplo, na medida em que não significa tão-somente a submissão à lei, mas sim à ordem jurídica.
Há também o princípio da responsividade como decorrente do Estado Democrático de Direito, sendo instrumento hábil para o controle da legitimidade. O princípio da responsabilidade está para a legalidade, do Estado de Direito; como o da responsividade está para a legitimidade, do Estado Democrático de Direito.
Dizer que o Estado está vinculado a juridicidade, inclui dizer que o mesmo pode até não cumprir uma lei, desde que esta esteja em desacordo com os princípios constitucionais. Essa é a origem para que o Executivo possa deixar de cumprir lei que repute inconstitucional, assumindo obviamente os riscos.
Em sentido material, o Estado Democrático de Direito é aquele que busca a proteção e a expansão dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.
2.10. Princípio da ampla participação
Significa que não se deseja o administrado participando só da formação do poder, mas da sua dinâmica. A participação política, decorre do princípio da cidadania, e constitui-se como princípio instrumental voltado a realização plena da democracia, a começar pelos termos do artigo 1º, parágrafo único, da Constituição da República. É nessa linha que se estão produzindo as transformações dos modelos simples de democracias representativas em modelos politicamente mais complexos, de democracias participativas.
2.11. Princípio do pluralismo.
Através desse princípio, se reconhece que a sociedade é plural, com características diferentes. Dessa maneira, o Estado deve ter políticas, praticar atos, respeitando as diferenças.
2.12. Princípio da procedimentalização
O Estado, como regra geral, quando praticar atos que atinjam direitos e interesses alheios deve fazer uso do processo administrativo, em que o interessado deve ter tido a oportunidade de se manifestar. Essa é a regra geral, que pode até ter exceção.
Esse princípio ainda tem aplicação limitada à previsão legal.
2.13. Princípio da dignidade da pessoa humana
A doutrina destaca que a supremacia do homem foi traçada há tempos por Protágoras, que o definia “como medida de todas as coisas”. O humanismo redescobriu o princípio, e, na fase pós-moderna, partiu-se para uma valorização como princípio supraconstitucional, fundamento da própria civilização. A precedência lógica e ética sobre o Estado e seus desdobramentos políticos decorrem de sua explicitação com fundamento do Estado Democrático De direito no inciso III, do artigo 1º, da Constituição da República.
3. Conclusão
Foram descritos os mais relevantes princípios aplicáveis ao Direito Administrativo. Conforme de destacou, um princípio não exclui o outro, devendo ser harmonizados. Além disso, o sistema jurídico admite sempre o surgimento de novos princípios e re-interpretações para os velhos. A relevância de se admitir isso é de promover a integração do ordenamento e a correta aplicação do Direito no caso concreto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Parte introdutória, parte geral e parte especial. 15ª edição. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25 ed. Rev. ampl. e atual. Editora Atlas. São Paulo, 2012.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª ed. Malheiros editores. São Paulo, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira e GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Policial Rodoviário Federal. Graduada em Direito, pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduada em Direito Público, pela Universidade Cândido Mendes. Aprovada no Concurso de Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTIAGO, Fernanda Cimbra. Princípios do Direito Administrativo contemporâneo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46006/principios-do-direito-administrativo-contemporaneo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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