Resumo: O tema se relaciona ao processo administrativo disciplinar, o qual, com as reformas administrativo constitucionais, e possibilidade de demissão do servidor mediante simples processo interno, ganhou importância doutrinária e jurisprudencial.
Palavras-chave: Processo Administrativo Disciplinar. Divergência no STJ quanto à estabilidade dos membros da comissão processante (se no cargo ou no serviço público). Relatório da comissão processante. Julgamento. Competência exclusiva da autoridade julgadora. Vinculação ao relatório final da Comissão. Mitigação.
1. Introdução.
O Processo Administrativo Disciplinar é o instrumento interno de controle dos atos praticados por servidores públicos, ou mesmo de qualquer agente que, no exercício de função ou atividade pública, própria ou delegada, vem a infringir normas positivadas na Constituição e na legislação infraconstitucional, em especial, no estatuto do servidor público. Na esfera federal, o procedimento e as respectivas infrações estão tipificadas na lei 8.112/90.
Vale salientar que, diferentemente do direito penal, o qual possui a chamada “tipificação cerrada”, exigindo correlação estrita do ato praticado à infração previamente tipificada, no âmbito sancionador administrativo, a tipificação é mais aberta, de forma que autoriza um juízo valorativo e axiológico mais amplo.
Essa afirmação pode ser constatada por expressões como “exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo”, “ser assíduo e pontual ao serviço”, as quais constam como dever do servidor e respectiva infração no caso de não atendimento, e exigem do intérprete maior capacidade de abstração e ao mesmo tempo concretização para aplicação ao caso em estudo.
Portanto, apenas para exemplificar, “zelo e assiduidade” são expressões que contém carga valorativa axiológica, não possuindo definição uníssona.
Nesse mesmo sentido, orienta o manual de processo administrativo federal[1]:
“A rigor, os ilícitos supracitados contêm inúmeros conceitos jurídicos indeterminados, os quais se caracterizam por não possuir conteúdo preciso e rigidamente delimitado. Dadas as especificidades das inúmeras atividades desempenhadas pelos diferentes servidores públicos, entende-se que não é possível regular de forma exaustiva todas as possíveis irregularidades, sob pena de se comprometer a eficiência administrativa e o dever de boa administração. Para definir o conteúdo e o alcance da norma, o intérprete deve, portanto, se valer de outros atos legais e/ou infralegais que regulam as atribuições e as atividades do órgão ou da entidade a que se vincula o agente público faltoso.”
Assim sendo, de logo se vê que, apesar do caráter vinculado do ato sancionatório administrativo, se admite, em tal âmbito, uma maior liberdade ao julgador na adequação típica/subsunção do ato praticado.
2. Desenvolvimento
Uma vez praticado um ato que importe ofensa à legislação administrativa, é devida a sua apuração, a qual pode ocorrer por meio de sindicância ou de processo administrativo disciplinar.
No âmbito federal, basicamente, a escolha entre os citados procedimentos levará em conta o tipo de penalidade aplicável, isso porque, a sindicância se aplica para infrações que importem em advertência ou suspensão inferior a 30 (trinta) dias, na forma do art. 146 da lei 8.112/90.
Tratando-se de infração que importe em sanção de maior gravidade, tem-se que a apuração se dará por meio de processo administrativo disciplinar (PAD), através de comissão formada por 03 (três) servidores estáveis.
As professoras Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys[2] comentam a importância do requisito da estabilidade com o seguinte exemplo: “Se uma comissão de processo disciplinar ou de sindicância punitiva for composta por dois membros estáveis, e um membro instável, a portaria instauradora dessa comissão é nula, já que inobservou um requisito formal essencial para a validade do ato”.
No mesmo sentido, pela exigência da estabilidade dos integrantes da comissão, a Nota Decor/CGU/AGU Nº 306/2007-PCN, cuja ementa se encontra no manual de prcesso administrativo disciplinar CGU/2015[3], vejamos:
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. PARTICIPAÇÃO DE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO SEM ESTABILIDADE. NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005-ACMG E A INFORMAÇÃO Nº 244/2006- CGAU/AGU. LEI Nº 8.112/90, ART. 149. DIVERGÊNCIA. 1. O entendimento firmado na aludida Nota é que, de acordo com o art. 149 da Lei nº 8.112/90 resta prejudicada não somente a liberação de servidora como também os trabalhos anteriormente efetuados no processo disciplinar em razão de sua não estabilidade no cargo que ocupa. 2. Em sentido oposto, a Corregedoria-Geral, por meio da referida Informação, entende que o Processo Administrativo Disciplinar só é anulado quando há ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 3. Prevalece o disposto na NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005, ou seja, a comissão processante deverá ser composta por servidores estáveis a teor do que dispõe o já referido art. 149 da Lei nº 8.112/90, e também do que impera na jurisprudência do STJ (RMS 6007/DF), sob pena de nulidade do procedimento administrativo disciplinar.
Assim também a Jurisprudência do STJ[4]:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – COMISSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO COMPOSTA POR SERVIDOR NÃO-ESTÁVEL – NULIDADE. O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo faz exigência das qualidades de efetivos e estáveis dos membros das Comissões de Processo Administrativo Disciplinar, impondo-se afirmar, em consequência, a nulidade do processo administrativo disciplinar que não tenha observado a norma em referência. Recurso ordinário parcialmente provido.(STJ - RMS: 24123 ES 2007/0093817-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/05/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 25/05/2009)
Aqui nasce a primeira discussão, a girar em torno na exigência de estabilidade prevista no art. 41 da CF/88, se no cargo que ocupa, ou no serviço público como um todo.
Há precedentes do STJ em ambos os sentidos, contudo, parece prevalecer o entendimento de que a norma se contenta com a estabilidade no serviço público, vejamos:
1 Seção do STJ no MS 17.583-DF exige estabilidade apenas no serviço público e não no cargo que atualmente ocupa.
2 Turma do STJ no AgRg no REsp 1.317.278-PE exige que a estabilidade seja no cargo e no serviço público.
Pois bem, ultrapassada a discussão quanto à estabilidade, tem-se que, instalado o devido processo administrativo, por meio de portaria, dá-se início ao procedimento investigativo, obrigatoriamente estabelecido o contraditório e ampla defesa.
Na órbita administrativo investigativa não há indicação, logo de início, da tipificação relativa ao fato praticado, a portaria instaurativa assim, não comporta maiores divagações acerca do fato ou sua subsunção à tipo legal infringido, posição corroborado pelo STJ, in verbis:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATO DE DEMISSÃO IMINENTE E ATUAL. JUSTO RECEIO EVIDENCIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DE AFROTNA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. (…)
3. A portaria inaugural tem como principal objetivo dar início ao Processo Administrativo Disciplinar, conferindo publicidade à constituição da Comissão Processante, nela não se exigindo a exposição detalhada dos fatos imputados ao servidor, o que somente se faz indispensável na fase de indiciamento, a teor do disposto nos arts. 151 e 161, da Lei nº 8.112/1990.
(STJ – MS 8030/DF, 2001/0158479-7, Relatora : Ministra Laurita Vaz, Data de Julgamento: 13.06.2007, 3ª Seção, Data Publicação: 06.08.2007)
Aqui, se vê uma grande diferença em relação à investigação criminal, quando, já da instauração do inquérito, há expressa menção ao tipo penal, ainda que o Ministério Público possa, mais à frente, no momento da denúncia, alterar a tipificação legal do fato delituoso.
A comissão processante, designada na forma do art. 149 da lei 8.112/90, somente após instrução processual, verificando que a materialidade e autoria, promoverá, ou não, o indiciamento do acusado, sendo que neste último caso, agora sim, se fará necessária menção ao tipo administrativo violado.
Esse entendimento da comissão será submetido ao crivo da autoridade julgadora, agora nasce a segunda questão atinente a este artigo, qual seja, a decisão da autoridade em face do entendimento perfilhado pela comissão processante. É, ou não, possível que a autoridade julgadora discorde da proposta de penalidade ou absolvição da comissão?!
Preliminarmente, observamos que a tônica da questão diz respeito à interpretação do art. 167 da lei 8.112/90, o qual impõe à autoridade julgadora o acatamento do parecer da comissão, essa portanto, é a regra, in verbis:
Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.
§4o Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos.
Todavia, o próprio §4o do citado artigo, em sua parte final estabelece a exceção de que, no caso do relatório apontar pela inocência, se FLAGRANTEMENTE contrária à prova dos autos, poderá a autoridade julgadora discordar do parecer.
Sem querermos restringir demasiadamente a temática, devemos questionar se, a contrário sensu, se aplica a mesma regra, ou seja, no caso de relatório a apontar para a condenação FLAGRANTEMENTE contrária à prova dos autos, não deveria a autoridade julgadora poder divergir da comissão?
Ao que parece, esta é a resposta mais lógica, afinal, aonde há o mesmo direito, se aplica a mesma razão de decidir. Não bastasse, no caso do parágrafo anterior, havendo flagrante ilegalidade no parecer da comissão, cabe ao gestor, com fundamento na legalidade, promover a devida regularização do ato administrativo, forte nas súmulas 346 e 473 do STF.
Tais considerações servem para restringir a temática, ao tempo em que autorizam a autoridade julgadora a concluir nesta ou naquela linha de raciocínio, sem vinculação absoluta, desde que devidamente fundamentada nas provas dos autos, agindo de acordo com os ditâmes impostos pela lei e recomendados pela doutrina e jurisprudência[5].
Essa afirmação parece colidir com o disposto no art. 168 da lei 8.112/90, senão vejamos:
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade. (grifo nosso)
Todavia, se de um lado, o art. 150 da lei 8;112/90 estabelece a liberdade e independência da comissão processante, impedindo assim o dirigismo da autoridade instauradora e julgadora, esta, por sua vez, não se vincula completamente ao relatório confeccionado, podendo inclusive, no caso de haver falhas e/ou discordar do relatório, determinando a reabertura do processo por nova comissão.
3. Conclusão
De tudo o que dito, extraímos que o relatório produzido pela comissão processante não possui caráter vinculante, tampouco é meramente sugestionante, localizando-se como um meio termo, de forma que, embora não vincule o gestor, o não acatamento exige, funamentação adequada e restritiva, ou seja, somente autorizada quando a orientação da comissão for flagrante à prova dos autos, também no caso de condenação contrária à prova dos autos, e não somente como disposto no art. 167 da lei 8.112/90.
4. REFERÊNCIAS
- http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual-pad.pdf
- Lei 8.112/90 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm)
[3]http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual-pad.pdf
[4]http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4129741/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-24123-es-2007-0093817-6
[5] Diz-se que os destinatários das provas são livres para sua apreciação, que é a atribuição de valor aos elementos de convicção carreados aos autos. Compreenda-se que, no entanto, não basta a sua íntima persuasão: é preciso que o resultado do seu convencimento seja racionalmente demonstrado, com fundamentos claros e lógicos. Daí a denominação de livre convicção motivada, lembrando-se, a propósito, que a exigência de motivação é a regra para os atos decisórios administrativos e judiciais. (manual de PAD CGU 2015, pag 135).
Advogado da União. Consultor Jurídico da União no Estado do Acre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Leonardo Toscano de. A divergência no STJ quanto à estabilidade exigida para a comissão processante de PAD e a vinculação da autoridade julgadora ao seu parecer - mitigação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46009/a-divergencia-no-stj-quanto-a-estabilidade-exigida-para-a-comissao-processante-de-pad-e-a-vinculacao-da-autoridade-julgadora-ao-seu-parecer-mitigacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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